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NEUROPSICOLOGIA

Rita Fernandes

ANO LETIVO 2017/2018


MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA

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Neuropsicologia

1. Introdução à Neuropsicologia Cognitiva

2. Neuropsicologia da Memória

3. Neuropsicologia da Visão

4. Neuropsicologia da Linguagem

5. Neuropsicologia da Ação

6. Neuropsicologia da Emoção

7. Neuropsicologia da Atenção

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1. Introdução à Neuropsicologia Cognitiva
A neuropsicologia cognitiva é considerada um ramo da psicologia cognitiva e não
da neuropsicologia. Isto porque a neuropsicologia cognitiva foca-se na mente e a
neuropsicologia foca-se no cérebro.
Entre a psicologia cognitiva e a neuropsicologia cognitiva a diferença é que
psicólogos cognitivos estudam as funções cognitivas de participantes saudáveis para
entender melhor como funciona o sistema cognitivo normal; e a neuropsicologia
cognitiva, usa os dados de pacientes com distúrbios ou lesões para entender como
o sistema cognitivo normal funciona.

Psicologia Cognitiva Neuropsicologia Cognitiva

 Pacientes normais; VS  Pacientes com lesões;


 Entender o funcionamento do  Entender o funcionamento do
sistema cognitivo normal; sistema cognitivo normal;

A neuropsicologia cognitiva não está necessariamente focada no tratamento ou


reabilitação, visto que o objetivo principal é estudar o sistema cognitivo normal.
A mente e o cérebro podem ser vistos como dois diferentes níveis explicativos
da mesma função:

 E.g. a memória pode ser descrita em termos cognitivos (codificação de


memória, armazenamento e recuperação) e em termos neurais (redes
neurais, conexões sinápticas,…);
Além disso, é possível dizer-se algo sobre a mente com base em lesões cerebrais,
sem saber exatamente onde é que a lesão está especificamente no cérebro.

1.1 Modularidade
Fodor (1983) descreveu as características típicas da modularidade:

 Especificidade-Domínio – Significa que os módulos processam somente um


determinado tipo da entrada da informação e nenhumas outras entradas;

 Especificidade Inata – Significa que os módulos são geneticamente


determinados e não algo que adquirimos durante a vida;

 Os módulos são encapsulados informalmente a partir de informações fora


do módulo, tais como as expectativas de uma pessoa, presunções, crenças
ou desejos;

 Rapidez e automatização do processamento

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1.1.1 Teoria hipotética do reconhecimento visual
Pode consistir em três módulos:

 Módulo de análise de características visuais;


 Módulo de reconhecimento visual;
 Módulo de sistema semântico;
Todos estes módulos recebem uma entrada e produzem uma saída que é
enviada para o próximo módulo para processamento adicional.
Aqui presume-se que o módulo de reconhecimento visual é necessário para todo
o reconhecimento de objeto visual. Uma previsão seria, portanto, que se o módulo
de reconhecimento visual está danificado, o paciente não seria capaz de reconhecer
qualquer objeto visual.
No entanto, há pacientes que podem reconhecer todas as coisas exceto faces; e
outros pacientes que podem reconhecer todas as coisas, exceto palavras ou objetos.
Esta tripla dissociação implicaria que a teoria inicial está errada, e que existem três
diferentes módulos de reconhecimento visual para faces, objetos e palavras.

1.2 Pressupostos

1.2.1 Modularidade Funcional

 Pressuposto: A cognição consiste em configurações de módulos;


 É importante porque a neurofisiologia cognitiva tenta descobrir os módulos
cognitivos que compõem a arquitetura funcional da cognição;

1.2.2 Modularidade Anatómica

 Pressuposto: Os módulos funcionais estão localizados em módulos


anatómicos;
 É importante porque se, por exemplo, os módulos funcionais fossem todos
espalhados e misturados pelo cérebro, uma lesão localizada provavelmente
não danificaria um módulo específico.

1.2.3 Uniformidade da Arquitetura Funcional entre Pessoas

 Pressuposto: Todos têm a mesma arquitetura funcional dentro do mesmo


domínio;
 É importante porque de outra forma não seria possível generalizar os
resultados a partir de pacientes únicos em relação à população em geral.

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1.2.4 Subtratividade

 Pressuposto: Os sistemas cognitivos danificados podem perder módulos,


mas não adicionar novos módulos;
 É importante porque de outra forma seria impossível dizer qualquer coisa
sobre o sistema cognitivo normal ao estudar sistemas danificados;

1.3 Abordagens
Para fazer inferências dos dados e informar a teoria, é necessário comparar os
défices dos pacientes com a teoria e verificar se danos nos módulos na teoria
explicam os défices do paciente.

 Se os dados do paciente puderem ser explicados pela teoria, então os dados


suportam a teoria.
 Se os dados não forem explicados pela teoria (ou seja, inconsistentes), então
os dados refutam a teoria.

Há três tipos de dados provenientes de pacientes com lesões cerebrais:

Tipo Definição Exemplos


Se o paciente A é
Associações incapaz de realizar as -
tarefas X e Y.
Pacientes com afasia de
Se o paciente A não Broca mostram défices na
conseguir realizar a produção de linguagem,
Dissociações Simples
tarefa X, mas mas apresentam uma
conseguir a Y. compreensão de linguagem
normal
Pacientes com afasia de
Wernicke têm uma
Se o paciente A não
produção de linguagem
consegue realizar a
normal, mas a compreensão
tarefa X, mas consegue
está comprometida.
Dissociações Duplas a Y e o paciente B não
Assim, os pacientes com
consegue realizar a
afasia de Broca e os que têm
tarefa Y, mas consegue
afasia de Wernicke, em
a X.
conjunto, mostram uma
dissociação dupla.

NOTA: As dissociações duplas são as evidências mais fortes para dois módulos que
têm funções diferentes;

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Um síndrome é um conjunto de sintomas que geralmente co-ocorrem quando
determinada região cerebral está lesionada. A abordagem de estudo baseada em
síndromes procura vários pacientes que apresentam a mesma síndrome de
sintomas. No entanto, a amostra de pacientes terá diferentes combinações de
módulos afetados e consequentemente síndromes com ligeiras diferenças de
sintomas entre si. Portanto, é melhor utilizar estudos de caso para tentar
compreender padrões individuais de sintomas.

1.4 Estímulos, materiais e tarefas utilizadas

Realizam-se avaliações neuropsicológicas para avaliar que capacidades


cognitivas estão intactas e quais estão comprometidas. É comum recorrer-se a
grandes baterias de testes que focam diferentes funções cognitivas e que têm
componentes específicos para avaliar tipos diferentes dessas funções. Os dados
obtidos são depois comparados com os resultados da população geral.

 Estímulos visuais sem significado – Podem ser


utilizados para estudar o processamento visual
sem verbalização nem semântica;

 Estímulos visuais com significado – Utilizados


para dissociar entre a verbalização e o
reconhecimento do significado;

 Matrizes Progressivas de Raven – Utilizam vários padrões


e símbolos como medida de inteligência geral, sem a
influência de fatores culturais ou diferenças educacionais.
Neste teste é necessário selecionar a parte que falta de
cada matriz tendo em conta o padrão das partes intactas
da mesma;

 Quimeras e estímulos deteriorados – Utilizados


em capacidades de discriminação percetual mais
finas;

 Estímulos auditivos
o Sons de animais ou de ferramentas – utilizados para avaliar o
reconhecimento;
o Discurso, palavras e letras – utilizados para avaliar funções da
linguagem;
o Listas de números ou de letras – utilizados para avaliar a memória;

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 Estímulos verbais – utilizados para avaliar funções da linguagem e ao mesmo
tempo permitem que se controlem variáveis como a frequência lexical, o
número de letras ou de sílabas, ou o grau de abstração dos conceitos
utilizados;

 Tarefa “Wisconsin Card Sorting Task” –


Utilizada para avaliar a flexibilidade cognitiva.
Esta tarefa depende de muitas funções
executivas. Para realizar esta tarefa, é
necessário perceber a qual das quatro cartas
corresponde a quinta carta retirada baralho;

 Figura Complexa de Rey – Um teste que pode


ser utilizado para medir várias funções
diferentes, como por exemplo memória de
trabalho, memória de longo prazo,
processamento espacial e visual. Para realizar
esta tarefa, primeiro efetua-se a cópia direta da
figura enquanto a vemos, de seguida sem a ver
(recordação imediata) e posteriormente, passado um intervalo de tempo
desenha-se novamente a figura de memória (recordação diferida);

 Teste das Pirâmides e Palmeiras – Permite avaliar


a memória semântica. Nesta tarefa são
apresentadas três imagens (por exemplo olho,
orelha e óculos) e é necessário dizer qual é o par
de imagens que está relacionado semanticamente
(ex.: o olho e os óculos);

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2. Neuropsicologia da Memória
A memória permite-nos aprender com a nossa experiência passada,
compreender o presente, integrando a experiência no “aqui e agora” e planear o
futuro tendo em conta essa mesma experiência.
Sem memória passamos a vida a experienciar eventos solitários, sem ligação
entre si. Não somos capazes de integrar os vários eventos, por inexistência de
conhecimento prévio armazenado e vivemos os acontecimentos mais comuns como
se de novas experiências se tratassem, dia-após-dia. Sem memória não sabemos
quem somos, no sentido em que não temos armazenada informação sobre os vários
eventos, pelos quais passámos, e que constroem a nossa identidade.
O esquecimento também faz parte da capacidade adaptativa pois sem ele
teríamos para sempre uma tremenda dificuldade de adaptação ao ambiente.
A neuropsicologia da memória procura explicar as perturbações de memória e
compreender os défices que se verificam quer na aprendizagem quer na capacidade
de recordação. A neuropsicologia da memória procura também compreender de
que forma os padrões observados no défice nos informam sobre o normal
funcionamento de processos mnésicos intactos.
A característica fundamental da memória e que distingue este processo cognitivo
de pensamentos e emoções é a sua dimensão temporal.
Hering (1870) refere que sem a sua dimensão temporal a memória seria um
conjunto desintegrado de momentos. Também Ebbinghaus (1885) dá nota da
dimensão temporal da memória quando propõe a distinção entre memória de curto-
prazo e memória de longo-prazo.

2.1 Processos Mnésicos


Platão sugere uma analogia entre os processos mnésicos e um aviário:

 Adquirir uma nova memória (Registo) é como acrescentar um pinto novo;


 Recordar é como apanhar o mesmo pinto no meio de todas as outras
galinhas;
 Se o pinto foge, nunca mais o conseguimos apanhar ou talvez consigamos
mais tarde (Retenção).

