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Shamata 

Porta de entrada pro mundo interno 
 
[1]   Os  métodos  para  refinar  a  atenção  foram  desenvolvidos  a  um  grau  muito  sofisticado  na 
Índia  há  2.500  anos,  nos  tempos  de  Gautama,  o  Buda.  Reconheceu­se  que  estes  estados 
avançados  de  samadhi,  ou  concentração  meditativa,  produziam  condições  profundas  de 
serenidade  e  bem­aventurança,  e  muitos  contemplativos  cultivaram  estes  estados  como  fins 
em si mesmos1.  
 
[2]  Shamata  não  é  encontrada  apenas  no  budismo.  A  prática  de  aprimorar  as  habilidades  da 
atenção  existe  em  contextos  religiosos  tão  distintos  quanto  hinduísmo,  taoísmo,  cristianismo 
antigo e escolas sufis do islã.  
 
[3]  No  imaginário  tibetano  a  mente  destreinada  é  comparada  a  um  cavalo  selvagem.  Ela 
precisará  ser  domada2.  Se  não  gerarmos  um  mínimo  de  liberdade  e  capacidade  introspectiva 
de  observação  de  nossos  pensamentos  e  impulsos3,  a  possibilidade  de  adentrar  o  mundo 
interno fica muito limitada.  
 
[4]   É  importante  entender  a  ênfase  dada  à  mente  no  caminho  budista.  O  budismo  tem  uma 
forte  oposição  ao  conhecimento  epistemológico  objetivo,  dominante  em  nossa  cultura 
científica  globalizada.  Esse  sistema  se  baseia  totalmente  num  mundo  independente  do 
observador.  Uma  profunda  limitação  desse  ideal  é  que  ele  não  consegue  abarcar  o  estudo  de 
eventos  subjetivos4.  A  oposição  budista  vem  da  premissa  que a mente é a causa principal das 
alegrias  e  sofrimentos,  e  ainda  de  todo  o  conhecimento humano. Ela é fundamental para toda 
a compreensão do mundo natural. O Buda diz no  Ratnameghasutra :  
 
Todos  os  fenômenos  são  precedidos  pela   mente. Quando a  mente  é  compreendida, todos 
os fenômenos são compreendidos. 
 
[5]  De  acordo  com  a  Psicologia Budista, o  continuum de percepção é composto de momentos 
sucessivos,  ou  pulsos  de  cognição5.  Além  disso,  como  é  comum  num   continuum  de 
percepção,  muitos  momentos  consistem  de  cognição  indeterminada,  ou  seja,  momentos  em 
que  os  objetos  surgem  para  a  percepção  não  atenta  e  não  são  detectados,  ou  reconhecidos 
conscientemente,  da  maneira  que  possam  ser  lembrados  depois.   O  refinamento  da  prática  de 
shamata cria um  continuum  mais homogêneo de atenção, sem lapsos de esquecimento.  
 

1
  A  grande  inovação do Buda foi avançar no desenvolvimento desses métodos de samadhi, e então aplicar essa atenção refinada 
e  focada à investigação experimental direta da mente e a sua relação com o resto do mundo. O único instrumento que temos para 
observar  diretamente  os  fenômenos  mentais  é  a  consciência  mental,  e  esto  é  aperfeiçoado  para  tornar­se  uma  excelente 
ferramenta a partir do desenvolvimento de shamata. 
2
  Imaginem,  por  exemplo, que você tem um copo cheio de água com sedimentos. Quando a água é agitada, os sedimentos ficam 
se  movimentando  ali  dentro  —  permanecem  girando  na  superfície.  O papel de shamata é acalmar o movimento da água até que 
os sedimentos se decantem no fundo do copo possibilitando sua observação com clareza .  
3
  Impulsos  que  surgem  nas  mais  variadas  direções  convidados  pelos  estímulos  externos,  além  dos  próprios  pensamentos que 
dominam a nossa atenção. 
4
  Os  estudos  científicos  da  mente  foram  iniciados  apenas  trés  seculos  depois  da  revolução  cientifica.  Kant,  por  exemplo, 
argumentava  que  não  poderia  haver  uma  ciência  da  mente  verdadeira  baseada  na  introspecção,  uma  vez  que  os  fenômenos 
mentais observados são alterados e transformados pelo próprio ato da observação.  
5
 De acordo com Jagmon Kongtrul [em  Myriad Worlds: Buddhist Cosmology in Abhidharma, Kalachakra and Dzogchen]  a 
duração de cada um é da ordem de um milionésimo de segundo. 
[6]   Para  cultivar  a  estabilidade  e  a  vivacidade  —  duas  qualidades  essenciais  em  shamata  — 
precisamos  de  atenção  plena6  e  introspecção7.  Sabe­se,  por  experiência,  que  a  mente 
indisciplinada  desvia  muito  rapidamente  sua  atenção,  passando  para  a  agitação  ou 
dispersando­se;  quando  finalmente  se  aquieta,  ela  tende  a  cair no marasmo, estado em que se 
perde a vivacidade. 
 
