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Porta de entrada pro mundo interno
[1] Os métodos para refinar a atenção foram desenvolvidos a um grau muito sofisticado na
Índia há 2.500 anos, nos tempos de Gautama, o Buda. Reconheceuse que estes estados
avançados de samadhi, ou concentração meditativa, produziam condições profundas de
serenidade e bemaventurança, e muitos contemplativos cultivaram estes estados como fins
em si mesmos1.
[2] Shamata não é encontrada apenas no budismo. A prática de aprimorar as habilidades da
atenção existe em contextos religiosos tão distintos quanto hinduísmo, taoísmo, cristianismo
antigo e escolas sufis do islã.
[3] No imaginário tibetano a mente destreinada é comparada a um cavalo selvagem. Ela
precisará ser domada2. Se não gerarmos um mínimo de liberdade e capacidade introspectiva
de observação de nossos pensamentos e impulsos3, a possibilidade de adentrar o mundo
interno fica muito limitada.
[4] É importante entender a ênfase dada à mente no caminho budista. O budismo tem uma
forte oposição ao conhecimento epistemológico objetivo, dominante em nossa cultura
científica globalizada. Esse sistema se baseia totalmente num mundo independente do
observador. Uma profunda limitação desse ideal é que ele não consegue abarcar o estudo de
eventos subjetivos4. A oposição budista vem da premissa que a mente é a causa principal das
alegrias e sofrimentos, e ainda de todo o conhecimento humano. Ela é fundamental para toda
a compreensão do mundo natural. O Buda diz no Ratnameghasutra :
Todos os fenômenos são precedidos pela mente. Quando a mente é compreendida, todos
os fenômenos são compreendidos.
[5] De acordo com a Psicologia Budista, o continuum de percepção é composto de momentos
sucessivos, ou pulsos de cognição5. Além disso, como é comum num continuum de
percepção, muitos momentos consistem de cognição indeterminada, ou seja, momentos em
que os objetos surgem para a percepção não atenta e não são detectados, ou reconhecidos
conscientemente, da maneira que possam ser lembrados depois. O refinamento da prática de
shamata cria um continuum mais homogêneo de atenção, sem lapsos de esquecimento.
1
A grande inovação do Buda foi avançar no desenvolvimento desses métodos de samadhi, e então aplicar essa atenção refinada
e focada à investigação experimental direta da mente e a sua relação com o resto do mundo. O único instrumento que temos para
observar diretamente os fenômenos mentais é a consciência mental, e esto é aperfeiçoado para tornarse uma excelente
ferramenta a partir do desenvolvimento de shamata.
2
Imaginem, por exemplo, que você tem um copo cheio de água com sedimentos. Quando a água é agitada, os sedimentos ficam
se movimentando ali dentro — permanecem girando na superfície. O papel de shamata é acalmar o movimento da água até que
os sedimentos se decantem no fundo do copo possibilitando sua observação com clareza .
3
Impulsos que surgem nas mais variadas direções convidados pelos estímulos externos, além dos próprios pensamentos que
dominam a nossa atenção.
4
Os estudos científicos da mente foram iniciados apenas trés seculos depois da revolução cientifica. Kant, por exemplo,
argumentava que não poderia haver uma ciência da mente verdadeira baseada na introspecção, uma vez que os fenômenos
mentais observados são alterados e transformados pelo próprio ato da observação.
5
De acordo com Jagmon Kongtrul [em Myriad Worlds: Buddhist Cosmology in Abhidharma, Kalachakra and Dzogchen] a
duração de cada um é da ordem de um milionésimo de segundo.
[6] Para cultivar a estabilidade e a vivacidade — duas qualidades essenciais em shamata —
precisamos de atenção plena6 e introspecção7. Sabese, por experiência, que a mente
indisciplinada desvia muito rapidamente sua atenção, passando para a agitação ou
dispersandose; quando finalmente se aquieta, ela tende a cair no marasmo, estado em que se
perde a vivacidade.
[7] Na prática de shamata, há uma grande ênfase no aspecto do relaxamento, devido ao fato
de que ele aumenta a nossa estabilidade. Fugimos da ideia usual de relaxamento, onde
concebemos uma espécie de relaxamento hedonista. O relaxamento envolve plena vivacidade
da atenção sem que ela fique tensa e flutuante.
[8] Shamata é uma base para outras práticas de meditação mais sofisticadas. Ela não não vai
nos levar à liberação, mas acalma a mente dualista, proporcionando uma base para as práticas
que envolvam visão8.
