Você está na página 1de 20

DIREITO E POLÍTICA:

o Ministério Público e a defesa


dos direitos coletivos

Rogério Bastos Arantes

Introdução função de sua natureza difusa e/ou coletiva, encon-


travam-se até então excluídos do ordenamento
O risco que o Ministério Público oferece jurídico brasileiro. Refiro-me especialmente a áreas
é o risco de fazer com que a lei seja cumprida. como meio ambiente, patrimônio histórico e cultu-
(Promotor de justiça de São Paulo)
ral e direitos do consumidor, num primeiro mo-
mento. Em seguida, essa normatização ampliou-se
O Ministério Público brasileiro está passan- em direção ao patrimônio público e ao controle da
do por um importante processo de reconstrução probidade administrativa, até chegar aos serviços
institucional que, associado à normatização de de relevância pública que envolvem direitos funda-
direitos coletivos e à emergência de novos instru- mentais como saúde, educação, trabalho, seguran-
mentos processuais, tem resultado no alargamen- ça, lazer etc. O instrumento capaz de ensejar a
to do acesso à Justiça no Brasil e, em especial, na defesa judicial de tais interesses e direitos — a ação
canalização de conflitos coletivos para o âmbito civil pública — teve sua existência legal regula-
judicial. O Ministério Público tem sido o agente mentada em 1985.
mais importante da defesa de direitos coletivos Do ponto de vista político, a redemocratiza-
pela via judicial e, dado que os conflitos relativos ção do país produziu forte impacto sobre o sistema
a tais direitos têm geralmente conotação política, de justiça. De um lado, a demanda por justiça, em
pode-se dizer que também tem impulsionado um grande parte represada nos anos de autoritarismo,
processo mais amplo de judicialização de confli- inundou o Poder Judiciário com o fim dos constran-
tos políticos e, no sentido inverso, de politização gimentos impostos pelo regime militar ao seu livre
do sistema judicial. funcionamento. De outro, a democratização e o
Esse duplo movimento de judicialização/po- retorno ao Estado de direito recolocaram a necessi-
litização tem balizamentos jurídicos e políticos. Do dade de juízes e árbitros legítimos para decidir
ponto de vista legislativo, desde pelo menos o eventuais conflitos entre sociedade e governo e
início dos anos 80, temos assistido a um importante entre os poderes do próprio Estado. Este papel foi
processo de normatização de direitos que, em atribuído em grande medida ao Poder Judiciário.

RBCS Vol. 14 no 39 fevereiro/99


84 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 14 No 39

A Constituição de 1988 representa um marco Público (MP) duas funções principais: (a) a de fiscal
jurídico e político desse processo. Ela consolidou da lei (custos legis) e (b) a de titular da ação penal
em norma fundamental mudanças legislativas ante- pública. Como fiscal da lei, o MP deve acompanhar
riores, na área dos direitos difusos e coletivos, além a aplicação da lei pelo juiz em casos concretos
de fornecer as bases para a ampliação da codifica- envolvendo direitos individuais considerados in-
ção de novos direitos transindividuais. Ela também disponíveis, relacionados geralmente a áreas de
arremessou as instituições judiciais à esfera política família, registro e filiação, sucessões, defesa dos
quando ampliou as formas de controle judicial da incapazes etc. Nesses casos, o MP não é parte no
constitucionalidade de atos normativos do Executi- processo, mas figura como órgão interveniente.
vo e de leis do Parlamento.1 Foi além nesse sentido Constitui-se em um terceiro elemento, ao lado do
quando retirou o Ministério Público da alçada do juiz e das partes em conflito, representando o
Poder Executivo, conferindo-lhe autonomia admi- Estado e sua função pública de zelar por direitos
nistrativa e independência funcional, deslocando-o indisponíveis e interesses de indivíduos classifica-
da tarefa de defender o Estado para a condição de dos juridicamente como incapazes. Como titular da
fiscal e guardião dos direitos da sociedade. ação penal pública, o MP está encarregado de
Além desses balizamentos jurídicos e políti- acionar o Poder Judiciário em nome do Estado com
cos, o movimento de judicialização/politização tem vistas à aplicação da pena nos crimes codificados
fortes traços de voluntarismo político. Refiro-me pela legislação. O direito de punir é exclusividade
aos integrantes do Ministério Público. A observação do Estado e o MP é o órgão estatal que detém a
da atuação do Ministério revela que setores dentro responsabilidade exclusiva de desenvolver a acu-
da instituição têm se dedicado enfaticamente à sua sação no processo criminal. Apenas de modo sub-
transformação em instrumento de luta pela constru- sidiário a vítima ou seu representante podem atuar
ção da cidadania. neste tipo de processo judicial.2
Estas são, em linhas gerais, as questões que Mediante mudanças legislativas, ao longo das
abordarei neste texto. Para tanto, na primeira parte, duas últimas décadas o MP veio acumulando novas
analiso as mudanças institucionais recentes que e importantes atribuições, dentre as quais se desta-
possibilitaram a constituição dessa nova arena judi- ca a promoção da ação civil pública. Por intermédio
cial de solução de conflitos, tendo em vista três desse instrumento, o MP tem a possibilidade de
aspectos: a normatização dos chamados direitos acionar o Poder Judiciário para promover a defesa
difusos e coletivos, o novo papel do Ministério de direitos transindividuais, recentemente instituí-
Público nessa área, e o instrumento de defesa desses dos por lei e mais conhecidos como direitos difusos
direitos — a ação civil pública. Na segunda parte, e coletivos.
com base em alguns resultados de pesquisa empíri- A Sociologia Jurídica tem dedicado amplo
ca, procuro explorar a visão dos próprios membros espaço à discussão desses novos direitos. De uma
da instituição sobre os limites e possibilidades da forma geral, o debate jurídico tem enfatizado não
consolidação de um novo papel institucional do só a novidade da normatização legal e constitucio-
Ministério Público. Como se trata de um tema novo nal desses direitos, mas também o fato de represen-
e pouco explorado pelas ciências sociais, a parte tarem uma nova categoria dentro do ordenamento
final do texto mais sugere questões para reflexão jurídico tradicional, de matriz liberal e princípios de
futura do que oferece respostas conclusivas. organização essencialmente individualistas.3
Na verdade, mais do que uma renovação de
atribuições do MP, pode-se dizer que nestas duas
Quadro institucional: direitos
últimas décadas constituiu-se no Brasil uma nova
difusos e coletivos, ação civil pública
arena judicial de solução de conflitos que até então
e o papel do Ministério Público
não tinham acesso ao sistema de justiça.
Dentre as instituições que compõem o siste- Embora, no debate jurídico, seja comum iden-
ma de justiça no Brasil, sempre coube ao Ministério tificar a Constituição de 1988 como marco inicial da
DIREITO E POLÍTICA: O MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DOS DIREITOS COLETIVOS 85

mudança do papel institucional do MP e da normati- inscreve entre as suas funções principais a propo-
zação dos direitos difusos e coletivos, uma análise sição da ação civil pública, que só seria criada por
de textos legais anteriores é capaz de demonstrar lei própria três anos mais tarde. Há fortes indícios,
que a nova Constituição apenas consolidou em portanto, de uma evolução legislativa e processual
norma fundamental o que já vinha sendo instituído, baseada na estratégia “dois passos para frente,
através de leis ordinárias e complementares, nas nenhum para trás”, ou seja, leis que instituem
esferas federal e estadual. direitos ou regulam atribuições de uma organiza-
Nesse sentido, a Lei no 6938, que instituiu a ção no mesmo ato lançam as bases para um
Política Nacional do Meio Ambiente em 1981, pode aperfeiçoamento posterior. A respeito desse pro-
ser considerada o marco jurídico inicial da norma- cesso, que culminou com a Lei da Ação Civil
tização de interesses difusos e coletivos no Brasil e Pública, disse um dos promotores5 entrevistados:
também da inclusão de novos instrumentos proces-
suais, em especial a legitimidade do MP para Eu acho que você pode determinar a Lei 6938, de
proposição de ação de responsabilidade civil e 1981, que foi a lei que instituiu a Política Nacional
criminal por danos causados ao meio ambiente do Meio Ambiente, como marco inicial da atuação
(art. 14, §1o). Pouco tempo depois, a Lei Comple- do MP nessa área.[...] Então, a partir daí, o Promo-
mentar no 40, de 14 de dezembro de 1981, que deu tor passou a funcionar como defensor do interesse
nova organização nacional ao Ministério Público, coletivo, mas ainda sem um instrumento proces-
definiu como uma de suas funções institucionais sual próprio. Ações pioneiras (como o derrama-
“promover a ação civil pública, nos termos da lei” mento de óleo em Bertioga em 1983, Vila Socó e
(art. 3, III). Em concordância com a Lei Orgânica outras) revelaram a necessidade de haver um rito
Nacional, a Lei Orgânica do MP do Estado de São processual próprio, uma ação específica para
Paulo, no ano seguinte, também fez referência à tutelar esses interesses, e aí houve uma série de
ação civil pública como um de seus instrumentos estudos e até um movimento de lobby que levou à
de atuação. Até então, entretanto, não havia regu- criação e edição da Lei 7347, de 1985, que foi a lei
lamentação legislativa específica para esse novo que criou a ação civil pública. E isso tudo num
instrumento processual. Somente em 1985, quatro contexto histórico da época da liberalização do
anos após sua primeira aparição em textos legais, é regime, da abertura política. Então havia aquela
que uma lei específica veio regulamentar com avidez pela cidadania, pela participação, tudo
precisão esse novo tipo de ação — que aqueles aquilo que estava reprimido pelo regime autoritá-
textos apenas tangenciaram —, definindo seu obje- rio, participar da discussão dos assuntos de inte-
to, o foro competente, a legitimação para utilizá-la, resse público [...] (Promotor 1; grifo meu)
as atribuições do Ministério Público etc.4
É interessante notar, portanto, que a ação civil A ação civil pública não é novidade somente
pública “preexistiu” ao texto de 1985, que a regu- do ponto de vista do objeto que visa defender.
lamentou. Sem dúvida, trata-se de uma forma Outras peculiaridades, que descreverei a seguir,
peculiar de evolução do direito, em que leis versan- reservam-lhe lugar especial no conjunto das ações
do sobre assuntos específicos, por exemplo, o meio codificadas no direito brasileiro.
ambiente, ou textos de caráter institucional como as A Lei no 7347/85 disciplinou a ação civil
leis orgânicas do MP vão engendrando um novo pública de responsabilidade por danos causados ao
mecanismo processual. No caso da lei sobre meio meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de
ambiente, o mecanismo aparece como forma nova, valor artístico, estético, histórico, turístico e paisa-
melhor adaptada à tutela de um tipo novo de gístico.6 Visando à proteção desses direitos e inte-
interesse, que por ser difuso não encontra na resses, a lei definiu como objeto da ação “a conde-
organização tradicional do processo judicial meio nação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação
adequado à sua defesa. No caso da lei orgânica do de fazer ou não fazer”. Por obrigação de fazer ou
MP, é a própria instituição que, ao se reorganizar, não fazer deve-se entender a sentença judicial que
86 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 14 No 39