[7]   Na  prática  de  shamata,  há  uma  grande  ênfase  no  aspecto  do  relaxamento,  devido  ao  fato 
de  que  ele  aumenta  a  nossa  estabilidade.  Fugimos  da  ideia  usual  de  relaxamento,  onde 
concebemos  uma  espécie  de  relaxamento hedonista. O relaxamento envolve plena vivacidade 
da atenção sem que ela fique tensa e flutuante.  
 
[8]  Shamata  é  uma  base  para  outras  práticas  de  meditação  mais  sofisticadas.  Ela  não não vai 
nos  levar  à  liberação,  mas acalma a mente dualista, proporcionando uma base para as práticas 
que envolvam visão8.  
 
Decompondo a mente9: as três camadas10 
 
[9]  Primeira  camada:    É  aquilo  que  usualmente  chamamos  de  mente,  formada  pelas  cinco 
consciências  sensoriais  e  a  sexta  consciência  —  a  mente  pensante.  Para  cada  um  dos  cinco 
sentidos  temos  uma  consciência  correspondente.  Esses  seis  tipos  de  consciências  são 
categorizadas  como  consciências  instáveis.  Essa  é  a  camada  mais grosseira, responsável pelo 
devaneio,  sonho,  imaginário.  Essa psique é individual: cada um tem a sua, que surge moldada 
de  acordo  com  causas  e  condições.  Ao  morrer,  ela  se dissolve na segunda camada da mente, 
deixando  marcas,  que  sinalizam  tendências  acumuladas  durante  a  vida.  Nenhuma  das  seis 
coleções  de  consciências  podem guardar suas marcas. Essas consciências se dissolvem assim 
que elas surgem. 
 
[9.a]   Consciências  sensoriais:  Todas  as  consciências  dos  sentidos  são  livres  de 
pensamentos  [não  conceituais],  porque  elas  simplesmente  percebem  seu  objeto 
específico  sem  qualquer  tipo  de  associação  conceitual.  Elas  não  compõem 
pensamentos  como  "isso  é  bom"  ou  "isso  é  ruim".  No  momento  da  percepção 
também não existe a sensação de desejo ou raiva. 
 
