Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Dialnet AQuestaoSocialEOSocialliberalismoBrasileiro 4025192 PDF
Dialnet AQuestaoSocialEOSocialliberalismoBrasileiro 4025192 PDF
* Doutorando do Programa de Pós-Graduação da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do Laboratório de Estudos Marxistas José
Ricardo Tauile (LEMA) e professor do Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA). Email para contato: rodrigo.castelo@gmail.com. O
autor agradece os valiosos comentários feitos por Frederico Valente, Maria Malta e Ranieri de Carli, eximindo-os de qualquer responsabilidade
sobre a presente versão.
passagens dispersas das obras de Marx (e Engels) Assim, o neoliberalismo fortaleceu-se quando dei-
acerca das suas reflexões sobre economia, histó- xou de ser uma referência ideológica para um gru-
ria e literatura e formula uma tese da decadência po restrito de intelectuais – a sociedade de Mont
ideológica do pensamento burguês ao longo do Pelèrin – e ganhou uma base material nas políticas
século XX, tendo como pano de fundo o fascismo de governos do mundo ocidental. Neste momento,
europeu e o stalinismo. Lukács ([1938] 1968) afir- tornou-se a consciência hegemônica das classes
ma que, com os eventos da Primavera dos Povos dominantes.
e da Comuna de Paris (1871), os intelectuais or-
A doutrina neoliberal, contudo, não tomou
gânicos das classes dominantes abandonaram a o rumo idealizado por seus luminares. Nesta sua
perspectiva de totalidade em detrimento de uma primeira fase – aqui intitulada de receituário-ideal
fragmentação do saber, enfatizando-se os elemen- –, os principais aparelhos ideológicos e políticos
tos singulares e particulares da realidade. No cam- neoliberais, dentre eles, o BIRD, o FMI e a OMC,
po da economia, por exemplo, deixaram de lado defendiam o controle dos gastos públicos, o arro-
os estudos sobre a produção e dedicaram-se aos cho salarial, as aberturas comercial e financeira,
estudos sobre a circulação. o desmonte do Welfare State, um amplo proces-
A decadência ideológica do pensamento so de privatização e o combate às organizações
burguês tem outras características que não so- operárias. O rigor e a severidade com os quais
mente a análise superficial da base econômica e estes planos de estabilização macroeconômica
a fragmentação da teoria social em ciências so- foram implementados não foram suficientes para
ciais particulares, como sociologia, economia, ci- garantir os resultados esperados: as contas pú-
ência política etc. Segundo Lukács, os cientistas blicas continuaram deficitárias, as atividades eco-
sociais burgueses fazem a defesa de um conhe- nômicas não foram retomadas, a inflação não foi
cimento puro, ascético, hipoteticamente livre dos controlada e os índices de pobreza e desigualdade
seus condicionamentos políticos, além de ataca- se deterioraram.
rem com vigor a filosofia materialista e a dialética. Lentamente, começou-se a perceber que
Mas, principalmente, deixam de revelar as con- o receituário neoliberal precisava de uma nova
tradições históricas emanadas do processo de direção estratégica. Na trilha dos planos de rene-
desenvolvimento do capitalismo e sua dinâmica gociação das dívidas externas, o FMI e o BIRD
inerentemente errática e instável, evadindo-se, propuseram medidas corretivas de promoção de
desta forma, de analisar os elementos constituti- reformas estruturais. A partir desta correção de
vos da realidade, como a própria luta de classes rumo, os projetos neoliberais de reforma do Estado
e a exploração capitalista. ganharam uma nova configuração: se antes das
É a partir deste referencial teórico que ire- medidas corretivas defendia-se, no plano ideoló-
mos analisar (e criticar) as teorias do social-libe- gico, o Estado mínimo, o Estado, agora, teria uma
ralismo sobre o desenvolvimento econômico com função reguladora das atividades econômicas e
eqüidade. operacionalizaria, em parceria com o setor priva-
do, políticas sociais emergenciais, focalizadas e
assistencialistas.
2 O social-liberalismo brasileiro e o desenvol- Na segunda fase do neoliberalismo – inti-
vimento econômico com eqüidade tulada de social-liberalismo –, percebe-se que,
desde meados da década de 1990, a ideologia
O neoliberalismo emergiu como um projeto dominante passou a admitir uma intervenção mais
hegemônico das classes dominantes, conduzido ativa do Estado na chamada “questão social”1. Os
pela sua fração rentista, através de governos con-
servadores (Thatcher, na Inglaterra, e Reagan, nos
EUA). Tempos depois, governos social-democratas 1 O Estado, segundo a lógica neoliberal contemporânea, não deixa
de ter uma participação ativa no modo de produção capitalista: o
europeus e até mesmos partidos comunistas do que ocorre é uma modificação nas suas funções, ou melhor, uma
Leste Europeu encarregaram-se de adotar medi- redefinição dos seus mecanismos ampliados de manutenção e legi-
das preconizadas pelos receituários neoliberais. timação da ordem capitalista, seja pela via do consenso, seja pela
via da coerção, conservando a sua natureza classista.
