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Planejamento regional compartilhado em


Minas Gerais: avanços e desafios
Shared regional planning in Minas Gerais: progresses and challenges

Nilo Bretas Junior1, Helena Eri Shimizu2

RESUMO O objetivo do estudo foi analisar o planejamento regional em saúde de Minas Gerais,
a fim de verificar os principais avanços e desafios. Foi realizado um estudo de caso do plane-
jamento regional no período de 2007 a 2012. Analisaram-se os documentos: atas, relatórios
e outros produzidos no processo de planejamento regional. Utilizaram-se como referencial
teórico as categorias: direcionalidade, compartilhamento e prestação de contas. Verificou-
se que a direcionalidade tem sido prejudicada, pois as questões cotidianas se sobrepõem. O
grau de compartilhamento das decisões mostrou-se elevado. Por fim, a petição e prestação de
contas mostraram-se bastante frágeis.

PALAVRAS-CHAVE Planejamento em saúde; Gestão em saúde; Regionalização.

ABSTRACT The study aimed to analyze regional health planning in Minas Gerais in order to
verify the main progresses and challenges. It was conducted a case study of regional planning
in 2007-2012. Analyzed documents were: minutes, reports, and others produced in the regional
planning process. Categories used as theoretical framework were: directionality, sharing and
accountability. It was found that the directionality has been hampered because daily matters
overlap. The degree of sharing of decisions was high. And, finally, the petition and accountability
were quite fragile.

KEYWORDS Health planning; Health management; Regional health planning.

1 Universidade de Brasília
(UnB) – Brasília, DF, Brasil.
nilo@conasems.org.br

2 Universidadede Brasília
(UnB), Departamento de
Saúde Coletiva, Programa
de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva – Brasília,
DF, Brasil.
shimizu@unb.br

SAÚDE DEBATE | Rio de Janeiro, v. 39, n. 107, P. 962-971, OUT-DEZ 2015 DOI: 10.1590/0103-110420151070397
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Introdução no sentido de seu aperfeiçoamento, desde a


superação de obstáculos de aplicação meto-
Entre os maiores desafios à construção do dológica até a necessidade de maior contex-
Sistema Único de Saúde (SUS) está a neces- tualização de seu uso, de maior abrangência
sidade da regionalização solidária e coopera- de modelos explicativos de causalidades dos
tiva entre entes federados com a integração e problemas de saúde e de incorporação de
o compartilhamento da gestão nas regiões de conteúdos comunicativos capazes de ala-
saúde por meio dos Contratos Organizativos vancar mudanças (RIVERA; ARTMANN, 2012; JESUS;
de Ação Pública (Coap). Ganha centralidade, TEIXEIRA, 2014).
assim, a discussão a respeito do planejamen- Com a evolução da implementação do
to em saúde e como torná-lo instrumento de SUS, verifica-se um novo desafio de aperfei-
tomada de decisão por gestores nas regiões çoamento, a construção regionalizada de po-
de saúde. líticas de saúde e com ação integrada entre
Pensadores, incluindo o argentino Mario entes federados autônomos (LIMA ET AL., 2012).
Testa, apontaram críticas ao planejamento Sem abrir mão da unicidade de princípios
em saúde na América Latina, tais como: a diretivos e organizativos do sistema, a atual
omissão de aspectos políticos inerentes ao política de construção do SUS, representado
setor saúde, o subfinanciamento, a falta de pelo Decreto nº 7.508 que regulamenta a Lei
coordenação dos serviços, a baixa capaci- nº 8.080, exige diversidade de estratégias e
dade de regulação do Estado, a incipiente de ação para o enfrentamento dos problemas
capacidade de governo, alto nível de priva- de saúde (BRASIL, 2011).
tização dos sistemas de saúde, caracterizan- Assim, este estudo tem o objetivo geral de
do-o como excessivamente tecnocrático, analisar o planejamento regional comparti-
dominado pelo paradigma do planejamento lhado em saúde de Minas Gerais desenvol-
normativo, fundamentado no pensamento vido no período de 2007 a 2012, a fim de
econômico e administrativo (RIVERA; ARTMANN, verificar os principais avanços e desafios.
2012). Essa análise crítica enseja a defesa de
um planejamento em saúde que extrapo-
le a lógica econômica e apoie a formulação Método
de políticas de saúde por meio da definição
de estratégias, de diagnóstico setorial, de Foi realizado um estudo de caso, da experiên-
análise institucional, de programação regio- cia de planejamento macrorregional desen-
nal e de monitoramento (PAIM; TEIXEIRA, 2006; volvido em Minas Gerais pelo Conselho de
RIVERA; ARTMANN, 2012; JESUS; TEIXEIRA, 2014). Secretarias Municipais de Saúde do Estado
Tal esforço consolida-se nas décadas de (Cosems/MG), durante os anos de 2007 a
1980 e 1990 no que se denominou planeja- 2012. A escolha metodológica justifica-se,
mento estratégico, e vem sendo utilizado pois o estudo de caso permite ao investiga-
amplamente no setor saúde, inclusive no dor aprofundamento em relação ao fenôme-
Brasil, por meio das três vertentes de pensa- no estudado, revelando nuances singulares
mento que, partindo de referencial comum dos processos (YIN, 2005).
contrário à postura normativa, dão ênfase O Cosems/MG, partindo da análise es-
a aspectos distintos: o planejamento es- tratégica do processo de regionalização es-
tratégico situacional de Carlos Matus, o tadual, de forma compartilhada com toda a
pensamento estratégico de Mário Testa e o sua diretoria e com a Secretaria de Estado da
enfoque estratégico de saúde para todos de Saúde de Minas Gerais (SES/MG), pactuou
Bornechea, Trujillo e Chorny (RIVERA; ARTMANN, na Comissão Intergestores Bipartite esta-
2012). Diversos autores elaboraram críticas dual (CIB/MG) sua corresponsabilidade

