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Ana Carolina Delgado Vieira¹, Edson Tosta Matarezio Filho², Paula Aline Durães
Almeida³, Marcia de Almeida Rizzutto³
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V CONGRESSO LATINO AMERICANO DE ARQUEOMETRIA
Slide 1. Harald Schultz em campo, com os Kadiwéu. Foto: Acervo do Museu do Índio/Funai - Brasil.
1943/1944
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Slide 2. Os convidados colocam as paredes da reclusão dentro da casa principal. Foto: Harald Schultz –
Acervo MAE/USP (IE000568)
A festa dura três dias e duas noites e dela participa toda a comunidade. O pai prepara
carnes de caça e pesca, que será dada a alguns convidados – principalmente os mascarados
–, enquanto a mãe e outras mulheres preparam grandes quantidades de bebidas fermentadas.
Dois elementos merecem destaque neste ritual: os instrumentos musicais e as máscaras
(Dorta 2001, p. 429).
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Slide 3. Um homem traz o trompete para a casa onde as iniciadas estão reclusas. Foto: Harald Schultz –
Acervo MAE/USP (IE000957)
O sofrimento durante o ritual de iniciação é mais uma vez imposto às moças: além
do período de reclusão, da obrigação de permanecer acordada durante os três dias de festa,
as jovens ainda têm o seu cabelo arrancado enquanto escutam duros conselhos das mulheres
mais velhas. O ato tem por significado o renascimento de uma nova mulher (Schultz 1962,
p. 22). O arrancamento dos cabelos e a pintura do corpo com tintura de jenipapo equivalem
a uma troca de pele para os Ticuna, o que rejuvenesce as moças que passam pelo ritual
(Matarezio Filho, 2015). Muitas máscaras são a presença de “seres malignos” (ngo’o) que
tenta raptar as moças que estão na reclusão. Estes seres sobrenaturais ameaçam às moças
no período de transição para sua fase adulta e por isso a importância da execução correta
de todos os ritos desta cerimônia de passagem.
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Slide 4. O cabelo das iniciadas é arrancado. Foto: Harald Schultz – Acervo MAE/USP (IE000768)
Slide 5. Segundo a mitologia, o tüerüma é uma árvore encantada que oferece o tururi aos Ticunas. As onças
são donas destas árvores. Desenho: Diodato Otaviano Aiambo (O livro das Árvores).
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Slide 6. Máscaras coletadas por Harald Schultz. Acervo MAE/USP. Fotos: Ader Gotardo.
As batidas no pano continuam, uma vez que este procedimento permite transformar
a matéria-prima em um tecido mais fino e flexível. Após isso, a entrecasca é lavada para
finalizar o processo de flexibilização e colocada ao sol para secar.
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Slide 7. Sequência da preparação da entrecasca. Fotos: Harald Schultz – Acervo MAE/USP (IE000667,
IE000666, IE000665, IE000664)
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Slide 9. Máscara de macaco fazendo gestos sugestivos. Foto: Harald Schultz – Acervo MAE/USP
(IE000784)
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Slide 10. Presentes de carne defumada são oferecidos pelo pai da jovem. Foto: Harald Schultz – Acervo
MAE/USP (IE000830)
Slide 11. Uma menina adornada com jenipapo. Foto: Harald Schultz – Acervo MAE/USP (IE000959)
O registro descritivo deste ritual por Harald Schultz nos comprova que objetos
etnográficos são concebidos muitas vezes para um uso efêmero: uma dança, um ritual e o
uso cotidiano são alguns exemplos da vida social destes materiais. Processos de
deterioração podem ser desencadeados mesmo logo a partir da sua própria concepção.
Feitos de fibras vegetais, tecidos, plumárias, os objetos são manipulados e preparados para
a sua manufatura (Florian, 1990, p. 139). Além da sua trajetória de uso e sua biografia, são
coletados e expostos a uma nova condição quando ingressam nas reservas técnicas dos
museus.
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Slide 12. Homem preparando um tambor para o ritual. Foto: Harald Schultz – Acervo MAE/USP
(IE000674)
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Slide 13. Exemplo de processo de deterioração: acidificação e perda da integridade da fibra vegetal (RG
10048). Foto: Ana Carolina Delgado Vieira.