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Estes três processos constituem os 3 R’s da memória:
a) Registo/Codificação – Processamento da informação percebida via canais
sensoriais, no qual a informação sensorial é convertida para uma forma
amodal para que possa ser retida em memória. O registo pode ser modular,
superficial (sensorial) ou profundo (semântica), dependendo do tipo de
processamento.

 Por exemplo, a recordação imediata de uma lista de palavras escrita


implica a codificação sobretudo sensorial e visual. Em função da forma
como os itens são codificados, numa longa lista de palavras, podemos
verificar 2 efeitos:

o Efeito de Primazia – reflete


processos de codificação
semântica (memória de longo
prazo);
o Efeito de Recência – reflete
processos de codificação
sensorial/superficial (memória
curto-prazo e memória de
trabalho);

b) Retenção – Estabilização da informação codificada e ao seu armazenamento.


O armazenamento de longo-prazo requer que ocorram processos de
estabilização:

o Consolidação – processo através do qual um traço mnésico novo e


inicialmente lábil se transforma numa memória estável. Processo
através do qual uma memória de curto-prazo ativa e vulnerável,
passa para um estado inativo e não vulnerável à mudança (estável –
memória de longo prazo), até que seja recuperado;

o Reconsolidação – Processo através do qual um traço mnésico antigo


(que se torna frágil por reativação) se transforma novamente numa
memória estável de longo-prazo;

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Armazenamento – Processo através do qual o traço mnésico é retido de forma mais
ou menos permanente constituindo um engrama;
Engrama – Conjunto de conexões cerebrais duradouras que resultam da excitação
simultânea de uma rede neuronal que pode ser distribuída por diferentes regiões
cerebrais;

c) Recuperação – Processo através do qual se dá acesso ao traço mnésico


armazenado/consolidado. A recuperação de memórias nem sempre é um
processo consciente, pode acontecer através de pistas externas ou internas,
de forma sequencial e ordenada, voluntária ou involuntária, consciente ou
inconsciente.

o Consciente e explícita (ex. número de telemóvel);


o Inconsciente e implícita (ex. medo condicionado);
o Sequencial e ordenada (ex. número de telemóvel / receita culinária);
o Através de pistas (ex. priming);
o Sem pistas (ex. tarefas de evocação livre);

2.2 Sistemas e Subsistemas de Memória


A memória não é um sistema unitário. Existem diferentes sistemas de memória.
Um sistema de memória é o conjunto de processos mnésicos e de regiões
cerebrais que tendencialmente interagem para mediar o desempenho num
determinado tipo de tarefas.
Por este motivo, quando estudamos memória e aprendizagem, é necessário
fazer convergir várias medidas e dados de diferentes tarefas, antes de determinar
regiões cerebrais responsáveis.
A memória divide-se em sistemas de memória de curto-prazo e sistemas de
memória de longo-prazo que se sobrepõem-se naquilo que é o tempo de duração.

 Memória de curto-prazo
o Memória sensorial ou imediata (que dura menos de 1 segundo);
o Memória de trabalho (que dura segundos a minutos);
o NOTA: À memória sensorial e memória de trabalho correspondem
um conjunto de armazéns independentes, relativos a cada
modalidade sensorial;

 Memória de longo-prazo (duração de horas, dias, meses, anos ou


permanente);

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2.2.1 Memória de Curto-Prazo
A memória de curto-prazo tem uma limitação física, ou seja, uma capacidade de
armazenamento máxima. Quando saturada, ocorre esquecimento que acontece de
duas formas:

 Interferência – Novos itens só podem ser retidos em memória a curto-


prazo quando os itens antigos são retirados (ou seja, por troca);
 Passagem do tempo
A retenção de aprendizagens nos armazéns de memória de curto-prazo ocorre
de duas formas:

 Utilização da informação (consciente ou inconsciente)


 Por de ensaio consciente

2.2.2 Memória de Longo-Prazo


O sistema de memória de longo-prazo subdivide-se em 2 subsistemas:

 Memória declarativa – Medeia as memórias conscientes para factos e


acontecimentos e cujo processamento é consciente desde o registo até à
recordação;
 Memória não-declarativa – Medeia todas as memórias que são expressas
através da realização de tarefas/ações e cujo processamento é inconsciente
desde o registo até à recordação. Subdivide-se em 3 tipos de memória:
o Priming – Relativo às aprendizagens que ocorrem por influência da
apresentação prévia de um estímulo no desempenho futuro;
o Aprendizagem de competências – Relativas a ações, aptidões
motoras;
o Condicionamento – Relativo à aprendizagem comportamental,
emocional, psicofisiológica por associação entre estímulos
contingentes;

2.2.3 Modelos de Sistemas


Tulving, em 1972 propôs que a memória declarativa se subdividisse em:

 Memória Episódica – Armazém que medeia as memórias relativas a eventos


experienciados, sobre os quais conseguimos identificar o momento e local
de aprendizagem;

 Memória Semântica – Armazém que medeia as memórias relativas a


significados, factos gerais ou conhecimento conceptual sobre o mundo,
sobre os quais não conseguimos identificar o momento e local de
aprendizagem;

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No entanto, a distinção entre memória episódica e memória semântica, tal como
proposta por Tulving, tem vindo a ser questionada ao longo das últimas décadas.
Baddeley (1984) foi particularmente crítico ao modelo de Tulving, acusando o
autor de apenas identificar como memória episódica aquela envolvida nas tarefas
para as quais os pacientes amnésicos apresentam compromisso.
Ou seja, Tulving classifica os défices à posteriori numa determinada categoria, e
a todas as memórias perdidas classificou de autobiográficas. No entanto, nem todos
os eventos que aparentemente constituem memória episódica são perfeitamente
identificáveis no espaço e no tempo. De facto, existem significados associados a
episódios identificáveis no espaço e no tempo (ex. onde estava, o que fiz) e existem
aspetos episódicos associados a significados que não conseguimos identificar no
espaço e no tempo (ex. contexto histórico).
Tulving propõe a memória autobiográfica que corresponde ao que Gillespie
(1937) tinha já anteriormente proposto como memória automática, dado que as
aprendizagens armazenadas neste subsistema ocorrem de forma constante,
repetida e sistemática ao longo dos nossos primeiros anos de vida.
A distinção entre memória episódica e memória semântica proposta por Tulving
tem também sido questionada por casos clínicos de lesão:

 O padrão de perda de memória na amnésia medial temporal coloca em causa


esta classificação de forma sistemática, no sentido em que os pacientes
raramente apresentam uma memória semântica global intacta ou uma
memória episódica global comprometida. Frequentemente estes pacientes
apresentam compromisso simultâneo em conteúdos de memória episódica
e de memória semântica;
Esta constatação dará lugar ao modelo de Baddeley (1984) em alternativa ao
modelo de Tulving (1972). Baddeley considera a existência de um sistema de
memória de trabalho no qual uma central executiva interage com um conjunto de
subsistemas de armazenamento.

2.3 Amnésia
Amnésia – Perda de memória devido a uma perturbação orgânica cerebral, na
ausência de outros défices percetivos ou cognitivos e pode ter origem em
enfartes, tumores, doenças metabólicas, degenerativas, etc.

A amnésia pode ser:

 Global – Quando ocorre amnésia retrógrada e anterógrada para todos os


subsistemas (muito rara; parece que irreversível);
 Parcial – Quando ocorre amnésia apenas para alguns dos subsistemas;
 Temporária – Limitada no tempo;
 Permanente – Mantém-se ao longo do tempo sem recuperação;

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A amnésia pode ocorrer por défice em pelo menos um dos processos mnésicos:
Registo, Retenção e/ou Recuperação.

2.3.1 Amnésia de Registo ou Amnésia Anterógrada

 Défice no processo de registo ou codificação com incapacidade adquirir


novas memórias, no contexto de um processo de recordação de memórias
antigas intacto;
 Memórias relativas a eventos ocorridos antes da doença/lesão estão
intactas;
 Memórias relativas a eventos ocorridos após doença/lesão não são
registadas;
 Casos exemplo: Pacientes N.A. e H.M.;

2.3.2 Amnésia de Recuperação/Recordação (Amnésia


Anterógrada e Retrógrada)

 Corresponde a dificuldades na recuperação/recordação, num contexto de


registo e retenção intactos;
 O paciente é incapaz de relembrar memórias aprendidas ou experienciadas
antes do trauma/doença (amnésia retrógrada) e após o trauma/doença
(amnésia anterógrada);
 NOTA: Para confirmar o diagnóstico, os pacientes terão sempre de recuperar
do estado amnésico e confirmar que houve aprendizagens (registo) durante
o período de amnésia.
 Casos exemplo: Paciente Dana;

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2.3.3 Amnésia Traumática
Caracteriza-se por amnésia transitória global:

 Amnésia Retrógrada Transitória – Revela compromisso e posterior


recuperação do processo de recordação;

 Amnésia Anterógrada Transitória – Relativa a eventos ocorridos após


trauma (as memórias são irrecuperáveis), confirmando compromisso e
posterior recuperação do processo de registo;

Amnésia Retrógrada Transitória + Amnésia Anterógrada Transitória


=
Amnésia Transitória Global

2.3.4 Doença de Huntington


Doença genética que se caracteriza por movimentos musculares erráticos
involuntários e por deterioração mental progressiva (Amnésia Global).
Sintomas:

 Amnésia Anterógrada;
 Amnésia Retrógrada Severa, sem gradação temporal (memória para eventos
recentes está tão comprometida quanto para eventos longínquos);

2.3.5 Síndrome de Korsakoff


Défice vitamínico (vitamina B1) com deterioração cognitiva global e que está
habitualmente associado a alcoolismo.
Sintomas:

 Amnésia Anterógrada;
 Amnésia Retrógrada Severa, com gradação temporal (memórias recentes
estão mais comprometidas do que memórias longínquas);
 Memória procedimental intacta;
Em suma, a amnésia não é uma perturbação unitária e homogénea. Diferentes
padrões de amnésia correspondem a diferentes compromissos neurológicos. Ou
seja, diferentes estruturas e eventualmente conectividade distinta, sendo
dificilmente descritas por quadros clínicos generalizáveis.

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2.4 Modelos de memória baseados na forma de acesso às
memórias armazenadas
Os problemas emergentes do modelo de Tulving, nomeadamente a dificuldade
relativa à distinção entre memória episódica e memória semântica na definição do
padrão dos doentes com amnésia diencefálico-medial, dão lugar a modelos
alternativos. Estes modelos alternativos sugerem que a perda ou preservação da
memória é melhor explicada em termos da forma como acedemos aos seus
conteúdos e não tanto em termos de armazéns distintos entre si.