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na condução da implementação do proces- Tomando o Projeto Apoiador como


so de desenvolvimento do planejamento forma de organização, o Cosems/MG de-
regional, com foco nas Macrorregiões de senvolveu a experiência de planejamento
Saúde do Estado. regional. Foram realizadas 125 oficinas
Assim sendo, o Cosems/MG, em função macrorregionais, envolvendo apoiadores
da necessidade de articular sua presen- regionais do Cosems, secretários munici-
ça nas diversas regiões assistenciais, pais de saúde e convidados das regionais
organizou-se em Cosems regionais, com- da SES e algumas universidades. Também
pondo o sistema de governança dessas foram realizadas 7 oficinas centraliza-
regiões. Nas Microrregiões, participam as das com apoiadores regionais do Cosems,
Comissões Intergestoras Regionais (CIR) equipe técnica de assessores do Cosems e,
em conjunto com regional da SES/MG e em alguns momentos, de dirigentes tanto
com participação de todos os secretários do Cosems como da SES, para preparar as
municipais de saúde da microrregião. Nas oficinas macrorregionais e para consolidar
macrorregiões participam as Comissões seus resultados. Essas oficinas resultaram
Intergestoras Regionais Ampliadas (Cira), em relatórios temáticos de planejamento e
com participação das várias regionais da no alinhamento de estratégias em relató-
SES que estão no território. A quantida- rios de pactuação nos fóruns intergestores
de de Cosems regionais difere da quanti- CIR, Cira e CIB.
dade de micro ou macrorregiões por não Dessa feita, foi realizada análise docu-
se tratar de divisão assistencial, e sim de mental dos seguintes documentos produzi-
representação política dos municípios, di- dos no âmbito dos Cosems no período acima
vididos em polos de representação. Como referido: 26 relatórios e 125 atas.
resultados desse processo, foram definidos Para a análise, utilizou-se o referencial
25 Cosems Regionais. teórico do planejamento estratégico, em es-
Ademais, a partir de 2009, com o propósito pecial da Teoria das Macro-organizações e
de fortalecer o princípio da Regionalização do Sistema de Direção Estratégica de Carlos
Solidária e Cooperativa nos espaços de Matus, com destaque para as seguintes regras:
gestão regional, foi criado o Projeto Apoiador a Direcionalidade/Sistema de Conformação
Cosems (MOTA, 2012). Neste Projeto, um pro- da Agenda do Dirigente e a Responsabilidade/
fissional técnico acompanha as atividades Sistema de Petição e Prestação de Contas por
de duas a seis microrregiões de saúde, e no Resultados (MATUS, 1993).
mínimo um Cosems Regional ajuda na disse- Foi elaborada uma matriz analítica do
minação de informação, bem como provoca planejamento regional integrado em saúde
a mobilização regional dos gestores munici- contendo três dimensões: a ‘direcionalida-
pais para ações de fortalecimento da gestão de’, que visou identificar se a configuração
em cada região. da agenda dos dirigentes de saúde confere
Minas Gerais possui 22 apoiadores. Todos direção ao processo de planejamento re-
eles têm como principal atividade o apoio gional; a ‘responsabilização’, que consistiu
técnico aos Cosems regionais, subsidiando em verificar a assunção das responsabili-
as ações regionais, a fim de enfrentar os pro- dades pactuadas e a prestação de contas
blemas advindos da assimetria de informa- no âmbito regional; e, por fim, o ‘comparti-
ção, fragmentação institucional do Cosems lhamento’, que teve como propósito averi-
e fortalecimento da capacidade técnica mu- guar o processo de cogestão nas regiões de
nicipal, auxiliando no processamento téc- saúde. Cabe mencionar que essas catego-
nico-político dos problemas e possibilidades rias representam uma adaptação do traba-
de enfrentamento. lho de Lima (2003).