Decompondo a mente9: as três camadas10
[9] Primeira camada: É aquilo que usualmente chamamos de mente, formada pelas cinco
consciências sensoriais e a sexta consciência — a mente pensante. Para cada um dos cinco
sentidos temos uma consciência correspondente. Esses seis tipos de consciências são
categorizadas como consciências instáveis. Essa é a camada mais grosseira, responsável pelo
devaneio, sonho, imaginário. Essa psique é individual: cada um tem a sua, que surge moldada
de acordo com causas e condições. Ao morrer, ela se dissolve na segunda camada da mente,
deixando marcas, que sinalizam tendências acumuladas durante a vida. Nenhuma das seis
coleções de consciências podem guardar suas marcas. Essas consciências se dissolvem assim
que elas surgem.
[9.a] Consciências sensoriais: Todas as consciências dos sentidos são livres de
pensamentos [não conceituais], porque elas simplesmente percebem seu objeto
específico sem qualquer tipo de associação conceitual. Elas não compõem
pensamentos como "isso é bom" ou "isso é ruim". No momento da percepção
também não existe a sensação de desejo ou raiva.
6
Em pali sati [ sânscr. smrti, tib . dran pa ]. Usualmente é traduzido como “atenção plena”, que é manter a atenção sobre o objeto
de meditação sem flutuações. Como esse termo pode estar associado a outros contextos, a expressão atenção plena é uma
aproximação. Segundo George Dreyfus: A atenção plena no contexto budista significa também a "recordação", que indica que a
função da atenção plena também inclui a retenção de informações. O termo atenção plena subestima as implicações cognitivas, a
sua capacidade de reunir vários aspectos da experiência de modo a levar à compreensão clara da natureza dos estados mentais e
corporais. Autores contemporâneos conduzem a uma compreensão unilateral da atenção plena como uma forma
terapeuticamente útil de tranquilidade. Elementos são perdidos quando se usam jargões como “ficar presente”, “relaxar no
momento presente” para definir esse termo. É importante não perder de vista que a atenção plena não é apenas uma técnica
terapêutica, mas é uma capacidade natural que desempenha um papel central no processo cognitivo. É este aspecto que parece
ser ignorado quando atenção plena é reduzida a uma forma centrada no “presente” sem julgamento das experiências.
7
A introspecção tem a função de monitorar o processo de atenção. Introspecção é uma forma de inteligência na visão budista,
por saber localizar os defeitos e atributos específicos de objetos através da atenção. Um metaconhecimento capaz de referendar a
mente a observar a si mesma. E quando alguém lembra de ter visto um acontecimento, ele recorda tanto o acontecimento
percebido como ele mesmo percebendo o acontecimento. O sujeito e objeto são lembrados como um acontecimento integrado.
8
Em algumas tradições dentro do Budismo, inicialmente somos introduzidos a visão e depois fazemos as meditações.
9
O termo mente pode significar muitas coisas no contexto budista. Ele pode se referir a estados mentais impuros e em outro a
estados mentais classificados como puros. É bom que entendamos que existe essa ampla gama de significados porque nossa
noção ocidental de mente é extremamente reducionista e materialista.
10
Apesar de ser divida em três, numa visão mais ampla, elas estão profundamente conectadas, assim como a água misturada no
leite.
[9.b] Consciência mental: A consciência mental, no entanto, toma sua forma em
conexão com pensamentos de apego e aversão, pensando "isso é bom", "isso é
ruim", "o que é isso?" "eu preciso disso", ou "eu não quero isso." por isso, é
chamada de uma consciência conceitual. Dessa forma uma consciência mental
surge imediatamente após a outra, e sua faculdade do "sentido" não tem uma
forma, mas é a própria consciência. Assim, a consciência mental é baseada em
qualquer momento anterior de consciência, não importando o tipo das seis
coleções de consciência.
Dentro da esfera dos fenômenos cada tipo de objeto sensorial pode aparecer
como um objeto da consciência mental; assim qualquer forma, som, cheiro, sabor,
e objeto físico tangível podem também aparecer como um objeto da consciência
mental, não só tudo externamente, mas também todos os objetos internos11. Esses
objetos podem aparecer, mas eles não aparecem diretamente. A consciência
mental cria uma imagem dos objetos percebidos, o que significa que a forma
visual externa não é vista pela consciência mental, mas em vez disso uma imagem
mental semelhante que é percebida pela consciência visual aparece à perspectiva
da consciência mental. Ou, uma aparência similar ao som que é percebida pela
consciência auditiva aparece para a perspectiva da consciência mental. É por isso
que a consciência mental apreende todos os objetos externos, mas não pode
percebêlos claramente.
