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Entender o cérebro para educar melhor

Entrevista com NADIA A. BOSSA

Os estudos empreendidos pelas neurociências são de grande importância para a educação de crianças
pequenas, pois permitem compreender o funcionamento do cérebro humano e, assim, proporcionar
um melhor cuidado aos bebês. Hoje é possível entender as bases científicas de algumas práticas que
dão resultado e saber por que outras não devem ser adotadas, traçando um mapa para que os
educadores possam guiar-se e oferecer aos pequenos os recursos mais adequados à sua formação.

Nesta entrevista, a psicopedagoga Nadia Bossa discute algumas das contribuições das neurociências
para a compreensão do funcionamento do cérebro e sua aplicação na educação infantil. Especialista
em neuropsicologia e doutora em Psicologia e Educação, ela foi professora da PUC-SP e de outras
instituições de ensino superior. Atualmente, dirige a Clínica CEAP — Centro de Estudos e
Atendimento Psicopedagógico, em São Paulo, e participa como professora colaboradora na
elaboração de projetos de cursos de graduação e pós-graduação nas áreas da pedagogia, psicologia e
psicopedagogia em universidades de vários estados brasileiros.

As neurociências vêm ganhando espaço na compreensão dos processos de aprendizagem das


crianças. Como a senhora vê esse movimento?

Vejo como uma possibilidade de constatar empiricamente alguns pressupostos já estabelecidos pela
análise cognitivo-comportamental, bem como o desenvolvimento de novas metodologias de ensino e
intervenção a partir dos achados das neurociências. Ou seja: a correspondência entre determinado
tipo de estímulo e a resposta cerebral, em certa medida, já é conhecida pelas teorias que se baseiam
na análise experimental do comportamento. Porém, com as neurociências e os equipamentos não
invasivos, como a ressonância magnética funcional (RMF), as possibilidades de observar o
funcionamento cerebral in vivo ampliam a nossa compreensão sobre os processos mentais, clareando
a relação entre cérebro, comportamento e cognição.

Como as neurociências podem contribuir para qualificar a educação, sobretudo a dos bebês?

Uma vez que o cérebro é mais bem-mapeado pelos achados das neurociências, é possível planejar
com maior margem de acerto a educação da criança em todas as etapas do desenvolvimento. Por
exemplo, se as pesquisas com RMF revelam quais áreas cerebrais estão envolvidas na atividade da
linguagem, podemos tornar o dia a dia das crianças de 1 a 2 anos muito mais rico do ponto de vista
de estímulos e brincadeiras apropriados para ativar as áreas cerebrais que participam da linguagem.
Essas pesquisas trazem novidades, como a indicação de que permitir que a criança brinque de correr
contribui para um bom desenvolvimento da linguagem. Esta é apenas uma das inúmeras
contribuições que podemos enumerar sobre as contribuições das neurociências no que se refere
especificamente à educação dos bebês.

Existe um entendimento de que os neurônios, uma vez estimulados, mesmo que por algum
tempo não o sejam, nas ocasiões em que forem solicitados voltam a agir. O que isso tem a ver
com o trabalho desenvolvido com bebês nas escolas infantis?

Estimular os neurônios dos bebês representa dar início a inúmeras atividades mentais. Os circuitos
neurais por elas responsáveis são estabelecidos nessa fase e perduram para toda vida, ou seja, uma
vez estimulados, formam redes neuronais que darão início a determinadas atividades mentais e
subsidiarão outras. Por exemplo: estímulos que ativam a memória, como a repetição sistemática de
determinada brincadeira, darão início ao trabalho da memória, bem como da atenção e da
concentração, estabelecendo as bases biológicas para o desempenho dessas habilidades mentais e
para o seu aperfeiçoamento.

Qual a importância de uma intervenção qualificada junto aos bebês no sentido de ampliar e
ativar os neurônios que atuam em diferentes áreas do conhecimento?