2.4.1 Modelo de Schacter (1985)

 Distingue recordação implícita ou procedimental


(o saber como) de recordação explícita ou
declarativa (o saber o quê);

 Para este autor algum do nosso conhecimento envolve regras e


procedimentos mais ou menos automáticos. Estes procedimentos e regras
automáticos parecem preservados nos doentes com amnésia;

 Pelo contrário, memórias dependentes de factos/dados/itens e que


dependem de processos de registo, retenção e recuperação de eventos e
factos e se expressam de forma declarativa, parecem estar comprometidos
nos doentes com amnésia;

2.4.2 Modelo de Jacoby (1984)

 A preservação ou perda é explicada não em termos de diferentes sistemas


de armazenamento ou de conhecimento mas em termos da forma como
acedemos a esse conhecimento;

 Ou seja, a recordação de memórias de longo prazo


pode ocorrer de forma intencional - recuperação
intencional em resposta a uma instrução interna ou
externa - ou de forma automática – recuperação
automática, sem instrução interna ou externa.

 Os amnésicos apresentam um padrão de preservação para memórias


recuperadas de forma não intencional;

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2.4.3 Limitações
Tanto o modelo de Schacter como o modelo de Jacoby são incapazes de explicar
a relativa preservação de determinado subtipo de memórias, como por exemplo
preservação de memória auditiva-verbal de curto prazo, quando outras modalidades de
memória verbal se encontram comprometidas.
Em suma, até hoje nenhum modelo de memória (armazenamento, acesso ou
modalidade de teste) conseguiu explicar cabalmente o padrão característico da
amnésia.

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3. Neuropsicologia da Visão
O Sistema Visual é extremamente complexo e segregado, com muitos circuitos e
módulos a funcionarem em paralelo. Pacientes com danos em alguns destes circuitos e
módulos permitem a formulação de estudos de caso, estes são importantes para
formular teorias acerca de cognição visual e do funcionamento do cérebro.

3.1 Retina e Circuitos Subcorticais


A luz entra pelos olhos e fica retida na retina
onde é transformada em sinais neuronais por
fotorrecetores especializados (bastonetes e cones).
Os bastonetes e os cones possuem diferentes
propriedades importantes para o processamento
visual.

 Bastonetes – Alta sensibilidade à luz, baixa


resolução espacial. São cegos à cor. Usados
durante baixas intensidades;
 Cones – Baixa sensibilidade à luz, alta resolução
espacial. Permitem ver cor. Usados em luz a
altas intensidades;

Danos nos bastonetes:

 Nictalopia (cegueira noturna) – Torna muito difícil para os pacientes verem


aquando luz fraca;
Danos nos cones:
Danos nos cones afeta a acuidade espacial e a visão das cores. Existem aqui tipos
de cones que são diferentemente sensíveis aos comprimentos de onda da luz
(comprimentos curtos (azul), médios (verde) e longos (vermelho)).

 Deuteranopia – Danos seletivos nos cones sensíveis ao especto verde;


 Protonopia – Danos seletivos nos cones sensíveis ao especto vermelho;
 Tritanopia – Danos seletivos nos cones sensíveis ao especto azul;
 Acromatopsia – Danos em todos os cones (visão monocromática);
NOTA: Dificuldades na visualização de cores pode ser testado com as placas de Ishihara.

O input visual vai desde a retina até ao Núcleo Geniculado Lateral (NGL) através
dos nervos óticos.

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Danos no trato ótico e nos circuitos subcorticais visuais produzem diferentes
défices e cegueira ao campo visual dependentemente de onde é que a lesão ocorre no
circuito.

Estudos com animais têm sido importantes para compreender como é que os
diferentes tipos de informação visual são processadas nos circuitos visuais subcorticais.

 Lesões seletivas nas camadas Magnocelulares do NGL – Danos na perceção do


movimento, mas a acuidade visual e a cor estarão intactas;
 Lesões nas camadas Parvocelulares – Danos na acuidade visual e na perceção da
cor, mas não na perceção do movimento;
Estes dados juntos, mostram uma dupla dissociação entre as funções
magnocelulares e parvocelulares nas camadas celulares do NGL e nos circuitos da retina
para o córtex visual primário.

3.2 Córtex Visual Primário e Blindsight


Muita da informação visual é enviada do NGL para o córtex visual primário (V1)
onde os detalhes mais finos da capacidade de perceção são processados, tais como:

 Orientação;
 Tamanho;
 Frequência espacial;
 Direção do movimento;
 Cor;
 Brilho;
Estes vários detalhes da perceção são processados nas colunas segregadas do
V1. Há duas importantes propriedades do V1:
1. Topografia/Mapas Retinótopicos – Partes do campo visual que são
espacialmente próximas também serão espacialmente próximas umas das
outras na V1;
2. Ampliação Cortical – Partes do campo visual mais próximos do centro são
processadas por partes maiores da área V1;

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Lesões na área V1 não provocam apenas a existência de partes cegas no campo
visual, se o estímulo visual for apresentado no campo visual cego os pacientes são
capazes de o discriminar melhor do que seriam se fosse ao acaso (Blindsight).
Para além dos pacientes blindsight atuarem melhor do que seria esperado pelo
acaso, eles em algumas condições (de alto contraste e de movimento do estímulo)
conseguem atuar perto dos 100% sem terem tido a experiência visual do estímulo.
Estudos de neuroimagem têm mostrado que os estímulos presentes no campo
visual cego são processados nas regiões visuais do extraestriado. Pacientes blindsight
podem usar a informação visual não-consciente para realizar ações como alcançar e
pegar em objetos de diferentes formas, tal como, fazer discriminações de direção do
movimento do estímulo.

3.3 Processamento Inicial do Sistema Visual e as


Características Básicas da Perceção
Existem 5 características básicas da perceção visual:
1. Brilho/luminosidade
2. Cor
3. Forma
4. Profundidade
5. Movimento

Estas características são processadas em regiões segregadas do córtex


extraestriado após a área V1.

Lesões nestas áreas têm mostrado várias dissociações entre regiões do


cérebro/módulos de processamento e as suas funções.

Zona c/ Dano Doença Explicação


Bilaterais na área V4 Acromatopsia Cegueira à cor
Cegueira à cor ocorre no
Área V4 dum hemisfério Hemi acromatopsia campo visual do lado
oposto
Área V5 Acinetopsia Cegueira ao movimento
Problemas na perceção
Bilaterais no occipitoparietal Mundo a duas dimensões
da profundidade

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3.4 Processamento Tardio do Sistema Visual, o
Reconhecimento de Objetos e a Agnosia Visual
O reconhecimento de objetos requere que as características visuais básicas mas
também as informações semânticas/conceptuais de objetos. Tem sido demonstrado
através de duplas dissociações de agnosia visual que existem dois tipos distintos de
agnosia visual:

 Agnosia Aperceptiva – Quando a perceção visual


está danificada, fazendo com que seja difícil
reconhecer objetos, é causado por lesões occipitais
difusas. Pacientes não conseguem copiar nem
identificar objetos;

 Agnosia Associativa – Quando o


reconhecimento de objetos está danificado
apesar da perceção visual intacta, é causada
por lesões temporais. Pacientes têm a
perceção visual intacta e conseguem copiar
com precisão, mas não conseguem identificar
objetos. Podem usar outras modalidades sensoriais para identificar o objeto,
mas não através da visão;
Pacientes com lesões parietais podem exibir o padrão de danos oposto
comparativamente à agnosia visual. Isto é, pacientes com ataxia ótica tem danificada a
capacidade de usar a informação para guiar a ação, mas são capazes de identificar
objetos apenas com a visão, e conseguem distinguir as relações espaciais entre objetos.
A dupla dissociação entre pacientes com agnosia visual foi importante para
distinguir as diferenças funcionais entre as vias dorsal e ventral:

 Via Visual Ventral (“o quê?”) – Importante


para o reconhecimento de objetos;
 Via Dorsal (“onde/como”) – Importante para
as informações visuoespaciais que levam à
ação;

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3.5 Organização do Conhecimento de Objetos
Danos nas áreas visuais superiores têm mostrado que algumas categorias de
objetos são processadas nos seus módulos.

Zona c/ Dano Doença Explicação


Incapacidade de
Área fusiforme de faces Prosopagnosia
reconhecer faces
Área parahipocampal para Incapacidade de
Landmark Agnosia
lugares reconhecer lugares

Estudos de neuroimagem têm confirmado que existem regiões do cérebro que


estão relativamente especializadas no processamento de certos tipos de categorias.
Acredita-se que estas regiões especializadas processam informação de alta importância
evolucionária.
Dados de pacientes através de duplas dissociações mostram que existe uma
distinção entre conhecimento animado e inanimado, a neuroimagem também tem
confirmado estes dados.

Este tipo de dados de paciente (e de neuroimagem) têm sido usados para


investigar como o conhecimento está organizado no cérebro. Num estudo esclarecedor,
investigou-se se a organização do conhecimento de objetos era algo que nascia
connosco ou se aprendíamos a posteriori. Com esse objetivo, eles estudaram cegos
congénitos e fizeram-nos realizar uma tarefa auditória para discriminar o tamanho dos
objetos enquanto ouviam o som típico deles.
Estes sons/objetos podiam ser tanto animados como inanimados, e eles
descobriram que o padrão de atividade nos cegos congénitos mostrava a mesma
distinção entre animado-inanimado no córtex visual do que nos controlos normais.
Sugerindo assim que a organização animado-inanimado é algo que nasce connosco.

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4. Neuropsicologia da Linguagem

4.1 Introdução
A história de cada um faz-se de memória e de linguagem. A linguagem antecede
o pensamento. Assim como sem memória passaríamos a vida a experienciar eventos
solitários, sem ligação; sem linguagem não conseguiríamos comunicar a nossa história,
a nossa vontade e os nossos desejos, a nossa experiência. A linguagem permite-nos
interligar memórias, manter relações. Sem linguagem viveríamos em isolamento.