6
  Em  pali sati [ sânscr. smrti,  tib . dran pa ]. Usualmente é traduzido como “atenção plena”, que é manter a atenção sobre o objeto 
de  meditação  sem  flutuações.  Como  esse  termo  pode  estar  associado  a  outros  contextos,  a  expressão  atenção  plena  é  uma 
aproximação.  Segundo  George Dreyfus: A atenção plena no contexto budista significa também a "recordação", que indica que a 
função  da  atenção  plena também inclui a retenção de informações. O termo atenção plena subestima as implicações cognitivas, a 
sua  capacidade  de  reunir  vários  aspectos  da experiência de modo a levar à compreensão clara da natureza dos estados mentais e 
corporais.  Autores  contemporâneos  conduzem  a  uma  compreensão  unilateral  da  atenção  plena  como  uma  forma 
terapeuticamente  útil  de  tranquilidade.  Elementos  são  perdidos  quando  se  usam  jargões  como  “ficar  presente”,  “relaxar  no 
momento  presente”  para  definir  esse  termo.  É  importante  não  perder  de  vista  que  a  atenção  plena  não  é  apenas  uma  técnica 
terapêutica,  mas  é  uma  capacidade  natural  que  desempenha  um  papel  central  no  processo  cognitivo.  É  este aspecto que parece 
ser ignorado quando atenção plena é reduzida a uma forma centrada no “presente” sem julgamento das experiências. 
7
  A  introspecção  tem  a  função  de  monitorar  o  processo  de  atenção.  Introspecção  é uma forma de inteligência na visão budista, 
por  saber localizar os defeitos e atributos específicos de objetos através da atenção. Um metaconhecimento capaz de referendar a 
mente  a  observar  a  si  mesma.  E  quando  alguém  lembra  de  ter  visto  um  acontecimento,  ele  recorda  tanto  o  acontecimento 
percebido como ele mesmo percebendo o acontecimento. O sujeito e objeto são lembrados como um acontecimento integrado.  
8
 Em algumas tradições dentro do Budismo, inicialmente somos introduzidos a visão e depois fazemos as meditações. 
9
  O  termo  mente  pode  significar  muitas  coisas  no  contexto  budista.  Ele pode se referir a estados mentais impuros e em outro a 
estados  mentais  classificados  como  puros.  É  bom  que  entendamos  que  existe  essa  ampla  gama  de  significados  porque  nossa 
noção ocidental de mente é extremamente reducionista e materialista. 
10
  Apesar  de  ser divida em três, numa visão mais ampla, elas estão profundamente conectadas, assim como a água misturada no 
leite. 
[9.b]   Consciência  mental:   A  consciência  mental,  no  entanto,  toma  sua  forma  em 
conexão  com  pensamentos  de  apego  e  aversão,  pensando  "isso  é  bom",  "isso  é 
ruim",  "o  que  é  isso?"  "eu  preciso  disso",  ou  "eu  não  quero  isso."  por  isso,  é 
chamada  de  uma  consciência  conceitual.  Dessa  forma  uma  consciência  mental 
surge  imediatamente  após  a  outra,  e  sua  faculdade  do  "sentido"  não  tem  uma 
forma,  mas  é  a  própria  consciência.  Assim,  a  consciência  mental  é  baseada  em 
qualquer  momento  anterior  de  consciência,  não  importando  o  tipo  das  seis 
coleções de consciência. 
Dentro  da  esfera  dos  fenômenos  cada  tipo  de  objeto  sensorial  pode  aparecer 
como  um  objeto  da  consciência mental; assim qualquer forma, som, cheiro, sabor, 
e  objeto  físico  tangível  podem  também  aparecer  como  um  objeto  da  consciência 
mental,  não  só  tudo  externamente,  mas  também  todos  os objetos internos11. Esses 
objetos  podem  aparecer,  mas  eles  não  aparecem  diretamente.  A  consciência 
mental  cria  uma  imagem  dos  objetos  percebidos,  o  que  significa  que  a  forma 
visual  externa  não  é vista pela consciência mental, mas em vez disso uma imagem 
mental  semelhante  que  é  percebida  pela  consciência  visual  aparece  à  perspectiva 
da  consciência  mental.  Ou,  uma  aparência  similar  ao  som  que  é  percebida  pela 
consciência  auditiva  aparece  para  a  perspectiva  da  consciência  mental.  É por isso 
que  a  consciência  mental  apreende  todos  os  objetos  externos,  mas  não  pode 
percebê­los claramente. 
No  entanto,  ela  é  dotada  de  qualidades  extraordinárias  que  não  são 
compartilhadas  com  as  consciências  dos  sentidos.  Sua  qualidade  especial  é  a 
variedade  de  pensamentos  que  aparecem  dentro  dela.  Desta  forma,  entre  todas as 
seis  coleções  de  consciências,  a  consciência  mental  tem  o  trabalho  mais 
movimentado!  As  cinco  consciências  dos  sentidos  apenas  percebem.  A 
consciência  mental,  no  entanto,  os  juízes  desta  mera  percepção,  seguem 
imediatamente  com  pensamentos  como  "isso  é  bom"  ou  "isso  é  ruim."  Por  esta 
razão,  a  consciência  mental  é  especialmente  importante  para  nós  como  seres 
humanos. 
Em  shamata  também,  não  são  os  cinco  sentidos  da  consciência  que  meditam, 
mas  a  consciência  mental.  Alguns  meditantes  acreditam  que  quando  eles 
constantemente  veem  objetos  com  os  olhos  enquanto  meditam, a sua meditação é 
prejudicada,  ou  que,  quando  eles  percebem sons com os ouvidos, a sua meditação 
não  será  tão  boa.  No  entanto, os cinco sentidos da consciência não são capazes de 
criar qualquer coisa; portanto, eles não podem desviar a nossa mente também.  
 
