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Niterói
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
MESTRADO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Niterói
2021
WANDERSON MONTEIRO DA SILVA
Banca Examinadora
____________________________________________
Prof. Dr. Daniel Flores
Orientador
Universidade Federal Fluminense
____________________________________________
Profa. Dra. Natália Bolfarini Tognoli
Membro Titular Interno
Universidade Federal Fluminense
____________________________________________
Profa. Dra. Tânia Barbosa Salles Gava
Membro Titular Externo
Universidade Federal do Espírito Santo
_____________________________________________
Profa. Dra. Clarissa Moreira dos Santos Schmidt
Membro Suplente Interno
Universidade Federal Fluminense
_____________________________________________
Profa. Dra. Cintia Aparecida Chagas
Membro Suplente Externo
Universidade Federal de Minas Gerais
Dedico esta pesquisa aos meus pais,
Wanderley e Elzilene.
AGRADECIMENTOS
A realização de uma pesquisa como esta não foi tarefa fácil, principalmente em meio
a uma pandemia, e por estar longe de todos que amo em um momento tão difícil para o
mundo. Por isso, é mais que necessário registrar minha gratidão.
Agradeço, primeiramente, a Deus, por até aqui ter me acompanhado e nunca me
permitir desistir, mesmo nos momentos mais difíceis.
À minha família, meu pai, Wanderley, minha mãe, Elzilene, e meus irmãos,
Wanderlene e Ewerson, que mesmo distantes me apoiaram nessa decisão de partir para longe,
em busca de um sonho, gratidão!
Agradeço ao meu orientador, professor Dr. Daniel Flores, por ter aceitado embarcar
nessa jornada cheia de descobertas e por compartilhar comigo seus ensinamentos sobre os
documentos digitais.
Agradeço as professoras que gentilmente aceitaram fazer parte da minha banca e que
contribuíram para o fortalecimento desta pesquisa, professora Dra. Natália Tognoli e
professora Dra. Tânia Gava.
Aos meus colegas e amigos que conquistei no PPPGCI/UFF, em especial Amanda,
Lohayne, Paulo, Louise, Marcela, Roberta, Adriana e Juliana, com quem convivi e tive a
oportunidade de me aventurar com as descobertas do mundo arquivístico e da cidade sorriso,
muito obrigado!
Às minhas musas inspiradoras, professora Dra. Ana Celia Rodrigues, por gentilmente
me apresentar o mundo da Identificação Arquivística. À querida Dr. Rosely Rondinelli, por
compartilhar seu conhecimento sobre os documentos digitais comigo, em especial pelo
cuidado e atenção dados em nossas trocas de mensagens. E à professora Dra. Luciana
Duranti, sempre atenciosa em responder às minhas dúvidas aos domingos, sou eternamente
grato.
Aos amigos que acompanharam a minha jornada até aqui, Greceane, Luana, Indira,
Bruna, Cibely, Sophia, Rafaela, João de Deus, Jacqueline, Amanda Bessa, Priscila, Tati e
Mario Felipe, obrigado!
Por fim, agradeço imensamente à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) que financiou esta pesquisa de mestrado e permitiu a concretização
de um sonho.
“The road is long, we carry on
Try to have fun in the meantime”
(Lana Del Rey)
RESUMO
O cenário atual de segurança jurídica referente aos documentos digitais tem impactado
incertezas na produção de documentos de arquivo, sem levar em consideração o que
determina a Diplomática e consequentemente fragilizando as provas digitais, utilizadas pela
Ciência Forense Digital. Este estudo aborda o documento de arquivo digital enquanto
elemento da garantia da segurança jurídica para o cidadão. Tem como objetivo identificar
requisitos arquivísticos e fundamentos necessários para a garantia da segurança jurídica sob
o viés da Arquivologia, Diplomática, Direito e Ciência Forense Digital com base na
confiabilidade, autenticidade e precisão do documento de arquivo em ambiente digital.
Utiliza-se como metodologia as pesquisas qualitativa, exploratória, descritiva e bibliográfica.