ideólogos neoliberais foram subitamente tomados A intensa mobilização dos ‘de baixo’, a prin-
de assalto por certo tipo de humanismo, dotan- cípio, parecia sinalizar que o leme da nave Brasil
do os seus planos de ajuste macroeconômico de estava sob o controle das suas organizações de
condicionamentos sociais. Têm-se, assim, uma massa e o país seria refundado segundo os princí-
inflexão do pensamento hegemônico em relação pios de uma democracia efetivamente republicana
ao debate sobre mercado e bem-estar social, na e participativa. Vitórias políticas e avanços sociais,
qual uma epistemologia de direita – maximização alguns deles significativos do ponto de vista das
e otimização dos recursos, escassez relativa, ca- classes subalternas, ficaram registrados nos ca-
pital humano – é envernizada por uma ética de pítulos da ordem social e alguns outros itens da
esquerda, com palavras de ordem como justiça Constituição do Brasil de 1988, que ficou conhe-
social, solidariedade, filantropia e voluntariado. É cida como a “Constituição Cidadã”.
neste momento que surgem as teses da chamada
A crise da dívida externa, que trouxe a esta-
terceira via, um sincretismo entre o mercado e o
gflação ao longo da década de 1980, o acirramento
Estado capaz de promover o bem-estar social. Daí
das lutas de classes, a organização coletiva das
a fórmula do desenvolvimento econômico – base-
classes trabalhadoras e a possibilidade concreta
ado no dinamismo do mercado – com a promoção
da vitória da candidatura presidencial do Partido
da eqüidade social – propiciado pela ação conjunta
dos Trabalhadores – à época vista sob o rótulo do
do Estado com o terceiro setor.
socialismo –, fez com que as classes dominantes
O social-liberalismo surge no cenário inter- internas rearticulassem suas alianças e começas-
nacional em um quadrante histórico determinado sem uma contra-revolução burguesa, muito a moda
pela consolidação da mundialização financeira, das do neoliberalismo.
lutas de classes anti-sistêmicas dos movimentos
A vitória de Collor representou o primeiro
sociais e do aumento das desigualdades sociais
passo dessa contra-ofensiva. Mas este passo foi
entre classes, países e regiões do planeta. Em
insuficiente diante da crise política instaurada pelos
meados da década de 1980, particularmente no
escândalos de corrupção do seu governo. Foram
decênio seguinte, começaram a surgir os efeitos
necessários mais alguns anos até que um bloco
sociais mais deletérios dos ajustes macroeconô-
de poder, formado por forças políticas favoráveis
micos neoliberais, promovendo o acirramento da
às classes dominantes, chegasse ao Palácio Cen-
“questão social” e das suas múltiplas expressões.
tral e implementasse, de fato, o projeto neoliberal
Tais efeitos foram sentidos não só na periferia, mas
tupiniquim.
também no centro do mercado mundial, o que le-
vou certos autores a falarem na globalização da Operado por uma composição heterogê-
“questão social” (IAMAMOTO, 2003, p.71). nea de social-democratas, intelectuais e executi-
A recepção e produção da ideologia do vos ligados ao setor rentista e oligarcas do setor
social-liberalismo aqui no Brasil também estão agrário, o bloco de poder PSDB-PFL, após a vi-
circunscritas a um quadro social específico, inti- tória presidencial de 1994, promoveu a efetiva in-
mamente ligado às determinações externas do serção do Brasil na nova divisão internacional do
mercado mundial, mas que deve ser analisado trabalho, adequando o país aos novos padrões
sob as mediações das nossas vicissitudes históri- globais da acumulação capitalista. Para isto foi
cas. Nos anos 1980, enquanto a ofensiva capita- necessário realizar uma reestruturação produtiva
lista mundial ganhava corpo e avançava em todas no parque industrial e uma reforma administrativa
as direções, o Brasil parecia escovar a história a dos aparelhos estatais, além de combater as or-
contrapelo. Após o fim da ditadura civil-militar, as ganizações políticas e sociais dos trabalhadores
forças políticas progressistas do país mobilizaram com repressão e de cooptação de suas principais
inúmeros militantes na luta pela hegemonia dos lideranças.