No entanto, ela é dotada de qualidades extraordinárias que não são
compartilhadas com as consciências dos sentidos. Sua qualidade especial é a
variedade de pensamentos que aparecem dentro dela. Desta forma, entre todas as
seis coleções de consciências, a consciência mental tem o trabalho mais
movimentado! As cinco consciências dos sentidos apenas percebem. A
consciência mental, no entanto, os juízes desta mera percepção, seguem
imediatamente com pensamentos como "isso é bom" ou "isso é ruim." Por esta
razão, a consciência mental é especialmente importante para nós como seres
humanos.
Em shamata também, não são os cinco sentidos da consciência que meditam,
mas a consciência mental. Alguns meditantes acreditam que quando eles
constantemente veem objetos com os olhos enquanto meditam, a sua meditação é
prejudicada, ou que, quando eles percebem sons com os ouvidos, a sua meditação
não será tão boa. No entanto, os cinco sentidos da consciência não são capazes de
criar qualquer coisa; portanto, eles não podem desviar a nossa mente também.
[10] Segunda camada : Aqui as consciências são estáveis, portanto, funcionam de forma
diferente. Elas funcionam continuamente enquanto estamos caminhando ou sentado, se
estamos distraídos ou concentrados, enquanto dormimos ou trabalhamos, e mesmo durante
um desmaio ou anestesia.12 Os dois tipos são: consciência aflita13 e consciência substrato.
11
Objetos externos são objetos percebidos pelas consciencias dos sentidos; isto é, eles serem “externos” a
mente. Objetos internos são objetos mentais tais como pensamentos, memórias, devaneios, ruminação e a
respectiva consciência dos objetos externos.
12
Thrangu Rinpoche: "Isto é devido ao aspecto de clareza da mente que nunca é interrompido. A mente é, de
acordo com sua definição, clara e conhecedora. Se o aspecto de clareza for interrompidos, você não seria capaz
de distinguilo de uma pedra. Mesmo dentro da meditação livre de pensamentos, num desmaio, ou estar
anestesiado, o aspecto de clareza da mente continua funcionando sob a forma dos dois tipos consciência
estáveis ".
13
[10.a] Consciência aflita : Embora essa consciência seja caracterizada como
‘dotada de aflições', ela não inclui todas as aflições mentais como apego, desejo,
raiva, apatia, ou aflições semelhantes não são referidas aqui, mas apenas aquelas
que estão incluída na categoria de "fixação a uma essência'. Que pode ser dividida
em apego do “eu” ou apego aos fenômenos. Existe um pensamento contínuo e
ininterrupto da consciência aflita em relação ao "eu" e é sempre acompanhada por
eventos mentais sutis. Não é apenas a mera concepção de um "eu".
Simultaneamente, a concepção de um "eu" admite a ignorância, e à imprecisão,
porque o "eu" não é percebido como sendo falso14. O apego ao eu da sétima
consciência não é positivo nem negativo, ele é neutro. Mas é a base para o
surgimento das ações negativas e positivas. No entanto, apesar de ser geralmente
considerada neutra é um obstáculo para alcançar a liberação. Um bodisatva de
primeiro bhumi15 em meditação desativa a sétima consciência mas quando ele
levanta da meditação, voltam as marcas de um eu. Um arhat16 em meditação e
fora da meditação desativou o eu. O bodisatva só no oitavo bhumi libera
completamente a sétima consciência.
[10.b] Consciência substrato17: Essa consciência pode ser dividida em dois tipos:
substrato ou base de tudo e a consciência substrato que amadurece as marcas. A
consciência substrato traz a tona aquilo que foi depositado. A consciência
substrato possibilita que as marcas cármicas previamente armazenadas na mente
reapareçam novamente. É a base de onde emerge primeira camada, e ao emergir,
traz consigo o repertório coletado dessa segunda camada, por isso muitas vezes é
também chamada de consciência depósito. É um grande arcabouço de fatores
mentais condicionados. Esse continnum sutil de consciência nos leva de uma vida
para a outra. É semelhante a campos eletromagnéticos que tem a capacidade de
transmitir informação através da rede wifi.
[11] Terceira camada: Natureza de Buda , a base mais profunda da nossa mente, ou a própria
natureza da nossa mente — é a terceira camada. É o aspecto sem dualidade de sujeito e
objeto, livre de obscurecimentos emocionais e cognitivos; possuindo as qualidades de kayas18
e sabedorias19.