Os resultados propõem que os requisitos arquivísticos que garantem a segurança jurídica são:
através da gestão de documentos digitais, os requisitos do e-ARQ Brasil; da preservação de
documentos digitais, as diretrizes de implementação de RDC-Arq; e do acesso e difusão dos
documentos digitais, as normas de descrição arquivística. Recomendou-se ainda que as
plataformas utilizadas por esses ambientes necessitam de certificação e auditoria para que a
segurança jurídica seja efetivada de forma confiável.
PALAVRAS-CHAVE: Segurança jurídica; Documento de arquivo digital; Gestão,
preservação, acesso/difusão de documentos digitais; Diplomática e Ciência Forense Digital.
ABSTRACT
The current scenario of legal security regarding digital documents has impacted uncertainties
in the production of records, without taking into account what is determined by Diplomatics
and consequently weakening the digital evidence used by Digital Forensics. This study
approaches the digital records as an element of guaranteeing legal security for the citizen. Its
aim to identify archival requirements and necessary foundations to guarantee legal security
through of the Archival Science, Diplomatics, Law and Digital Forensics based on the
reliability, authenticity and accuracy of the digital records. Qualitative, exploratory,
descriptive and bibliographic is used as a methodology. The results propose that the archival
requirement that guarantee legal security are: through the digital records management, the
requirements of e-ARQ Brasil; from the digital records preservation, the RDC-Arq
implementation guidelines; and access and dissemination of digital records, the archival
description standards. It was also recommended that the platforms use by these environments
need certification and audit so that legal security will be trust.
KEY-WORDS: Lega Security; Digital Record; Digital Records Access and Dissemination,
Preservation, Management; Diplomatics and Digital Forensics.
LISTA DE FIGURAS
Pág.
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................14
2 DIPLOMÁTICA E CIÊNCIA FORENSE DIGITAL ...................................21
2.1 Breve introdução sobre a Diplomática ............................................................ 21
2.2 Breve Introdução sobre a Ciência Forense Digital ........................................25
3 DOCUMENTO DE ARQUIVO EM AMBIENTE DIGITAL: ESPECIFI-
CIDADE E COMPLEXIDADE .......................................................................30
3.1 O documento de arquivo digital ......................................................................30
3.2 Ontologia do documento de arquivo ............................................................... 34
3.2.1 Componentes intelectuais ...................................................................................34
3.2.2 Os atributos .........................................................................................................40
3.2.3 Componentes digitais .......................................................................................... 42
4 O DOCUMENTO DIGITAL ENQUANTO FONTE DE PROVA: ASPEC-
TOS ARQUIVÍSTICOS E JURÍDICOS ........................................................ 46
4.1 Definição de prova digital ................................................................................46
4.2 Classificação das provas digitais......................................................................50
4.3 Autenticidade de uma prova digital ................................................................ 52
4.4 Processo de análise forense ..............................................................................55
4.5 Cadeia de custódia ............................................................................................ 57
5 INICIATIVAS DE GESTÃO E PRESERVAÇÃO DE DOCUMENTOS
DIGITAIS ..........................................................................................................63
5.1 Requisitos para a gestão de documentos digitais ...........................................65
5.1.1 Electronic Records Management Software Application Design Criteria Stan-
dard .....................................................................................................................67
5.1.2 Modular Requirements for Records Systems ......................................................68
5.1.3 Designing and Implementing Recordkeeping Systems........................................71
5.1.4 Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão Arquivística de
Documentos ........................................................................................................72
5.2 Requisitos de preservação de documentos digitais ........................................75
5.2.1 Modelo Open Archival Information System........................................................ 77