4.2 Importância do Estudo da Linguagem para a


Neuropsicologia
Fizemos um longo caminho desde os dias da frenologia. E muito desse caminho se deve
ao homem que não conseguia falar – e ao médico que compreendeu a importância
dessa perda para o futuro da ciência
O trabalho de Broca sobre o estudo da localização da função cognitiva foi
pioneiro. Borca debruçou-se sobre a lateralização do compromisso da linguagem, assim
como sobre a noção de que um compromisso cognitivo particular, como por exemplo a
linguagem, pode resultar de lesões cerebrais que não comprometem a globalidade da
capacidade cognitiva.
Observando o cérebro lesionado podemos compreender melhor o seu
funcionamento saudável:

 Quando observamos lesões podemos procurar identificar o compromisso


resultante ou função subjacente;
 Quando observamos a recuperação/reabilitação, podemos traçar a
reorganização neural que a tornou possível;
Broca foi então pioneiro em duas escolas da neuropsicologia: a Frenologia
(Estudo da lateralização das funções cerebrais) e o Estudo da Lesão.

4.3 Défices de Linguagem


Existem dois grandes grupos de défices de linguagem:

 Disartria – Défice discursivo ao nível do aparelho motor e articulatório


(Incapacidade da articular palavras);

 Afasia – Défice (adquirido) ao nível da compreensão e/ou produção da


linguagem, devido a lesão e cuja causa primária é o AVC;

21
4.3.1 Afasias
Habitualmente, as quatro funções cognitivas seguintes surgem associadas aos
diagnósticos de afasia, podendo estar mais ou menos extensamente comprometidas e
emergir como constelações heterogéneas, dependendo da extensão da lesão.

 Compreensão auditiva;
 Compreensão escrita – leitura;
 Produção da linguagem falada;
 Produção da linguagem escrita;
Os dois tipos de afasia mais conhecidos são a Afasia de Broca (Afasia de
Produção ou Não Fluente) e a Afasia de Wernicke (Afasia de Compreensão ou Fluente).

4.3.1.1 Afasia de Broca

Afasia de Broca – Dificuldade no discurso espontâneo, compreensão intacta e


dificuldade de repetição;

Pacientes com afasia de Broca poderão ter capacidade de repetição se utilizada


estimulação visuo-auditiva e não só auditiva. Este facto vem sugerir que estes pacientes
beneficiariam de terapia da fala através deste tipo de estimulação.

CARACTERÍSTICAS DA AFASIA DE BROCA:

 Agramatismo – Dificuldades no uso da sintaxe (Forma como as palavras se


organizam para construir frases com sentido);
 Discurso espontâneo não fluente:
o Lento;
o Composto por frases curtas;
o Ausência de palavras de ligação;
o Enfase no uso de substantivos;
 Compreensão da linguagem intacta;
 Lesões na região anterior do hemisfério esquerdo (Área de Broca);

22
4.3.1.2 Afasia de Wernicke
Afasia de Wernicke – Discurso fluente mas sem sentido, a compreensão auditiva
está comprometida tal como a leitura;

CARACTERÍSTICAS DA AFASIA DE BROCA:

 Discurso fluente mas sem sentido;


o Com perturbação de sons e estruturas de palavras (parafasias,
fonéticas, morfológicas e semânticas);
 Compreensão auditiva comprometida;
 Lesões na região posterior do hemisfério esquerdo (Área de Wernicke);
 Incapaz de compreender;
 Incapaz de repetir;
 Incapaz de linguagem espontânea compreensível;
 Défice na escrita (agrafia) e leitura (alexia);

4.3.1.3 Afasia de Condução


Afasia de Condução – Compreensão e produção intactas mas o discurso espontâneo
é hesitante. Decorre de lesões no fascículo arqueado que ligam as áreas de Broca e
Wernicke.

CARACTERÍSTICAS DA AFASIA DE CONDUÇÃO:

 Compreensão e produção intactas;


 Discurso espontâneo hesitante;
 Tentativas de aproximação à palavra pretendida com parafasias (produção não
intencional de algumas sílabas);
 Dificuldades na repetição imediata e na nomeação (anomia);
 Programas auditivos articulatórios não podem ser enviados da área de Wernicke
(compreensão) para a área de Broca para serem produzidos;
 Sem compromisso na leitura (sem alexia);

23
4.3.1.4 Afasia Global
Afasia Global – Défice na repetição, nomeação, fluência de discurso e compreensão,
em simultâneo devido à lesão que abrange as áreas de Wernicke e de Broca, que são
responsáveis pela linguagem.

Frequentemente a comunicação ocorre apenas através da prosódia.

4.3.1.5 Síntese

 Afasia de Broca – Discurso telegráfico, não fluente e “agramático”, mas com


capacidade de compreensão (não totalmente intacta);
 Afasia de Wernicke – Discurso fluente mas com compreensão muito afetada.
Uso de neologismos;
 Afasia de Condução – Compreensão e produção intactas e discurso fluente, com
dificuldade na repetição imediata e na nomeação;
 Afasia Global – Défice na repetição, nomeação, fluência de discurso e
compreensão;

4.4 Arquitetura do Sistema Lexical


Um modelo básico da arquitetura lexical terá que perceber:

Output Compreensão
Ideia
Escrito/Falado da Mensagem

4.4.1 Componentes
O ARMAZÉM SEMÂNTICO É INDEPENDENTE DO ARMAZÉM LEXICAL OU TEMOS UM
ARMAZÉM ÚNICO?
De acordo com esse modelo básico temos de compreender de que forma quando
vemos um gato:
TIPO I

 Vemos um gato;
 Compreendemos que é um gato;
 Selecionamos a palavra “gato” entre várias palavras que
poderão ficar ativas em simultâneo (ex. felino, animal, cão);
TIPO II

 Perceção (Vemos um gato);


 Compreendemos e selecionamos as representações
semânticas e lexicais de forma dependente;

24
No entanto, alguns estudos têm sugerido a existência de representações
semânticas e lexicais funcionalmente independentes. Goodglass e Banker, em 1976
identificaram:

 Grupo 1 – Pacientes com défices de nomeação e défices de compreensão;


 Grupo 2 – Pacientes com défices de nomeação mas sem défices de compreensão
(Anomia) → Dupla dissociação;
o Anomia – Compromisso circunscrito à nomeação, sem compromisso da
compreensão;
Esta descoberta de Goodglass e Banker, sugere a independência destes dois
componentes do processamento da linguagem – o sistema semântico e o sistema
lexical:

Armazém/Sistema Semântico – Relativo ao conjunto de representações que


codificam o significado das palavras;
Armazém/Sistema Lexical – Relativo ao conjunto de representações que codificam
a forma das palavras;

Como a independência dos dois sistemas nem sempre foi clara, vários autores se
têm debruçado sobre o estudo desta arquitetura do sistema lexical e verificado a
possibilidade de existência deste armazém único que incluiria quer as representações
semânticas quer as representações lexicais.

EXEMPLO 1: Caso do paciente PW, com afasia anómica, após um AVC na região fronto
parietal esquerda. Características do paciente:

 Não revela um problema de output ao nível motor;


 Capacidade de repetição de palavras ouvidas (output fonológico);
 Capacidade de copiar palavras escritas (output ortográfico);
 Afasia anómica – Défice na nomeação escrita e oral, quase sempre nos mesmos
itens;
 Compreensão intacta:
o Desenho de objetos nomeados;
o Emparelhamento de palavras faladas e imagens;
Do ponto de vista neuropsicológico, PW apresenta claramente um SISTEMA
LEXICAL COMPROMETIDO e um sistema semântico intacto o que sugere a
independência dos dois sistemas.

25
EXEMPLO 2: Caso da paciente KE apresenta um compromisso inverso ao de PW. KE
apresentava erros semânticos transversais a todas a tarefas lexicais propostas durante
a avaliação neuropsicológica → SISTEMA SEMÂNTICO COMPROMETIDO. Outras
características:

 Nomeação escrita e oral de objetos apresentados em imagens ou objetos aos


quais tem acesso táctil;
 Leitura em voz alta;
 Escrita a partir de ditado;
 Compreensão auditiva;
 Compreensão escrita;

CONCLUSÃO: A dupla dissociação observada entre os pacientes PW e KE mostram que


o armazém lexical e o armazém semântico são funcionalmente independentes.

COMO ACEDEMOS AO LÉXICO?


Uma outra questão importante é a de perceber se o acesso à representação
ortográfica das palavras requer um acesso prévio à sua representação.
1. O ACESSO AO LÉXICO ORTOGRÁFICO É DEPENDENTE OU INDEPENDENTE DO
ACESSO AO LÉXICO FONOLÓGICO?

Léxico Fonológico – Contém as formas fonológicas de todas as palavras para as quais


conhecemos a sua forma acústica (uma entrada por palavra);
Léxico Ortográfico – Contém as formas ortográficas de todas as palavras para as
quais conhecemos a sua ortografia (uma entrada por palavra);

26
A observação de pacientes com lesões cerebrais permite tirar conclusões:
EXEMPLO 1: Caso do paciente AF que apresentava as seguintes características:
• Discurso fluente mas sem lógica;
• Défice de nomeação em voz alta;
• Nomeação escrita intacta;
• Ligeiro défice semântico associado;
Estas características demonstram que o paciente tem um défice no acesso ao
léxico através do sistema fonológico. Ou seja, parece que há um acesso ao sistema
ortográfico sem que seja necessário um acesso ao sistema fonológico precedente. Ou
seja, o acesso aos sistemas parece cumprir processos independentes.

TEORIA: Se conseguirmos observar um paciente que apresente um sistema semântico


completamente preservado e no qual o défice se circunscreve ao output fonológico,
conseguiríamos definitivamente confirmar que o acesso ortográfico é independente do
fonológico;

EXEMPLO 2: Caso de RGB que após um AVC na região temporal parietal do hemisfério
esquerdo apresenta as seguintes características:
• Discurso fluente e articulado;
• Circunlocuções na nomeação oral e na leitura oral;
• Não apresenta compromisso de compreensão de palavras faladas ou escritas;
• É capaz de definições completas das palavras que deram lugar a erros
semânticos na leitura oral;
• É capaz de definições completas das figuras que originam erros semânticos nas
tarefas de nomeação oral;
• Nomeação escrita intacta (aprox. 100%);
• Nomeação falada comprometida (aprox. 30%);
Estas características demonstram que o paciente tem um défice no acesso ao
léxico através do sistema fonológico sem compromisso semântico e sem compromisso
ortográfico.
EXEMPLO 3: Caso de RCM, compromisso inverso ao de AF e de RGB, que após um AVC
frontal esquerdo que apresenta um défice no acesso ao léxico através da ortografia. Esta
paciente apresenta as seguintes características:
• Erros semânticos na nomeação escrita e soletrar para ditado;
• Sem compromisso na nomeação oral, leitura, emparelhamento de
palavra escrita e figura, e palavra falada e figura (das mesmas palavras
que deram lugar aos erros semânticos);
• Incapaz de ler pseudo-palavras (ex.:Tabela → Talela);

27
CONCLUSÃO: A dupla-dissociação entre os pacientes AF/RGB e a paciente RCM
corrobora a independência do sistema ortográfico em relação ao sistema fonológico,
permitindo afirmar que o acesso aos dois sistemas é independente.