[10]   Segunda  camada :  Aqui  as  consciências  são  estáveis,  portanto,  funcionam  de  forma 
diferente.  Elas  funcionam  continuamente  enquanto  estamos  caminhando  ou  sentado,  se 
estamos  distraídos  ou  concentrados,  enquanto  dormimos  ou  trabalhamos,  e  mesmo  durante 
um desmaio ou anestesia.12 Os dois tipos são: consciência aflita13 e consciência substrato. 

11
  Objetos  externos  são  objetos  percebidos  pelas  consciencias  dos  sentidos;  isto  é,  eles  serem  “externos”  a 
mente.  Objetos  internos  são  objetos  mentais  tais  como  pensamentos,  memórias,  devaneios,  ruminação  e  a 
respectiva consciência dos objetos externos. 
12
  Thrangu  Rinpoche:  "Isto  é  devido  ao  aspecto  de  clareza  da  mente  que  nunca  é  interrompido.  A  mente é, de 
acordo  com  sua  definição,  clara  e  conhecedora.  Se  o aspecto de clareza for interrompidos, você não seria capaz 
de  distingui­lo  de  uma  pedra.  Mesmo  dentro  da  meditação  livre  de  pensamentos,  num  desmaio,  ou  estar 
anestesiado,  o  aspecto  de  clareza  da  mente  continua  funcionando  sob  a  forma  dos  dois  tipos  consciência 
estáveis  ". 
13
 
[10.a]   Consciência  aflita :   Embora  essa  consciência  seja  caracterizada  como 
‘dotada  de  aflições',  ela  não  inclui  todas  as  aflições  mentais  como  apego,  desejo, 
raiva,  apatia,  ou  aflições  semelhantes  não  são  referidas  aqui,  mas  apenas  aquelas 
que  estão  incluída na categoria de "fixação a uma essência'. Que pode ser dividida 
em  apego  do  “eu”  ou  apego  aos  fenômenos.  Existe  um  pensamento  contínuo  e 
ininterrupto  da  consciência  aflita em relação ao "eu" e é sempre acompanhada por 
eventos  mentais  sutis.  Não  é  apenas  a  mera  concepção  de  um  "eu". 
Simultaneamente,  a  concepção  de  um  "eu"  admite  a  ignorância,  e  à  imprecisão, 
porque  o  "eu"  não  é  percebido  como  sendo  falso14.  O  apego  ao  eu  da  sétima 
consciência  não  é  positivo  nem  negativo,  ele  é  neutro.  Mas  é  a  base  para  o 
surgimento  das  ações  negativas  e  positivas.  No  entanto,  apesar  de  ser geralmente 
considerada  neutra  é  um  obstáculo  para  alcançar  a  liberação.  Um  bodisatva  de 
primeiro  bhumi15  em  meditação  desativa  a  sétima  consciência  mas  quando  ele 
levanta  da  meditação,  voltam  as  marcas  de  um  eu.  Um  arhat16  em  meditação  e 
fora  da  meditação  desativou  o  eu.  O  bodisatva  só  no  oitavo  bhumi  libera 
completamente a sétima consciência.  
 
[10.b]   Consciência  substrato17:  Essa consciência pode ser dividida em dois tipos: 
substrato  ou  base  de  tudo  e  a  consciência  substrato  que  amadurece  as  marcas. A 
consciência  substrato  traz  a  tona  aquilo  que  foi  depositado.  A  consciência 
substrato  possibilita  que  as  marcas  cármicas  previamente  armazenadas  na  mente 
reapareçam  novamente.    É  a  base  de  onde emerge primeira camada, e ao emergir, 
traz  consigo  o  repertório  coletado  dessa  segunda  camada,  por  isso muitas vezes é 
também  chamada  de  consciência  depósito.  É  um  grande  arcabouço  de  fatores 
mentais  condicionados.  Esse   continnum   sutil de consciência nos leva de uma vida 
para  a  outra.  É  semelhante  a  campos  eletromagnéticos  que  tem  a  capacidade  de 
transmitir informação através da rede wifi. 
 
[11]   Terceira  camada:  Natureza  de  Buda ,   a  base mais profunda da nossa mente, ou  a própria 
natureza  da  nossa  mente  —  é  a  terceira  camada.  É  o  aspecto  sem  dualidade  de  sujeito  e 
objeto,  livre  de  obscurecimentos emocionais e cognitivos; possuindo as qualidades de  kayas18 
e sabedorias19. 
 