5.2.2 Repositórios Digitais Confiáveis ........................................................................80
5.2.3 Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis (RDC-Arq) .............................. 81
5.2.4 Certificação de Auditoria de Repositório Confiável ...........................................82
5.2.5 Requisitos técnicos para entidades de auditoria e identificação de organizações
candidatas a serem Repositório Digital Confiável ..............................................83
5.2.6 Metadados de Preservação ..................................................................................84
5.2.7 Os modelos do InterPARES................................................................................86
5.2.7.1 Modelo de Cadeia de Preservação ......................................................................86
5.2.7.2 Modelo Business-Driven Recordkeeping ............................................................ 87
6 REQUISITOS ARQUIVÍSTICOS DE SEGURANÇA JURÍDICA PARA
O DOCUMENTO DE ARQUIVO DIGITAL ................................................94
6.1 Segurança e segurança jurídica .......................................................................94
6.2 Digital Records Forensics ..................................................................................96
6.3 Identificação e recomendações de requisitos arquivísticos de segurança
jurídica ...............................................................................................................99
6.3.1 Requisitos arquivísticos que garantem a segurança jurídica no que se refere a
gestão de documentos digitais ............................................................................99
6.3.2 Requisitos arquivísticos que garantem a segurança jurídica no que se refere a
preservação de documentos digitais ................................................................. 101
6.3.3 Requisitos arquivísticos que garantem a segurança jurídica no que se refere ao
acesso e difusão de documentos digitais .......................................................... 104
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 107
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 111
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1 INTRODUÇÃO
Ao decorrer dos estudos no mestrado, algumas alterações foram necessárias para que
o projeto se adequasse mediante algumas reflexões e diálogos com o orientador, tendo em
vista as constantes mudanças no cenário arquivístico local. A exemplo disso, os
questionamentos no noticiário brasileiro a respeito da quebra da cadeia de custódia de
documentos digitais que eram adquiridos como prova em processos judiciais, algo que reflete
nos estudos da Diplomática e da Ciência Forense Digital.
A essa altura já se havia levantado a produção bibliográfica dos três projetos citados
e observado que o BitCurator e o Digital Lives possuíam como objeto de estudo os arquivos
pessoais digitais, logo, o documento de arquivo produzido por pessoa física. Assim aliava
ferramentas da Ciência Forense Digital e o conhecimento teórico da Arquivologia, como por
exemplo o uso dos princípios da Proveniência e Ordem Original, para a realização da
curadoria de acervos adquiridos por Arquivos, Bibliotecas e Museus.
Percebeu-se que o projeto Digital Records Forensics era calcado por meio do estudo
do documento de arquivo produzido em ambiente digital retido como prova de processo
judicial, pois os casos estudados contemplavam o que a Polícia de Vancouver mantinha das
apreensões para investigação. Este estudo utilizou-se da Diplomática, Arquivologia, Direito
e Segurança da Informação para fundamentar uma nova disciplina, capaz de atender as
demandas jurídicas aliadas ao contexto tecnológico.
Mediante essa percepção, optou-se em direcionar a pesquisa para “A segurança
jurídica do documento de arquivo em ambiente digital” utilizando-se da Arquivologia,
Diplomática Digital, Direito e Ciência Forense Digital para dar subsídios a construção deste
trabalho. Diante disso os resultados do projeto Digital Records Forensics são os que melhor
poderão contribuir para este estudo, tendo em vista a relação com a teoria e os produtos
produzidos pelo projeto International Research on Permanent Authentic Records in
Electronic Systems (InterPARES).
Desta forma, foi levantada a seguinte questão: como aplicar requisitos de produção,
manutenção, preservação, acesso e transparência ativa ao documento de arquivo em ambiente
digital de forma que seja garantida a sua segurança jurídica? Partindo do seguinte pressuposto
teórico: se um documento de arquivo digital é produzido, mantido e preservado utilizando
requisitos que reflitam os princípios da Arquivologia, Diplomática Digital, Direito e Ciência
Forense Digital, então ele pode garantir a sua segurança jurídica.