A importância reside no fato de que, uma vez estimulada de forma adequada, a mente do bebê
poderá ter suas potencialidades ampliadas. Quando digo de “forma adequada”, quero dizer sem
submeter o bebê a um estresse. Se promovermos uma educação que contemple equilibradamente a
estimulação de todas as competências mentais, repetindo a cronologia da filogênese, tanto quanto da
ontogênese, certamente estaremos contribuindo para um maior número de sinapses em um espaço de
tempo menor. Logo, teremos estabelecidos muito mais circuitos neuronais do que teríamos em uma
circunstância natural, não planejada.

Como isso pode ser feito na prática?

Na prática, significa analisarmos o caminho percorrido pela espécie e o desenvolvimento das várias
aprendizagens do bebê, elaborando programas para o favorecimento de tais habilidades. Desse modo,
se passamos de peixes a répteis e assim por diante, é muito importante enriquecer as experiências do
bebê na água, passando em seguida a colocá-lo de bruços para que posteriormente ele se arraste,
engatinhe, se sustente e ande sem pular nenhuma etapa. Devemos ainda estimular sua discriminação
auditiva com a repetição sistemática de determinados sons da natureza, iniciando pelo som da água, a
seguir dos pássaros, das aves, de vozes humanas, etc. Depois devemos associar o som à imagem e
então ao nome. Enfim, o segredo está na exata reprodução do que se processou na natureza ao longo
de milhares de anos e que foi modificando a estrutura cerebral da nossa espécie.

Qual a importância da organização dos espaços a fim de propiciar experiências significativas


na perspectiva das neurociências?

No cérebro, o mundo é construído como resultado da experiência. Cada experiência é integrada em


um todo organizado e coerente com o externo que está sendo incorporado, resultando em
aprendizagem permanente. Cabe lembrar que a aprendizagem pode ser “errada” ou “disfuncional”,
isto é, nem sempre aprendemos o certo ou da melhor forma. Por exemplo, em um contexto no qual o
mundo externo é desorganizado, o cérebro incorporará esse “estado de coisas” como critério de
compreensão e organização dos conteúdos mentais.

E qual a influência dos espaços sobre a nossa mente?

A nossa mente constrói desde cedo uma “teoria” acerca de como o mundo é para o indivíduo. Essa
teoria é complexa e corresponde à síntese de toda experiência vivida. Então, pela experimentação,
desenvolvemos as nossas teorias sobre o mundo. Elaboramos hipóteses sobre as pessoas, os fatos, os
fenômenos, enfim, sobre a vida, e testamos, modificamos, alteramos, confirmamos, confrontamos ou
não essas hipóteses através de experimentos. Assim se dá o processo de aprendizagem na perspectiva
das neurociências. Logo, a organização dos espaços propicia critérios de organização do pensamento.
Por exemplo: quando pergunto a uma pessoa por que ela decidiu guardar determinada peça de roupa
em uma dentre as várias gavetas que ela poderia ter escolhido, sua resposta revela quais os critérios
de organização que regem o seu pensamento. Da mesma maneira, quando pergunto a uma criança
por que guardou o brinquedo ou o lápis em determinado local, sua resposta indicará o que ela está
incorporando sobre o espaço de suas vivências. Essa construção corre em processo longo e contínuo
e tem influências biológicas na primeira infância, já que atua diretamente sobre o lobo pré-frontal.

O que as escolas infantis devem saber e fazer para utilizar esse conhecimento a favor da
aprendizagem das crianças desde bebês?

As escolas devem ter esse conhecimento a respeito de como ocorrem os fenômenos mentais no
processo de aprendizagem humana, do ponto de vista da resposta do substrato orgânico (cérebro) na
interação com o meio ambiente, para elaborar seu plano pedagógico. Muito do que é importante e
viável para promover um bom desenvolvimento infantil já está presente no ideário pedagógico das
boas escolas, porém até agora não havia clareza acerca das verdadeiras razões para esse fazer, o que
muitas vezes acabava por impedir um aprimoramento dos métodos e até mesmo levava a
negligenciar alguns passos fundamentais nesse processo.

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