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Resultados e discussão em longa discussão e em alguns casos de


postergamento das decisões.
Em relação à categoria de análise da direcio- Em realidade, observou-se que esses
nalidade, os relatórios temáticos do planeja- espaços de cogestão CIR e Cira, por vezes,
mento regional trazem a missão claramente têm sido conduzidos de modo burocrático
enunciada: e cartorial, sem um amplo debate por parte
dos gestores envolvidos, o que pode resultar
Construir um plano de ação que propicie a em baixa ou nenhuma repercussão nas práti-
aglutinação dos municípios nas macrorregi- cas institucionais vigentes (VIANNA; LIMA, 2013).
ões para uma ação coletiva e uma postura de Observa-se ainda que a CIR tem dificul-
co-gestão, com vistas à organização da rede dade para conferir direcionalidade à agenda
interfederativa de forma complementar à or- de decisões, o que Matus (1996) denomina
ganização microrregional. (BRASIL, 2008, P. 3). de Sistema de Configuração da Agenda do
Dirigente. Este sistema contém o recurso
Tal enunciado evidencia a clareza do papel mais crítico para os dirigentes: o tempo;
dos gestores municipais, porém a análise dos além de ser responsável por manter o foco de
relatórios de pactuação das CIRs e Ciras atenção destes sobre aquilo que é prioritário.
demonstra a predominância de discussões Uma análise do Sistema de Agenda do
fragmentadas que, embora incidam sobre as Dirigente exige a verificação do quanto da
ações planejadas, ocupam grande parte das sua atenção está voltado para assuntos e
agendas dos dirigentes a alocação de novos problemas relacionados com a missão, e não
recursos ou as exigências de cumprimento com problemas rotineiros e emergências e
das normas federais ou estaduais. imprevistos. A preocupação de Matus (1996)
Essas agendas têm pautas que privilegiam com a racionalização da agenda do dirigen-
os ritos da Comissão Intergestores Tripartite te decorre da constatação de que, diante da
(CIT) e CIBs em detrimento dos problemas enorme quantidade de problemas que nor-
locais. Em um único mês, fevereiro de 2011, malmente surgem no cotidiano da gestão, há
produziram-se 383 deliberações sobre temas necessidade de se regular o tempo e o foco
pautados nessas instâncias, que foram enca- da atenção, caso não se deseje que a organi-
minhados pelas diversas regiões para homo- zação perca o rumo ante a demanda diária
logação na CIB/MG. Em julho de 2011, foram de problemas. As pressões que o dirigente
130, sendo que nesse mês foi um dos poucos sofre em sua gestão cotidiana contrariam o
momentos que se discutiram metas e indica- planejamento, a regulação racional do foco
dores de ações planejadas para as regiões. de atenção e o uso inteligente do tempo.
Ainda quanto à categoria de análise da Desse modo, algumas questões são impor-
direcionalidade, as CIRs também apresen- tantes para que a agenda de pactuações na
tam diversidade de realidades. As Câmaras CIR seja ordenada pela direcionalidade da
Técnicas, embora tenham sido regulamen- missão de forma eficaz. É fundamental que
tadas por meio dos regimentos das CIRs em a composição da pauta se baseie na missão
Minas Gerais, não funcionam como unidade enunciada e no plano de ação regional elabo-
de processamento prévio de problemas em rado, no qual devem estar contidas as prio-
todas as regiões. Tal situação pode ser obser- ridades da gestão. Para isso, dois elementos
vada em atas nas quais algumas discussões devem ser destacados no Sistema de Direção
a respeito de um tema em pactuação têm Estratégica: a existência de uma Unidade de
opiniões emitidas diretamente pelos gesto- Processamento Técnico-Político e o entorno
res, sem a exposição ou problematização nos do dirigente (MATUS, 1996). A Câmara Técnica
âmbitos das CIRs e da Cira, o que acarreta das CIRs deve ordenar a pauta em coerência