processos de transformação social necessários O neoliberalismo, desta forma, representou a
a uma nação que acabara de sair de um regime derrota do movimento operário brasileiro, recons-
ditatorial e precisava democratizar suas distintas truído na década de 1980, o aborto de um Estado
relações sociais. de bem-estar social nacional e, acima de tudo, a
vitória da burguesia liderada por sua fração rentis- do social-liberalismo são, na sua grande maioria,
ta internacionalizada. A esta vitória seguiu-se uma profissionais com graduação em escolas nacio-
verdadeira ofensiva ideológica dos conservadores. nais de economia (PUC-Rio, UERJ, UFRJ). Os
Em uma estratégia formulada e conduzida por di- seus estudos de pós-graduação são quase todos
versos centros universitários (na sua maior parte concentrados também em departamentos de eco-
privados e de cariz eclesiástico) e pela grande mí- nomia, sendo a PUC-Rio uma das instituições de
dia, o social-liberalismo chegou ao Brasil2 para re- maior procura no nível de mestrado. Já no nível
afirmar e reatualizar o triunfo das classes dominan- de doutorado, boa parte dos ideólogos aqui anali-
tes. Como afirma Michael Löwy (2003, p.105), sados estudaram fora do país, com destaque para
as Top 5 estadunidenses.
(...) uma vez no poder, a burguesia se torna
conservadora e sente a necessidade, ou me- Concluídos seus estudos acadêmicos for-
lhor, ela exige uma apologética vulgar em defe- mais, a maioria tornou-se professor de institui-
sa de suas novas posições conquistadas, face ções públicas (UFF e UFRJ) e privadas (PUC-
ao perigo que representa o avanço do movi- Rio, FGV-Rio) e/ou pesquisadores de centros de
mento operário e do socialismo. excelência do Estado (IPEA, CPS/FGV-Rio) e de
organismos internacionais (BIRD). Vale destacar
Diante deste quadro histórico, soaram os do- que o IETS4, um dos mais destacados think-tanks
bres fúnebres da economia heterodoxa brasileira, do social-liberalismo nacional, funciona como um
em especial suas correntes desenvolvimentistas. pólo aglutinador desses ideólogos, pois todos eles
A ciência econômica toma um novo rumo, trilha- participam das suas atividades, seja como pesqui-
do nas suas vertentes neoclássicas. Inicia-se um sadores, seja como membros do seu Conselho de
período de decadência ideológica do pensamento Administração.
econômico nacional, tal qual ocorreu – guardadas
as devidas proporções históricas – com a econo- Suas trajetórias acadêmicas e profissionais,
mia política clássica em 1848. marcadas por prêmios e distinções universitárias
e pela ocupação de altos postos do Estado brasi-
leiro nos âmbitos federal e municipal5, os creden-
2.1 O social-liberalismo tupiniquim
ciam como importantes interlocutores do debate a
respeito da natureza da “questão social” e do en-
Iremos ver, na seção III, os detalhes da de-
cadência ideológica da teoria econômica nacional.
Antes disto, porém, devemos descrever os seus
principais representantes, as instituições de pes- Paes de Barros e Rosane Mendonça.
quisa, ensino e divulgação as quais estão atrelados 4 Segundo informações retiradas do seu site oficial, o Instituto de
e, principalmente, suas teses centrais. Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) “é uma instituição priva-
da, sem fins lucrativos, voltada para a produção e a disseminação
Os principais nomes3 vinculados à tradição de conhecimento na área social. Sua missão é fazer a ponte entre
a pesquisa acadêmica e as políticas públicas implementadas pe-
los diferentes setores da sociedade, como governo, setor privado
e organizações não-governamentais, para a melhoria da qualidade
2 Não há um consenso entre os especialistas acerca da data de de- de vida da população”. Seus projetos são financiados por diversas
sembarque do social-liberalismo no Brasil. Ruy Braga e Álvaro Bian- instituições públicas e privadas, das quais destacamos: Banco Itaú,
chi (2003) afirmam que tal ideologia chega aos trópicos com a elei- Banco Mundial, Fundação Ford, Fundação Konrad Adenauer, Insti-
ção de Luís Inácio Lula da Silva (PT) em 2002. José Luis Fiori (1995, tuto Fernando Henrique Cardoso, Instituto Unibanco e TIM.
p.239-243), em contraposição, observa que a social-democracia de 5 Para citarmos alguns exemplos: (1) André Urani foi secretário Mu-
Felipe Gonzalez, que se auto-intitulava um social-liberal, funcionou
nicipal do Trabalho da Cidade do Rio de Janeiro na gestão César
como um modelo de atuação prática para Fernando Henrique Car-
Maia (1997-2000); (2) Marcelo Neri é chefe do Centro de Políticas
doso, sendo uma espécie de pólo magnético da sua bússola política.