Para alcançar essa resposta e confirmar tal pressuposto nos valemos do seguinte
objetivo geral: identificar requisitos arquivísticos e fundamentos necessários para a
segurança jurídica garantida pelo documento de arquivo em ambiente digital sob o viés da
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Arquivologia, Diplomática, Direito e Ciência Forense Digital com base nos conceitos de
confiabilidade, autenticidade e precisão. E dos seguintes objetivos específicos:
a) Contextualizar os elementos determinados pela Arquivologia e Diplomática a fim de
compreender a especificidade e complexidade do documento de arquivo em ambiente
digital;
b) Apresentar a Ciência Forense Digital, aliada ao Direito, no intuito de aproximar a sua
relação com o documento de arquivo enquanto fonte de prova no ambiente digital;
c) Sistematizar as iniciativas e requisitos de gestão e preservação de documentos de
arquivo em ambiente digital que visam determinar parâmetros de confiabilidade,
autenticidade e precisão; e
d) Identificar e recomendar requisitos arquivísticos para a garantia da segurança jurídica
baseada em documentos de arquivo digital.
1
Entende-se por representantes digitais os documentos em suporte papel que foram digitalizados.
17
Outras fontes que não estavam contempladas nestas bases também foram consultadas,
como artigos e livros de renome na literatura arquivística brasileira. Neste sentido os verbetes
de interesse foram: “Arquivologia”, “Diplomática”, “Documento de arquivo digital” e
“Cadeia de custódia”.
Da mesma forma foi feito na área jurídica e da Ciência Forense Digital, onde as
temáticas pesquisadas foram: “Perícia Digital”, “Ciência Forense Digital”, “Prova Digital”,
“Cadeia de custódia” e “Segurança Jurídica”.
Após estas buscas, foram realizadas a organização destas fontes no aplicativo
Mendeley com vistas à organização por temáticas, bem como a realização de fichamentos e
traduções.
Em relação à estrutura da pesquisa, podemos dividi-la em 7 seções, incluindo a
Introdução, as quais são apresentadas a seguir:
A segunda seção trata dos principais marcos da Diplomática e da Ciência Forense
Digital. Sobre a Diplomática recuperamos a abordagem referente a Diplomática a partir da
década de 80, compreendida como uma Diplomática Digital, e sobre a Ciência Forense
Digital realiza-se uma breve contextualização sobre a história da disciplina.
Na terceira seção recuperamos os conceitos que permeiam o documento de arquivo
em ambiente digital, tais como os seus atributos determinados pela Diplomática e
Arquivologia e os estudos em torno dos resultados do projeto InterPARES, a fim de entender
a complexidade e a especificidade do documento digital.
Na quarta seção apresenta-se o documento digital como fonte de prova na perspectiva
arquivística e jurídica, tais como o ponto de vista da autenticidade e a classificação da prova
digital, o processo de análise forense e o conceito de cadeia de custódia.
Já na quinta seção foram sistematizadas as principais iniciativas de requisitos e
padrões que dão subsídios à produção, manutenção e preservação de documentos de arquivo
em ambiente digital, em apoio à gestão e preservação de documentos digitais autênticos,
confiáveis e precisos.
E na sexta seção identificamos os requisitos arquivísticos que dão garantia à
segurança jurídica do documento de arquivo em ambiente digital, os quais são estruturados
através de três entidades externas.
E por fim, as considerações desta pesquisa que percorre os resultados obtido nas
seções teóricas, bem como enfatiza os requisitos arquivísticos apontados como apropriados
para a garantia da segurança jurídica e as sugestões de pesquisa.
20
Assim, nesta seção introdutória foram abordadas nossa motivação inicial sobre a
temática de estudo, os objetivos que nos direcionam para consolidação da pesquisa, nossa
justificativa, a metodologia utilizada e a estrutura a ser seguida. Na próxima seção
revisitamos os principais marcos teóricos da Diplomática e da Ciência Forense Digital. Sobre
a Diplomática recuperaremos a sua abordagem a partir da década de 80 e sobre a Ciência
Forense Digital realizaremos uma breve contextualização sobre a disciplina.
21
2
Atualmente a denominação a esta instituição é de Library and Archives Canada.
22
3
Posteriormente chamado de “The Preservation of Integrity of Electronic Records”.
4
Na seção 5, abordaremos sobre a norma.