Não é possível determinar um único agente de deterioração que seja responsável por
este conjunto de sintomas. O grau das deteriorações depende da composição química do
objeto e da ação combinada com agentes de risco tais como forças físicas, luz, temperatura
e umidade incorretas, agentes biológicos e contaminantes diversos.
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Slide 14. Da esquerda para a direita: Entrecasca branca, marrom e vermelha (RG 8559, RG 8615 e RG
8560). Fotos: Ader Gotardo
Para classificar o estado de conservação dos objetos, foram eleitos 4 status: bom,
regular, deficiente e ruinoso. O objeto bom era classificado assim quando ele não possuía
nenhum indício de deterioração. O status regular significava que o objeto estava em
condições estáveis, mas apresentava algum tipo de deterioração. Já a classificação deficiente
nos remetia a um objeto instável e que precisaria ser estabilizado através de uma ação de
restauro. Por fim, o estado ruinoso significa que o processo de deterioração no objeto era
irreversível.
Desprendimento
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Distorções
Enrijecimento das fibras
Manchas
Perdas
Rupturas
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Foram escolhidos pontos da entrecasca sem pinturas para a realização das medições
de EDXRF. Após as medições, os espectros foram analisados com o software WinqXas, e
os resultados foram interpretados qualitativamente através de gráficos de barras para cada
elemento detectado nos diferentes pontos e máscaras medidas.
Slide 16. Análise da entrecasca RG 8617. Foto: Ana Carolina Delgado Vieira
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N de
Grupo Status Ca K Zn Cl S
Tombo
RG 8660 Branco Bom + + + +
RG 8702 Branco Bom + + + +
RG 10715 Branco Deficiente + + +
RG 9954
Branco Deficiente + + + + ++
(2)
RG 9977 Branco Deficiente + ++
RG 8559 Branco Regular + + + +
RG 8585 Branco Bom ++ + + + +
RG 10034 Branco Deficiente + + ++ ++
RG 8615 Marrom Bom + + +
RG 10050 Marrom Deficiente ++ ++
RG 10705
Marrom Deficiente + + +
(2)
RG 7974 Marrom Regular +
RG 7986 Marrom Regular + + + +
RG 7984 Vermelho Bom + + + +
RG 8560 Vermelho Bom +
RG 8575 Vermelho Bom + +
RG 8659 Vermelho Bom + +
RG 7972 Vermelho Deficiente ++
RG 9983 Vermelho Deficiente + ++
RG 8602 Vermelho Regular +
RG 8604 Vermelho Regular + +
RG 8617 Vermelho Regular + +
RG 10048 Vermelho Ruinoso + ++ ++ ++
Nesta análise foram investigados diferentes pontos das máscaras com o objetivo de
identificar os elementos químicos presentes nestes objetos e tentar correlacionar alguns
destes elementos a processos de deterioração que algumas máscaras apresentam. Nas figuras
1, 2 e 3 podemos observar os espectros de XRF obtidas para alguns pontos medidas nas obras,
e os respectivos elementos químicos identificados.
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Fig. 1 Espectro de XRF da obra “RG8560” - região clara - P1 medido com o sistema
portátil de XRF.
Fig. 2. Espectro de XRF medido na obra “RG8585” com o sistema portátil de XRF.
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Fig. 3. Espectro de XRF medido na obra “RG10034” com o sistema portátil de XRF.
Fig. 4. Espectros de XRF de comparação medidos na obra RG8560 (af), RG9977 (bk) e
RG8585 (bl) com o sistema portátil de XRF.
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As análises destes espectros evidenciam os elementos químicos Si,S, Cl, K, Ca, Ti,
Mn, Fe, Zn e Sr. Os elementos Ar e Ag são elementos do arranjo experimental e não da
amostra analisada.