Sociais (CPS) vinculado ao IBRE/FGV; (3) Ricardo Paes de Barros
Segundo esta linha de raciocínio, na qual nos inscrevemos, o social-
foi diretor da área de políticas sociais do IPEA; (4) Rosane Mendonça
liberalismo teria chegado ao Brasil durante o governo FHC. Esta
foi diretora do Departamento de Acompanhamento e Monitoramento
tese, cabe ressaltar, não desconsidera a força legitimadora que Lula
dos Programas Sociais do Ministério da Assistência Social; (5) Ri-
e as lideranças do PT injetaram no neoliberalismo latino-americano
cardo Henriques foi recentemente o dirigente máximo da Secretaria
com sua adesão às teses e programas políticos do social-liberalis-
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) do
mo.
MEC. Fernando Ferreira, o único a residir atualmente no exterior,
3 No presente trabalho, iremos colocar em tela 6 nomes do social- é economista sênior do departamento de pesquisa do BIRD, nas
liberalismo brasileiros, todos eles citados ao longo do texto: André áreas ligadas à economia do bem-estar social e desenvolvimento
Urani, Francisco Ferreira, Marcelo Neri, Ricardo Henriques, Ricardo econômico.
frentamento às suas expressões. Suas idéias têm de recursos para combater a pobreza” (BARROS
conquistado, com o apoio decisivo dos grandes et al., 2003, p.23). Segundo seus cálculos, precisa-
monopólios de comunicação, espaço nos princi- ríamos de recursos financeiros da ordem anual de
pais fóruns nacionais do debate sobre a “questão R$ 6 bilhões (2% da renda das famílias) para erra-
social”, conferindo-lhes ainda mais legitimidade dicar a indigência e de R$ 33 bilhões para eliminar
e credibilidade frente à chamada opinião pública. a pobreza no Brasil. Embasados nestes números,
Tudo isto dentro de uma estratégia maior de trans- Barros et al. defendem a factualidade e plausibi-
formar o seu sistema de idéias em uma efetiva po- lidade de um novo pacto social que promoveria o
tência prática (CARLI, 2007, p.41), isto é, em uma fim da pobreza e da indigência no país, tendo em
ideologia capaz de orientar os caminhos da política vista os supostos meios fartos dos quais dispomos
social e mesmo definir o norte do desenvolvimento para tal missão.
econômico brasileiro.
A desigualdade social no Brasil não sofreu
Suas principais teses são descritas logo a grandes alterações de patamar nos últimos trinta
seguir, subdivididas em três tópicos: a) o paupe- anos, horizonte temporal de análise dos autores; o
rismo brasileiro; b) as causas do pauperismo e; c) que mudou foi uma pequena redução do patamar
as soluções para o pauperismo de pobreza no pós-Plano Real (1994), que passou
de 40% para 34%. Isto leva os ideólogos do social-
a) O pauperismo brasileiro liberalismo a afirmar que o Brasil sofre de uma
Ricardo Paes de Barros, Ricardo Henriques e “estabilidade inaceitável” da desigualdade: entra e
Rosane Mendonça (BARROS et al., 2001) trazem sai governo, cai a ditadura militar, entra o regime
um relato empírico e descritivo da desigualdade e democrático, e o status quo da desigualdade per-
da pobreza no Brasil, no período de 1977 a 1999, manece inalterado. Todas as medidas – coeficien-
utilizando-se primordialmente da base de dados te de Gini, índice de Theil, a razão entre a renda
das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicí- média dos 10% mais ricos e a renda média dos
lios (PNADs). A hipótese central dos autores reside 40% mais pobres e a razão entre a renda média
em afirmar que “o Brasil não é um país pobre, mas dos 20% mais ricos e a renda média dos 20% mais
um país com muitos pobres”. A segunda hipótese pobres – confirmam o diagnóstico da “estabilidade
de trabalho, intimamente relacionada à primeira, inaceitável” das desigualdades sociais.
é que a causa principal da pobreza de milhões de
b) As causas do pauperismo
brasileiros encontra-se numa perversa desigual-
dade na distribuição dos recursos nacionais e das Segundo Francisco Ferreira, as causas da
oportunidades de inclusão social. Segundo Barros desigual distribuição de renda entre membros de
et al., a origem da pobreza não está na escassez um país são resultados de cinco grupos de fato-
absoluta de recursos, mas sim na péssima distri- res, uns de ordem social, outros de ordem natu-
buição de renda entre as famílias brasileiras. ral-genética: (1) as diferenças nas características
natas dos indivíduos (raça, gênero, inteligência e/
De acordo com os números agregados da
ou riqueza inicial); (2) diferenças nas característi-
riqueza nacional, o Brasil é elencado entre os 10
cas adquiridas dos indivíduos, como por exemplo,
países mais ricos do mundo. Em tempos passados,
a educação e a experiência profissional; (3) me-
já foi o oitavo. A grande contradição está na rique-
canismos do mercado de trabalho (discriminação,
za do país e na pobreza de imensas camadas da
segmentação e projeção); (4) imperfeições nos
população: cerca de 90 milhões de brasileiros, o
mercados de capitais e; (5) fatores demográficos
que equivale a 34% da população em situação de
(fertilidade da população).