24
terminologia sobre a integração desse conhecimento recebeu algumas variações, tais como
Diplomática Especial, Diplomática Arquivística, Diplomática Arquivística Contemporânea
e, mais recentemente, Diplomática Digital.
Para entender melhor a contribuição da Diplomática, por exemplo, Tognoli (2013) a
dividiu em Diplomática Clássica, Diplomática Moderna e Diplomática Contemporânea para
sistematizar seus marcos teóricos. Em outra percepção Silva e Tognoli (2019) consideram a
existência de quatro abordagens da Diplomática, as quais são: Diplomática Clássica,
Diplomática Moderna, Diplomática Arquivística e Diplomática Digital. E assim apontam
seus objetos e objetivos, conforme figura abaixo:
[...] a ciência que estuda as regras obrigatórias, que presidem as relações dos
homens em sociedade, encaradas não somente sob o seu ponto de vista legal, como
sob o seu ponto de vista doutrinário, abrangendo, assim, não somente o direito no
seu sentido objetivo como subjetivo (SILVA, 2016, p. 470).
Isto se faz necessário porque não nos propomos a estudar e contextualizar o Direito
em sua amplitude, mas é de grande valia entendermos o seu papel no contexto arquivístico e
para o campo da Ciência Forense, no qual ambas sofrem influências.
Duranti (1989) afirma, por exemplo, que na metade do século XVII a Diplomática
era oferecida nos cursos de Direito da Europa, um período que possibilitou a publicação de
inúmeras obras e contribuiu para a produção do conhecimento da Diplomática. Esse fato
revela que as suas relações eram fortes e que mesmo com o distanciamento do Direito, mais
tarde, a Diplomática se manteve fiel estudando os documentos, que em sua perspectiva
sempre transmitiram uma relação jurídica com os fatos.
Por outro lado, pouco se sabe sobre a Ciência Forense Digital. Enquanto que observar
as relações da Arquivologia e Diplomática com o Direito é muito mais compreensivo na
comunidade arquivística, com a Ciência Forense Digital isso se torna um pouco difícil. Os
estudos de aproximação com essa área e o campo dos arquivos só surgem no fim da primeira
década dos anos 2000, por hora iremos explorar a perspectiva da Ciência Forense Digital
com os documentos digitais.
A história da Ciência Forense Digital é muito recente se comparada a da Diplomática,
e seu desenvolvimento ganhou grande impulso com as mudanças tecnológicas no fim do
século XX. Da mesma forma que os profissionais dos arquivos acompanharam as discussões
em torno da mudança de suporte dos documentos em papel para o meio eletrônico nesse
mesmo período.
Aparentemente, são trajetórias distintas e que ocorreram de forma paralela que, no
entanto, parecem se cruzar à medida que seus passos são apontados. Duranti (1989), por
exemplo, mencionou o esquecimento da Diplomática pelos tribunais, observando que seu
método fora deixado de lado com o surgimento dos documentos eletrônicos como fonte de
prova, pois a alegação era de que os mesmos não serviriam mais para a nova realidade.
Aqui percorremos o campo da Ciência Forense Digital, na tentativa de esclarecermos
às suas práticas para os documentos digitais que são fonte de prova no Direito.
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O autor é um dos poucos que se dedica a explicar os fatos ocorridos na história que
justificam o crescimento e desenvolvimento da Ciência Forense Digital ao longo dos últimos
anos, tudo isso embasado em sua experiência profissional no FBI e acentuando os marcos
em acontecimentos de acordo com um limite cronológico.
Há ainda outros autores como Charters, Smith e McKee que também contribuem para
a história da Ciência Forense Digital. Estes a dividem em três fases (CHARTERS; SMITH;
MCKEE, 2009):
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Os autores realizam esse percurso para demonstrar que desde o seu surgimento, como
um campo empírico até alcançar um rigor científico, a área enfrentou inúmeras barreiras de
estruturação, chegando a ser nos dias atuais um serviço lucrativo.