obriga o réu a reparar o dano causado, ou suspen- civis têm apresentado uma performance bastante
der eventual atividade que esteja violando tais tímida até agora, talvez por desconhecimento ou
direitos coletivos ou que simplesmente esteja pon- mesmo por falta de condições adequadas à utiliza-
do-os em risco. Embora a maioria das sentenças ção eficaz desse tipo de instrumento judicial. Apa-
inclua a condenação em dinheiro por danos causa- rentemente, é o Ministério Público quem mais tem
dos, o entendimento predominante na jurisprudên- se destacado no uso da ação civil pública, em todas
cia e na doutrina tem sido o de que a obrigação de as áreas dos direitos difusos e coletivos.8
fazer ou não fazer deve ser privilegiada na decisão Outra inovação importante da Lei no 7347/85
judicial. Isto tem conferido um caráter essencial- é a instituição da responsabilidade objetiva, pouco
mente prático às sentenças judiciais em ações civis comum no direito brasileiro. Juridicamente, a res-
públicas, sob a justificativa de que o interesse ponsabilidade objetiva torna desnecessária a de-
principal nesse caso é a reparação concreta e monstração do elemento subjetivo presente no ato
imediata do dano causado ao meio ambiente, ao lesivo ao interesse difuso ou coletivo. Isto é, basta
patrimônio histórico e cultural e aos consumidores. que seja comprovada a relação de causalidade
No caso da condenação em dinheiro, a Lei no entre a ação e o dano para que o réu seja condena-
7347/85 prevê a criação de um fundo para o qual do a repará-lo, sem que se precise demonstrar a
serão revertidas as indenizações, “sendo seus re- existência subjetiva da culpa.9 A Lei no 7347/85
cursos destinados à reconstituição dos bens lesa- prevê ainda a inversão do ônus da prova (cabe ao
dos”. Isto se dá porque uma das características dos réu provar que não incorreu em erro) e a irrelevân-
direitos difusos é justamente a sua indivisibilidade. cia da licitude da atividade (o responsável terá que
Não há como dividir, por exemplo, a indenização responder por danos causados a direitos coletivos,
paga por uma indústria que derramou produtos mesmo que sua atividade conte com a aprovação
tóxicos no leito de um rio. A ação foi movida contra dos órgãos públicos competentes).
a empresa em nome de toda a coletividade. O Finalizando, a Lei no 7347/85 também reserva
resultado, da mesma forma, deve ser revertido em novidade em relação ao papel dos magistrados.
benefício de todos. Daí a existência do fundo, a ser Freqüentemente, os danos causados ao meio ambi-
gerido por um Conselho Federal e Conselhos Esta- ente, ao consumidor e ao patrimônio histórico e
duais, encarregados de aplicar os recursos na repa- cultural não podem esperar o ritmo lento dos
ração dos danos.7 julgamentos, imposto pelas regras processuais desa-
A promoção da ação civil pública perante o tualizadas dos códigos brasileiros. Assim, a Lei da
Judiciário não é monopólio do Ministério Público. Ação Civil Pública permite ao juiz, dentre outras
União, estados e municípios, autarquias, empresas coisas, dar efeito suspensivo aos recursos para evitar
públicas, fundações e sociedades de economia dano irreparável à parte (art. 14). Permite também a
mista também estão legitimados a fazer uso dela. concessão de medida cautelar não apenas de caráter
Além destes, a Lei no 7347/85 confere legitimidade preventivo (como é da nossa tradição jurídica) mas
a associações que estejam constituídas há pelo também dotada de conteúdo executório, ou seja, a
menos um ano e que incluam, entre suas finalida- cautelar pode antecipar uma obrigação de fazer ou
des institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao não fazer (coisa que, tradicionalmente, só é determi-
consumidor e/ou ao patrimônio histórico e cultural nada com a sentença final), a fim de afastar o risco
(art. 5). Tal legitimação, conhecida como concor- de grave lesão a tais direitos (art. 4). O alto grau de
rente, visou democratizar o uso do novo instrumen- discricionaridade conferido ao juiz pela Lei no 7347/
to, permitindo a defesa dos interesses coletivos por 85 pode ser medido, ainda, pela possibilidade que
agentes públicos estatais e da sociedade civil. ele tem de ampliar os limites do pedido da obriga-
Entretanto, a experiência recente tem demonstrado ção de fazer ou não fazer, se entender que a tutela
que União, estados e municípios têm se apresenta- do interesse ameaçado ou violado assim o requer,
do mais no banco dos réus e menos na condição de como também pela sua ampla margem de definição
autores das ações. De outro lado, as associações das medidas cominatórias (que visam obrigar o réu
DIREITO E POLÍTICA: O MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DOS DIREITOS COLETIVOS 87

ao cumprimento da sentença), como o valor de Enquanto o texto de 1988 deu status constitu-
multa diária a partir da decisão judicial até o seu cional à ação civil pública, o CDC tratou de porme-
efetivo cumprimento (Mancuso, 1994, pp. 7-10). norizar alguns aspectos até então não explicitados
Entre 1985 e 1988, a ação civil pública teve pelas leis anteriores. Dentre eles, deve-se destacar
aplicação restrita às questões de meio ambiente, a definição dos direitos difusos, coletivos e indivi-
consumidor e patrimônio histórico e cultural.10 duais homogêneos e os efeitos da coisa julgada.11
A Constituição de 1988 consolidou as inova- O Quadro 1, baseado nos artigos 81 e 103 do CDC,
ções processuais e de direitos substantivos introdu- resume esses dois pontos.
zidas pela Lei da Ação Civil Pública, e foi além dela A partir dessas definições, podemos indicar
ao ampliar a lista de direitos que podem receber também limites e contradições nesse novo campo
proteção via ACP e ao deixar uma porta aberta para que se abre no direito brasileiro com as ações
outros que viessem a surgir no futuro, nos termos coletivas. Inicialmente, deve-se ressaltar que tais
do art. 129: “São funções institucionais do Ministé- interesses se encontram numa zona intermediária,
rio Público: [...] III — promover o inquérito civil e às vezes nebulosa, entre a esfera dos direitos
a ação civil pública, para a proteção do patrimônio privados e a esfera pública. São interesses privados
público e social, do meio ambiente e de outros de dimensão coletiva, nas palavras de Ada Grino-
interesses difusos e coletivos.” Assim, a Constituição ver.13 Essa condição, por si só, representa inovação
significou um duplo avanço: na medida em que excepcional no quadro do direito tradicional, de
ampliou os direitos coletivos e sociais (mesmo que matriz liberal clássica. Isto porque o direito moder-
de modo genérico), aumentou, automaticamente, o no nasce da separação entre Estado e sociedade,
leque de interesses que podem ser protegidos pelo entre esfera pública e esfera privada. Em conse-
Ministério Público através da ação civil pública. qüência, os conflitos na esfera privada foram pen-
A consolidação constitucional de novos direi- sados como conflitos entre indivíduos isolados,
tos substantivos e de instrumentos processuais entre particulares, e todo o aparato judicial foi
antes dispersos em textos específicos foi decisiva estruturado de forma a solucionar tais demandas
também para o processo de legitimação do MP na somente no julgamento de casos concretos, interin-
sua pretensão de tornar-se agente defensor da dividuais, e com sentenças restritas às partes no
cidadania. A partir de 1988, o MP passou a invocar processo.14 Essa individualização impediria, ao
a Constituição como uma espécie de certidão de menos no nível institucional, a generalização dos
(re)nascimento institucional, suficiente para habili- conflitos, em particular aqueles que tivessem ori-
tá-lo a ultrapassar suas funções tradicionais e refor- gem comum. Ora, é mais do que sabida a transfor-
çar sua responsabilidade pela defesa dos direitos mação social operada pela economia moderna, que
coletivos e sociais. Não se pode dizer que o texto reestruturou a sociedade em grupos, categorias e
constitucional tenha definido perfeitamente o con- classes. Nada mais natural, portanto, do que o
teúdo desses direitos e os mecanismos judiciais surgimento de conflitos baseados em interesses
para sua proteção. Ao contrário, ele apenas fornece que, se são individuais juridicamente, são comuns
as bases de uma nova arena de solução de conflitos ou coletivos na realidade social. A pressão sobre o
coletivos, cuja construção depende em grande ordenamento jurídico e sobre o próprio aparato
parte do processo subseqüente de afirmação insti- judicial tem sido crescente nas últimas décadas,
tucional do MP e de avanços na regulamentação justamente na tentativa de forçá-los ao reconheci-
legislativa dos novos interesses e direitos. mento da dimensão coletiva de certos conflitos até
Dentre os vários textos legais que regulamen- então tratados individualmente.
taram essa nova arena de solução de conflitos O reconhecimento legal de certos direitos
coletivos, uma última referência torna-se obrigató- difusos e coletivos tem outra implicação: a possibi-
ria: o Código de defesa do consumidor (CDC), lidade de judicialização de conflitos políticos.
instituído pela Lei no 8078, de 11 de setembro de Como veremos adiante, alguns direitos difusos e
1990. coletivos estão relacionados a políticas públicas e,
88 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 14 No 39