pobreza e 15% em situação de extrema pobreza
(BARROS e CARVALHO, 2003, p.2). Esta contra- De acordo com sua teoria, o primeiro grupo
dição, apesar de retratar um quadro de tragédia de fatores – acima identificado como as caracte-
social, traz em si, conforme a análise dos autores, rísticas natas dos indivíduos – constitui-se como
uma ponta de esperança para todos aqueles que a pedra angular da distribuição de renda entre
lutam pela justiça social e o bem-estar popular. O cidadãos de um mesmo país. Fatores de ordem
Brasil teria a sua disposição “farta disponibilidade natural, assim, são relacionados como prioritários
a efetividade7 das políticas sociais: (1) focalização sociedade. Desafios menores seriam a unificação
dos gastos sociais nos “mais pobres dos pobres”; e a simplificação da enorme gama de programas
(2) avaliação do impacto das políticas sociais e (3) sociais existentes, o que já foi de certa maneira
integração e coordenação dos programas sociais garantido com o novo formato do programa Bolsa
em todos os níveis governamentais – federal, es- Família8.
tadual e municipal – e do setor privado. Vejamos
O foco dos social-liberais no que diz respeito
cada uma das medidas propostas para aumentar
ao combate à pobreza e às desigualdades sociais
a efetividade das políticas sociais.
não fica somente restrito ao debate sobre as po-
Primeiro, apesar da suposta generosidade líticas sociais compensatórias. A estrutura social
dos orçamentos públicos, conjugados com a bene- que reproduz incessantemente a péssima distribui-
ficência privada, os gastos sociais brasileiros não ção de renda entre nossos cidadãos é alicerçada,
atingem aqueles que mais necessitam desta aju- conforme a lógica do social-liberalismo, na distri-
da. A solução proposta é a focalização dos gastos buição desigual do ativo ‘educação’. Se quisermos
nos segmentos mais pobres da população. Para políticas de combate à exclusão social, dizem os
colocar em prática esta focalização, as medidas social-liberais, deveríamos lutar por um sistema
seriam a melhor distribuição dos recursos fede- educacional mais eficiente do ponto de vista da
rais de acordo com as carências dos estados da melhor formação profissional para o mercado de
federação, o remanejamento das verbas entre os trabalho, capacitando os trabalhadores para as
programas, a abolição ou mudança do viés inter- demandas tecnológicas e organizacionais decor-
geracional na política social e, por último, a criação rentes da nova revolução tecnológica. O fim da
de um cadastro único da “clientela”. persistência da desigualdade passa pela “luta de
classes”, conforme escreve Ferreira (2001, p.144),
Em segundo lugar, eles alertam para o fato
mas não entre capitalistas e trabalhadores, e sim
do Brasil não ter um sistema de avaliação dos im-
pela constituição de um novo sistema educacio-
pactos das políticas sociais. O objetivo da criação
nal, com prioridade de financiamento público para
de mecanismos técnicos de avaliação visa concen-
a educação primária e secundária em detrimento
trar os recursos nos programas mais efetivos e pro-
do ensino superior estatal.
piciar a tais programas uma maior flexibilidade no
atendimento das necessidades dos beneficiários e Barros et. al. (2000, p.408) realizaram, a par-
das localidades assistidas. Por último, as políticas tir de simulações matemáticas, um estudo acerca
sociais atuariam de forma desintegrada, sem coor- das causas da desigualdade salarial. Os resulta-
denação entre os três níveis da administração pú- dos apontam para um peso de 11% para fatores
blica e o setor privado, causando a superposição, gerados pelo mercado de trabalho, como a discri-
ineficiência e má distribuição dos recursos. minação racial e a de gênero. Já as desigualdades
reveladas pelo mercado de trabalho, isto é, que já
Para superar os problemas diagnosticados
existiam antes da inserção do trabalhador no setor
acima, os social-liberais definem três grandes de-
produtivo, os autores identificam um peso de 48%,
safios para a nossa sociedade: (1) flexibilidade
sendo que a heterogeneidade educacional respon-
nas ações de combate à pobreza e miséria, adap-
de por 39,5%, sendo o fator de maior peso na de-
tando-se às necessidades locais dos municípios e
composição da desigualdade salarial brasileira.