14
De acordo com Thrangu Rinpoche: a consciência aflita também habita a consciência base de tudo e surge a partir dela. Ele
não percebe que a mente em si é livre de manchas, e em vez disso centrase na base de tudo ignorante, que é a mente dotada de
manchas. É acompanhada por [a] a ideia de um "eu", por [b] orgulho que está se aproveitando através do pensamento "eu sou o
melhor", por [c] apego e desejo que tomar o "eu" o ser mais importante do que 'outro', e até [d] a ignorância por não
compreender o "eu" como sendo falso. É permanentemente coberta por estas quatro aflições mentais.
15
Quando se atinge o insight não conceitual da vacuidade, que é a porta de entrada para o caminho da visão dentro do
Mahayana.
16
O Budismo Theravada define arhat (sânscrito) ou arahant (pali) como "aquele que é digno" ou como uma "pessoa perfeita"
tendo atingido o nirvana. Outras tradições budistas têm usado o termo para praticantes muito avançados no caminho, mas que
ainda não atingiram o estado de Buda completamente.
17
sânsc. alayavijana ; tib. kunzhi namshe. Alaya quer dizer depósito, e vijnana corresponde a consciência [dual].
18
Dharmakaya, Sambhogakaya e Nirmanakaya. São referidos como sendo os três corpos do buda. Nos ensinamentos mais
elevados eles são respectivamente colocados como essência, natureza e capacidade. Essência se refere ao aspecto de vacuidade;
natureza corresponde a luminosidade; e capacidade ao potencial de manifestar naturalmente compaixão em direção a qualquer
coisa.
19
A sabedoria primordial — que não depende de condições, é incessante, e conhece a realidade como ela realmente é — adota
cinco formas: do espelho, igualdade, discriminativa, causalidade e dharmata.Todas elas operando como tesouros intrínsecos da
natureza de buda.
[
Instruções explícitas de prática
[13] Quando aprender a meditar, você não deve habitar no passado ou antecipar o futuro,
apenas focar a sua mente sobre seu presente estado mental. "Não habitar no passado,"
significa não seguir os seus pensamentos. Se você seguir seus pensamentos, você vai achar
que um pensamento só leva a outro e tenta recapturar cada pensamento que ocorre. "Não
antecipar o futuro", significa não pensar sobre as coisas que ainda não aconteceram, dando
origem a uma proliferação de pensamentos sobre as possibilidades futuras. "Focar o presente
estado da mente" significa estar consciente de tudo o que surge na mente a qualquer
momento.
Quando meditadores estão aprendendo a estabilizar a mente, eles não devem
considerar o equilíbrio meditativo como algo bom. Se eles não conseguem ter uma
experiência de equilíbrio meditativo, eles não devem considerar que é um fracasso. O
importante não é se o equilíbrio meditativo está presente, mas se você pode manter a
consciência em ambos, tanto um estado de repouso ou um estado perturbado. Se surgirem
pensamentos perturbadores, você deve usálos com a consciência de reconhecer que os
pensamentos são transitórios, eles surgem, persistem por um tempo e depois se dispersam. A
transitoriedade de um pensamento é revelada por sua indefinição. Antes que você possa se
apossar de um pensamento, ele já se foi, e um outro já apareceu em seu lugar20.
20
Gampopa, Dagpo Rinpoche
Shamata com foco na respiração
[14] “Sariputra, tome a analogia de um oleiro ou de um aprendiz de oleiro girando o
seu torno: se ele fizer uma volta longa, ele sabe que é longa; se ele fizer uma volta curta, ele
sabe que é curta. Sariputra, da mesma forma um bodisatva, um grande ser, atentamente
inspira e expira. Se a inalação é longa, ele sabe que a inalação é longa; se a exalação é longa,
ele sabe que a exalação é longa. Se a inalação é curta, ele sabe que a inalação é curta; se a
exalação é curta, ele sabe que a exalação é curta. Sariputra, assim, um bodisatva, um grande
ser, repousando com introspecção e atenção plena, elimina o apego e o desapontamento com
o mundo através da nãoobjetificação; e ele vive observando o corpo como o corpo interno.”
— Sutra da Perfeição da Sabedoria em Dez Mil Versos
[15] “Como perceber corretamente, com o poder da atenção plena, o movimento de
entrada e saída das respirações? Contandoas corretamente.