Quadro 1
Direitos coletivos e efeitos da coisa julgada, segundo o CDC

Interesses ou direitos Definição segundo o CDC Efeitos da coisa julgada

Difusos São os transindividuais de natureza Erga omnes (contra todos), exceto


indivisível de que sejam titulares se o pedido for julgado improce-
pessoas indeterminadas e ligadas dente por insuficiência de provas.
por circunstâncias de fato.

Exemplo:12 destinatários de propaganda enganosa, veiculada em painéis


publicitários, jornais, revistas ou televisão. Trata-se de relação de consumo,
mas sem vínculo jurídico ou fático muito preciso, tanto que é impossível
identificar os titulares dos interesses e direitos envolvidos. Quando conde-
natória, a sentença protege de modo indeterminado todos os indivíduos que
estão sendo atingidos pela propaganda enganosa.

Coletivos São os transindividuais de natureza Ultra partes (além das partes), mas
indivisível de que seja titular grupo, restrita ao grupo, categoria ou clas-
categoria ou classe de pessoas liga- se, salvo improcedência por insufi-
das entre si ou com a parte contrária ciência de provas.
por uma relação jurídica base.

Exemplo: aumento indevido das prestações de um consórcio. Como há


relação jurídica formalmente fixada, a sentença beneficia todas as vítimas
lesadas pelo réu, em uma ação promovida em nome dessa determinada
coletividade por um seu representante extraordinário.

Individuais São os decorrentes de origem co- Erga omnes (contra todos), apenas
Homogêneos mum. no caso de procedência do pedido,
para beneficiar todas as vítimas e
seus sucessores.

Exemplo: um certo bem de consumo, produzido em série, apresenta um


mesmo defeito, lesando os usuários finais. Nesse caso, um fato comum liga
inúmeros consumidores, mas que, por não estarem envolvidos por uma
relação jurídica, não podem ser determinados formalmente. A sentença, que
suspende a produção e pode implicar a reparação de danos, atinge a todos
os consumidores indistintamente.

portanto, ficam na dependência da ação governa- prática. Ele apenas os reservava à esfera político-
mental para serem efetivados. O ordenamento representativa. Constitucionalizá-los também não
jurídico liberal clássico não desconhecia tais inte- significa necessariamente garantir sua efetividade.
resses e os conflitos em torno da sua aplicação Constituições podem pairar solenes sobre a realida-
DIREITO E POLÍTICA: O MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DOS DIREITOS COLETIVOS 89

de sem que o processo político seja capaz de trazê- encontram ligados por circunstâncias de fato ou por
las à terra. Novidade no caso brasileiro recente é a uma relação jurídica com a parte contrária. Segun-
possibilidade de tais conflitos, antes restritos à do Mancuso, as ações coletivas confrontam um dos
esfera política, ganharem foro judicial e receberem princípios clássicos do processo judicial: o de que
solução mediante a aplicação técnica do direito. A a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais
este novo (des)encaminhamento de conflitos de é dada, não afetando positiva ou negativamente a
interesse, da política para a Justiça, é que podemos vida de terceiros (Mancuso, 1994, p. 167). No
denominar de judicialização da política.15 Brasil, a amplitude dos efeitos da coisa julgada em
As ações coletivas também enfrentam dilemas ações coletivas é um dos pontos mais polêmicos e
decorrentes de sua definição legal. Como se trata de ainda não sedimentados na área processual. Tal
interesses difusos, o autor da ação civil pública não indefinição foi em parte superada recentemente
é o titular do interesse a ser tutelado, mas simples- pela Medida Provisória no 1570-5, convertida na Lei
mente o “representante” da coletividade em juízo. no 9494, de 10 de setembro de 1997, que fixou no
Tanto que as sentenças, quando estipulam indeniza- seu artigo 16 que “a sentença civil fará coisa julgada
ção, revertem os recursos advindos da condenação erga omnes, nos limites da competência territorial
a um fundo público encarregado de aplicá-los na do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
reparação dos danos causados. Entretanto, com a improcedente por insuficiência de provas, hipótese
legitimação concorrente instituída pela Lei no 7347/ em que qualquer legitimado poderá intentar outra
85, era de se esperar um vigoroso crescimento do ação com idêntico fundamento, valendo-se de
número de associações civis de defesa dos interes- nova prova” (grifo meu). Ou seja, antes dessa
ses difusos e coletivos, promovendo ações judiciais definição, uma sentença judicial de primeira instân-
nas mais diversas direções; afinal, a lei só exige um cia em qualquer comarca do país teria, em tese,
ano de existência e objetivos estatutários condizen- efeito sobre todo o território nacional. Agora, com
tes com a defesa desses interesses. Ao contrário, não a nova lei, o efeito atinge a todos, mas apenas
ocorreu nenhum crescimento significativo nesse dentro da área territorial sob a jurisdição do órgão
sentido e hoje o MP é o responsável pela maior parte que tomou a decisão. Em termos jurídicos, entre-
das ações civis públicas em tramitação na Justiça. tanto, tal restrição pode ser tão inócua quanto o
Mais do que isso, o Judiciário tem oposto resistência princípio anterior (efeito erga omens sobre todo o
à construção dessa legitimidade extraordinária16 território nacional), uma vez que a própria defini-
até mesmo quando o autor é o Ministério Público. ção de direitos difusos e individuais homogêneos
Argumentam os juízes que, em muitos casos, os não comporta limitação jurisdicional de tipo territo-
próprios titulares de direitos lesados é que deveriam rial. Os limites da coisa julgada, nesses casos,
ingressar em juízo, e, sendo esses direitos disponí- tendem a permanecer incertos até que o Judiciário
veis, não cabe ao MP ou qualquer outro agente forme juízo definitivo sobre a questão.
avocar para si a tarefa de defendê-los. Várias ações Por último, e talvez seja o ponto mais impor-
coletivas são hoje indeferidas preliminarmente por tante desta discussão, deve-se registrar a profunda
ilegitimidade dos autores. Segundo os promotores alteração produzida por esses textos legais no
entrevistados, este problema se explica principal- papel institucional do Ministério Público. Sabe-se
mente pelo fato de estarmos lidando com uma ação que a Constituição de 1988 definiu de forma bas-
de tipo coletivo sob um ordenamento jurídico de tante ampla e às vezes genérica os direitos indivi-
princípios essencialmente individualistas.17 duais, coletivos e sociais. Um exemplo importante
O efeito erga omnes da coisa julgada para os é o seu art. 6: “São direitos sociais a educação, a
casos difusos e individuais homogêneos e o efeito saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdên-
ultra partes para o caso coletivo amplificam o cia social, a proteção à maternidade e à infância, a
resultado de uma decisão judicial para toda a assistência aos desamparados, na forma dessa
coletividade. Se for julgada procedente, uma única Constituição”. Obviamente, tal determinação cons-
ação coletiva pode beneficiar todos os que se titucional não representa nenhuma novidade, nem
90 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 14 No 39