2. OS SISTEMAS LEXICAIS DE ENTRADA E SAÍDA SÃO UM SÓ OU EXISTEM


SISTEMAS DE ENTRADA E DE SAÍDA INDEPENDENTES?
Outra questão relativa à arquitetura do sistema lexical diz respeito à existência
de sistemas independentes de entrada (input) e saída (output) para o armazém lexical
fonológico.

Em 1974, Wernicke sugeriu a existência de armazéns independentes para as


representações de palavras:

 Sistema de Input Auditivo (ou sistema lexical fonológico de entrada) –


Localizado na área de Wernicke;
 Sistema de Output Auditivo (ou sistema lexical fonológico de saída) – Localizado
na Área de Broca;

Em 1981, Freund questiona a proposta de Wernicke e propõe um armazém único


fonológico de entrada e de saída.
Os casos de Pure-Word Deafness podem ajudar a esclarecer esta questão:

Pure-Word Deafness – Défice na compreensão de palavras faladas mas total


compreensão de palavras escritas, na presença de um sistema auditivo intacto;

28
EXEMPLO 1: O caso de Pure-Word Deafness é um caso clássico, onde o paciente após
AVC temporal bilateral, deixou de compreender o que lhe diziam apesar de ter o sistema
auditivo intacto. O paciente:

 Conseguia compreender o que lhe era dito pontualmente, quando fixava o olhar
nos lábios do interlocutor (leitura labial), e simultaneamente ignorava o som das
palavras;
 Não apresentava qualquer compromisso no discurso (linguagem falada), escrita
ou compreensão de escrita;

EXEMPLO 2: Outro paciente que nos informa acerca da dependência/independência dos


armazéns de input e output fonológico é o paciente JBN que apresenta as seguintes
características:
• Défice ligeiro no input fonológico (compromisso na escrita por ditado -
26%);
• Défice severo no output fonológico (compromisso na nomeação oral -
60/70%);

CONCLUSÃO: Casos de Pure-Word Deafness e o paciente JBN confirmam a existência de


armazéns de representações funcionalmente independentes para a compreensão oral
e a produção oral → DOIS LÉXICOS FONOLÓGICOS INDEPENDENTES.

3. HAVERÁ UMA DISTINÇÃO ENTRE COMPREENSÃO (INPUT) E PRODUÇÃO


(OUTPUT) DA PALAVRA ESCRITA?
Os casos de Pure-Word Blindness ajudam a esclarecer esta questão.

Pure-Word Blindness – Compromisso no reconhecimento de palavras escritas com


capacidade de produção escrita intacta. Estes casos apresentam:

 Input Ortográfico Comprometido – Défice no reconhecimento de palavras


escritas;
 Output Ortográfico Intacto – Escrita intacta;

29
EXEMPLO: A paciente RCM, descrita anteriormente, apresenta:

 Nomeação Oral Intacta = Sistemas de Input e Output Fonológico intactos;


 Défice na Nomeação Escrita = Sistema de Output Ortográfico comprometido;
Embora a evidência de existência de armazéns lexicais ortográficos distintos de
input e output não seja tão forte como para o léxico fonológico, parece ser necessário
pelo menos postular a existência de acessos diferentes de entrada e saída também para
o armazém lexical ortográfico.

30
5. Neuropsicologia da Ação
O sistema motor é um sistema grande e complexo:

 Córtex Frontal – Responsável pelo planeamento, iniciação e execução de ações


voluntárias;
 Gânglios da Base e o Cerebelo – Responsáveis pelas funções de apoio,
coordenando e controlando a realização do movimento apropriado;
 Tronco Cerebral – Responsável por movimentos básicos e pelo controlo
postural;
 Neurónios da Medula Espinal – Responsáveis por coordenar os reflexos de
movimentos rítmicos e recorrentes (por exemplo, caminhar, nadar);
 Neurónios Motores Inferiores – Inervam e ativam os músculos esqueléticos;
 Córtex Pré-Frontal Anterior – Responsável por funções mais abstratas e
complexas relacionadas com a ação (ex.: planeamento e gestão de ação relativa
a contingências);

31
5.1 Síndrome do Neurónio Motor Inferior

Neurónios Motores Inferiores – Partem da medula espinal e inervam os músculos


esqueléticos. Enviam sinais neuronais aos músculos e são importantes na realização
de ações e reflexos voluntários;

Danos nos neurónios motores inferiores por lesão ou doença originam sintomas
que correspondem à Síndrome do Neurónio Motor Inferior. Esta é caracterizada por:

 Efeitos relativamente localizados;


 Fraqueza muscular (paresia, se um subgrupo de neurónios motores é afetado)
ou mesmo paralisia (se os danos forem mais graves);
 Atrofia (em fases posteriores) porque os músculos são menos ativados por
menor utilização;
 O disparo espontâneo dos neurónios motores inferiores danificados causa
contrações musculares involuntárias nos membros afetados;

5.2 Disfunção do Cerebelo e dos Gânglios da Base

Cerebelo – Responsável por coordenar as interações sensoriomotoras, melhorando


os movimentos já iniciados (tornando-os mais suaves, bem coordenados e
eficientes). Não apenas envolvido em funções motoras simples mas também em
melhorar as funções cognitivas superiores;

Danos no cerebelo resultam em movimentos


descoordenados e em problemas de equilíbrio.
Pacientes sem cerebelo são diagnosticados
com Síndrome Cognitivo-Afetiva Cerebelar, que é
caracterizado por défices nas funções executivas,
cognição espacial, linguagem e processamento
emocional. Défices a nível cognitivo, afetivo e motor.

32
Gânglios Basais – Conjunto de estruturas cerebrais subcorticais: o núcleo caudado
e o putamen (juntos formam o estriado), o globus pallidus e a substantia nigra, e são
importantes para a inibição de movimentos potenciais ou inapropriados;

A Doença de Huntington causa a morte celular de neurónios do corpo estriado,


fazendo com que os gânglios da base não inibam adequadamente os movimentos,
resultando em movimentos corporais semelhantes a uma dança.

A Doença de Parkinson afeta os neurónios dopaminérgicos da substantia nigra,


resultando em tremor em repouso, movimentos arrastados, ações iniciadas lentamente
e em défices cognitivos.
Os sintomas são causados por um desequilíbrio nos gânglios da base que causa
inibição excessiva do córtex motor.

O Caso dos “Viciados Congelados” é outro exemplo de disfunção dos gânglios da


base. Este caso resulta do consumo injetado de heroína sintética contaminada
responsável pela morte dos neurónios dopaminérgicos do estriado, levando ao
aparecimento de sintomas extremos de Parkinson (perdendo a capacidade de se
movimentar ou falar).

33
5.3 Disfunções no Córtex Motor e Parietal
Córtex Motor Primário – Responsável pela execução
de todas as ações voluntárias;

A estimulação elétrica do Córtex Motor revela uma


organização topográfica em M1. Lesões no Córtex Motor
Primário (M1) resultam em paresia (fraqueza muscular)
ou paralisia contralateral. No entanto, os danos podem
ser reversíveis devido a processos de plasticidade
cerebral.

Área Motora Suplementar (SMA) – Envolvida em ações voluntárias auto-iniciadas;


Córtex Pré-Motor – Responsável por ações iniciadas por pistas externas;

VIAS MOTORAS
Pode dizer-se que existem duas vias motoras relativamente distintas em que
ambas terminam no Córtex Motor Primário e ambas estão envolvidas em ações
voluntárias:

1. Via Motora responsável pelas ações auto-iniciadas

Córtex Pré-Frontal + Gânglios Basais → Área Pré-Suplementar


Motora (SMA) → Área Suplementar Motora → Córtex Motor
Primário → Medula Espinal

2. Via Motora responsável por ações relacionadas com objetos


(agarrar e manipular objetos)

Córtex Parietal das Vias Dorsais → Córtex Pré-Motor → Córtex


Motor Primário

34
VIAS VISUAIS DORSAIS
Existem também duas vias visuais dorsais diferentes:

 Via Dorso-Dorsal – Responsável pelo controlo online


das ações visuomotoras (controlo de ações motoras
contínuas baseadas em feedback visual);
o Ataxia Ótica – Danos na via dorso-dorsal podem
causar incapacidade de usar informações
visuais para guiar a ação;

 Via Ventro-Dorsal – Responsável pela perceção,


compreensão e organização das ações. Danos na via
ventro-dorsal podem causar apraxia (Ideomotora,
Ideacional e Idiopática);

Apraxia – Incapacidade de realizar atos motores aprendidos e complexos, apesar de


os sistemas motor e sensorial, a coordenação, a compreensão e a cooperação se
manterem intactos;

CARACTERISTICAS DA APRAXIA IDEOMOTORA

 CAUSA: Danos na Via Ventro-Dorsal;


 Pacientes são incapazes de realizar atos motores apesar das funções sensoriais,
motoras e de linguagem estarem intactas;
 Apresentam erros temporais e espaciais, que afetam a noção de tempo;
 Fraco desempenho quando instruídos verbalmente a realizar um gesto com um
membro e frequentemente usam o seu membro como se fosse um objeto, em
vez de demonstrarem como usar o objeto;
 Conseguem realizar as mesmas ações na sua vida diária sem grande dificuldade;

CARACTERISTICAS DA APRAXIA IDEACIONAL

 CAUSA: Danos extensivos no hemisfério esquerdo, demência ou delírio;


 Pacientes têm dificuldade em cumprir sequências de ações com múltiplos
passos;
 Conseguem realizar cada uma dessas etapas isoladamente;
 Dificuldade em realizar tarefas normais nas suas vidas diárias;

35
Os mecanismos neuronais subjacentes às ações voluntárias são relativamente
conhecidos. Relatos de experiências de estimulação no decorrer de cirurgias, mostram
a estimulação do pré-SMA/SMA provoca nos pacientes o "desejo de se mover":

 Aumentando intensidade de estimulação, os pacientes movem-se efetivamente;

 Estimulação do Córtex Parietal – Provoca nos pacientes uma “vontade de se


mexer” mas aumentando a intensidade de estimulação causa apenas
movimentos ilusórios (os pacientes estão convencidos de que se moveram sem
que ocorra qualquer movimento);