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com as prioridades do plano, e isso não parece métodos de planejamento e a organização


ter ocorrido observando os relatórios de (TESTA, 1987), o desafio pode ser traduzido em
pactuação. como estruturar as organizações – instâncias
Alguns estudos feitos por Matus (1993; 1996) de gestão no SUS de forma coerente com os
apontam que cerca de 10% do tempo do diri- propósitos colocados. A implementação do
gente de países da América Latina são desti- SUS não foi acompanhada por mudanças
nados a problemas importantes do governo. nos métodos e estruturas das organizações
Mesmo sem poder realizar comparações de saúde (MENDES, 1996). O principal exemplo
entre seus estudos e a realidade das CIRs, dessa rigidez de estruturas está diretamente
pelas diferenças de metodologia e contex- relacionado com o espaço de atuação regio-
to situacional, percebe-se que o excesso de nal que são as instâncias regionais das SES,
demanda oriunda das agendas Tripartite e quase sem função, a não ser como repassa-
Bipartite acaba por impedir esses momen- dores de papel dos níveis centrais para os
tos de planejamento e avaliação, fazendo municípios e espaços de barganha política
com que a possibilidade de se perder o rumo (SILVA; GOMES, 2013).
aumente, uma vez que esse tipo de comporta- Quando Matus (1996) falou de descentra-
mento gera cegueira situacional (MATUS, 1996). lização, referiu-se a poder, capacidade de
Claro que demandas oriundas das agendas decisão, e não apenas de descentralização de
Tripartites e Bipartite sempre existirão; a responsabilidades. Nesse sentido, o apoio ao
questão é como orientá-las ou oportunizar planejamento regional desenvolvido pelos
a discussão das prioridades locais por meio Cosems contribuiu para fortalecer a cons-
dessa demanda externa, ao invés de simples- trução da autonomia, do espaço regional.
mente tentar respondê-las. Entretanto, cabe ressaltar que não foram
Quanto ao entorno dos dirigentes, é de discutidos no espaço da CIR as responsabi-
crucial importância o trabalho desenvolvido lidades de cada ente federado para com as
pelos apoiadores regionalizados do Cosems ações planejadas, demonstrando grande fra-
e o papel cumprido pelo sistema de informa- gilidade no processo de governança regional.
ção do Projeto Apoiador (PINHEIRO ET AL., 2013). Como consequência, não foram contempla-
Os apoiadores, orientados pelo escritório das as decisões acerca do financiamento, da
central do Cosems/MG, acabam direcionan- regulação e da gestão do trabalho.
do os problemas que devem ou não serem É importante ressaltar que, com regula-
dirigidos à pauta da CIR. mentação da Lei nº 8.080, de 1990, o desafio
Quanto à categoria de análise do compar- de realizar a integração regional dos sistemas
tilhamento, verifica-se que ocorre o envol- municipais ganhou novo impulso. Na Carta
vimento de todos os gestores municipais no de Maceió, elaborada em 2012 (CONASEMS,
processo de discussão das questões relativas 2012), o Conselho Nacional das Secretarias
à região e também à forte presença dos me- Municipais de Saúde propõe uma agenda
canismos de comunicação do Cosems/MG. política para todos os 26 Cosems e todas as
O fórum do Projeto Apoiador desenvolvido Secretarias Municipais de Saúde do Brasil
pelo Cosems tem grande número de infor- em relação à regionalização que contempla:
mações relativas a essa comunicação com fortalecer a cogestão regional do sistema de
gestores municipais de saúde. saúde, rompendo o caráter excessivamente
Tomando como referência o Postulado normativo do planejamento, possibilitan-
de Coerência de Mário Testa, que diz que do o planejamento ascendente e investindo
a viabilidade de qualquer proposta irá de- na autonomia e capacidade de decisão das
pender da coerência entre três elementos CIRs; reafirmar a direção única sobre pres-
fundamentais: os propósitos de governo, os tadores em cada esfera de governo como um