No que se refere a uma definição deste campo, em 2001 o primeiro Digital Research
Conference Workshop (DFRCW), realizado na cidade de Utica, no estado de Nova York,
reuniu pesquisadores e profissionais para discutir questões pertinentes às lacunas existentes
na área. No evento foi apresentada uma definição para a Ciência Forense Digital, tendo em
vista que a mesma se estabeleceria como uma disciplina científica. A definição proposta foi
a seguinte:
Desta maneira, entende-se que a Ciência Forense Digital é uma disciplina científica
ligada à grande área da Ciência Forense, a qual outros campos também fazem parte; como a
Antropologia Forense, a Arqueologia Forense, a Biologia Forense entre outras. O verbete
“Ciência Forense” sinaliza para “[...] a aplicação da ciência e de técnicas científicas com o
objetivo de fornecer provas imparciais sobre questões perante um tribunal” (PHILLIPS;
BOWEN, 1989, p. 7).
Cohen (2015), diante da base da Ciência Forense, esclarece através da análise de
traços que um determinado objeto ao entrar em contato com outro, deixa traços de si mesmo.
Explicando desta forma o método de transferência, proposto através dos estudos de Locard,
onde tal objeto é visto por meio do contato (causa) que transfere (mecanismo) e produz
determinado efeito (os rastros). Isso para explicar o objeto da Ciência Forense Digital: a
prova digital.
A Diplomática e a Ciência Forense Digital são áreas preocupadas com a autenticidade
do objeto digital, esta perspectiva ficou evidente em suas apresentações. Desta maneira, sua
relação pode contribuir para o fortalecimento tanto dos estudos de autenticidade para o
documento de arquivo digital como para a prova digital.
A próxima seção irá tratar da complexidade e especificidade do documento de
arquivo digital, utilizando-se para isso muito dos resultados do projeto InterPARES.
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O autor divide o objeto digital em níveis, os quais são: físico, lógico e conceitual. No
nível físico temos os hardwares, que transportam consigo os dados que serão reproduzidos e
manifestados, o nível lógico trata-se do software que irá fazer a leitura de determinado
formato e a imagem formada e visualizada pelo receptor se constitui como o nível conceitual,
que deve ser preservado (FERREIRA, 2006). Com isso, sigamos para a interpretação de
documento.
A noção de documento no campo da Arquivologia e da Ciência da Informação possui
inúmeras discussões. Autores como Buckland (1997), Ortega (2010) e Briet (2016) são
destaques no campo da Ciência da Informação ao conceituarem o que seria um documento.
Briet (2016) considera que qualquer objeto pode ser considerado um documento. O exemplo
mais famoso é o de um antílope em um museu, o qual segundo a autora pode transmitir
inúmeras informações.
Desta forma, pode-se inferir em uma compreensão genérica, que documento é toda
informação registrada em um suporte. Esta afirmativa pode se referir a qualquer tipo de
documento, seja este o de arquivo, o de biblioteca ou o de museu, por exemplo. No entanto,
não nos revela a peculiaridade e especificidade que cada tipo de documento carrega.
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Por sua vez, um componente digital é entendido como “[...] entidades digitais que
contêm um ou mais documentos ou estão contidos no documento e requerem uma ou mais
medidas de preservação específica” (DURANTI, 2009, p. 46, tradução nossa). Este foi um
conceito elaborado tendo em vista que não é possível preservar um documento digital da
mesma forma que é feita com um documento em papel (DURANTI; THIBODEAU, 2006).
Retornaremos sobre o assunto, mais adiante.
Quanto ao fator complexidade e especificidade do documento digital isto é
impulsionado principalmente pelo avanço das tecnologias.
Duranti argumenta, por exemplo, que “Enquanto no ambiente tradicional era fácil
entender rapidamente quando a entidade que se estava observando era um documento de
arquivo ou não, no ambiente digital tal empreendimento pode ser bastante complexo e requer
etapas adicionais no procedimento de análise” (DURANTI, 2009, p. 61, tradução nossa). Por
isso, foi definido um modelo de análise no InterPARES que identificava os metadados e
componentes digitais os quais estão aliados aos conceitos e princípios da Diplomática Digital.