aqui nem no direito comparado. Normas como essa tes (Mazzilli, 1993, pp. 66 e 72). As demais garantias
são chamadas normas programáticas, inseridas nos impedem que um membro do MP seja demitido, a
textos constitucionais como uma espécie de “con- não ser por sentença judicial (vitaliciedade), que
selho” aos governantes, que devem perseguir esses seja removido compulsoriamente de um lugar para
objetivos como forma de promover o bem comum. outro (inamovibilidade) ou que seu salário seja
Novidade no nosso caso é que a defesa de tais reduzido (irredutibilidade de vencimentos). Resul-
interesses foi colocada como função institucional tante de uma longa batalha pela equiparação com a
de um órgão do próprio Estado, o Ministério magistratura, a extensão dessas garantias ao MP não
Público. Diz o art. 127 da Constituição: “O Ministé- pode ser vista como conquista corporativa em
rio Público é instituição permanente, essencial à sentido fraco (quando garantias não passam de
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a privilégios), mas como complemento importante do
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e processo de politização de suas atribuições. Em
dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” outras palavras, tais garantias não são suficientes
Se antes, na esteira da tradição liberal-democrática, para o bom desempenho da instituição como um
normas programáticas tinham de ser invocadas todo, mas são necessárias para aqueles integrantes
pela sociedade no terreno da luta política, hoje, de do MP que assumiram seu papel político excepcio-
acordo com a Constituição, elas podem e têm sido nal e procuram levar às últimas conseqüências suas
levadas aos tribunais por obra principalmente do novas tarefas constitucionais.
Ministério Público. Enquanto a sua execução de-
pendia em geral da vontade do governante, medi-
A judicialização da política e a
ante os incentivos e constrangimentos próprios do
politização da Justiça na visão dos
processo político, agora essa execução pode ser
integrantes do Ministério Público
cobrada do poder público por um órgão do próprio
Estado numa instância não política de resolução de Após a promulgação da Constituição de 1988,
conflitos: a instância judicial. o sentido geral dessas mudanças legais ganhou
A outra face da judicialização dos conflitos expressão no debate público mediante a seguinte
políticos é a politização dos órgãos da Justiça, formulação: o Ministério Público deixou de ser
especialmente o Ministério Público. A Constituição e defensor do Estado para ser defensor da sociedade.
as leis vistas acima politizaram as atribuições do MP, A função principal seria ainda a de fiscal da lei, mas
lançando-o no turbilhão dos conflitos coletivos, com uma clara inversão de sentido: finalmente
sociais e políticos. O adensamento dessas novas independente do Poder Executivo, colocado criati-
atribuições só foi possível, entretanto, porque ao vamente pelo constituinte em um capítulo à parte
seu lado a Constituição instituiu prerrogativas e dos três poderes (intitulado “Das funções essenciais
garantias funcionais para promotores e procurado- à Justiça”), com a prerrogativa de propor seu
res tão abrangentes quanto aquelas encontradas no próprio orçamento, e com autonomia funcional e
Judiciário. Refiro-me a independência funcional, administrativa, o MP passaria a fiscal da aplicação
vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de da lei em benefício da sociedade e não mais do
vencimentos. A garantia de independência no exer- Estado.18 Além de fiscal da lei, já vimos como a
cício de suas funções permite aos integrantes do MP Constituição consagrou a idéia de um ministério
atuarem com desenvoltura e autonomia — particu- público também legitimado a agir, não mais como
larmente nos conflitos de dimensão social e política mero assistente, mas como autor, ele mesmo, de
—, contra as pressões externas e até mesmo internas ações em defesa dos interesses difusos e coletivos.
advindas dos estratos superiores da instituição. Na Muito provavelmente, a conjunção dessas duas
verdade, mal se pode falar em hierarquia quando mudanças fundamentais é a origem de outra idéia
descrevemos a organização interna do MP. Ela também amplamente veiculada nesse período: a de
ocorre apenas no sentido administrativo e não é que a Constituição de 1988 havia criado um quarto
capaz de atingir a esfera funcional de seus integran- poder.19
DIREITO E POLÍTICA: O MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DOS DIREITOS COLETIVOS 91

Todas as mudanças legais e constitucionais mo comparam sua contribuição para o alargamen-


já seriam suficientes para uma análise da novida- to e consolidação de novos direitos com a de outros
de que representa o MP brasileiro hoje. Entretan- agentes públicos e da sociedade civil? A compara-
to, tão ou mais importante que os aspectos for- ção de responsabilidades pela crise e de contribui-
mais dessa mudança é a dimensão da ação con- ções à promoção de direitos entre as instituições foi
creta, orientada por uma visão doutrinária bastan- complementada com o uso de questões que permi-
te peculiar, dos integrantes dessa instituição. Do tissem verificar os valores que têm orientado a
ponto de vista da atuação de promotores e procu- atuação de promotores e procuradores. Ao final, o
radores de justiça, julgo que temos assistido nos que procuro demonstrar é que os integrantes do MP
últimos anos a um processo de reconstrução insti- têm uma avaliação bastante crítica da sociedade
tucional talvez sem paralelo na história do país. civil (tanto de suas carências quanto de sua incapa-
Os primeiros resultados da pesquisa empírica de- cidade de mobilização e luta) e também dos pode-
monstram que esse processo tem fortes traços res de Estado (que são vistos como os grandes
endógenos: os próprios integrantes do MP, imbu- culpados pela ineficiência da Justiça e pelo desres-
ídos da convicção de colocar a instituição a servi- peito constante dos direitos constitucionais do cida-
ço da construção da cidadania, têm desenvolvido dão), o que nos permite aventar a hipótese de que
ações dentro e fora de seu círculo normal de os valores subjacentes a essa avaliação crítica
atribuições visando a mudanças legais e constitu- remontam a uma corrente ideológica importante e
cionais capazes de alterar profundamente seu pa- tradicional na vida política brasileira que, diante da
pel institucional, e isso pelo menos desde o início fragilidade da sociedade civil e da situação deteri-
dos anos 80. E mais: é preciso lembrar que esta- orada dos poderes políticos, busca de modo volun-
mos falando de um processo de reconstrução tarista soluções alternativas antipolíticas.
institucional sem qualquer mecanismo externo de
impulsão (algo como o sistema partidário e o A responsabilidade pela crise da Justiça
momento eleitoral para os poderes Legislativo e Como mostra o Gráfico 1, promotores e
Executivo), mas decorrente essencialmente da procuradores responsabilizam os agentes políticos,
vontade política dos próprios integrantes da insti- externos ao sistema de justiça, mais do que a si
tuição. 20 próprios, advogados e Poder Judiciário, pela crise
na Justiça. Entre os agentes políticos, os de nível
A crítica aos poderes políticos federal são mais responsabilizados pela crise do
Como os membros do MP avaliam as mu- que os de nível estadual.
danças recentes na instituição? Quais as principais A tendência de atribuir maior responsabilida-
dificuldades que têm enfrentado na reconstrução de pela crise a agentes externos ao sistema judicial
de seu papel institucional? Consideram esse pro- é dominante entre membros do MP, da mesma
cesso algo linear ou são capazes de reconhecer os forma que entre seus colegas magistrados, como
limites e contradições dessas novas tarefas? Estas demonstrou pesquisa realizada pelo Instituto de
foram algumas das questões que nortearam nos- Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São
sas entrevistas com promotores e procuradores de Paulo (Idesp) em 1993.22 Judiciário e Ministério
justiça no survey “O Ministério Público e a Justiça Público, no quadro mais amplo das instituições, são
no Brasil”.21 considerados, por seus respectivos integrantes,
Dentre as várias questões abordadas no sur- eternos reféns dos poderes políticos. Magistrados
vey, selecionei para este texto aquelas que me afirmam freqüentemente que, dentre os poderes da
permitissem tratar do seguinte problema: como os República, o Judiciário é o que menos tem poder.
integrantes do Ministério Público comparam sua Não tem controle sobre a força nem o dinheiro; não
responsabilidade pela crise da Justiça com a de pode tomar resolução ativa pois é inerte.23 Sua
outras instituições direta e indiretamente ligadas à tarefa é apenas aplicar a lei, e de preferência sem
prestação jurisdicional? Nessa mesma direção, co- muita interpretação subjetiva. Promotores e procu-
92 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 14 No 39

Gráfico 1
Grau de responsabilidade pelo mau funcionamento da Justiça no Brasil

Ministério Público 9

Advogados 13

Polícia Militar 17
Instituições/agentes

Judiciário 20

Legislativo Estadual 27

Executivo Estadual 34

Executivo Federal 39

Polícia Civil 40

Legislativo Federal 53

0 10 20 30 40 50 60
% dos que responderam "muito alto"

radores também se queixam corporativamente do res políticos executivos e legislativos, nos níveis
mau tratamento que o Legislativo e o Executivo estadual e federal.
dispensam às instituições judiciais. Mais do que
isso, na fase atual, integrantes do Ministério Público Tabela 1
têm apontado o próprio Estado, em especial os Interferência indevida do Poder Executivo
poderes políticos, como o principal responsável (estadual e federal, conforme o caso) no Poder
pelas mazelas da sociedade. Se cabe ao MP defen- Judiciário e no Ministério Público (em %)
dê-la, muitos consideram que sua luta principal
será contra o próprio Estado. Interferência indevida do
De fato, como mostra a Tabela 1, os integran- Poder Executivo
tes do Ministério Público explicitam o conflito entre Instituições Muita Alguma Nenhuma Sem
os poderes a ponto mesmo de indicar a existência opinião
de interferência indevida do Poder Executivo,
federal e estadual, nos órgãos judiciais. Poder Judiciário 21 56 10 13
O Gráfico 2 mostra como integrantes do MP Federal
avaliam as principais instituições do sistema de Poder Judiciário 25 57 13 5
Justiça e do sistema político. Coincidindo com sua Estadual
percepção sobre a responsabilidade pela crise da Ministério Público 18 54 12 16
Justiça, avaliam positivamente o seu próprio de- Federal
sempenho e de seus colegas do meio forense, e Ministério Público 16 59 20 5
avaliam negativamente o desempenho dos pode- Estadual
DIREITO E POLÍTICA: O MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DOS DIREITOS COLETIVOS 93

Ampliação e consolidação de novos direitos transportes públicos, consumidores, contribuintes,