 Estimulação do Córtex Pré-Motor – Provoca movimento, sem que os pacientes


tenham consciência de ter realizado qualquer movimento;

ESTIMULAÇÃO SMA
”Urgência em mover” → Causa movimento
ESTIMULAÇÃO PARIETAL
”Querer mover-se” → Movimento ilusório
ESTIMULAÇÃO NA ÁREA PREMOTOR
Movimento sem consciência

Tanto o pré-SMA/SMA como o córtex parietal inferior parecem estar envolvidos


na intencionalidade consciente, mas a região ou as regiões efetivamente responsáveis
por esta função estão ainda por estabelecer de forma definitiva. Abaixo, estão descritas
algumas condições nas quais a experiência consciente se encontra, de várias formas,
dissociada da ação:

ANOSOGNOSIA PARA HEMIPLEGIA

 CAUSA: Danos no córtex pré-frontal e ínsula;


 Pacientes não têm consciência de que o seu membro se
encontra paralisado e insistem que são capazes e que vêm
o seu membro mover-se quando instruídos para o efeito;
 Podem recuperar da sua anosognosia e se questionados
reconhecem a sua incapacidade de realização de
movimento intencional e consciente mas são incapazes de
explicar porque insistiam que eram capazes e viam
movimento;

36
NEGLIGÊNCIA MOTORA

 CAUSA: Danos nas regiões frontal, parietal ou talâmica, e tem sido sugerido
como um défice na intenção motora ou no planeamento motor;
 Pacientes subutilizam o seu membro afetado (ex.: braço) apesar de estar
totalmente funcional;
 Se solicitados a realizar uma tarefa que requeira os dois braços, eles só usarão
um braço, a menos que especificamente instruídos a usar ambos;

SINDROME DE DEPENDENCIA AMBIENTAL

 CAUSA: Danos no Córtex Frontal (“distúrbio de inibição frontal”);


 Comportamento de Imitação – Caracterizado pela incapacidade de parar de
imitar as pessoas do seu ambiente. As imitações podem ser de gestos, ações ou
fala;
 Comportamento de Utilização – Incapacidade de inibir
as ações relacionadas com o objeto devido a défice na
via motora do córtex pré-motor causados por lesão. É
quando os pacientes não conseguem não utilizar
objetos do seu ambiente (ex.: na presença de uma
maçã, não conseguem não a descascar e comer, mesmo
que não estejam com fome);

37
SINDROME DA MÃO ALIENIGENA

 Síndrome da Mão Alienígena – Tipo de síndrome na qual os pacientes não se


sentem no controlo de uma mão/braço;
Existem três tipos de síndrome da mão alienígena que são causados por danos
em diferentes regiões do cérebro:
1. SÍNDROME DA MÃO ALIENÍGENA FRONTAL

 CAUSA: Danos no córtex frontal;


 SINTOMAS: Défice na inibição de ações relacionadas
com o objeto (comportamento de utilização), mas
apenas numa mão;
 Enquanto na Síndrome de Dependência Ambiental os
pacientes sentem que foram eles a realizar as ações
(sentido de agência), os pacientes com Síndrome de
Mão Alienígena Frontal não percebem
intencionalidade no movimento (como se sua mão
tivesse vontade própria ou falta de sentido de agência);

2. SÍNDROME DA MÃO ALIENÍGENA CALOSA

 CAUSA: Corte do corpo caloso nos pacientes com


cérebro dividido (split-brain patients);
 Os pacientes realizam ações em conflito ou opostas a
uma ação intencional específica (ex.: Quando o paciente
está a abotoar uma camisa, a mão alienígena poderá
continuar a tentar desabotoá-la);

3. SÍNDROME DA MÃO ALIENÍGENA POSTERIOR

 CAUSA: Danos nas regiões cerebrais posteriores;


 Faz com que a mão alienígena pare o contato com objetos,
realize movimentos descoordenados ou inicie levitação
involuntária;
Estudos de fMRI mostraram que, ao contrário do movimento normal que envolve
a SMA, o córtex pré-motor e motor primário, os movimentos involuntários da mão
alienígena ativam apenas o córtex motor primário.

 Síndrome da Mão Alienígena dissocia a intenção consciente, o sentido de


agência da ação, funções motoras e o feedback sensorial do ambiente;
 Anosognosia para Hemiplegia e Negligência Motora mostram uma dupla
dissociação entre intenção consciente e consciência da função motora;

38
Em pacientes com o cérebro dividido, o corpo caloso é cortado e os dois
hemisférios não conseguem comunicar:

 O hemisfério esquerdo controla o processamento do discurso;


 O hemisfério direito é melhor que o esquerdo em tarefas visuoespaciais e os dois
hemisférios competem durante a tarefa;

5.4 Síndrome Pré-Frontal e Disfunção Executiva


Córtex Pré-Frontal – Crucial para as funções executivas (tal como o córtex parietal e
os gânglios da base). Subdividido em regiões menores, e consiste em quatro
diferentes fluxos de ação/motilidade (motilidade ocular, motilidade esquelética, fala
e controlo emocional);

A complexidade e o modo como as funções pré-frontais estão interligadas tornou


impossível distinguir os mapeamentos um-para-um entre as regiões do cérebro e as
funções, como nas regiões motoras ou visuais inferiores.
No entanto, as lesões nas diferentes vias tendem a apresentar alguns défices na
funcionalidade relacionada.

LESÃO CÓRTEX PRÉ-FRONTAL LATERAL – SINDROME DISEXCUTIVA

 Falta de motivação, energia e consciência;


 Presença de apatia, depressão e perserveração;
 Danos na atenção, memória operacional,
planeamento e linguagem;
 Pouca iniciativa para ações espontâneas e
deliberadas;
 Reduzida capacidade de terminar as poucas
ações que iniciam;
 Dificuldade em tarefas que exijam planeamento (ex.: Tarefa da Torre de
Londres);
 Dificuldade em tarefas que exijam mudança de regras (ex.: Tarefa Wisconsin
Card Sorting);

39
LESÃO CÓRTEX PRÉ-FRONTAL ORBITO-FRONTAL/VENTROMEDIAL – SINDROME DE
DESINIBIÇÃO

 Elevada impulsividade, energia incessante e


comportamentos de risco;
 Eufóricos (ex.: rir em contextos sociais
inapropriados, partilhar informações pessoais
privadas/humilhantes);
 Apresentam irritabilidade e paranoia;
 Défices no juízo moral e empatia;
 Podem apresentar “Sociopatia Adquirida”;
EXEMPLO: Caso de Phineas Gage – Síndrome de Desinibição. Phineas era um
representante de uma equipa que estava a construir uma nova ferrovia. Num acidente
de trabalho uma barra de ferro projetada contra a cabeça danificou o seu córtex pré-
frontal orbitofrontal e medial. O caso de Phineas descrito com uma mudança radical de
personalidade, passando de uma personalidade responsável e conscienciosa para uma
personalidade imprudente, impulsiva, profana e incapaz de manter um emprego.
Nos últimos anos tem sido demonstrado que, em situações de resolução de
dilemas morais pessoais:

 Córtex Pré-Frontal Dorsal e o Córtex – Envolvidos na realização de julgamentos


morais utilitaristas (matar 1 pessoa para salvar 5);
 Córtex Pré-Frontal Ventromedial e o Sistema Límbico – Envolvidos em
julgamentos morais não utilitários (matar 5 pessoas para salvar uma);
EXEMPLO: Dilema moral é uma situação na qual é pedido
aos participantes que decidam entre a situação A ou B:

 A - Empurrar um homem para a frente de uma carruagem


matando-o, para que a carruagem pare, permitindo salvar 5
homens que estão a trabalhar na manutenção da linha
férrea;
 B - Não empurrar o homem para a frente de uma
carruagem, salvando-lhe a vida, o que resultará na morte
dos 5 homens que estão a trabalhar na linha;
Estes dois sistemas competem e o sistema que ganha resulta em julgamentos
morais utilitários ou não-utilitários. Pacientes com danos no córtex pré-frontal
ventromedial tendem a fazer julgamentos morais mais utilitaristas (A) perante dilemas
morais pessoais porque sua regulação emocional não está a funcionar normalmente.

40
6. Neuropsicologia da Emoção

6.1 Perspetiva Histórica


Os primeiros relatos sistemáticos de perturbações emocionais associadas a lesão
cerebral foram descritos por neurologistas e psiquiatras e datam do início do séc. XX:
• 1904 – Meyer – Sugere que perturbações de humor após lesão cerebral resultam
da combinação de fatores sociais, psicológicos e biológicos. Primeiros relatos
que sugerem relação entre “doenças traumáticas” particulares (ex. delírio e
demência) e a localização da lesão;

• 1914 – Babinski – Pacientes com lesão no hemisfério direito apresentam


frequentemente sintomas de anosognosia (ausência de reconhecimento da sua
doença), euforia e indiferença;

• 1921 – Kraeplin – Reconhece a associação frequente entre a doença maníaco-


depressiva e o AVC;

• 1940 – Goldstein – Descreve pela primeira vez aquilo que designa de Reação
Catastrófica.

Reação Catastrófica – Incapacidade do organismo de lidar com uma perturbação


grave das suas funções físicas e cognitivas e que envolve uma reação emocional
abrupta com vários graus de raiva, frustração, depressão, choro, recusa, grito,
insultos e comportamento agressivo;

• 1951 – Bleuler – Relata estados de humor melancólico por períodos prolongados


pós-AVC;

• 1951/1952 – Descrição da Reação de Indiferença;

Reação de Indiferença – Conjunto de sintomas de indiferença face a fracasso


pessoal, ausência de interesse na família e amigos, prazer e divertimento associado
a piadas tontas, minimização de dificuldades físicas e negligência da parte esquerda
do corpo e do campo visuoespacial esquerdo, associado a lesões do hemisfério
direito.

41
• 1956 – Ironside – Descreve o quadro clínico de Riso e/ou Choro Patológico;

Riso e/ou Choro Patológico – Choro ou riso incontroláveis, com a duração de vários
minutos e dissociado do estado emocional interno.

(Hoje conhecido como Incontinência Emocional, Labilidade Emocional, Afeto


Pseudobulbar, Emocionalidade Patológica ou Perturbação Involuntária da Expressão
Emocional e que resulta do dano nas fibras motoras que ligam o córtex ao tronco
cerebral).