14
    De  acordo  com  Thrangu  Rinpoche:  a  consciência  aflita  também  habita  a  consciência  base  de  tudo  e  surge a partir dela. Ele 
não  percebe  que  a  mente  em  si  é  livre  de manchas, e em vez disso centra­se na base de tudo ignorante, que é a mente dotada de 
manchas.  É  acompanhada  por [a] a ideia de um "eu", por [b] orgulho que está se aproveitando através do pensamento "eu sou o 
melhor",  por  [c]  apego  e  desejo  que  tomar  o  "eu"  o  ser  mais  importante  do  que  'outro',  e  até  [d]  a  ignorância  por  não 
compreender o "eu" como sendo falso. É permanentemente coberta por estas quatro aflições mentais. 
15
Quando  se  atinge  o  insight  não  conceitual  da  vacuidade,  que  é  a  porta  de  entrada  para  o  caminho  da  visão  dentro  do 
Mahayana. 
16
  O Budismo Theravada define arhat  (sânscrito) ou  arahant (pali) como "aquele que é digno" ou como uma "pessoa perfeita" 
tendo  atingido  o  nirvana.  Outras  tradições  budistas  têm  usado  o  termo  para  praticantes  muito avançados no caminho, mas que 
ainda não atingiram o estado de Buda completamente.  
17
sânsc.  alayavijana ; tib.  kunzhi namshe.  Alaya quer dizer depósito, e vijnana corresponde a consciência [dual].  
18
  Dharmakaya,  Sambhogakaya  e  Nirmanakaya.  São  referidos  como  sendo  os  três  corpos  do  buda.  Nos  ensinamentos  mais 
elevados  eles  são  respectivamente  colocados  como  essência,  natureza e capacidade. Essência se refere ao aspecto de vacuidade; 
natureza  corresponde  a  luminosidade;  e  capacidade  ao  potencial  de  manifestar  naturalmente  compaixão  em  direção  a  qualquer 
coisa. 
19
 A sabedoria primordial — que não depende de condições, é incessante, e conhece a realidade como ela realmente é — adota 
cinco formas: do espelho, igualdade, discriminativa, causalidade e dharmata.Todas elas operando como tesouros intrínsecos da 
natureza de buda. 
  [  
 
 
  Instruções explícitas de prática 
 
[13]  Quando  aprender  a  meditar,  você  não  deve  habitar  no  passado  ou  antecipar  o  futuro, 
apenas  focar  a  sua  mente  sobre  seu  presente  estado  mental.  "Não  habitar  no  passado," 
significa  não  seguir  os  seus  pensamentos.  Se  você  seguir  seus  pensamentos,  você  vai  achar 
que  um  pensamento  só  leva  a  outro  e  tenta  recapturar  cada  pensamento  que  ocorre.  "Não 
antecipar  o  futuro",  significa  não  pensar  sobre  as  coisas  que  ainda  não  aconteceram,  dando 
origem  a  uma  proliferação  de  pensamentos  sobre  as  possibilidades futuras. "Focar o presente 
estado  da  mente"  significa  estar  consciente  de  tudo  o  que  surge  na  mente  a  qualquer 
momento. 
Quando  meditadores  estão  aprendendo  a  estabilizar  a  mente,  eles  não  devem 
considerar  o  equilíbrio  meditativo  como  algo  bom.  Se  eles  não  conseguem  ter  uma 
experiência  de  equilíbrio  meditativo,  eles  não  devem  considerar  que  é  um  fracasso.  O 
importante  não  é  se  o  equilíbrio  meditativo  está  presente,  mas  se  você  pode  manter  a 
consciência  em  ambos,  tanto  um  estado  de  repouso  ou  um  estado  perturbado.  Se  surgirem 
pensamentos  perturbadores,  você  deve  usá­los  com  a  consciência  de  reconhecer  que  os 
pensamentos  são  transitórios, eles surgem, persistem por um tempo e depois se  dispersam. A 
transitoriedade  de  um  pensamento  é  revelada  por  sua  indefinição.  Antes  que  você  possa  se 
apossar de um pensamento, ele  já se foi, e um outro já apareceu em seu lugar20. 
 
