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NEUROCIÊNCIA

As especialistas também lembram o papel importante da emoção no aprendizado.


“A emoção está no início do processo de decisão e é determinante na atenção”,
diz Elvira. Ela afirma que estudos recentes sobre o funcionamento cerebral
mostram que emoções vividas em experiências passadas influenciam mais na
tomada de decisão do que o raciocínio sobre a situação de momento. A
experiência da emoção viria antes da consciência da ação.
Nesse sentido vale lembrar que, embora pareça que o professor estipula o que vai
ensinar e o que não vai ensinar, o aluno é quem decide se quer ou não aprender.
Se a turma parece desmotivada, o professor precisa rapidamente acionar
estratégias para conquistar aqueles neurônios, redimensionando a atividade,
mudando a pergunta, negociando com os estudantes. “Nós estaremos onde o
nosso sistema emocional estiver, portanto estratégias curriculares com fatos que
propiciem emoção devem ser pensadas para a sala de aula”, atesta Adriessa.

CINCO LIÇÕES DA NEUROCIÊNCIA PARA A SALA DE AULA


Veja o que as pesquisas apontam sobre como funciona o cérebro que aprende

1) A emoção reforça os caminhos neurais


O cérebro evoluiu para preservar conteúdos que tenham acervo emocional.
Quanto mais vezes a amígdala (porção cerebral associada às emoções) for
ativada em uma experiência, maiores serão as chances de um evento ser
guardado. A proposta, portanto, é balancear o aprendizado “racional” com
aspectos da vida cotidiana e sentimental do aluno.
2) Sono ajuda na aprendizagem
Diferentes regiões do cérebro são restauradas pelo sono e dependem dele.
Crianças bem descansadas mentalmente, que tiveram um sono reparador, terão
melhor desempenho na sala de aula a curto e a longo prazo. Algumas pesquisas
indicam que o início mais tardio das aulas no período da manhã é uma opção
interessante para adolescentes em particular, com expressiva melhora no
aprendizado e na interação social.

3) O cérebro é plástico
Por si, sem cirurgias nem medicamentos, o cérebro tem a capacidade de se
transformar. Essa neuroplasticidade permite que adquiramos novas habilidades se
bem estimulados. No livro O Cérebro Que se Transforma, Norman Doidge relata
vários casos de pessoas que, submetidas a técnicas baseadas na
neuroplasticidade, conseguiram avançar em áreas nas quais “patinavam”.
4) Organização da sala influencia
Pesquisa mostrou que duas crianças interagem melhor face a face. Se você mudar
a posição delas e pedir que conversem olhando para o restante da classe, o
desempenho e a sincronia cerebral são menores porque se perde a empatia que
“amarrou” os dois cérebros. “Isso é interessante porque a posição das crianças na
sala é uma variável que precisa ser considerada na Educação”, afirma Roberto
Lent. Daqui a cinco a dez anos, completa ele, a neurociência poderá dar
sugestões sobre a geometria da sala de aula.

5) Cérebro do professor e do aluno sincronizam-se


O neurocientista Roberto Lent, no livro O Cérebro Aprendiz, trata da plasticidade
transpessoal, a sincronia entre um cérebro e outro. Ele e sua equipe
acompanharam o cérebro de quatro universitários durante uma aula teórica
expositiva. Dividiram os 40 minutos da aula em quatro blocos de 8 a 10 minutos
e descobriram que só houve sincronia na atividade cerebral dos quatro estudantes
durante o primeiro bloco. Nos demais, os cérebros se ativaram de forma
diferente. Uma das hipóteses: depois dos 10 minutos, cada um pensou em algo
diferente.
NEUROMITOS E NEUROVERDADES
Ideias nascidas de dados neurocientíficos que foram, ou não, comporados

