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A convicção de que o cérebro não se transforma tem três origens principais: o fato

de que os
pacientes com danos cerebrais muito raramente conseguem a recuperação total; nossa
incapacidade
de observar as atividades microscópicas do cérebro vivo ; e a ideia — que remonta
aos primórdiosda ciência moderna — de que o cérebro é semelhante a uma máquina
magnífica. E embora façam
muitas coisas extraordinárias, as máquinas não mudam nem se desenvolvem.

A revolução neuroplástica tem implicações para nossa compreensão de como o amor, o


sexo,
as frustrações, os relacionamentos, o aprendizado, os vícios, a cultura, as
tecnologias e as
psicoterapias, entre outros, mudam nosso cérebro.

Todas
essas disciplinas terão de aceitar o fato de que o cérebro se transforma, que a
arquitetura cerebral
difere de uma pessoa para outra e se altera no decorrer da vida de cada indivíduo.

É pela compreensão dos efeitos negativos e


positivos da plasticidade que podemos verdadeiramente compreender a extensão das
possibilidades
humanas.

Temos sentidos que desconhecemos — até que os perdemos. O equilíbrio é um sentido


que
normalmente funciona tão bem, de forma tão suave, que sequer é relacionado entre os
cinco
descritos por Aristóteles, sendo, então, ignorado por séculos

A ideia do cérebro-máquina inspirou e norteou a neurociência desde que foi proposta


no século
XVII, substituindo concepções mais místicas sobre a alma e o corpo. Os cientistas,
impressionados
com as descobertas de Galileu (1564-1642), que mostrou que os planetas podiam ser
compreendidos como corpos inanimados movidos por forças mecânicas, passaram a
acreditar que
toda a natureza funcionava como um grande relógio cósmico, sujeito às leis da
física, e começaram
a explicar cada ser vivo do ponto de vista mecanicista, inclusive nossos órgãos
corporais, já que
pensavam que também eram máquinas.

William Harvey (1578-1657), que estudou anatomia emPádua, na Itália, onde Galileu
dava aulas, descobriu como nosso sangue circula pelo corpo e
demonstrou que o coração funciona como uma bomba, claramente uma máquina simples.
Logo
muitos cientistas passaram a crer que uma explicação, para ser científica, tinha de
ser mecanicista —
isto é, sujeita às leis mecânicas do movimento.

Infelizmente, porém, a defesa do localizacionismo logo foi exagerada. Deixou de ser


uma sériede correlações intrigantes (observações de que danos em áreas específicas
do cérebro levam à perda
de funções mentais específicas) e passou a uma teoria geral segundo a qual toda
função cerebral
tem apenas uma localização física — uma ideia resumida pela expressão “uma função,
uma
localização”, 7 o que significa que se uma parte sofria danos, o cérebro não podia
se reorganizar
nem recuperar a função perdida.

para
que se recuperassem, os pacientes precisavam ser motivados como seu pai o fora, com
exercícios
que se aproximassem bastante de atividades da vida real

Qualquer dúvida razoável de que os sentidos possam ser reconstruídos foi calada por
um dos
experimentos de plasticidade mais admiráveis de nossa época.

A importância de Paul Bach-y-Rita está no fato de ele ter sido o primeiro de sua
geração de
neurocientistas a entender que o cérebro é plástico e, ao mesmo tempo, aplicar
concretamente esse
conhecimento para atenuar o sofrimento humano. Implícita em todo o seu trabalho
está a ideia de
que todos nascemos com um cérebro mais adaptável, multifuncional e oportunista do
que
pensávamos.

nosso cérebro também


se reestrutura em reação a informações de instrumentos mais simples, como a bengala
de um cego.
Afinal, a plasticidade é uma propriedade inerente ao cérebro desde os tempos pré-
históricos. O
cérebro é um sistema muito mais aberto do que imaginávamos, e a natureza foi muito
longe para
nos ajudar a perceber e apreender o mundo que nos cerca. Deu-nos um cérebro que se
transforma
para sobreviver em um mundo em constante transformação.

Todos nós temos algumas funções cerebrais mais fracas, e as técnicas baseadas na
neuroplasticidade têm um grande potencial para nos ajudar. Nossos pontos fracos
podem ter um
efeito profundo em nosso sucesso profissional, uma vez que muitas carreiras exigem
o uso de
múltiplas funções cerebrais.

Quando os “elos fracos da corrente” são


fortalecidos, as pessoas ganham acesso a habilidades cujo desenvolvimento era
bloqueado e se
sentem enormemente libertadas.

Quando chegamos à adolescência, começa uma


imensa operação de “poda” no cérebro, e, de repente, morrem as conexões sinápticas
e os
neurônios que não foram usados extensamente — um caso clássico do princípio “use ou
perca”.Provavelmente é melhor fortalecer áreas debilitadas enquanto todo esse
patrimônio cortical extra
ainda está disponível.

os exercícios mentais podem ser tão úteis quanto as drogas


no tratamento de doenças graves como a esquizofrenia; a plasticidade existe do
berço ao túmulo; e
é possível obter melhoras radicais no funcionamento cognitivo — como aprendemos,
pensamos,
percebemos e nos lembramos — mesmo nos idosos.

quando
tocava certas partes do cérebro, suscitava lembranças de infância há muito perdidas
ou cenários
oníricos — o que implicava que as atividades mentais superiores também eram
mapeadas no
cérebro.

a forma de nossos mapas cerebrais muda de acordo


com o que fazemos durante a vida.

costuraram a pálpebra de um filhote durante esse período crítico, para que o olho
não
recebesse estímulo visual. Quando abriram o olho costurado, descobriram que as
áreas visuais no
mapa do cérebro, que normalmente processariam o input do olho fechado não tinham se
desenvolvido, deixando o gatinho cego daquele olho pelo resto da vida. Claramente,
durante o
período crítico, o cérebro de filhotes de gato era plástico: sua estrutura
literalmente se formava por
meio da experiência.