— Sutra das Dez Rodas de Kshitigarba
[16] À medida que você inspira e expira, direcione sua atenção às sensações da
passagem do ar pelas aberturas das narinas ou acima de seu lábio superior. Tome alguns
instantes para localizar a sensação. Repouse sua atenção exatamente onde sente a entrada e
saída do ar. De vez em quando, verifique se ainda está respirando desde a base do abdômen.
Isso acontecerá naturalmente se seu corpo estiver tranquilo, com as costas retas e com o
abdômen relaxado e solto.
— Alan Wallace, em Felicidade Genuína (Lúcida Letra, 2015)
Shamata com foco nos Cinco Elementos
[17] Elemento Éter — Contemplamos a luminosidade do olhar, associada a vivacidade
da mente. Quando cansamos, esse brilho enfraquece. A mente possui capacidade de fazer
surgir o brilho por si só, sem a necessidade de algo externo. Começamos pelo reconhecimento
do elemento éter: brilho nos olhos, clareza da mente, um brilho que se funde com a
espacialidade da própria mente21.
[18] Elemento Vento — Nós respiramos. Elemento ar trás movimento, uma expansão
que surge por dentro do brilho da mente na sua própria espacialiadade. Podemos também
levar a respiração, o movimento do elemento ar, para cada parte do nosso corpo. Se
estivermos com excesso de elemento ar, somos simplesmente arrastados de um lado para o
outro, literalmente ao sabor dos ventos cármicos. Na sua falta, nos tornamos fechados e
monótonos.
21
No samsara, nos engajamos nos pensamentos e nas bolhas de realidade a partir do elemento éter. É como se ele fosse a
partícula geradora da vida, semelhante a inflar um balão de ar. Surge um pensamento e, sutilmente, dizemos “oh!” e entramos na
corrente de pensamentos. Os pensamentos produzem um brilho de um certo tipo em nós, e assim entramos na cadeia de
pensamentos discursivos. É através do brilho do elemento éter que nascemos com um corpo sutil de uma identidade dentro de
uma bolha/realidade particular. Se estivermos com excesso de elemento éter, podemos ficar demasiadamente agitados e
empolgados. Na sua falta, nos tornamos apáticos e sem vida.
[19] Elemento Fogo — Da união desse brilho sutil do elemento éter com a respiração,
o movimento do elemento ar faz surgir um calor interno e o nosso corpo se aquece: surge o
elemento fogo. O elemento fogo produz uma sensação de vida, é o fogo criativo que cria, dá
significados, dá cor às experiências. Veja a imagens surgindo e desaparecendo. E perceba que
ao expirar mais longamente surge um calor na região próxima ao umbigo. Se estivermos com
excesso de elemento fogo, nos tornamos impulsivos, impacientes e irritados. Na sua falta, nos
tornamos apáticos, sem iniciativa, nem energia e criatividade.
[20] Elemento Água — Do elemento fogo vem a fluidez do elemento água, uma
ausência de rigidez. Sentimos nosso corpo leve, fluido, sem tensão, pronto para agir. Podemos
visualizar todo nosso corpo sendo inundado pela flexibilidade do elemento água. Veja que, o
mesmo fluxo que traz os pensamentos é o mesmo que leva, como um rio. Só olhe, sentado
calmamente na margem. Se estivermos com excesso de elemento água, afundamos nas
emoções e pensamentos, nos tornamos excessivamente emotivos. Na sua falta, nos tornamos
insensíveis e secos, sem a capacidade de flexibilizar.
[21] Elemento Terra Na sequência surge a estabilidade do elemento terra, uma
serenidade, uma confiança e não oscilação do nosso movimento. Se estivermos com excesso
de elemento terra, nos tornamos rígidos, tensos. Na sua falta, oscilamos junto das
experiências, sem estabilidade nenhuma. No samsara, todos nós aspiramos estabilizar tudo,
ter experiências sólidas como uma casa, um carro, um relacionamento, um emprego. Mas
tudo se mostra impermanente. Enquanto não reconhecermos a estabilidade proveniente da
espacialidade da mente, não vamos conseguir estabilizar nada de fato.
Repousando a mente no seu estado natural
[22] A quietude sem pensar em coisa alguma é chamada de quietude no domínio da
natureza essencial da mente. Os movimentos e surgimentos dos vários pensamentos são
chamados de flutuações. Não permitir que quaisquer pensamentos surjam sem serem notados,
nenhum pensamento passe despercebido, mas reconhecêlos com atenção plena e
introspecção é chamado de consciência. Com essa explicação, atinja a compreensão destes
ponto
Assim, para permanecer por um longo tempo no domínio da natureza essencial da
mente, eu devo estar alerta, observar os movimentos, manter meu corpo ereto, e manter
atenção plena vigilante”. Quando você diz e pratica isso, os pensamentos flutuantes não
cessam; no entanto, sem perderse neles como de hábito, a consciência plena os expõe.