Desde Goldstein que os clínicos foram distinguindo entre dois tipos de sintomas
emocionais:

• Sintomas emocionais diretamente relacionados com uma lesão numa


determinada área cerebral (ex.: Phineas Gage, 1848);

• Sintomas emocionais que são resposta secundária do organismo à lesão cerebral


(alguns tipos de Reação Catastrófica);

6.2 Reações Emocionais Pós-AVC


Um Acidente Vascular Cerebral (AVC) implica uma alteração do fluxo sanguíneo
cerebral que impede irrigação regular das células cerebrais que morrem ou deixam de
funcionar normalmente, pela ausência de oxigénio e de nutrientes. Pode ser:

• Isquémico (bloqueio do fluxo sanguíneo);


• Hemorrágico (rompimento de uma veia);

6.2.1 Depressão Pós-AVC


Depressão – Perturbação de humor mais frequente e uma das complicações clínicas
mais relevantes, com forte impacto na reabilitação e mortalidade de pacientes com
AVC. Pode ter características depressivas do tipo Major ou Minor (distimia);

PREVALÊNCIA: 11% - 27% (Depressão Major), 8% - 40% (Depressão Minor).

Devido à prevalência, o tratamento é realizado quer após aparecimento de


sintomas, quer como prevenção de sintomatologia depressiva, potenciando a
reabilitação física e psicológica.

42
ESTATISTICAS:

O número de pacientes com depressão major ou minor difere em função do


contexto. Apesar do número de pacientes com diagnóstico de depressão major ser
equivalente ao de pacientes com diagnóstico de depressão minor, a diferença acentua-
se quando observamos pacientes em internamento agudo ou sem qualquer
acompanhamento, onde a depressão major alcança valores de prevalência superiores.

O percurso de doença/prognóstico é mais promissor para pacientes que


apresentam depressão major, com remissão completa de sintomas 1 a 2 anos após AVC
enquanto que, para pacientes com episódios depressivos minor, apenas 30% apresenta
remissão de sintomas após o mesmo período.

SINTOMAS NA DEPRESSÃO MAJOR:

 Humor deprimido com alteração significativa do funcionamento diário;


 Sintomas com duração de 2 ou mais semanas;
 Perda de interesse e prazer;
 Pelo menos, mais 4 outros sintomas de humor depressivo (perda/ganho de peso,
insónia/hipersónia, agitação/lentificação psicomotora, fadiga ou perda de
energia, culpa e auto-desvalorização, redução da concentração, dificuldade na
tomada de decisão);

SINTOMAS NA DEPRESSÃO MINOR:

 Humor encontra-se deprimido;


 Perda de interesse e prazer;
 Ter pelo menos 2 e menos de 5 outros sintomas de humor depressivo, durante
pelo menos 2 semanas;

AVALIAÇÃO:

Na avaliação neuropsiquiátrica de pacientes com AVC importa observar os


sintomas somáticos (fadiga, perturbação do sono e apetite) e realizar o diagnóstico
diferencial para compreender se as perturbações do comportamento, da expressão
emocional e da comunicação verbal decorrem da perturbação depressiva reativa ou se
são resultantes das lesões provocadas pelo AVC.

43
Instrumentos de Avaliação Neuropsiquiátrica

Os instrumentos de avaliação neuropsiquiátrica utilizados em Portugal são:

 Escala de Hamilton para Avaliação de Depressão (HAM-D 24)


o Preenchida pelo Clínico;
o Escala de 24 itens considerada o standard para uniformização de
resultados em ensaios clínicos;
o 1ª Escala de heteroavaliação para avaliação da depressão;
o Escala baseada numa entrevista de duração aproximada de 30 min,
aplicada por profissionais treinados e com experiência clínica;

 Inventário de Depressão de Beck (BDI)


o Preenchido pelo próprio;
o Questionário utilizado para avaliar a severidade de sintomas depressivos;
o Questionário de autorrelato, relativo ao momento atual, constituído por
21 itens, cada um composto por 5 possibilidades de resposta;

 Escala de Depressão Geriátrica (GDS)


o Deve ser preenchida pelo clínico no decorrer de uma entrevista com a
duração aproximada de 30 minutos. O clínico poderá recorrer a um
informante ou cuidador sempre que necessário;
o Sobre a última semana;

44
 Inventário Neuropsiquiátrico (NPI)
o Administrado ao Cuidador;
o Concebido para pessoas com demência, pacientes com traumatismo e
lesão cerebral na avaliação de alterações de comportamento;
o Questões são abordadas de uma forma compreensiva e eficiente, através
de um questionário de screening para cada comportamento alvo:
 Comportamento ausente – Fim das questões;
 Comportamento presente – Questões mais aprofundadas para
verificar sintomatologia específica, a sua frequência e severidade;

FACTORES ASSOCIADOS À EVOLUÇÃO DA DOENÇA:


• Compromisso Físico;
• Compromisso Cognitivo;
• Severidade/Extensão da lesão;
FACTORES NÃO ASSOCIADOS À EVOLUÇÃO DA DOENÇA:
• Idade;
• Sexo;
• Diabetes;
• Escolaridade;
• AVC anterior;
LOCALIZAÇÃO:

a) Lateralidade
Os sintomas depressivos são mais frequentes em pacientes com lesão no
Hemisfério Direito ou no Esquerdo?
Segundo o primeiro estudo sistemático comparativo de Gainotti (1972):
• Reação depressiva catastrófica é mais frequente em pacientes com lesões no
hemisfério esquerdo (frequentemente em pacientes com afasia);
• Reação de Indiferença – Não existe associação com lateralidade, podendo ser
uma reação emocional indireta;

b) Gradiente anterior-posterior

Por outro lado, vários estudos se têm debruçado sobre a importância da


localização da lesão cerebral na etiologia da depressão pós- AVC, em função do
gradiente anterior-posterior, ou seja, se a lesão se localiza nas regiões mais anteriores
ou posteriores do cérebro.
O polo frontal tem sido um candidato particularmente forte associado à etiologia
da depressão pós-AVC. Estudos mais recentes e com amostras de grande dimensão têm
vindo a confirmar a maior prevalência de pacientes diagnosticados com Depressão Pós-
AVC quando a lesão envolve o polo frontal.

45
6.2.2 Episódio Maníaco Pós-AVC
O episódio maníaco define-se por um conjunto de 3 critérios:

CRITÉRIO A:

Período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou


irritável e uma atividade ou energia dirigida a objetivos anormal e persistentemente
aumentada, com duração mínima de uma semana e presente a maior parte do dia,
quase todos os dias.

CRITÉRIO B:

Durante o período de alteração do humor e aumento de energia ou atividade,


estão presentes num grau significativo e representam uma alteração notória do
comportamento habitual, 3 ou mais dos seguintes sintomas:
• Autoestima aumentada ou grandiosidade;
• Diminuição da necessidade de dormir;
• Mais falador do que habitual;
• Fuga de ideias ou experiência subjetiva de aceleração do pensamento;
• Distratibilidade;
• Envolvimento excessivo em atividades de risco elevado;

CRITÉRIO C:

Défice marcado no funcionamento social e ocupacional. A prevalência de


episódios maníacos associados a AVC é menor que 1%.

LOCALIZAÇÃO:

 Região polar e basal do lobo temporal direito;


 Áreas subcorticais: caudado e tálamo direito;

a) Lateralidade
Maior incidência de episódios maníacos em doentes com lesão no hemisfério
direito;

CARACTERÍSTCAS DO PACIENTE TIPICO:


• Sexo masculino;
• Sem história pessoal ou familiar de perturbação psiquiátrica;
• Com pelo menos um fator de risco vascular;
• Sem atrofia subcortical;
• AVC direito;

46
6.2.3 Episódio Maníaco (Bipolar I) Pós-Traumatismo
Crânioencefálico
A investigação parece sugerir que o episódio maníaco após traumatismo
crânioencefálico não é uma resposta direta ao compromisso cerebral associado ao
traumatismo. Antes, a etiologia do episódio maníaco nestes casos parece estar
associado a episódios convulsivos pós-trauma.

PREVALENCIA:> 2%.

SINTOMAS:
• Sintomas maníacos;
• Origem em episódios compulsivos;
• Comportamento agressivo e violento;
LOCALIZAÇÃO:
• Região Cortical do Temporal Anterior e Orbito-Frontal Direito (Lesões Corticais);

6.2.4 Perturbação Bipolar II Pós-AVC


Perturbação Bipolar II – Existência de episódio hipomaníaco atual ou passado e
episódio depressivo major atual ou passado.

Por Episódio Hipomaníaco, entende-se o conjunto de 3 critérios:

 Critério A – Período distinto de humor anormal e persistentemente elevado,


expansivo ou irritável e de atividade ou energia dirigida a objetivos anormal e
persistentemente aumentada, com duração mínima de 4 dias consecutivos e
presente a maior parte do dia, quase todos os dias;
 Critérios B e C – Episódio Maníaco;

SINTOMAS:
• Maior compromisso intelectual que pacientes com perturbação maníaca
unipolar;
• Lesões sobretudo subcorticais;
AVALIAÇÃO:

 Após os 40 anos devem ser avaliados para despiste de lesão cerebral;

47
6.2.5 Perturbação de Ansiedade Pós-AVC
Perturbações de Ansiedade – Perturbações que partilham características de medo
e ansiedade excessivos e alterações do comportamento relacionadas que persistem
para lá dos períodos de desenvolvimento adequados (6 meses ou mais em adultos).
Diferem entre si no tipo de objetos ou situações que induzem medo, ansiedade ou
comportamento associado.

PREVALÊNCIA: 22% a 24%.

SINTOMAS:

 Possível comorbilidade com a depressão pós-AVC;


AVALIAÇÃO:

 Escala de Hamilton;
 GDS-30;
 NPI;
FATORES PREDITORES:

 Idade (Quanto mais novo o paciente maior a probabilidade de desenvolver uma


perturbação de ansiedade pós-AVC);
 História individual de perturbação de ansiedade e depressão;

FATORES NÃO PREDITORES:

 Sexo;
 Localização da lesão;

6.2.6 Labilidade Emocional Pós-AVC


Labilidade Emocional – Período de experiência emocional instável com mudanças
de humor frequentes, alcançando facilmente estados emocionais intensos, com
grande ativação fisiológica ou de proporções exageradas para as circunstâncias;
(Emocionalismo, Incontinência emocional ou Expressão Emocional Involuntária)

PREVALÊNCIA: 8% a 37%, dependendo dos contextos e subjetividade clínica.