Usamos apenas 10% do nosso cérebro


Mito.
Neurocientistas lembram que aproveitamos o órgão totalmente. Um simples abrir
e fechar de mãos implica absorver bem mais de 10% dele. Mesmo quando o
corpo está em total estado letárgico, o cérebro continua na ativa, controlando
funções como atividade cardíaca, respiração e memória. Outro indício de pleno
uso é o de que, quando qualquer célula nervosa deixa de funcionar, ela
automaticamente se degenera e morre ou é colonizada por áreas vizinhas. Nosso
corpo sabe disso, então não dá folga ao cérebro. Sabe que é vital.
É preciso estimular o máximo de aprendizagem nos três primeiros anos de
vida
Mito.
A teoria, aqui, é a de que os três primeiros anos seriam os mais ativos e mais
passíveis de mudanças cerebrais pelo tanto de sinapses ocorridas nesse período.
Isso desencadeou certa overdose de estímulos sobre as crianças. Seria nesse
momento ou nunca mais. Sabe-se hoje que, com o tempo, ocorre a filtragem
dessas conexões e a criação de outras durante a adolescência, que envolvem
tomada de decisões, ponderação de riscos e raciocínio abstrato, por exemplo.
O valor pedagógico dos videogames
Mito.
São elementos muito utilizados em educação e defendidos por vários, mas,
segundo o neurocientista Roberto Lent, não há evidência de que tenham valor
educativo, mesmo aqueles que se apresentam com essa intenção. Ele fala
especialmente de games disponíveis pelo celular.
Tanto faz a língua
Verdade.
Chinês, francês, hebraico. Não importa a língua (se alfabética ou ideográfica)
nem a ordem da escrita (da esquerda para a direita ou vice-versa). O cérebro usa
a mesma área para a leitura.
Um cérebro danificado pode se reorganizar.
Verdade.
A plasticidade do cérebro, ou seja, sua maleabilidade, permite que ele se
rearranje de tal forma que uma parte só possa assumir a função de uma que foi
comprometida. Crianças com problemas de aprendizado podem adquirir ou
readquirir habilidades, desde que bem orientadas e estimuladas. Com o passar do
tempo, a flexibilidade do cérebro diminui, mas não necessariamente se extingue
– vide a recuperação de que quem, por causa de acidentes vasculares cerebrais,
perdeu certos movimentos.
Entrevista: Cristina dos Santos Cardoso de Sá

O papel da memória na aprendizagem


Segundo a neurocientista, não desaprendemos o que teve significado e foi
guardado na memória de longa duração

NOVA ESCOLA Como funciona a memória?


CRISTINA DOS SANTOS CARDOSO DE SÁ Se a aprendizagem é o
processo de aquisição de qualquer informação, a memória é a retenção dessas
informações. Ela pode ser sensorial, de curto prazo e de longo prazo. A sensorial
é transitória e dura segundos, quando o percebido não parece assim tão útil. A de
curto prazo é algo mais perene, como o número da vaga de um estacionamento
no shopping, que você normalmente descarta do cérebro quando sai do prédio,
juntamente com o ticket. Já a de longa duração pode durar meses, anos ou a vida
toda. Um bom exemplo: andar de bicicleta. Você pode ficar 10 anos sem andar,
que tem armazenada aquela memória motora. Na hora em que for exposta ao
estímulo novamente, a habilidade vem à tona. Pode perder em desempenho, mas
o programa está lá.
NE O que seria a memória declarativa?
CSCS A declarativa é a memória consciente. Está relacionada a informações e ao
que fazer. Eu digo “11 de setembro de 2001” e você logo se lembra do fato e de
onde estava nesse dia. A não declarativa é o “como”. Se eu lhe perguntar como
se anda de bicicleta, você vai dizer “não sei, eu subo e pedalo”. Ou então vai
sentar no banco e pedalar para me mostrar como se faz. São reações
condicionadas, que muitas vezes precisam de bastante repetição. No caso da
declarativa, às vezes com uma única repetição a pessoa já aprende. Vai depender
do grau de importância que a informação tem.
NE A alfabetização, então, é declarativa?
CSCS Sim, e, dentro da declarativa, é uma memória semântica. Se a criança
aprendeu a ler e escrever, vai guardar o aprendido para a vida toda porque isso
tem um significado para ela, sabe que precisa disso para se comunicar. Já quando
o significado é fraco, ela acaba esquecendo. Algumas crianças têm dificuldade
em matemática porque, tirando as operações de soma e subtração, não sabem a
aplicação palpável disso no dia a dia. Se no meu aprendizado de matemática eu
tivesse recebido essa noção pragmática, entenderia melhor alguns dados
estatísticos, por exemplo.
NE A memória também tem seus momentos certos?
CSCS O cérebro da criança é uma esponja, mas tem limite. Aos 7 anos, ela
consegue gravar na memória de curta duração um número de seis dígitos, por
exemplo. Mais que isso, é difícil.
Cristina dos Santos Cardoso de Sá é professora da Unifesp e doutora em
neurociência do comportamento
Ilustrações: Bárbara Malagoli

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