Dedicandose a esta prática constantemente em todos os momentos, tanto durante quanto
entre as sessões de meditação, finalmente todos os pensamentos sutis e grosseiros se
acalmarão na expansão vazia da natureza essencial de sua mente. Você se aquietará em um
estado sem flutuação, no qual experimentará alegria como o calor de uma fogueira, clareza
como o nascer do sol, e ausência de conceitos como um oceano sem ondas. Ansiando por
esse estado e acreditando nisso, você não suportará ter de se separar dele, e se agarrará a ele.
— Dudjom Lingpa
[23] Aquilo que observa é chamado de consciência, ou lucidez, aquilo que é
observado é chamado de movimento, e repousar nesse estado é chamado estabilidade.
Identifique os como tal e medite!
— Dudjom Lingpa
[24] A shamata livre de falhas é como uma lamparina que não se move com o vento.
Onde quer que a consciência seja posicionada ela estará presente sem oscilações; a
consciência estará vividamente clara, sem se deixar manchar pela lassidão, letargia ou
obscurecimento; para onde a consciência for dirigida ela estará firme e agudamente focada;
imóvel apesar dos pensamentos casuais, ela é firme. Assim, um estado meditativo sem falhas
surge no seu fluxo mental; até que isso aconteça, é importante que a mente seja posicionada
em seu estado natural. Se a shamata genuína não surgir no seu fluxo mental, mesmo que a
sabedoria primordial seja apontada, ela não será nada mais do que um objeto de compreensão
intelectual; e a pessoa apenas repetirá a visão da boca para fora, e haverá o perigo de cair no
dogmatismo. Assim, a raiz de todos os estados meditativos depende disto; portanto, não seja
introduzido à sabedoria primordial cedo demais, mas pratique até que surja uma boa
experiência de estabilidade .
— Padmasambhava
Obstáculos básicos da meditação
[26] Mente agitada: você não faz nada de especial. Deixe a mente como está. E se
você fizer isso, então, eventualmente, ela vaise aquietar. Observe que a instrução de não fazer
nada não significa que a gente desiste da prática e simplesmente fica negligente. Ainda
mantemos a atenção e alerta, mas sem elaborar nenhuma estratégia de combate. Mantemos a
consciência de estarmos agitados, mantemos a vigilância ao surgimento dos pensamentos.
Depois, em um certo momento, a atenção tranquila retorna. É como um cachorro que tem
uma longa corda presa a uma casa, depois de tanto se agitar e latir, ele volta para seu local de
repouso. Simplesmente observamos e não interferimos.
[27] Agitação significa que a consciência se move para o exterior em direção a um
objeto ou na busca de algo. Moverse para o exterior significa que a atenção não fica quieta.
Ficar difusa é ficar presa na percepção de outra coisa qualquer. Ficar instável é ficar quieta
por um curto período de tempo, mais incapaz de permanecer assim por um longo período.
Subcorrente é quando a sua atenção se move desapercebidamente enquanto você pensa que
elas se mantem quieta. Há dois tipos de agitação: agitação por qualquer coisa significa que a
consciência se agita devido a alguma circunstância. Agitação por si significa que entra num
estado meditativo um sentimento sutil de pensar “Está quieta! Está clara!”.
— Padmasambhava
[27] Mente entorpecida: nesse caso a mente perde interesse pela prática, não consegue
manter a vivacidade e aos poucos ela vai afundando e adormecendo. Entretanto, tente manter
o senso de consciência da mente estar assim, mas não caia no total esquecimento. Não adianta
querer forçar a mente para ser acordada. Pode se manter por um período curto na sonolência
mas consciente dela e aguardando até a clareza retornar. Você pode também dar uma volta,
respirar um pouco de ar fresco e voltar a fazer a prática.
Recomendações de leitura:
Aquietando a Mente, Alan Wallace.
Revolução da Atenção, Alan Wallace .
Felicidade Genuína, Alan Wallace .
A Arte de Meditar, Mathieu Ricard.
Calming the Mind: Tibetan Buddhist Teachings on Cultivating Meditative Quiescence, Gen
Lamrimpa and Alan Wallace