Como vimos, a atribuição do MP de defender usuários de serviços públicos de saúde e educação,
os interesses e direitos transindividuais é relativa- para citar alguns exemplos, têm sido amparados
mente recente. Na verdade, é algo mais amplo do por ações coletivas promovidas pelo Ministério
que uma renovação de atribuições que está em Público. O meio ambiente e o patrimônio histórico
jogo nesse caso. Refiro-me ao fato de que o próprio e cultural também ganharam um forte aliado nos
ordenamento jurídico brasileiro, de matriz liberal- últimos anos, ao passo que os administradores
individualista, vem passando por profundas altera- públicos talvez nunca tenham tido um fiscal tão
ções à medida que direitos de dimensão coletiva atento, atuante e com razoável poder de fogo como
têm sido instituídos e que novos procedimentos o Ministério Público.
judiciais têm possibilitado a busca de sua efetivida- A possibilidade de preservar direitos funda-
de. O impacto dessas mudanças jurídicas já se faz mentais de tipo coletivo ou social mediante meca-
sentir em áreas como defesa do consumidor, meio nismos judiciais pressupõe que tais direitos tenham
ambiente, controle da administração pública e até sido previamente “positivados”. Em outras palavras,
serviços de relevância pública envolvendo direitos pressupõe um processo pelo qual a sociedade logra
sociais básicos. Hoje, crianças de rua, usuários de inscrever nos diplomas legais direitos almejados. No

Gráfico 2
Avaliação do desempenho de órgãos e poderes nos últimos 12 meses

M.P.Estadual 69

S.T.J. 53
M.P.Federal 48
S.T.F. 47
Justiça Comum 36

Justiça Eleitoral 33
órgãos/poderes

M.P.Militar 30
Justiça Federal 30
M.P.Trabalho 23
Justiça do Trabalho 19
Governo Estadual 15

Advoc.Geral União 14
Gov.Federal 13
Justiça Militar 11
Cong.Nacional 4
Ass. Legislativa 4

0 10 20 30 40 50 60 70 80
% dos que responderam ótimo e bom
94 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 14 No 39

modelo liberal-democrático, tal processo é conside- os agentes tradicionais da política estão em último
rado essencialmente político: depende das forças lugar na produção e preservação de direitos, se-
em jogo e, se minimamente institucionalizado, terá gundo os entrevistados. Acima de 50% aparecem
lugar em instituições representativas a partir da apenas a sociedade civil organizada, órgãos públi-
sociedade civil (sindicatos, associações, movimen- cos como os Procon’s e delegacias especializadas,
tos etc.), passando pelos partidos políticos até aque- e imprensa.
las propriamente estatais, como os poderes Executi-
vo e Legislativo, estaduais e federais. O sistema de
A “hipossuficiência” da
justiça, embora possa excepcionalmente ensejar
sociedade brasileira e o papel das
mudança social, foi pensado e estruturado para
instituições de Justiça
ratificar direitos previamente forjados pela socieda-
de e positivados pelo direito estatal. A observação da atuação de integrantes do
O Gráfico 3 mostra, de forma paradoxal, MP tem possibilitado verificar que o processo de
que integrantes do MP consideram que o proces- reconstrução institucional a que nos referimos aci-
so de alargamento e consolidação de novos direi- ma baseia-se na atuação estratégica, se não de
tos no Brasil não tem seguido a seqüência apon- todos, pelo menos de grupos destacados de promo-
tada acima. tores e procuradores. Essa atuação se dá em diver-
Promotores e procuradores vêem a si própri- sas frentes: no cotidiano de juízos e tribunais do
os como os que mais têm contribuído para o país, assistimos promotores e procuradores buscan-
alargamento e consolidação de direitos difusos e do romper bases tradicionais do ordenamento jurí-
coletivos. Mais significativo do que isso, entretanto, dico por meio de ações de conteúdo inovador,
é o lugar que ocupam os partidos políticos e os muitas vezes sem o amparo de legislação infracons-
poderes Legislativo e Executivo: paradoxalmente, titucional e invocando diretamente a Constituição.

Gráfico 3
Grau de contribuição de diversos agentes
ao alargamento e consolidação dos direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos

Ministério Público 89
64
Outros órgãos 63
57
Poder Judiciário 32
agentes

31
Juristas/advogados 25
18
Poder Legislativo 17
8
Poder Executivo 7

0 20 40 60 80 100
% dos que responderam "muito alto" e "alto"
DIREITO E POLÍTICA: O MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DOS DIREITOS COLETIVOS 95

Em geral, essas ações buscam alargar o acesso de Essa atuação engajada, como parte importan-
demandas coletivas à Justiça, cujo sucesso depende te da reconstrução institucional do MP, parece estar
da eficácia das mesmas em derrubar dogmas do sendo guiada por uma interpretação bastante pecu-
direito liberal-individualista. Além da atuação pro- liar do processo político e da promoção da justiça
priamente judicial, as associações de classe do MP, no Brasil.
estaduais e federais, têm acompanhado e procura- Conforme mostra a Tabela 2, 84% dos entre-
do influenciar a produção legislativa parlamentar, vistados concordam total ou parcialmente com a
não só de seu interesse corporativo, mas também afirmação de que “A sociedade brasileira é hipossu-
de normas gerais relativas a direitos de cidadania ficiente, isto é, incapaz de defender autonomamen-
em diversas áreas (consumidor, meio ambiente, te os seus interesses e direitos, e que, por isso, as
sistema tributário, previdência social). instituições da justiça devem atuar afirmativamente

Tabela 2
Questões sobre o papel da Justiça na sociedade brasileira

Concorda Discorda Sem


totalmente ou totalmente ou opinião
em termos em termos

“A sociedade brasileira é hipossuficiente, isto é, incapaz de


defender autonomamente os seus interesses e direitos, e [...], 84 12 4
por isso, as instituições da Justiça devem atuar afirmativa-
mente para protegê-la.”

“O direito positivo não permite o espírito crítico.” 34 63 3


“O saber jurídico está dissociado da realidade brasileira.” 51 46 3

“O juiz não pode ser um mero aplicador das leis, tem de ser 93 5 2
sensível aos problemas sociais.”

“O compromisso com a justiça social deve preponderar 72 26 2


sobre a estrita aplicação da lei.”

“A aplicação da lei sempre beneficia os privilegiados.” 44 54 2

“A maior parte da população não tem acesso à Justiça.” 78 20 2


“O Ministério Público deve ser canal de demandas sociais
com vistas ao alargamento do acesso à Justiça, transforman- 86 11 3
do o Judiciário em um lugar privilegiado para a solução de
conflitos coletivos.”

“Cabe obrigatoriamente ao Ministério Público exigir da


administração pública que assegure os direitos previstos na
Constituição Federal, nas leis e nas promessas de campanha 87 11 2
eleitoral. Quando houver lei garantindo os direitos, não há
discricionaridade administrativa.”

“O Ministério Público deve desempenhar o papel de promo-


ção da conscientização e da responsabilidade da sociedade 85 14 1
brasileira.”
96 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 14 No 39

para protegê-la”. Esse tipo de diagnóstico da socie- deve promover a conscientização da sociedade
dade brasileira, embora não seja novidade na histó- brasileira.
ria política do país nem obra exclusiva dos integran- A referida fragilidade da sociedade brasileira
tes do Ministério Público, parece estar orientando a e sua incapacidade crônica de manter sob controle
ação de setores importantes da instituição. o Estado é um desses lugares-comuns da nossa
Dentre várias opiniões exemplares nesse sen- história política. Dessa chave teórica é comum
tido, cabe registrar aqui a de Ana Lúcia Amaral, emergir denúncias sobre o artificialismo de nossas
procuradora da República em São Paulo: instituições políticas, especialmente as representa-
tivas, e a crítica da nossa tradição constitucional
Ao estabelecer o constituinte, como função insti- desprovida de mecanismos de enforcement, daí
tucional do Ministério Público, a promoção da resultando a necessidade também crônica que te-
ação civil pública para a defesa coletiva dos mos de um poder externo, independente de con-
direitos, quer individuais quer coletivos, demons- troles, muitas vezes irresponsável perante a socie-
trou sensibilidade, e estar atento à situação de dade, mas que justamente por isso — segue o
marginalidade em que vive parte expressiva da argumento — goza de autonomia suficiente para
população, flagrantemente hipossuficiente face os tutelá-la e conduzi-la com desenvoltura. Como
chamados Poderes públicos. Por não se encontrar, sabemos, o abismo entre o mundo das instituições
ainda, a sociedade civil devidamente organizada, políticas e o mundo real constitui-se em uma das
de sorte a defender, através de associações e outros idéias mais invocadas no debate público brasileiro,
entes, os seus interesses, no atendimento de suas tem sido partilhada por um amplo espectro ideoló-
necessidades, incumbe no momento ao Ministério gico e já serviu de justificativa para ações políticas
Público, precipuamente por força de sua função de grande impacto. A oposição entre instituições
institucional, trazer ao Poder Judiciário as gran- político-representativas degeneradas e sociedade
des questões, já que os outros Poderes do Estado, civil fraca está entre as idéias principais que têm
por sua própria natureza, não poderiam dirimi- norteado a ação de setores do MP e seu processo de
las, além do que, em muitas oportunidades, atuam reconstrução institucional tem sido marcado pela
contra os direitos fundamentais dos cidadãos. presença de valores remanescentes dessa poderosa
(Amaral, 1992; grifos meus) tradição de pensamento político. Obviamente, o
novo ambiente institucional torna necessária uma
O argumento é que temos uma sociedade atualização desses valores, como, por exemplo, o
civil fraca, desorganizada e incapaz de defender fato distintivo de que as pretensões políticas do MP
seus direitos fundamentais. Uma sociedade “hipos- (que nos permitem associá-lo àquela tradição de
suficiente” no jargão jurídico. Além disso, freqüen- pensamento crítico) não são resultado de mera
temente é o próprio poder público quem mais arvoragem, mas estão inscritas de forma inequívoca
desrespeita esses direitos fundamentais.24 Dessa na própria Constituição.25
equação resulta a proposta, de natureza instrumen- Outra inovação em relação a essa tradição
tal, de que “alguém” deve interferir na relação reside no fato de que a solução proposta para os
Estado/sociedade em defesa dessa última. Instru- conflitos coletivos, em particular aqueles em que o
mental no sentido de que não é para sempre: pelo Estado figura como réu, é uma solução não só
menos no plano imediato, no momento, “alguém” judicial como antipolítica. Como mostra a Tabela
tem de tutelar os direitos fundamentais do cidadão 2, 86% dos integrantes do Ministério Público con-
até que ele mesmo, conscientizado pelo exemplo cordam que ele “deve ser canal de demandas
da ação de seu protetor, desenvolva autonoma- sociais com vistas ao alargamento do acesso à
mente a defesa de seus interesses. Essa visão do Justiça, transformando o Judiciário em um lugar
papel do MP e da Justiça é confirmada pela maioria privilegiado para a solução de conflitos coletivos”.
dos integrantes da instituição, conforme mostra a Ou seja, é preciso que o MP traga as grandes
Tabela 2: 85% concordam que o Ministério Público questões ao Judiciário, e que este funcione como
DIREITO E POLÍTICA: O MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DOS DIREITOS COLETIVOS 97

