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1. Introdução
Onde a mente para e o resto do mundo começa? A questão convida a duas
respostas-padrão. Alguns aceitam as demarcações de pele e crânio, e dizem
que o que está fora do corpo está fora da mente. Outros estão impressionados
com os argumentos que sugerem que o significado de nossas palavras
"simplesmente não está na cabeça", e asseguram que este externalismo sobre
o significado se transfere para um externalismo sobre a mente. Nós
propomos seguir uma terceira posição. Nós defendemos um tipo muito
diferente de externalismo: um externalismo ativo, baseado no papel ativo do
ambiente na condução de processos cognitivos.
2. Cognição Estendida
Considere três casos de resolução de problemas humanos:
(1) Uma pessoa se senta na frente de uma tela de computador que exibe
imagens de várias formas geométricas bidimensionais e é solicitada a
responder a perguntas sobre o ajuste potencial de tais formas em "soquetes"
representados. Para avaliar a forma, a pessoa deve mentalmente girar as
formas para alinhá-las aos soquetes.
(2) Uma pessoa se senta na frente de uma tela de computador semelhante,
mas desta vez pode optar por girar fisicamente a imagem na tela,
pressionando um botão de rotação, ou rodar mentalmente a imagem como
antes. Nós também podemos supor, não irrealisticamente, que alguma
vantagem de velocidade para a operação de rotação física.
1
Professor de Filosofia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba. Líder do Grupo de Pesquisa
Mente, Tecnologia e Informação do CNPq.
Esta versão não teve consulta para autorização dos autores. Ela contém possíveis erros e poderia ser melhor traduzida
com um trabalho mais sério de pesquisa que eu, deliberadamente, não farei. Esta versão é apenas para divulgação
informal.
(3) Em algum momento no futuro cyberpunk, uma pessoa se senta na frente
de uma tela de computador similar. Este agente, no entanto, tem o benefício
de um implante neural que pode efetuar a operação de rotação tão rápida
quanto o computador no exemplo anterior. O agente ainda deve escolher
qual recurso interno usar (o implante ou a boa rotação mental à moda
antiga), pois cada recurso tem diferentes demandas de atenção e outra
atividade cerebral concorrente.
Quanto de cognição está presente nestes casos? Sugerimos que todos
os três casos são similares. O caso (3) com o implante neural parece
claramente estar em pé de igualdade com o caso (1). E o caso (2) com o
botão de rotação desempenha o mesmo tipo de estrutura computacional com
o caso (3), embora ele seja distribuído entre o agente e o computador em vez
de internalizados no agente. Se a rotação no caso (3) é cognitiva, com que
direito contamos o caso (2) como fundamentalmente diferente? Não
podemos simplesmente apontar para a fronteira pele/crânio como
justificação, uma vez que a legitimidade dessa fronteira é precisamente o
que está em questão. Mas nada mais parece diferente.
O tipo de caso que acabamos de descrever não é de forma alguma tão
exótico como pode parecer à primeira vista. Não é apenas a presença de
recursos de computação externos avançados que levanta a questão, mas a
tendência geral de raciocinadores humanos dependerem fortemente de
suportes ambientais. Assim, considere o uso de caneta e papel para executar
uma longa multiplicação (McClelland et al 1986, Clark 1989), o uso de
rearranjos físicos de ladrilhos de letra para solicitar a evocação de palavras
em Scrabble2 (Kirsh 1995), o uso de instrumentos como a bússola náutica
(Hutchins, 1995), e a parafernália geral da linguagem, livros, diagramas e
cultura. Em todos estes casos o cérebro individual realiza algumas
operações, enquanto outras são delegadas a manipulações do meio externo.
Tivessem nossos cérebros sido diferentes, esta distribuição de tarefas sem
dúvida teria variado.
De fato, mesmo os casos de rotação mental descritos nos cenários (1)
e (2) são reais. Os casos refletem as opções disponíveis para os jogadores
do jogo de computador Tetris. Em Tetris, formas geométricas que caem
devem ser rapidamente encaminhadas para uma ranhura apropriada em uma
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Tipo de jogo no qual as palavras são formadas a partir da formação das letras.
estrutura emergente. Um botão de rotação pode ser utilizado. David Kirsh e
Paul Maglio (1994) calculam que a rotação física de uma forma através de
90 graus leva cerca de 100 milissegundos, além de cerca de 200
milissegundos para selecionar o botão. Obter o mesmo resultado por rotação
mental leva cerca de 1000 milissegundos. Kirsh e Maglio continuaram a
apresentar provas convincentes de que a rotação física é utilizada não apenas
para posicionar uma forma pronta para encaixar numa ranhura, mas muitas
vezes para ajudar a determinar se a forma e a ranhura são compatíveis. A
última utilização constitui um caso do que Kirsh e Maglio chamam de uma
ação ‘epistêmica’. Ações epistêmicas alteram o mundo tanto para ajudar e
aumentar os processos cognitivos, como para reconhecimento e busca.
Ações meramente pragmáticas, por outro lado, alteram o mundo porque
alguma mudança física é desejável para seu próprio bem (por exemplo,
colocar cimento em um buraco em uma represa).
A ação epistêmica, nós sugerimos, demanda a propagação do crédito
epistêmico. Se, à medida que enfrentamos alguma tarefa, uma parte do
mundo funciona como um processo que, fosse ele feito na cabeça, nós não
teríamos hesitação alguma em reconhecer como parte do processo
cognitivo, então essa parte do mundo é (assim nós afirmamos) parte do
processo cognitivo. Os processos cognitivos não estão (todos) na cabeça!