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princípio inegociável no SUS e pré-condição instituído para contemplar os Cosems regio-


para a governança regional da rede de nais cujos gestores se empenharem em de-
atenção à saúde; pactuar uma política de senvolver atividades, visando à melhoria da
financiamento equitativo que assegure o de- qualidade da participação na implementação
senvolvimento de ações e serviços de saúde e proposição de políticas públicas no SUS em
com base nas especificidades regionais, con- Minas Gerais. O prêmio objetiva incentivar
tribuindo com a redução das iniquidades e valorizar resultados dos Cosems regionais
no País. na melhoria da capacidade de aglutinação
Todavia, há que se considerar que entre dos municípios sob sua jurisdição, na dis-
os maiores desafios para a operacionalização cussão da política estadual no contexto re-
do planejamento regional compartilhado gional, na capacidade de trazer propostas
está a questão do centralismo federal, sobre- para discussão no nível central, na agilidade
tudo estimulado pela forma de repasses de na disseminação das informações, na maior
recursos financeiros, e o gerenciamento cen- interlocução com o escritório central do
tralizado da habilitação de serviços (SANTOS, Cosems e no comparecimento nas reuniões
2015). Dessa feita, é fundamental que a CIR ordinárias mensais do Cosems/MG. Os crité-
desenvolva o planejamento regional em seu rios de avaliação são publicados anualmente
sentido completo, com estabelecimento, es- por edital, a avaliação é realizada por co-
pecialmente de financiamento que extrapole missão constituída para essa finalidade e os
os limites da população municipal. resultados são amplamente divulgados. Pelo
Nesse sentido, não se pode conceber o pro- prêmio, é atribuído um valor financeiro ao
cesso de regionalização do sistema de saúde Cosems regional que funciona como estímu-
sem participação efetiva da esfera estadual, lo ao desenvolvimento do seu plano de ação.
especialmente porque tem a responsabili- Matus (1996) enfatiza que o alicer-
dade de articulação e integração dos muni- ce do Sistema de Direção Estratégica do
cípios. Ademais, tem a responsabilidade de Planejamento Estratégico Situacional está
apoio técnico e financeiros, que não podem no Sistema de Petição e Prestação de Contas.
ser genéricos e imprecisos, pois podem gerar Segundo ele, somente por intermédio de
sobreposições ou lacunas de atuação. mecanismos eficazes de petição e prestação
No que tange à categoria de análise res- de contas é possível considerar uma orga-
ponsabilização, dada a própria incipiência nização de alta responsabilidade, condição
das CIRs, verifica-se grande fragilidade no mínima para a implementação de ações des-
Sistema de Petição e Prestação de Contas. centralizadas e eficientes. No SUS, observa-
Todas as 28 ações contidas no relatório con- -se um déficit de responsabilidade, uma vez
solidado de planejamento macrorregional que a descentralização se deu de forma in-
têm responsabilidade atribuída a instituições completa, por repasses de responsabilidades
ou ao Cosems/MG, e apenas 9 não contêm sem meios para serem cumpridas, com forte
demandas a outras esferas de governo. O normatização centralizada de aspectos téc-
estatuto do Cosems/MG prevê a discus- nicos e de alocação de recursos financeiros
são e aprovação de relatórios de gestão do e com competências vagas para a união e os
próprio Cosems, bem como dos Cosems re- estados: no que diz respeito à cooperação
gionais, de forma que essa dinâmica compõe técnica e financeira (LIMA ET AL., 2012).
o Sistema de Petição e Prestação de Contas. Em Minas Gerais, a única avaliação que
Também contribui para o Sistema de Petição consta das publicações diz respeito às expec-
e Prestação de Contas uma iniciativa do tativas colocadas pelos gestores no início do
Cosems/MG denominada Prêmio Cosems processo em 2007. Dos 19 objetivos do pla-
em Ação. Este prêmio, criado em 2008, foi nejamento regional, apenas 7 não tiveram