instância de substituição 26 dos poderes políticos, A atuação do MP na área dos serviços de


incapazes que estão de atender aos apelos da relevância pública ainda é incipiente. Na falta de
sociedade, por omissão ou mesmo por má-fé. uma regulamentação legislativa adequada, promo-
Como muitas vezes o agente agressor dos direitos tores de justiça formulam suas ações coletivas em
coletivos é o próprio Estado, não há entre promo- defesa de direitos sociais — como saúde, educação
tores e procuradores esperança de que as institui- e outros — invocando diretamente a Constituição,
ções políticas sejam capazes de deslanchar qual- exigindo um esforço especial de interpretação por
quer processo consistente de efetivação de direitos parte dos magistrados que podem decidir prelimi-
constitucionais. Há quem afirme que, por essas e narmente sobre a aceitação dessas ações. Apesar de
outras razões, o Ministério Público transitou da incipientes, as demandas relativas a direitos sociais
sociedade política para o âmbito da sociedade civil. tendem a ser as mais problemáticas do ponto de
É o que dizem Machado e Goulart (1992, p. 33), vista institucional. Como vimos, fala-se no binômio
depois de citarem a distinção entre sociedade Ministério Público-Judiciário como instância de
política e sociedade civil elaborada por Gramsci: “A substituição dos poderes Legislativo e Executivo.
evolução histórica do Ministério Público revela essa Se juntarmos a isso a abrangência dos direitos
gradativa mudança de função como o sinal inequí- constitucionais do cidadão, a obrigatoriedade da
voco do seu deslocamento institucional na superes- prestação dos serviços de relevância pública pelo
trutura do Estado. Passando de procuradoria do rei Estado, sob pena de incorrer em inconstitucionali-
à defensoria do povo, o Ministério Público brasilei- dade por omissão, e a função precípua do MP de
ro, com estruturação jurídico-formal das mais mo- zelar pelo seu efetivo cumprimento, teremos todos
dernas, hoje é um organismo que integra e repre- os elementos suficientes para compreender a novi-
senta a sociedade civil.” dade e os limites desse sistema institucional.
Se estivéssemos falando da discussão tradicio- Como novidade, este quadro institucional
nal sobre a defesa das liberdades e direitos indivi- representa a possibilidade de uma ampla judiciali-
duais pelo Judiciário, diante das ações lesivas do zação de conflitos políticos em nome da busca da
poder público, certamente não estaríamos acrescen- efetividade dos direitos constitucionais do cidadão.
tando nada de novo. O debate é clássico e insolúvel: Dentre os limites, podemos relacionar os seguintes:
até que ponto o Judiciário pode interferir nas ações como combinar a legitimação extraordinária con-
de governo em defesa do indivíduo? Até que ponto ferida ao MP para representar toda a coletividade
o poder público pode subjugar os direitos indivi- em juízo e a ausência de controle social sobre a
duais em nome das razões de Estado? A não ser do instituição? Como garantir sua independência dian-
ponto de vista normativo, estas questões fundamen- te da crescente politização de suas funções? Como
tais não foram resolvidas pela teoria política e talvez órgão estatal, sem legitimidade eleitoral, pode o MP
nunca o sejam. Mas o fato é que estamos falando de atuar de forma eficaz quando o agente agressor é o
direitos novos, de direitos difusos, coletivos e so- próprio Estado? Os critérios jurídicos de decisão
ciais consagrados pela Constituição. E o que é mais forjados na instância MP-Judiciário, em particular
significativo: de uma Constituição que outorgou a nos casos de prestação de serviços públicos, são
um órgão do próprio Estado, o Ministério Público, a compatíveis com os critérios políticos e de adminis-
função de defender em juízo direitos como “a tração da coisa pública forjados na instância Legis-
educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, lativo-Executivo?28
a previdência social, a proteção à maternidade e à Os integrantes do Ministério Público muitas
infância, a assistência aos desamparados” (artigos 6 vezes subestimam essas questões. Na verdade,
e 127), e ainda o patrimônio público e social, o meio buscam reduzir sua complexidade por meio da
ambiente e toda sorte de interesses difusos e coleti- argumentação de que não se pode ter dúvidas
vos (art. 129). Tudo isso mediante um instrumento sobre o papel desempenhado pelo MP porque,
sem similar no direito comparado: a ação civil para além das injunções políticas, sua tarefa cons-
pública. 27 titucional é simplesmente cuidar da aplicação da
98 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 14 No 39

lei, com toda força que esta expressão possa conter. políticos, de outro lado isto tem significado também
Se a lei existe, ela precisa ser cumprida. O argu- uma crescente politização da instituição, e em
mento chega a valer para as normas constitucionais duplo sentido: do ponto de vista do arranjo institu-
programáticas: cional de poderes, o MP rompeu o isolamento do
sistema judicial para se constituir em ator relevante
A atuação nossa nessa área é muito difícil. A no processo político, interferindo muitas vezes de
Constituição garante uma série de direitos e a modo decisivo na dinâmica entre os poderes;
Constituição não é letra morta. Embora alguns internamente, a politização também vem ocorren-
autores [...], muita gente entenda que determina- do no sentido de um posicionamento ideológico de
das normas contidas na Constituição sejam nor- seus integrantes diante dos desafios de redução de
mas programáticas, ou seja, que no futuro próxi- desigualdades sociais e ampliação da cidadania.
mo ou remoto se busque alcançar a finalidade Essa politização pode representar uma amea-
prevista, eu já sou de opinião totalmente contrá- ça à independência institucional do Ministério Pú-
ria, eu acho que a Constituição, principalmente blico, pelo menos nas condições em que ela se
uma Constituição rígida, escrita, como a nossa, assenta hoje. Embora a forma de ingresso na
não existe para aconselhar ninguém, ou pra pre- carreira, através de concurso público, bem como
ver um futuro melhor [...] Por exemplo, no caso da outros aspectos corporativos contribuam para afas-
saúde, que é direito do povo e dever do Estado, tar da instituição as correntes político-partidárias,
embora essa norma chamada programática não te de outro lado a participação do Poder Executivo na
permita propor uma ação com objeto fixo (o escolha dos chefes dos MPs estaduais e do MP
Executivo deve fazer “isso” para cumpri-la), por federal tem resultado em nomeações marcadas
outro lado ele não pode descumprir esse princí- pelo critério de alinhamento com o governo, numa
pio, que não deixa de ser um princípio constituci- clara tentativa de controlar “por cima” essa podero-
onal. Então, ele não pode violar; sendo programá- sa organização.
tica ou não essa norma, ele não pode violar [...] Se Independente das indefinições restantes desse
é dever dele, ele deve fazer tudo que ele pode, novo quadro institucional, o fato é que a politização
inclusive porque qualquer atuação contrária a de suas atribuições e o voluntarismo de seus inte-
esse princípio, programático ou não, é inconstitu- grantes transformaram o Ministério Público em um
cional, por omissão. (Promotor 4, grifos meus) dos agentes principais do processo político no país.
Seu combustível, embora reciclado, tem alto poder
Essa idéia é amplamente compartilhada pelos de explosão: a crença de que a sociedade civil é
integrantes do MP, conforme mostra a Tabela 2: hipossuficiente, de que os poderes políticos estão
87% dos entrevistados concordam que “cabe obri- degenerados, e alguém precisa fazer alguma coisa.
gatoriamente ao Ministério Público exigir da admi-
nistração pública que assegure os direitos previstos
na Constituição Federal, nas leis e nas promessas
NOTAS
de campanha eleitoral. Quando houver lei garan-
tindo os direitos, não há discricionaridade adminis-
trativa.” Ou seja, a alegação de restrição orçamen- 1 Analiso o sistema de controle constitucional brasileiro
tária ou outros motivos normalmente invocados em Arantes (1997).

para sustentar decisões sobre políticas públicas em 2 Para uma análise das funções tradicionais do Ministério
Público brasileiro e suas novas atribuições, ver Macedo
situação de escassez não afastam de apreciação Jr (1995) e Mazzilli (1994).
judicial a conduta política do administrador públi- 3 Para uma discussão mais aprofundada nesse sentido,
co, segundo os entrevistados. teórica e aplicada ao contexto brasileiro recente, ver
Se este novo quadro institucional, associado Faria (1994).
ao voluntarismo dos membros do MP, representa 4 Rodolfo Mancuso, cujo trabalho é a referência nesta
uma possibilidade de judicialização dos conflitos parte, demonstra, através da análise da Exposição de
DIREITO E POLÍTICA: O MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DOS DIREITOS COLETIVOS 99