 
 
20
 Gampopa, Dagpo Rinpoche 
Shamata com foco na respiração 
 
[14]  “Sariputra,  tome  a  analogia  de  um  oleiro  ou  de  um  aprendiz  de  oleiro  girando  o 
seu  torno:  se  ele  fizer  uma  volta  longa,  ele  sabe que é longa; se ele fizer uma volta curta, ele 
sabe  que  é  curta.  Sariputra,  da  mesma  forma  um  bodisatva,  um  grande  ser,  atentamente 
inspira  e  expira.  Se  a inalação é longa, ele sabe que a inalação é  longa; se a exalação é longa, 
ele  sabe  que  a  exalação  é  longa.  Se  a  inalação  é  curta,  ele  sabe  que  a  inalação  é  curta;  se  a 
exalação  é  curta,  ele  sabe  que  a  exalação  é  curta.  Sariputra,  assim,  um  bodisatva,  um grande 
ser,  repousando  com  introspecção  e  atenção  plena,  elimina  o  apego  e  o desapontamento com 
o mundo através da não­objetificação; e ele vive observando o corpo como o corpo interno.”  
 
—  Sutra da Perfeição da Sabedoria em Dez Mil Versos 
 
[15]  “Como  perceber  corretamente,  com  o  poder  da  atenção  plena,  o  movimento  de 
entrada e saída das respirações? Contando­as corretamente.  
 
—  Sutra das Dez Rodas de Kshitigarba 
 
[16]   À  medida  que  você  inspira  e  expira,  direcione  sua  atenção  às  sensações  da 
passagem  do  ar  pelas  aberturas  das  narinas  ou  acima  de  seu  lábio  superior.  Tome  alguns 
instantes  para  localizar  a  sensação.  Repouse  sua  atenção  exatamente  onde  sente  a  entrada  e 
saída  do  ar.  De  vez  em  quando,  verifique  se  ainda  está  respirando  desde  a  base do abdômen. 
Isso  acontecerá  naturalmente  se  seu  corpo  estiver  tranquilo,  com  as  costas  retas  e  com  o 
abdômen relaxado e solto.  
 
— Alan Wallace, em Felicidade Genuína (Lúcida Letra, 2015) 
 
 
Shamata  com foco nos Cinco Elementos 
 
[17]  Elemento Éter — Contemplamos a luminosidade do olhar, associada a vivacidade 
da  mente.  Quando  cansamos,  esse  brilho  enfraquece.  A  mente  possui  capacidade  de  fazer 
surgir o brilho por si só, sem a necessidade de algo externo. Começamos pelo reconhecimento 
do  elemento  éter:  brilho  nos  olhos,  clareza  da  mente,  um  brilho  que  se  funde  com  a 
espacialidade da própria mente21.  
 
[18]   Elemento  Vento  —  Nós  respiramos.  Elemento  ar  trás  movimento,  uma  expansão 
que  surge  por  dentro  do  brilho  da  mente  na  sua  própria  espacialiadade.  Podemos  também 
levar  a  respiração,  o  movimento  do  elemento  ar,  para  cada  parte  do  nosso  corpo.  Se 
estivermos  com  excesso  de  elemento  ar,  somos  simplesmente  arrastados  de  um  lado  para  o 
outro,  literalmente  ao  sabor  dos  ventos  cármicos.  Na  sua  falta,  nos  tornamos  fechados  e 
monótonos. 
 

21
  No  samsara,  nos  engajamos  nos  pensamentos  e  nas  bolhas  de  realidade  a  partir  do  elemento  éter.  É  como  se  ele  fosse  a 
partícula  geradora da vida, semelhante a inflar um balão de ar. Surge um pensamento e, sutilmente, dizemos “oh!” e entramos na 
corrente  de  pensamentos.  Os  pensamentos  produzem  um  brilho  de  um  certo  tipo  em  nós,  e  assim  entramos  na  cadeia  de 
pensamentos  discursivos.  É  através  do  brilho  do  elemento  éter  que  nascemos  com  um corpo sutil de uma identidade dentro de 
uma  bolha/realidade  particular.  Se  estivermos  com  excesso  de  elemento  éter,  podemos  ficar  demasiadamente  agitados  e 
empolgados. Na sua falta, nos tornamos apáticos e sem vida. 
[19]  Elemento  Fogo  —  Da união desse brilho sutil do elemento éter com a respiração, 
o  movimento  do  elemento  ar  faz  surgir  um  calor  interno  e  o  nosso  corpo  se  aquece:  surge  o 
elemento  fogo.  O  elemento  fogo  produz  uma  sensação  de  vida,  é  o  fogo criativo que cria, dá 
significados,  dá  cor  às  experiências. Veja a imagens surgindo e desaparecendo. E perceba que 
ao  expirar  mais  longamente  surge  um calor na região próxima ao umbigo. Se estivermos com 
excesso  de  elemento fogo, nos tornamos impulsivos, impacientes e irritados. Na sua falta, nos 
tornamos apáticos, sem iniciativa, nem energia e criatividade. 
 