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respostas, mas acordou-se em estabelecer da prestação de contas como os instrumentos


estratégias para respondê-las. São eles: cons- para o sistema de planejamento. Verificando
truir um sistema de planejamento integrado; a situação dos RAGs em Minas Gerais à época
facilitar o diálogo com o mundo jurídico e com do estudo, apenas em 3,28% dos municípios a
o poder judiciário; estabelecer complementa- informação da existência ou não do RAG não
riedade com o planejamento microrregional foi encontrada, embora não seja possível veri-
(Cosems e SES estabeleceram a homologação ficar se as ações referentes à região de saúde
na CIB das pactuações, embora precise ser estão contidas neles. O próprio Ministério da
aperfeiçoado); aperfeiçoar o planejamento Saúde (MS) não apresenta regularidade nos
intramunicipal, utilizando o planejamento re- instrumentos do sistema de planejamento ao
gional; desenvolver cultura de planejamento longo da história do SUS. O Plano Nacional de
como instrumento de gestão; implementar o Saúde para o período 2008 a 2011 só foi apre-
sistema de planejamento em todos os níveis da sentado e discutido pelo Conselho Nacional de
atenção; unificar o sistema de planejamento, Saúde em outubro de 2009.
rompendo com fragmentações de programas. Esses fatos vão ao encontro de duas ob-
Fica claro que para responder a esses pro- servações importantes de Matus (1996), para
blemas é necessário aperfeiçoar os instru- aumentar a responsabilidade do sistema de
mentos de planejamento e a sincronicidade saúde. A primeira e mais importante é a que
dos processos intramunicipal, regional, esta- a prestação de contas deve ser feita publica-
dual e nacional (BRASIL, 2011; 2012A). Os relatórios mente, ou difundida até a população. A di-
de gestão, por exemplo, precisam dialogar vulgação realizada pelas páginas da Internet
com as estratégias planejadas e necessitam do MS, da SES/MG, do Cosems/MG e de
de critérios para sua avaliação, para muito vários municípios mostra o empenho nessa
além do cumprimento da exigência legal direção. Também é visível o esforço que o
de serem apresentados. Por isso, os resul- Cosems/MG vem fazendo ao desenvolver
tados precisam ser pactuados e conhecidos atividades de educação permanente volta-
por todos os membros da CIR. O estabele- das para a cultura da prestação de contas
cimento de objetivos, metas, indicadores e públicas. Tendo em vista não haver no SUS
instrumentos para verificá-los ampliam a uma instância de controle social regional,
responsabilidade de todos. até por não se constituir a região em ente
No entanto, os indicadores de avaliação federado, é fundamental estabelecer meca-
pactuados na época do estudo, hoje pactu- nismos de articulação interconselhos, para
ados pela Resolução CIT nº 5 (BRASIL, 2012B), que a alta responsabilidade a que Matus se
que informam as prioridades nacionais, por refere possa ser característica da organi-
exemplo, dizem respeito muito mais a pro- zação do SUS, ampliando a visibilidade da
cessos e meios, além de estarem fortemente gestão no âmbito do sistema regional de
associados à cultura de controle e repasse de saúde.
recursos financeiros, dado o entendimento O segundo ponto que vai ao encontro das
que o dinheiro é federal enquanto deveria recomendações de Matus (1996) diz respei-
ser considerado nacional. Isso resulta em to à regularidade da prestação de contas.
uma visão um tanto quanto taylorista da A regularidade contribui para gerar uma
administração pública, ao não se preocupar cultura de responsabilidade, pois cria hábito
com os resultados. naqueles que devem prestar contas das
A Lei Complementar 141, de 2012, que regu- suas ações a atuarem com mais visibilidade
lamenta a Emenda Constitucional 29, corrobo- em seus atos, sendo que a Lei 141 determi-
ra este fato ao fortalecer o Relatório Anual de na que a programação anual de saúde, que
Gestão (RAG) e os mecanismos de publicização inclui ações regionais, deva também ser