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Slide 18. Inserir Imagens das entrecascas enrijecidas com quantidade alta de Ca – 9954
(2) e 10715
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Status de
Objeto Possui Local de
N de Conservação
Grupo Status pH Ficha Guarda - Intervenções
Tombo - Década de
Catalográfica? Década de 70
70
RG 8660 Branco Bom 5.50 Sim Sótão Bom -
RG 8702 Branco Bom 6.80 Sim Sótão Bom -
"Em 1978 foi limpa e
"O tururi está
RG 10715 Branco Deficiente 6.61 Sim Armário 20 embalada com
danificado"
desinfetante"
RG 9954 (2) Branco Deficiente 5.08 Não - - -
RG 9977 Branco Deficiente 6.00 Não - - -
RG 8559 Branco Regular 5.00 Sim Sótão Bom -
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Os valores do pH medido das entrecascas ficaram entre 3.12 e 6.80. Alguns objetos
registraram um pH abaixo de 5.5, nível este considerado ácido para materiais feitos de fibras
de celulose (British Standards Institute, 1973). Entretanto, estes objetos ainda apresentavam
boas condições de conservação. Objetos com valores mais baixos entre 3.12 e 5.08,
indicando assim um potencial de acidez da fibra, apresentaram condições de conservação
instáveis. Os objetos que foram “limpos e desinfestados”, segundo registros das fichas
catalográficas, registraram pH entre 5.96 e 6.61. Não temos informação da composição
química desta solução de limpeza, mas soluções alcalinas podem degradar a hemicelulose,
podendo causar perda da flexibilidade neste tipo de objetos (JOHNSON, p. 82).
Possivelmente, a composição química destes “desinfetantes” aplicados deveria ser à base
de um composto alcalino residual, uma vez que as medidas do pH nos revelaram esta
característica.
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Funcionários antigos do MAE recordam que tratamentos eram feitos através do uso
de tetracloreto de carbono, fosfina, brometo de metila entre outros compostos comerciais
que não são mais lembrados. Parte da coleção etnográfica ficava acondicionada no sótão do
Museu Paulista, antes da transferência deste acervo para o MAE em 1989. Relata-se que
neste período, as condições eram insalubres e a área era muito infestada por ratos. A
presença de Cl e S pode ser justificada pelos tratamentos químicos preservativos, tais como
estes descritos nesta ficha catalográfica, assim como também a presença do Zn possa indicar
resquícios de pesticidas contra roedores e outras pragas (ODEGAARD 2005).
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A presença dos vários elementos químicos pode estar relacionada ao tipo de solo e
às árvores que cedem a matéria-prima das máscaras. E o excelente exemplo identificado é
o Ca que permitiu separar os três grupos de entrecascas: brancas, marrons e vermelhas.
Slide 24. Máscara RG 10034 classificada como marrom, mas realocada no grupo branco. Foto: Beatriz
Eritheia Guimarães and André Labate Rosso.
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Slide 25. Máscara RG 9977 classificada como deficiente que não registra em sua composição química
nenhum elemento que seja determinante à sua atual condição de conservação, apontando assim uma
possibilidade de dano provocado pelo processo de manufatura ou uso etnográfico. Foto: Beatriz Eritheia
Guimarães and André Labate Rosso.
No caso das máscaras, podemos citar manchas de uso provocadas por tintas
aplicadas ao corpo e rupturas na fibra originadas ainda no seu processo de manufatura,
quando a entrecasca é batida para que seja preparada. O fato de que algumas fibras possam
estar destacadas e mais abertas pode ser um sinal de uso ou mesmo de um processo de
manufatura mais vigoroso que tenha dado esta condição ao objeto.
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Slide 26. Mascarados na festa da iniciação: stress físico provocado por danças e manchas originadas de
pinturas corporais podem afetar a classificação do estado de conservação. Foto: Harald Schultz – Acervo
MAE/USP (IE000930 e IE001046)
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Slide 27. Mascarados e imagem da máscara RG 9954 (2) sendo utilizada na “Festa da Moça Nova” e à
direita, imagem do objeto no MAE/USP. Foto: Harald Schultz – Acervo MAE/USP (IE000942) e Ader
Gotardo.
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Referências
DORTA, Sonia F. & CURY, Marília X. A plumária indígena brasileira. São Paulo: EDUSP,
2001.
FLORIAN, M. L. E. et al. The Conservation of Artifacts Made from Plant Materials. Los Angeles:
The Getty Conservation Institute, 1990.
GRUBER, Jussara G. O livro das árvores. Benjamin Constant, Organização Geral dos
Professores Ticunas Bilíngues, 1998.
MATAREZIO FILHO, Edson Tosa. A festa da moça nova: ritual de iniciação feminina dos
índios Ticuna. Tese- Doutorado. FFLCH / USP, 2015.
ODEGAARD, Nancy et al. Old poisions, new problems: a museum resource for managing
contamined cultural materials. AltaMira Press, 2005.
SCHULTZ, Harald. Hombu: indian life in the Brazilian jungle. Colibris, 1962.
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