A parte do cérebro do gato que tinha sido privada de


input do olho fechado não continuou ociosa. Começara a processar input visual do
olho aberto,
como se o cérebro não quisesse desperdiçar nenhum “terreno cortical” e tivesse
encontrado uma
maneira de se reprogramar — outra indicação de que o cérebro é plástico no período
crítico.

Os cientistas logo mostraram que outros sistemas cerebrais exigiam


estímulos ambientais para seu desenvolvimento. Também parecia que cada sistema
neural tinha um
período crítico diferente, ou janela de tempo, durante o qual ficava especialmente
plástico e sensível
ao ambiente e tinha um desenvolvimento rápido e formativo.

O desenvolvimento da linguagem,
por exemplo, tem um período crítico que começa na infância e termina entre os 8
anos e a
puberdade. Encerrado esse período, a capacidade de uma pessoa de aprender uma
segunda língua
sem sotaque é limitada. Na realidade, outras línguas aprendidas depois do período
crítico não são
processadas na mesma parte do cérebro que processa a língua materna.

“O mapeamento de um dia pode


não ser mais válido no dia seguinte.”
Os mapas eram dinâmicos.

A natureza competitiva da plasticidade afeta a todos nós. Há uma interminável


guerra de
nervos acontecendo dentro do cérebro de cada um. Se pararmos de exercitar nossas
habilidades
mentais, não só nos esquecemos delas: o espaço no mapa cerebral para essas
habilidades é entregue
às habilidades que praticamos.
A plasticidade competitiva também explica por que é tão difícil romper ou
“desaprender” nossos
maus hábitos. A maioria de nós acha que o cérebro é um recipiente e que aprender é
colocar
alguma coisa nele. Quando tentamos romper um hábito ruim, pensamos que a solução é
colocar
alguma coisa nova no recipiente. Mas quando aprendemos um hábito ruim, ele assume
um mapa
do cérebro e, a cada vez que o repetimos, ele reivindica mais controle do mapa e
impede que os“bons” hábitos façam uso desse mapa. É por isso que “desaprender”
costuma ser muito mais difícil
do que aprender, e por isso a educação no início da infância é tão importante — é
melhor acertar
cedo, antes que o “hábito ruim” consiga uma vantagem competitiva.

Quando afirmamos que um mapa cerebral é topograficamente organizado, queremos dizer


que
o mapa é ordenado como o próprio corpo. Por exemplo, nosso dedo médio fica entre o
indicador e
o anular. O mesmo é válido para o mapa cerebral: o mapa do dedo médio fica entre o
mapa do
indicador e o do dedo anular. A organização topográfica é eficiente porque graças a
ela partes do
cérebro que costumam trabalhar juntas ficam vizinhas no mapa cerebral, e assim os
sinais não têm
de viajar muito no cérebro.

A questão para Merzenich era: como essa ordem topográfica surge no mapa cerebral?
28 A
resposta a que ele e sua equipe chegaram foi engenhosa. Uma ordem topográfica surge
porque
muitas de nossas atividades diárias envolvem sequências repetidas numa ordem fixa.
29 Quando
pegamos um objeto do tamanho de uma maçã ou de uma bola de beisebol, normalmente
oseguramos primeiro com nosso polegar e nosso indicador, depois passamos os outros
dedos em
volta dele, um por um. Como o polegar e o indicador em geral tocam o objeto quase
ao mesmo
tempo, mandando seus sinais para o cérebro quase simultaneamente, o mapa do polegar
e do
indicador tendem a se formar próximos no cérebro

O que é extraordinário durante o período crítico do córtex é que ele é tão plástico
que sua
estrutura pode ser alterada pela exposição a novos estímulos. Esta sensibilidade
permite que os
bebês e as crianças pequenas captem sem esforço novos sons e palavras durante o
período crítico do
desenvolvimento da linguagem, simplesmente ouvindo os pais falarem; a mera
exposição leva os
mapas cerebrais a estruturarem as mudanças.

É difícil imaginar que as pessoas — apesar de todas as consequências — não venham


a ser atraídas para uma tecnologia que torne relativamente fácil dominar
informações sobre ciência,
história ou uma profissão bastando que sejam expostas a elas brevemente.

conseguiram voltar o relógio do funcionamento cognitivo das pessoas:


suas lembranças, capacidade de solução de problemas e habilidades de linguagem
rejuvenesceram.

Os sapatos são plataformas relativamente


planas que dispersam os estímulos, e as superfícies em que andamos são cada vez
mais artificiais e
perfeitamente planas. Isso nos leva à perda da diferenciação dos mapas das solas
dos pés e à
limitação do tato como guia no controle dos pés. Depois podemos começar a usar
bengalas,
andadores ou muletas ou depender dos outros sentidos para nos equilibrar.
Recorrendo a essas
compensações em vez de exercitar nossos sistemas cerebrais declinantes, nós
aceleramos seu
declínio.

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