especificidades das regiões; (2) aumentar o grau
de cooperação e envolvimento das comunidades A vista disto, é dever fundamental do Estado
carentes nos programas sociais; (3) elencar a prio- proporcionar às crianças e aos adolescentes uma
ridade dos gastos nas camadas mais pobres da educação básica de qualidade, comprometida com
a formação e o investimento do capital humano
nacional. Cada um dos nossos jovens cidadãos
7 Os critérios de eficiência de uma política social são definidos pe-
los social-liberais de acordo com os seguintes parâmetros: (1) ex-
pansão da capacidade produtiva do beneficiário; (2) expansão do
grau de utilização dessa capacidade, ou seja, dada a oportunidade, 8 Segundo informações da página eletrônica do Ministério do De-
o beneficiário tem que se esforçar ao máximo para garantir o seu in- senvolvimento Social, o Bolsa Família unifica em torno de si antigos
gresso de renda; (3) satisfação das necessidades elementares para programas sociais de âmbito federal, como o Bolsa Escola, Bolsa
um ser humano. Alimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação.
deve ter igualdade de oportunidades na busca por riam no mercado de trabalho. Daí a necessidade
uma melhor inserção no mercado do trabalho, e a do Estado atuar nas falhas do mercado de crédi-
educação, apontam os social-liberais, é o melhor to, corrigindo-as com a oferta de dinheiro barato
caminho para a promoção da eqüidade social. e acessível para microempresários e empreen-
dedores liberais, inclusive do mercado informal.
Deste ponto de vista, a educação é enten-
dida como um ativo do portfólio de investimento O patrocínio da igualdade de oportunidades,
de um determinado indivíduo, equiparado a uma via a educação, e a expansão do microcrédito no
ação de empresa, a um meio de produção ou qual- Brasil são formas de intervenção do Estado na
quer ativo que gere renda para seu proprietário. “questão social” vislumbrada pelo social-liberalis-
O Estado brasileiro deve, a todo custo, investir mo, pois, segundo sua lógica, tal intervenção não
na formação do chamado capital humano, pois atenta contra a liberdade individual dos cidadãos
os retornos sociais são altos se comparados com e os mecanismos básicos de regulação mercantil,
outras políticas sociais9. Enquanto o Estado deve nem muito menos estimula a preguiça da classe
fornecer uma educação de qualidade para todos trabalhadora, uma preocupação que assola as
os brasileiros, em particular aos que não podem elites desde os escritos do reverendo Malthus.
pagar por este serviço, os indivíduos pobres devem
Esta é, em linhas gerais, a ideologia so-
investir seus melhores esforços nos estudos esco-
cial-liberal para a intervenção estatal na “ques-
lares, que no futuro podem lhes gerar rendimentos
tão social”. A seguir, passamos à conclusão
monetários. Forma-se, então, uma espécie de sim-
do texto que pretende trazer uma contribuição
biose virtuosa da responsabilidade cívica do Esta-
à crítica das teses do social-liberalismo sobre
do com o comprometimento moral do indivíduo10.
o desenvolvimento econômico com eqüidade.
Às políticas educacionais, consideradas de
caráter estrutural, agregariam-se outras políticas
públicas de combate ao pauperismo. Apesar da
3 À guisa de conclusão: uma contribuição à
posse do ativo ‘educação’ gerar a possibilidade
crítica das teses social-liberais do desenvolvi-
de uma inserção no mercado de trabalho, não
mento econômico com eqüidade
há garantias reais da efetivação desta inserção,
o que por sua vez não gerará renda para o seu
proprietário. Nem sempre o indivíduo consegue 3.1 O Consenso Social-liberal e a mistificação
aproveitar as oportunidades do mercado; ou me- das causas do pauperismo
lhor, nem sempre o mercado oferece tais oportu-
nidades, pois restrições do mercado de crédito Desde o período colonial até a era neoli-
na oferta de dinheiro podem interferir no nível de beral, a “questão social” brasileira, do ponto de
investimento nas atividades produtivas, o que au- vista da nossa péssima distribuição de renda,
mentaria o desemprego e, portanto, aqueles in- permaneceu formalmente inalterada. Alguns es-
divíduos formalmente qualificados não ingressa- tudos apontam, inclusive, que ela chegou mesmo
a se deteriorar. Já o estado da arte mudou bas-
tante11. A ortodoxia econômica nacional ganhou
9 “Os que estudam o problema apontam a educação como o prin- destaque e relevo nas explicações das causas
cipal determinante isolado da nossa alta desigualdade de renda. Di- do pauperismo, gerando um consenso ideológi-
ferenças educacionais explicam cerca de 40% dos diferenciais de
renda entre brasileiros. A taxa de retorno da educação no Brasil é
de 16% ao ano. Ou seja, o rendimento futuro do estudante deverá
subir, em média, 16% para cada ano adicional completado. É difícil 11 Por volta da década de 1970, o IBGE começou a produzir de
pensar em ativo com maior retorno do que a educação” (NERI, 2005,
forma mais sistemática e confiável séries e dados estatísticos mais
p.323).