SINTOMAS:

 Moderados, temporários e vão diminuindo ao longo do tempo;


 Frequente comorbilidade entre Labilidade Emocional e Perturbação Depressiva;

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AVALIAÇÃO:

 Escalas de Hamilton;
 NPI;
LOCALIZAÇÃO:

 Regiões Frontais;
 Regiões Dorsais;

6.2.7 Fadiga Pós-AVC


Fadiga pós-AVC (Fadiga Patológica ou Exaustão) – Estado generalizado de cansaço
não relacionado com qualquer esforço prévio;

PREVALÊNCIA: 40%.
SINTOMAS:

 Quadro clínico desenvolve-se de forma abrupta e não melhora com descanso;


 Forte comorbilidade com Défices de Atenção, Depressão, Dor e Perturbações do
Sono;
AVALIAÇÃO:

 Escalas de fadiga subjetivas;


 Questionários de autopreenchimento que analisam o sintoma de forma
unidimensional (severidade da fadiga) ou multidimensional (incluindo itens
sobre seu impacto nos domínios psíquico, físico, e psicossocial);
 Entrevistas clínicas neuropsiquiátrica como a NPI e GDS;

6.2.8 Apatia Pós-AVC


Apatia – Perturbação da motivação com redução do comportamento e da atividade
cognitiva e emocional dirigida a objetivos;

PREVALÊNCIA: 34% - 40%.


SINTOMAS:

 Redução da motivação durante pelo menos 4 semanas;


 Embotamento afetivo;
 Perda de interesse;
 Atraso psicomotor;
 Comorbilidade com a Sintomatologia Depressiva;

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FATORES PREDITORES:

 Idade;
 Sexo feminino;
 Baixa escolaridade;
 Lesão;
 Défices físicos, cognitivos e emocionais;
LOCALIZAÇÃO:

 Lesões cerebrais, uni ou bilaterais, envolvendo o núcleo caudado, globo pálido


ou putamen;
 Circuito que inclui o núcleo medial do tálamo e certas áreas frontais conectadas
com o sistema límbico;
 Lesões ou disfunções no circuito corticosubcortical do cingulado anterior;

6.2.9 Alterações de Personalidade Pós-AVC


As alterações de personalidade estão mal definidas na literatura e
frequentemente têm servido para descrever qualquer síndroma neuropsiquiátrico, em
particular a apatia.

SINTOMAS:

 Irritabilidade – Impaciência, acessos de raiva, alterações de humor repentinas e


oposição e tem uma prevalência de 12% as 53%. Surge mais associada a
sintomatologia psicopatológica mais severa, depressão, ansiedade e
empobrecimento cognitivo;

 Desinibição – Impulsividade, falta de tacto e vulgaridade e tem uma prevalência


de 6% a 76%, dependendo do instrumento de avaliação e do contexto. Ocorre
com maior prevalência em internamento hospitalar agudo do que em centros de
reabilitação;

AVALIAÇÃO:
A avaliação das alterações de personalidade pós-AVC é muito desafiante porque
habitualmente não temos acesso direto ao comportamento do paciente antes da
doença.
• NPI, em particular as questões sobre comportamento desinibido e irritabilidade;

50
6.2.10 Psicose e Sintomatologia Psicótica Pós-AVC

Psicose – Perturbação que envolve a distorção severa no conteúdo do pensamento


em forma de alucinações ou ilusões. A sua prevalência é de 0,4%-3.1%;

o Alucinação – Perceção anormal que não é partilhada com outros;


o Ilusão – Crença errónea que habitualmente envolve interpretação
incorreta das perceções e da experiência;
PREVALÊNCIA: 0.4% - 3.1%.
SINTOMAS:
• Início gradual (6 meses após AVC);
• Sintomas Simples (ex. flashes de luz e sons simples);
• Sintomas Complexos (ex. ilusões ou alucinações visuo-auditivas);
• Alucinações visuais que são mais comuns em pacientes com lesão occipital;
AVALIAÇÃO:
• NPI;
• Escalas de sintomas positivos e negativos;

51
7. Neuropsicologia da Atenção
Ao nível psicológico a atenção é o foco em determinadas propriedades cognitivas
(ex.: informação sensorial, pensamentos e sentimentos), enquanto se suprime outras
propriedades.
Ao nível neuronal, a atenção é a alocação dos recursos neuronais no cérebro. Ou
seja, a excitação de alguns circuitos neuronais e a inibição de outros.
A atenção pode ser direcionada para:

 Ambientes externos (ex.: através dos sistemas sensoriais);

 Direcionada internamente (ex.: memória de trabalho);

A atenção é diferente de excitação e de experiência consciente, mas pode ser


influenciada por ambas.

Atenção ≠ Excitação

Atenção ≠ Experiencia Consciente

O tronco cerebral e o tálamo são duas importantes regiões para a excitação, pois
ao distribuírem vários neurotransmissores no cérebro, modelam o nível de excitação.
Os níveis de excitação no estado acordado modelam a atenção, sendo que a
excitação muito baixa ou muito alta afetam a atenção negativamente.
A atenção determina que a informação que experienciamos:

 Conscientemente – Informação em que a pessoa está atenta/participa;


 Inconscientemente – Informação em que a pessoa não estão atenta/não
participa;

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A atenção tem um lado “negro” que são as suas limitações espaciais e temporais
que afetam a experiencia consciente:

 Cegueira Inatencional (inattentional blindness) – Falha em reparar num


estímulo que não é expectável porque a atenção está dedicada a outra tarefa.
Pode ocorrer como o resultado da limitação espacial;

 Piscadela Atencional (attentional blink) – Quando o segundo de dois alvos não


é detetado por causa da sucessão próxima no tempo em relação ao primeiro
alvo. Pode ocorrer por causa da limitação temporal da atenção;

Limitação Espacial → Cegueira Inatencional


Limitação Temporal de Atenção → Piscadela Atencional

O circuito dorsal frontoparietal da atenção é responsável pelo controlo


atencional e pela mudança da atenção durante as mudanças direcionadas ao objetivo e
direcionadas ao estímulo.
Este circuito dorsal da atenção largamente coincide com o mesmo circuito que
é responsável pelo movimento dos olhos.

 Encobrir a visualização/atenção do estímulo no campo visual esquerdo ou direito


aumenta a atividade neuronal no córtex visual contralateral;
 Ou seja, a atenção espacial encoberta aumenta a atividade neuronal no
hemisfério contralateral;

A atenção a objetos aumenta a atividade neuronal em regiões cerebrais


responsáveis pelo processamento de objetos, enquanto ignorar certos objetos irá
diminuir a atividade neuronal nas mesmas regiões

53
7.1 Negligência
7.1.1 Negligência Espacial
Causa: Danos no lobo parietal inferior, no giro temporal superior e/ou córtex
frontal inferior, maioritariamente no hemisfério direito;

7.1.1.1 Síndrome de Neglicência Hemi-Espacial

 Incapacidade para participar e reportar estímulos no lado oposto da lesão


(contralesional) apesar das funções motoras e sensoriais estarem normais;

 Há uma tendência espacial para direcionar a atenção e ações para o hemi-espaço


e espaço-corporal do mesmo lado da lesão (ipsilesional);

 Há uma falta de experiência consciente do lado ipsilesional, o paciente possui


alguma desatenção/falta de consciência acerca da sua disfunção, confabulação,
alheamento acerca da possessão do seu corpo;

 Há uma redução da excitação e da velocidade de processamento;


Pacientes com negligência espacial mostram
uma tendência em relação ao lado ipsilesional ao longo
de várias tarefas comportamentais que exigem que os
pacientes procurem no campo visual para encontrarem
algum alvo.
Quando pacientes com negligência espacial
tentam copiar uma figura, eles unicamente copiam o
lado ipsilateral da figura, que também ocorre quando
desenham algo de memória.

A negligência espacial afeta todas as modalidades


sensoriais: o método de eye-tracking mostra que
também os olhos têm uma forte tendência ipsilesional
durante tarefas de procura ativa tal como no “descanso
passivo”.

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 Casos de negligência espacial clássica têm
negligência espacial egocêntrica (i.e., negligência
do lado contralesional do ponto de vista do
paciente);

 Casos raros de lesões do lobo temporal


inferior pode causar negligência espacial
alocêntrica, em que o lado contralesional
dos objetos é negligenciado, e em alguns
casos esta negligência segue a orientação
do objeto;

A negligência espacial afeta igualmente a atenção endógena (direcionada ao


objetivo) e exógena (direcionada ao estímulo).
Em conjunto, os sintomas de atenção espacial apontam para uma disfunção no
circuito atencional dorsal frontoparietal. Nos pacientes com negligência espacial há:

 Menos atividade BOLD durante as tarefas que requerem atenção;


 Mais atividade no IPS esquerdo comparativamente ao hemisfério direito;
 Mais assincronia entre o IPS esquerdo e direito durante a negligência espacial
aguda;
Pacientes com negligência espacial também apresentam sintomas não-espaciais
relacionados à reorientação da atenção, deteção de estímulos novos e
excitação/vigilância que têm sido associados à atividade nas regiões ventrais, onde os
pacientes com negligência espacial costumam ter as suas lesões.
Portanto, foi sugerido que essas regiões ventrais formam um circuito ventral da
atenção que é impulsionada por estímulos e trabalha em conjunto com o circuito dorsal
da atenção direcionada para objetivos.
Normalmente, as redes de atenção dorsal e ventral estão em equilíbrio e
possibilitam-nos tomar atenção ao nosso ambiente de maneira normal. No entanto,
lesões no circuito ventral da atenção parecem causar um desequilíbrio no circuito dorsal
da atenção, de modo que o aumento da atividade no hemisfério contralesional e a
assincronia entre os hemisférios criam um viés/uma tendência em relação ao lado
ipsilateral, negligenciando o lado contralesional.

VS.

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7.1.2 Síndrome de Balint
No Síndrome de Balint, os pacientes só conseguem tomar atenção a uma coisa
ao mesmo tempo, sendo que não é importante onde está no espaço.
Causa: Danos no córtex parietal e occipital.
Sintomas:

 Simultanagnosia – Incapacidade de perceber mais do que um


objeto de cada vez;

 Ataxia Ótica – Capacidade prejudicada de alcançar um objeto no espaço sob


orientação visual;

 Ataxia Oculomotora – Incapacidade de direcionar voluntariamente o olhar


para objetos no campo visual com sacadas;

7.1.3 Extinção
Na extinção, os pacientes negligenciam coisas no espaço contralesional
unicamente quando têm de tomar atenção a algo que ocorra ao mesmo tempo.

Extinção – Incapacidade para percecionar o espaço contralesional quando se


apresenta mais do que um estímulo;

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