3. Externalismo Ativo
Nestes casos, o organismo humano é ligado a uma entidade externa numa
interação bidirecional, criando de um sistema acoplado que pode ser visto
como um sistema cognitivo no seu próprio direito. Todos os componentes
do sistema desempenham um papel causal ativo, e eles regulam
conjuntamente o comportamento do mesmo modo que a cognição
normalmente faz. Se removermos o componente externo a competência
comportamental do sistema vai cair, assim como seria se nós removêssemos
parte do seu cérebro. Nossa tese é que este tipo de processos acoplado conta
igualmente bem como um processo cognitivo, esteja ou não inteiramente na
cabeça.
Este externalismo difere muito da variedade padrão defendida por
Putnam (1975) e Burge (1979). Quando eu acredito que a água é molhada e
meu gêmeo acredita que água gêmea é molhada, as feições externas
responsáveis pela diferença em nossas crenças são distais e históricas, na
outra extremidade de uma longa cadeia causal. Feições do presente não são
relevantes: se acontecer de eu ser cercado por XYZ agora (talvez eu seja
teleportado para Terra Gêmea), minhas crenças ainda se referem a água
padrão, por causa da minha história. Nestes casos, as feições externas
relevantes são passivas. Por causa da sua natureza distal, eles não
desempenham qualquer papel na condução do processo cognitivo no aqui-
e-agora. Isto é refletido pelo fato que as ações realizadas por mim e meu
gêmeo são fisicamente indistinguíveis, apesar de nossas diferenças externas.
Nos casos que nós descrevemos, pelo contrário, as feições externas
relevantes estão ativas, desempenhando um papel crucial no aqui-e-agora.
Porque elas são acopladas ao organismo humano, elas têm um impacto
direto sobre o organismo e sobre o seu comportamento. Nestes casos, as
partes relevantes do mundo estão no circuito fechado (loop), não oscilando
na outra extremidade de uma longa cadeia causal. Concentrarmo-nos neste
tipo de acoplamento nos leva a um externalismo ativo, como oposto ao
externalismo passivo de Putnam e Burge.
Muitos se queixaram que, mesmo se Putnam e Burge estão certos sobre
a externalidade de conteúdo, não está claro que estes aspectos externos
desempenham um papel causal ou explicativo na geração da ação. Em casos
contrafactuais onde a estrutura interna é mantida constante, mas estas
feições externas são alteradas, o comportamento parece exatamente o
mesmo; assim a estrutura interna parece estar fazendo o trabalho crucial.
Nós não julgaremos essa questão aqui, mas notamos que externalismo ativo
não está ameaçado por qualquer problema desse tipo. As feições externas
em um sistema acoplado desempenham um papel ineliminável - se
mantivermos a estrutura interna, mas alterarmos as feições externas, o
comportamento pode mudar completamente. As feições externas aqui são
tão causalmente relevantes como feições internas típicas do cérebro[*].
*[[Grande parte do apelo do externalismo na filosofia da mente pode resultar do apelo intuitivo de externalismo ativo. Os
externalistas muitas vezes fazem analogias envolvendo feições externas em sistemas acoplados, e apelam para a
arbitrariedade das fronteiras entre cérebro e meio ambiente. Mas essas intuições não se coadunam com externalismo
padrão literal. Na maioria dos casos Putnam/Burge, o ambiente imediato é irrelevante; apenas o ambiente histórico conta.
O debate tem focado na questão de se a mente deve estar na cabeça, mas uma questão mais relevante para apreciar esses
exemplos poderia ser: a mente está no presente?]]
Ao abraçar um externalismo ativo, nós permitimos uma explicação
mais natural de todos os tipos de ações. Pode-se explicar a minha escolha
de palavras em Scrabble, por exemplo, como o resultado de um processo
cognitivo estendido envolvendo o rearranjo de azulejos na minha bandeja.
Claro, pode-se sempre tentar explicar a minha ação em termos de processos
internos e uma longa série de "inputs" e "ações", mas esta explicação seria
desnecessariamente complexa. Se um processo isomórfico estava
acontecendo na cabeça, nós não sentiríamos impelidos de caracterizá-lo
desta forma complicada [*] Em um sentido muito real, o rearranjo de
azulejos na bandeja não faz parte da ação; é parte do pensamento.
*[[Herbert Simon (1981), uma vez sugeriu que nós vemos a memória interna como, de fato, um recurso externo sobre a
qual processos internos "reais" operam. "Buscar na memória ", comenta, " não é muito diferente da busca no ambiente
externo. " A visão de Simon, pelo menos, tem a virtude de tratar o processamento interno e o externo com a paridade que
merecem, mas nós suspeitamos que na sua visão a mente vai encolher muito para o gosto da maioria das pessoas. ]]
*[[ Poderia este tipo de raciocínio também permitir algo como as crenças estendidas de "coxartrite" de Burge? Afinal de
contas, eu poderia sempre deferir para o meu médico a tomada de ações relevantes concernentes a minha doença. Talvez
seja assim, mas existem algumas diferenças claras. Por exemplo, quaisquer crenças estendidas seriam baseadas em uma
relação ativa existente com o médico, em vez de em uma relação histórica com uma comunidade linguística. E na análise
corrente, a minha deferência ao médico tenderia a produzir algo como uma crença verdadeira de que tenho alguma outra
doença na minha coxa, em vez de a falsa crença que tenho artrite lá. Por outro lado, se eu usasse peritos médicos apenas
como consultores terminológicas, os resultados da análise de Burge poderiam ser espelhados.]]
REFERÊNCIAS