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submetida previamente aos conselhos de de mecanismos institucionais que garantam


saúde (BRASIL, 2012A). o controle público das ações dos governan-
Na Lei 141, estão previstas punições, como tes ao longo de todo o seu mandato. Ainda
suspensão de receitas tributárias dos fundos se está ‘engatinhando’ nessa prática no SUS,
de participação dos estados e municípios, embora a saúde seja a política pública com
suspensão de transferências voluntárias da maior participação da população no territó-
união, entre outras, embora os mecanismos rio nacional.
da aplicação das punições às responsabili-
dades compartilhadas nas regiões de saúde
ainda precisem ser melhor esclarecidas, Conclusões
da mesma forma às responsabilidades da
União. Segundo Matus (1996), em um sistema A Teoria das Macro-organizações e o Sistema
de alta responsabilidade, como deve ser o de Direção Estratégica elaborados por Carlos
SUS, todos devem se sentir responsáveis por Matus (1994) foram muito pertinentes para a
prestar contas a todos. realização da análise do planejamento regio-
Os planos de ação regionais construídos e nal em Minas Gerais. Isso porque o espaço de
pactuados precisam ser aprimorados tanto análise correspondia, de fato, a uma Macro-
para diminuir a responsabilização difusa organização. Esse referencial permitiu uma
já mencionada, quanto para objetivar mais análise aprofundada baseada em grandes
prioridades, metas, indicadores e, princi- categorias de análise do planejamento como
palmente, quanto ao que Matus (1993) formu- instrumento de gestão. Possibilitou ainda a
lou como momento estratégico e momento verificação do funcionamento do sistema de
tático operacional. planejamento e como aplicar seus conceitos
Segundo Campos (1990), a possibilidade de em prol da cogestão regional do sistema.
tornar a administração pública brasileira ac- Quanto à capacidade da agenda dos diri-
countable estaria diretamente relacionada com gentes de conferir direcionalidade ao pro-
as chances das seguintes ocorrências, as quais, cesso de planejamento regional, verificou-se
como podem ser verificadas, guardam certa que, embora as agendas ainda sejam frag-
interdependência e estão diretamente relacio- mentadas, as discussões são potencializado-
nadas com a democracia: a) organização dos ras da participação dos gestores nas CIR.
cidadãos para exercer o controle político do No que tange ao compartilhamento das
governo; b) descentralização e transparência decisões na região de saúde, pode-se afirmar
do aparato governamental; e c) substituição de que é ampla a participação dos gestores e que
valores tradicionais por valores sociais emer- os mecanismos de comunicação do Cosems
gentes. Tem-se no País uma democracia muito são bastante eficazes para dar visibilidade
nova, e esse exercício da democracia ainda irá aos processos atinentes ao planejamento
desenvolver em muito as organizações públi- regional. Contudo, é preciso destacar que a
cas e a relação com a sociedade. CIR prescinde de condições para exercer go-
O Centro Latino-Americano de vernança, tanto política como executiva, que
Administração para o Desenvolvimento ainda se encontram bastante limitadas.
(Clad) alertou para o fato de que a realização Em relação à prestação de contas das ações
do valor político da accountability depende pactuadas, a experiência do Cosems/MG,
de dois fatores: um deles é o desenvolvimento inconclusa porque ainda em desenvolvi-
da capacidade dos cidadãos de agir na defini- mento, apresenta essa falha, pois não foram
ção das metas coletivas de sua sociedade, já identificados mecanismos de avaliação de
que uma população indiferente à política in- resultados, tal como sugerido pela Teoria
viabiliza tal processo; o outro é a construção das Macro-organizações.

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O processo de planejamento compar- Além disso, é necessário ressaltar a im-


tilhado em Minas Gerais logrou alguns portância de fortalecer os espaços de con-
avanços, sobretudo a criação de espaços trole social.
de cogestão que visam à discussão dos Por fim, em relação à experiência de pla-
problemas e necessidades locorregionais. nejamento compartilhado de Minas Gerais,
Todavia, é preciso fortalecer a direcio- acredita-se que pode, tanto pelos seus as-
nalidade do planejamento regional, que pectos mais inovadores e positivos quanto
requer ações de monitoramento e ava- pelas deficiências identificadas, ajudar a
liação, que devem contar inclusive com aprimorar o processo de planejamento re-
a participação mais direta da população. gional no País. s

Referências

BRASIL. Oficinas de Planejamento Regional – fortalecimento do planejamento do Sistema Único


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Recebido para publicação em maio de 2015
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