Motivos do Projeto de Lei que deu origem à Lei no 7347/ descontentes com o princípio da responsabilidade obje-
85, como aquelas leis ordinárias e complementares tiva, notadamente a bancada ruralista, de pedirem pela
obrigaram o legislador a disciplinar, num texto à parte, sua suspensão. Ao final, com os vetos presidenciais ao
a ação civil pública. Ver Mancuso (1994, p. 21). projeto de lei aprovado, o princípio da responsabilidade
5 No primeiro grau de jurisdição ou instância, o integrante objetiva foi mantido para o caso das sanções decorren-
do MP estadual é denominado promotor de justiça. No tes das ações civis públicas.
segundo grau ou instância ele é denominado procura- 10 Na verdade, o projeto de lei aprovado no Congresso em
dor de justiça. No MP federal, o integrante que atua na 1985 era mais amplo, pois, além de mencionar expres-
primeira instância denomina-se procurador da Repúbli- samente tais interesses no art. 1, acrescentava através do
ca e o que atua na segunda instância denomina-se inciso IV o dispositivo genérico de proteção “a qualquer
procurador regional da República. outro interesse difuso ou coletivo”. Entretanto, dado seu
6 Segundo Ada Pelegrini Grinover, “o texto legal fala sentido indeterminado, este inciso foi vetado pelo então
impropriamente em ação civil pública. Impropriamente, presidente da República. A esse respeito diz Mancuso
porque nem a titularidade da ação é deferida exclusiva- (1994, pp. 29-30): “Com o veto presidencial, ficaram
mente a órgãos públicos (MP, União, estados e municí- desprovidos de tutela [...] alguns relevantíssimos interes-
pios), nem é objeto do processo a tutela do interesse ses difusos porque não abrangidos na órbita daqueles
público.” Cf. Ada Grinover, “Ações coletivas para a expressamente previstos (consumidores, meio ambien-
tutela do ambiente e dos consumidores”, Seleções Jurí- te, patrimônio cultural): a defesa do contribuinte (hoje
dicas, apud Mancuso (1994, p. 17). Ou seja, a própria mais do que nunca espoliado pela sanha fiscal insaciá-
denominação “civil pública” não representa de forma vel); os participantes de programas habitacionais de
adequada o conteúdo expresso em termos de titularida- massa, como os mutuários do SFH; as minorias étnico-
de e objeto da ação prevista pela Lei no 7347. Isto se dá, sociais (cujos direitos fundamentais são imanentes à
salienta Grinover, porque os interesses que visa defen- própria pessoa humana, mas que no entanto são margi-
der não são interesses públicos mas sim interesses nalizadas, quando não perseguidas pela maioria conser-
privados de dimensão coletiva, nem a legitimação para vadora e segregacionista); os pequenos acionistas e
agir nesse caso é restrita apenas a órgãos públicos. investidores modestos em sistemas populares de capta-
ção de poupança, e, bem assim, as pessoas lesadas por
7 Por falta de regulamentação quanto ao modo de aplica- grandes conglomerados financeiros ou pelas ditas ‘fi-
ção dos recursos, o fundo paulista tem apenas recebido nanceiras’ etc.”
o dinheiro das indenizações, sem destiná-lo até agora a
nenhuma atividade reparadora de danos causados. 11 Diz o art. 117 do Código: “Acrescente-se à Lei 7347 de
24 de setembro de 1985 o seguinte dispositivo, reenu-
8 Embora integrantes da instituição e juristas especializa- merando o seguinte: “Art. 21 — Aplica-se à defesa dos
dos no assunto afirmem que quase 90% das ACPs em direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no
tramitação na Justiça seja de autoria do Ministério que for cabível, os dispositivos do título III da Lei que
Público, o fato é que não há dados estatísticos precisos instituiu o Código de Defesa do Consumidor.” O título
a esse respeito. Algumas razões da aparente predomi- III da Lei do CDC trata justamente dos aspectos proces-
nância do MP em relação aos demais agentes legitima- suais (da definição dos interesses, passando pela legiti-
dos pela Lei no 7347 podem ser aventadas: (1) compa- mação até os efeitos da coisa julgada, entre outros)
rativamente, o MP tem muito mais experiência de relacionados à ação civil pública. Nesse sentido, o
acusação perante o Judiciário (criminal, desde a sua Código do Consumidor renova, reestrutura e explicita
origem, e agora também nas questões coletivas); (2) o vários pontos da Lei no 7347/85.
MP, por ser órgão estatal, tem poder de requisitar
documentos e informações para formar opinião sobre o 12 Os exemplos constantes do Quadro 1 foram retirados de
problema, enquanto as associações civis não têm; (3) Mazzilli (1994, pp. 21-23).
com a possibilidade de instaurar o inquérito civil, o MP 13 Ver nota 6.
pode preparar o terreno para a propositura da ação civil 14 Sobre esses princípios e a própria organização da
pública de modo muito mais eficaz do que as associa- atividade judicial ver Luhmann (1980).
ções civis ou os demais órgãos públicos. Muitas vezes,
o Ministério Público soluciona problemas já na fase do 15 Essa definição preliminar de “judicialização da política”
inquérito civil, dispensando o recurso à ação judicial. (e seus desdobramentos ao longo do texto) é distinta
Por essas razões, é mais racional para as associações daquela formulada por Castro (1997). Na parte do
civis provocar o MP através de representações do que conceito que se refere aos órgãos de justiça formais (a
ingressar diretamente com medidas judiciais. segunda parte se refere a outros agentes), Castro locali-
za o fenômeno da judicialização da política em “um
9 A questão da responsabilidade objetiva voltou ao deba- novo ‘ativismo judicial’, isto é, uma nova disposição de
te público com a promulgação recente da Lei no 9605 tribunais judiciais no sentido de expandir o escopo das
(de 12/2/1998), que ficou conhecida como a Lei dos questões sobre as quais eles devem formar juízos
Crimes Ambientais. Destinada a estabelecer “sanções jurisprudenciais (muitas dessas questões até recente-
penais e administrativas derivadas de condutas e ativi- mente ficavam reservadas ao tratamento dado pelo
dades lesivas ao meio ambiente”, seu processo de Legislativo ou pelo Executivo)” (Castro, 1997, p. 148;
tramitação no Congresso deu oportunidade a setores
100 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 14 No 39