[20]  Elemento  Água  —  Do  elemento  fogo  vem  a  fluidez  do  elemento  água,  uma 
ausência de rigidez. Sentimos nosso corpo leve, fluido, sem tensão, pronto para agir. Podemos 
visualizar  todo  nosso  corpo  sendo  inundado  pela  flexibilidade  do  elemento  água. Veja que, o 
mesmo  fluxo  que  traz  os  pensamentos  é  o  mesmo  que  leva,  como  um  rio.  Só  olhe,  sentado 
calmamente  na  margem.  Se  estivermos  com  excesso  de  elemento  água,  afundamos  nas 
emoções  e  pensamentos,  nos  tornamos  excessivamente  emotivos.  Na  sua  falta,  nos tornamos 
insensíveis e secos, sem a capacidade de flexibilizar. 
 
[21]   Elemento  Terra  ­  Na  sequência  surge  a  estabilidade  do  elemento  terra,  uma 
serenidade,  uma  confiança  e  não  oscilação  do  nosso  movimento.  Se  estivermos  com excesso 
de  elemento  terra,  nos  tornamos  rígidos,  tensos.  Na  sua  falta,  oscilamos  junto  das 
experiências,  sem  estabilidade  nenhuma.  No  samsara,  todos  nós  aspiramos  estabilizar  tudo, 
ter  experiências  sólidas  como  uma  casa,  um  carro,  um  relacionamento,  um  emprego.  Mas 
tudo  se  mostra  impermanente.  Enquanto  não  reconhecermos  a  estabilidade  proveniente  da 
espacialidade da mente, não vamos conseguir estabilizar nada de fato. 
 
 
Repousando a mente no seu estado natural 
 
[22]   A  quietude  sem  pensar  em  coisa  alguma  é  chamada  de  quietude  no  domínio  da 
natureza  essencial  da  mente.  Os  movimentos  e  surgimentos  dos  vários  pensamentos  são 
chamados  de  flutuações. Não permitir que quaisquer pensamentos surjam sem serem notados, 
nenhum  pensamento  passe  despercebido,  mas  reconhecê­los  com  atenção  plena  e 
introspecção  é  chamado  de  consciência.  Com  essa  explicação,  atinja  a  compreensão  destes 
ponto 
Assim,  para  permanecer  por  um  longo  tempo  no  domínio  da  natureza  essencial  da 
mente,  eu  devo  estar  alerta,  observar  os  movimentos,  manter  meu  corpo  ereto,  e  manter 
atenção  plena  vigilante”.  Quando  você  diz  e  pratica  isso,  os  pensamentos  flutuantes  não 
cessam;  no  entanto,  sem  perder­se  neles  como  de  hábito,  a  consciência  plena  os  expõe. 
Dedicando­se  a  esta  prática  constantemente  em  todos  os  momentos,  tanto  durante  quanto 
entre  as  sessões  de  meditação,  finalmente  todos  os  pensamentos  sutis  e  grosseiros  se 
acalmarão  na  expansão  vazia  da  natureza  essencial  de  sua  mente.  Você  se  aquietará  em  um 
estado  sem  flutuação,  no  qual  experimentará  alegria  como  o  calor  de  uma  fogueira,  clareza 
como  o  nascer  do  sol,  e  ausência  de  conceitos  como  um  oceano  sem  ondas.  Ansiando  por 
esse estado e acreditando nisso, você não suportará ter de se separar dele, e se agarrará a ele.  
 
— Dudjom Lingpa 
 
[23]  Aquilo  que  observa  é  chamado  de  consciência,  ou  lucidez,  aquilo  que  é 
observado  é  chamado  de  movimento,  e  repousar  nesse  estado  é  chamado  estabilidade. 
Identifique­ os como tal e medite! 
 