recentes acerca da “questão social”. Além disso, o aparecimento de
10 Os pobres devem ter um envolvimento maior, esforçando-se ética softwares que emulam regressões econométricas também contri-
e moralmente quando as oportunidades aparecerem. Nas palavras buiu para a difusão dos estudos quantitativos da “questão social”. Os
de Barros e Carvalho (2003, p.14), “para que a pobreza seja real- estudos econômicos recentes do social-liberalismo fazem amplo uso
mente erradicada, é necessário que os pobres explorem as oportu- (e abuso) destes referenciais quantitativos. Seus trabalhos são farta-
nidades disponíveis, no que precisam empenhar muito esforço. Em mente ilustrados com referenciais numéricos e estatísticos, sempre
suma, a rota de saída da pobreza se baseia, necessariamente, no baseados em bancos de dados oficiais do IBGE, como a Pesquisa
binômio oportunidade-esforço”. de Orçamento Familiar (POF) e a PNAD.
tão social” é uma questão de pequenos detalhes, sua mercadoria por valores beirando o mínimo para
de um “choque de gestão” – em uma palavra, de a sua subsistência.
reformas microeconômicas. Sobre o fundamental,
Entendida a “questão social” por esta pers-
o silêncio, ou o ataque aos seus adversários ídeo-
pectiva, conferindo-se centralidade à categoria ex-
políticos13.
ploração e ao estudo das desigualdades a partir
Os ideólogos do Consenso Social-liberal dos seus elementos mais recônditos (como a con-
reverenciam os estudos descritivos da pobreza, dição assalariada e alienada dos trabalhadores), o
retratada pelos índices de distribuição pessoal pauperismo – absoluto e relativo –, então, é visto
da renda e definida como falta de certos dotes fi- como resultado de uma gama de fatores sociais,
nanceiros. Suas pesquisas e análises enfatizam e não pela análise reducionista do economicismo
o aspecto econômico da pobreza, qual seja, o de social-liberal:
insuficiência de renda. Primeiro quantifica-se a
Políticos: a diferenciação entre assalariados
renda per capita da família, para depois compará-
e proprietários, garantida pela existência da
la com o nível mínimo necessário para satisfação propriedade privada, e a capacidade de orga-
das necessidades básicas da família. Caso a famí- nização coletiva das classes sociais na luta
lia ganhe menos do que o estipulado pela linha da pela apropriação do excedente econômico;
pobreza, seus membros são considerados pobres
ou indigentes, logo poderão ser cadastrados nos Econômicos: os rendimentos derivados da
bancos de dados da pobreza oficial. inserção do indivíduo na produção de bens
e serviços e outras atividades econômicas;
A natureza da “questão social” não é redu-
tível somente à pobreza, unilateralmente definida Culturais: condição subalternizada e passiva
do trabalhador frente ao capitalista, situação
por critérios econômicos. As raízes da “questão
esta que se mantém pela criação de um imen-
social” devem ser procuradas nas desigualdades so aparato político-ideológico legitimador das
geradas e perpetradas pela exploração do trabalho condições subjacentes à produção da riqueza.
assalariado pelo capital, sob pena de uma análise Daí a importância do social-liberalismo, expres-
superficial do pauperismo. Esta exploração, por são fiel da nova pedagogia da hegemonia que,
sua vez, pressupõe uma espécie de desigualda- conforme afirma Neves (2005), busca educar
de originária: quando da expropriação violenta dos as classes subalternas para o consenso legi-
meios de produção dos trabalhadores, restou aos timador da ordem burguesa contemporânea.
trabalhadores a posse da sua força de trabalho,
enquanto os capitalistas acumularam meios de
produção e altas somas de dinheiro, capazes de 3.2 Falhas de mercado e a refundação do Es-
comprar aquela força de trabalho abundantemente tado brasileiro
ofertada nos mercados.
A base epistemológica do social-liberalismo
A propriedade desta ou daquela mercado- brasileiro, indubitavelmente, é a economia ortodoxa
ria, afirma a teoria marxista das classes sociais, do mainstream. Suas principais formulações tra-
condiciona a inserção dos cidadãos no processo zem a marca da escola neoclássica, que, nas suas
de produção: enquanto os proprietários dos meios vertentes mais ortodoxas, defende os princípios da
de produção inserem-se de forma dominadora no livre concorrência, da livre circulação das informa-
reino da produção – e portanto tornando-se de- ções e da perfectabilidade do mercado, inclusive
tentores de largas somas da riqueza gerada –, os na promoção do bem-estar social.