grifos meus). Sem desconsiderar a importância da di- vo, mas com o Poder Judiciário, que mais se assemelha
mensão ativismo/disposição (ela é fundamental no caso ao Ministério Público, em termos de origem e caracterís-
do MP, como demonstrarei a seguir), penso que uma ticas institucionais. Nesse sentido, não podemos encon-
formulação adequada do conceito de judicialização da trar no Judiciário absolutamente nada de semelhante ao
política requer, antes de mais nada, uma descrição do que vem ocorrendo com o MP nos últimos anos.
quadro institucional e das regras que permitem ou 21 Cf. O Ministério Público e a Justiça no Brasil, Idesp,
impedem ações tipicamente políticas por parte dos relatório de pesquisa, 1997. Desde 1993, o Instituto de
tribunais. Especialmente no que se refere ao Judiciário, Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo
poder inerte por definição, é necessário explicitar de (Idesp) vem desenvolvendo um programa de pesquisa
que maneira sua atuação pode interferir no processo sobre as instituições judiciais brasileiras, particularmen-
político stricto sensu (os mecanismos de controle cons- te em torno das causas do seu mau funcionamento e do
titucional das leis, por exemplo). A partir daí é que o enorme déficit de justiça que aflige o país. Como uma
ativismo judicial, se houver, e também a judicialização das etapas do programa, realizamos em 1996 um survey
da política podem ser compreendidos. com integrantes do Ministério Público em sete estados
16 Legitimidade extraordinária no sentido jurídico, ou seja, brasileiros. Entrevistamos cerca de 20% de promotores e
“a possibilidade de alguém, em nome próprio, defender procuradores de justiça do MP estadual em Goiás,
interesse alheio”. Cf. Mazzilli (1994, p. 25; grifo do autor). Sergipe, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio
17 Diz um dos promotores entrevistados sobre as razões Grande do Sul, além de 51 integrantes do MP Federal
desse problema: “Eu acho que tem uma tradição aí distribuídos proporcionalmente por estes mesmos esta-
muito liberal, e também tem os outros aspectos que dos. No total, fizemos 763 entrevistas. O questionário
informam a vida coletiva: há injunções políticas, há utilizado nas entrevistas formulou, na primeira parte,
injunções de natureza histórica, então há aí um incons- questões sobre os aspectos mais evidentes da crise da
ciente coletivo no Judiciário ainda muito liberal. Então, Justiça, assim como as propostas de reforma mais
um levantamento jurisprudencial dessas questões é destacadas no debate público. Na segunda parte, trata-
trágico, é trágico porque, para cada um desses casos de mos especialmente do papel do Ministério Público no
sucesso, você tem inúmeros outros em outras áreas âmbito do sistema de justiça e, em particular, dos limites
também de insucesso, por deficiência do campo de luta; e possibilidades de sua atuação na área dos direitos
não dá pra se brigar com armas iguais, as coletividades difusos e coletivos. Por último, um conjunto de questões
são sempre prejudicadas pelas individualidades, então o substantivas sobre o Direito e a Justiça no Brasil procu-
dano social que isso tem trazido pra nós eu acho que é rou extrair dos entrevistados valores ideológicos e
imenso. Talvez isso explique a ausência de outros atores doutrinários que podem estar orientando sua atuação
nas ações civis que não uma instituição do próprio concreta.
Estado, o que inicialmente poderia parecer um contra- 22 Refiro-me ao survey realizado em 1993 pelo Idesp entre
senso.” (Promotor 3). juízes de cinco estados brasileiros. Cf. A crise do Judici-
18 Particularmente no nível federal, essa inversão deixou o ário vista pelos juízes, Idesp, relatório de pesquisa, 1994.
Estado desamparado do ponto de vista da defesa Para uma análise dos resultados ver Sadek e Arantes
judicial de seus interesses, tarefa antes desempenhada (1994).
pelo Ministério Público Federal. Para solucionar o pro- 23 É o que disse Hamilton, no artigo federalista 78: “O
blema gerado pela separação entre Ministério Público e Judiciário, em contrapartida [com os demais poderes],
Poder Executivo, a Constituição de 1988 criou a Advo- não tem nenhuma influência nem sobre a espada nem
cacia Geral da União, para representar o governo em sobre a bolsa; nenhum controle nem sobre a força nem
ações na Justiça. A demora na definição complementar sobre a riqueza da sociedade, e não pode tomar
das atribuições do novo órgão, feita por lei apenas em nenhuma resolução ativa. Pode-se dizer que não tem,
1993, impediu sua rápida organização e acarretou um estritamente, força nem vontade, mas tão-somente jul-
volume extraordinário de derrotas judiciais para a gamento, estando em última instância na dependência
União. Em meados de 1997, estimava-se 500 a 600 mil do auxílio do braço executivo até para a eficácia de seus
ações na Justiça brasileira contra a União. A Advocacia julgamentos.” (Madison, 1993).
Geral da União contava então com 250 advogados. Já o 24 É sintomática, desse ponto de vista, a definição de
Ministério Público herdou dessa separação uma estrutu- cidadania que consta da Lei Orgânica do Ministério
ra material e de recursos humanos montada quando sua Público de São Paulo, quando, no artigo 295, que cria
função principal era a defesa dos interesses do governo. cargos especializados de promotor de justiça, dispõe
Agora, toda a estrutura é colocada em movimento para sobre a função do promotor de justiça da Cidadania:
defender a sociedade, tendo muito freqüentemente o “garantia de efetivo respeito dos poderes públicos e dos
poder público no banco dos réus. serviços de relevância pública aos direitos constitucio-
19 As razões da escolha desse modelo de Ministério Públi- nais assegurados nas Constituições federal e estaduais,
co no processo constituinte de 1987-88 são analisadas da probidade e legalidade administrativas e da proteção
por Nunes (1998). do patrimônio público e social”. Se o objetivo é defen-
20 Talvez a comparação mais sugestiva, por isso mesmo, der os direitos do cidadão, a referência exclusiva aos
não seja com os poderes políticos Executivo e Legislati- poderes públicos e aos serviços de relevância pública
DIREITO E POLÍTICA: O MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DOS DIREITOS COLETIVOS 101

nos indica que o conceito de cidadania está referido ao particularistas ou meramente contratuais; (c) em todos
Estado, ou melhor, em oposição a ele. Segundo essa eles aparece o problema da legitimação extraordinária
definição, cabe ao MP enfrentar o Estado que, ao do MP e a dificuldade de consolidá-la perante os
contrário do que deveria ser, tornou-se no Brasil um tribunais; (d) finalmente, em nenhum dos casos analisa-
agente particular, não universal, enviesado nos seus dos pelo autor ele pôde encontrar qualquer referência
propósitos, incapaz — nas poucas vezes em que está aos aspectos distributivos de tais conflitos.
bem-intencionado —, além de muitas vezes agir mesmo
de má-fé. É contra o Estado que se deve dirigir a luta
pelo respeito dos direitos constitucionais do cidadão e,
através dele e de seus serviços públicos, ampliar efetiva-
mente esses direitos, conclui o argumento.
BIBLIOGRAFIA
25 Até pelo seu caráter especulativo, a análise precedente
não teve a preocupação de remontar a história das
idéias políticas no Brasil. Há inúmeros estudos nesse AMARAL, Ana Lúcia. (1992), Processo civil coletivo: o
sentido e extensa é a historiografia que trata do pensa- acesso à Justiça no ano 2000. São Paulo, mi-
mento antiliberal-democrático. No que diz respeito à meo.
natureza instrumental da solução apontada no discurso
de integrantes do MP, um bom e já bastante conhecido ARANTES, Rogério Bastos. (1997), Judiciário e polí-
quadro de referência é Santos (1978), no qual, apesar de tica no Brasil. São Paulo, Sumaré/EDUC/
algumas divergências centrais, busquei os termos para FAPESP.
fazer a associação entre o MP e a tradição de crítica à
CASTRO, Marcus Faro de. (1997), “O Supremo Tribu-
fragilidade de nossa sociedade civil e de nossas institui-
ções políticas.
nal Federal e a judicialização da política”.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, Anpocs,
26 A expressão é de Mancuso: “Na verdade, se essas 12, 34, junho.
instâncias ordinárias sempre operassem com a eficácia
que é de se esperar, não temos dúvidas em afirmar que FARIA, José Eduardo (org.). (1994), Direitos huma-
muito diminuiriam as ações civis públicas e as ações nos, direitos sociais e Justiça. São Paulo, Ma-
populares: é que o Judiciário é uma instância de lheiros.
substituição; ele atua quando provocado por um cida-
dão ou entidade que reclama quanto à inação ou má FERRAZ, Antonio A. Mello de Camargo (org.). (1997),
atuação do poder público, que deixa desprotegido ou Ministério Público: instituição e processo. São
ameaçado um interesse difuso relevante.” (Mancuso, Paulo, Atlas.
1994; grifo meu).
GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.). (1984), A tutela
27 Embora haja tradição de tutela judicial de direitos
coletivos em outros países, como Alemanha, França, dos interesses difusos. São Paulo, Max Limo-
Inglaterra e principalmente Estados Unidos (as class nad.
actions), o fato é que a ação civil pública brasileira, LOPES, José Reinaldo L. (1998), “Social rights and the
apesar de se inspirar nessa experiência internacional, foi
Courts”, in T. Wilhelmsson (ed.), From disso-
capaz de superá-la em vários aspectos: saiu do âmbito
do consumidor e do meio ambiente (áreas que conferi- nance to sense: privatisation and private law,
ram notoriedade inicial ao instrumento, tanto aqui como Aldershot, Darmouth.
no exterior), atingindo uma série de conflitos de direito LUHMANN, Niklas. (1980), Legitimação pelo procedi-
até o limite de incluir os direitos sociais que dificilmente
mento. Brasília, Ed. da UnB.
são objeto de disputa judicial em outras democracias
ocidentais, avançando também no que diz respeito à MACEDO JR, Ronaldo Porto. (1995), “A evolução
legitimação ativa e ao alcance jurídico dos efeitos das institucional do Ministério Público Brasileiro”,
decisões judiciais em sede de ACP. Enfim, do ponto de in M.T. Sadek (org.), Uma introdução ao estu-
vista do seu potencial de judicialização de conflitos,
do da Justiça, São Paulo/Rio de Janiero/Nova
nada se compara à ação civil pública brasileira. Cf.
Grinover (1984, pp. 78-84). York, Idesp/Ed. Sumaré/Fundação Ford/Fun-
dação Mellon.
28 Lopes (1998) faz uma análise de casos judiciais iniciados
por ação civil pública, particularmente na área de MACHADO, Antonio A. e GOULART, Marcelo P.
educação, e conclui que tais processos: (a) geralmente (1992), Ministério Público e direito alternativo.
não são capazes de discutir os fundamentos constituci- São Paulo, Acadêmica.
onais dos direitos sociais (somente os artigos da Cons-
tituição relativos à capacidade de agir do MP são MADISON, James et al. (1993), Os artigos federalistas,
invocados); (b) estão baseados comumente no Código 1787-1788. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.
de Defesa do Consumidor, o que limita o alcance da
noção de direitos sociais como direitos públicos, não
102 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 14 No 39

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. (1994), Ação civil


pública: em defesa do meio ambiente, patrimô-
nio cultural e dos consumidores. Lei 7347/85 e
legislação complementar. 3a ed. revista e am-
pliada. São Paulo, Editora Revista dos Tribu-
nais.
__________. (1997), Interesses difusos: conceitos e
legitimação para agir. 4a ed. revista e atualiza-
da. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais.
MAZZILLI, Hugo Nigro. (1993), Regime jurídico do
Ministério Público. São Paulo, Saraiva.
__________. (1994), A defesa dos interesses difusos em
juízo. Meio ambiente, consumidor e outros
interesses difusos e coletivos. 6a ed. revista,
ampliada e atualizada. São Paulo, Editora Re-
vista dos Tribunais.
NUNES, Fábio J. Kerche. (1998), O Ministério Público
e a Constituinte de 1987-88. Dissertação de
mestrado, Universidade de São Paulo.
SADEK, Maria Tereza e ARANTES, Rogério Bastos.
(1994), “A crise do Judiciário e a visão dos
juízes”. Revista USP, 21, mar.-maio, Dossiê
Judiciário: 34-45.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. (1978), Ordem
burguesa e liberalismo político. São Paulo,
Duas Cidades.

Você também pode gostar