— Dudjom Lingpa 
 
[24]  A  shamata  livre  de  falhas  é  como  uma  lamparina  que  não  se  move com o vento. 
Onde  quer  que  a  consciência  seja  posicionada  ela  estará  presente  sem  oscilações;  a 
consciência  estará  vividamente  clara,  sem  se  deixar  manchar  pela  lassidão,  letargia  ou 
obscurecimento;  para  onde  a  consciência  for  dirigida  ela  estará  firme  e  agudamente  focada; 
imóvel  apesar  dos  pensamentos  casuais,  ela  é  firme. Assim, um estado meditativo sem falhas 
surge  no  seu  fluxo  mental;  até  que  isso  aconteça,  é  importante  que  a  mente  seja  posicionada 
em  seu  estado  natural.  Se  a  shamata  genuína  não  surgir  no  seu  fluxo  mental,  mesmo  que  a 
sabedoria  primordial  seja  apontada,  ela não será nada mais do que um objeto de compreensão 
intelectual;  e  a  pessoa  apenas  repetirá  a  visão  da  boca  para  fora,  e  haverá o perigo de cair no 
dogmatismo.  Assim,  a  raiz  de  todos  os  estados  meditativos depende disto; portanto, não seja 
introduzido  à  sabedoria  primordial  cedo  demais,  mas  pratique  até  que  surja  uma  boa 
experiência de estabilidade .  
 
— Padmasambhava 
 
Obstáculos básicos da meditação 
 

[26]   Mente  agitada:  você  não  faz  nada  de  especial.  Deixe  a  mente  como  está.  E  se 
você fizer isso, então, eventualmente, ela vaise  aquietar. Observe que a instrução de não fazer 
nada  não  significa  que  a  gente  desiste  da  prática  e  simplesmente  fica  negligente.  Ainda 
mantemos  a  atenção  e  alerta,  mas  sem  elaborar  nenhuma  estratégia  de combate. Mantemos a 
consciência  de  estarmos  agitados,  mantemos  a  vigilância  ao  surgimento  dos  pensamentos. 
Depois,  em  um  certo  momento,  a  atenção  tranquila  retorna.  É  como  um  cachorro  que  tem 
uma  longa  corda  presa  a  uma  casa,  depois  de tanto se agitar e latir, ele volta para seu local de 
repouso. Simplesmente observamos e não interferimos.  
[27]  Agitação  significa  que  a  consciência  se  move  para  o  exterior  em  direção  a  um 
objeto  ou  na  busca  de  algo.  Mover­se  para  o  exterior  significa  que  a  atenção  não fica quieta. 
Ficar  difusa  é  ficar  presa  na  percepção  de  outra  coisa  qualquer.  Ficar  instável  é  ficar  quieta 
por  um  curto  período  de  tempo,  mais  incapaz  de  permanecer  assim  por  um  longo  período. 
Subcorrente  é  quando  a  sua  atenção  se  move  desapercebidamente  enquanto  você  pensa  que 
elas  se  mantem  quieta.  Há  dois  tipos  de  agitação:  agitação  por  qualquer  coisa significa que a 
consciência  se  agita  devido  a  alguma  circunstância.  Agitação  por  si  significa  que  entra  num 
estado meditativo um sentimento sutil de pensar “Está quieta! Está clara!”.  
— Padmasambhava 
[27]   Mente entorpecida:  nesse caso a mente perde interesse pela prática, não consegue 
manter  a  vivacidade  e  aos  poucos  ela  vai afundando e adormecendo. Entretanto, tente manter 
o  senso de consciência da mente estar assim, mas não caia no total esquecimento. Não adianta 
querer  forçar  a  mente  para  ser  acordada.  Pode  se  manter  por  um  período  curto na sonolência 
mas  consciente  dela  e  aguardando  até  a  clareza  retornar.  Você  pode  também  dar  uma  volta, 
respirar um pouco de ar fresco e voltar a fazer a prática.  

Recomendações de leitura: 

Aquietando a Mente,  Alan Wallace. 

Revolução da Atenção,  Alan Wallace . 

Felicidade Genuína,  Alan Wallace . 

A Arte de Meditar,  Mathieu Ricard. 

Calming  the  Mind:   Tibetan  Buddhist  Teachings  on  Cultivating  Meditative  Quiescence,   Gen 
Lamrimpa and Alan Wallace 

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