proprietários da força de trabalho inserem-se de
forma subalternizada, sendo obrigados a vender Os social-liberais nacionais, todavia, de-
senvolvem uma agenda de pesquisa alternativa
dentro do mainstream econômico, que aponta a
existência de falhas de mercado e de assimetria
13 “O importante, porém, é reconhecer que residem nestes ‘detalhes’
os principais freios ao crescimento econômico, com justiça social, no
Brasil; não em formulações usualmente fantasiosas e vazias sobre su-
postas falhas fundamentais do modelo econômico” (IETS, 2001, p.41).
da nova configuração do Estado, um ente político- neiro: IPEA, 2003. (Texto para discussão n. 985)
administrativo capacitado a promover intervenções BARROS, Ricardo Paes de, HENRIQUES, Ricardo e
criteriosas e eficientes nas falhas de mercado, deve MENDONÇA, Rosane. Pelo fim das décadas perdidas:
ser produto de um consenso entre todos os ato- educação e desenvolvimento sustentado no Brasil. In:
res sociais da cena política nacional. Conclamam, Desigualdade e pobreza no Brasil. Ricardo Henri-
inclusive, que os partidos políticos abandonem a ques (org.). Rio de Janeiro: IPEA, 2000. p.405-423.
competição de projetos políticos díspares para o ______. A estabilidade inaceitável: desigualdade e
país e adotem a cooperação como prática corren- pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2001. (Texto
te (IETS, 2001, p.52). Todos – independentemente para discussão n.800)
de posicionamentos ideológicos e programáticos BRAGA, Ruy e BIANCHI, Álvaro. O social-liberalis-
das suas organizações coletivas –, devem se con- mo chega aos trópicos. Disponível em: http://www.
gregar diante um esforço nacional de combate à midiaindependente.org/pt/blue/2003/08/261787.shtml.
pobreza e às desigualdades seculares. Proferem, Acesso em: 19 de novembro de 2006.
inclusive, apelos às elites, àquelas anteriormente
CARLI, Ranieri. O conceito de ideologia no último
criticadas como uma elite patrimonialista que as- Lukács. In: Novos Rumos, ano 22, nº47. São Pau-
salta os cofres públicos. lo: Instituto Astrojildo Pereira; Instituto de Pesquisas e
Diante dos erros e falhas do Consenso de Projetos Sociais e Tecnológicos, 2007. p.40-52.
Washington, os social-liberais conclamam para DUAYER, Mario; MEDEIROS, João Leonardo. Miséria
uma concertação social, reunindo lideranças de to- brasileira e macrofilantropia: psicografando Marx. In:
dos os segmentos que abrem mão de representar Revista de Economia Contemporânea, n.7, jul./dez.
os interesses particulares das suas bases sociais p.237-262, 2003.
em prol da vontade geral da nação. Estamos dian- FERREIRA, Francisco. Os determinantes da desigual-
te de um apelo indiscriminado a todos os setores dade de renda no Brasil: luta de classes ou heteroge-
da sociedade brasileira, como se esta fosse uma neidade educacional? In: Desigualdade e pobreza no
sociedade homogênea, integrada e harmônica, e Brasil. Ricardo Henriques (org.). Rio de Janeiro: IPEA,
não uma sociedade perpassada, de cima a baixo, 2000, p.131-158.
por desigualdades, contradições e interesses anta- FIORI, José Luís. Da dependência ao social-liberalis-
gônicos. A política é esvaziada de todo o seu vigor mo: a bússola de Fernando Henrique Cardoso. In:___.
e potencialidade de uma ação humana idealizada Em busca do dissenso perdido: ensaios críticos so-
e orientada para macro-transformações sociais, bre a festejada crise do Estado. Rio de Janeiro: Insight,
e passa a operar no plano daquilo que Gramsci 1995. p.231-245.
chamou de pequena política, restrita a questões IAMAMOTO, Marilda. A questão social no capitalis-
burocráticas, de conchavos de gabinetes e artima- mo. In: Praia Vermelha: estudos de política e teoria
nhas parlamentares. social, nº8, primeiro semestre. Rio de Janeiro: UFRJ,
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, 2003.
A neutralização da grande política opera em p.56-83.
favor das classes dominantes, pois, no nosso en-
tender, somente a práxis da grande política con- IANNI, Octavio. A idéia de Brasil moderno. São Pau-
lo: Brasiliense, 1996.
duzida pelas classes subalternas na promoção da
emancipação social seria capaz de aumentar os IETS. Desenvolvimento com justiça social: esboço
gastos públicos para colocar fim à nossa dívida so- de uma agenda integrada para o Brasil. Rio de Janeiro,
cial – estimada por Marcio Pochmann em R$ 7,2 2001. (Policy Paper n.1)
trilhões –, e promover mudanças macroestruturais LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra
nas nossas estruturas subdesenvolvidas. o Barão de Münchausen: marxismo e positivismo na
sociologia do conhecimento. 8. ed. São Paulo: Cortez,
2003.