Complexidade quer dizer que os documentos digitais possuem muitos componentes
digitais, logo é algo vinculado a sua forma fixa, que deve ser mantida sem alteração ao longo
do tempo. Especificidade porque se trata de documentos de arquivo digital e não
simplesmente de dados, informações ou até mesmo apenas um objeto digital.
Rocha e Rondinelli (2016, p. 63) recorrem à Diplomática e argumentam que esta “[...]
reconhece a especificidade do documento gerado em ambiente computacional e muda a
condição de elemento intrínseco do documento, própria do suporte papel, passando a inseri-
lo no contexto tecnológico dos documentos digitais, mais especificamente como hardware”.
Isso se dá porque nesse contexto o suporte antes era elemento norteador da análise
diplomática e que mesmo com essa mudança imposta pela tecnologia a Diplomática se
mantém firme em identificar, através da sua metodologia, a entidade arquivística em um
objeto digital.
A seguir podemos observar os conceitos utilizados para se chegar ao entendimento
do documento de arquivo em ambiente digital.
A forma fixa “[...] significa que o conteúdo da entidade deve ser armazenado para
que permaneça completo e inalterado, e sua mensagem deve ser apresentada com a mesma
forma documental que tinha quando foi definida pela primeira vez (DURANTI;
THIBODEAU, 2006, p. 15-16, tradução nossa). Podendo ser representada em dois tipos,
documentos armazenados e manifestados.
O documento armazenado é aquele “[...] constituído de componentes digitais
vinculados, que são usados na reprodução do documento, que compreende os dados a serem
processados para manifestar o documento [...]” (DURANTI, 2009, p. 46, tradução nossa).
Ou seja, essa manifestação do documento se daria por meio do que é entendido como dados
de conteúdo e dados de forma. E as regras de processamento dos dados onde inclui-se as
variações, que são permitidos por meio dos dados de composição.
Já o documento manifestado caracteriza-se como “[...] a visualização ou
materialização de um documento em um formato adequado para a apresentação a uma pessoa
ou sistema” (DURANTI, 2009, p. 46, tradução nossa). Duranti explica que não
necessariamente um documento com forma documental manifestada possui um documento
que corresponda a uma forma documental armazenada, pois este é recriado por meio dos
dados fixos de conteúdo viabilizada pela ação de um usuário que relaciona tais dados aos
dados específicos de forma e composição, um exemplo disso seria um documento produzido
a partir de uma consulta a um banco de dados (DURANTI, 2009).
O conteúdo estável, como o próprio termo diz, está ligado à estabilidade que o
conteúdo, ou as informações, devem possuir em um documento. É uma definição, que do
ponto de vista da Arquivologia entende que para o documento ser considerado um documento
de arquivo seus dados e informações devem estar registrados em uma forma fixa (DURANTI;
THIBODEAU, 2006).
E como determinar a estabilidade de um conteúdo, tendo em vista as várias formas
dinâmicas que este pode assumir? Isso é explicado no conceito de variabilidade limitada, o
qual é assim entendida:
Uma entidade tem variabilidade limitada quando as alterações em sua forma são
limitadas e controladas por regras fixas, de modo que a mesma consulta ou
interação sempre gera o mesmo resultado e quando o usuário pode ter visualizações
diferentes de subconjuntos diferentes de conteúdo, devido a interação do autor ou
ao caráter dos sistemas operacionais ou aplicativos. Enquanto a primeira definição
de conteúdo estável se aplica a entidades digitais estáticas, a segunda é significativa
quando as entidades que estamos vendo são interativas (DURANTI, 2009, p. 47,
tradução nossa).
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[...] é aquela que não oferece possibilidades de alterar seu conteúdo ou forma
manifestada além de abrir, fechar e navegar; por exemplo, e-mails, relatórios,
gravações sonoras, vídeos e snapshots de páginas da web. Essas entidades, se todos
os requisitos foram atendidos, são documentos de arquivo, porque possuem forma
fixa e conteúdo estável (DURANTI, 2009, p. 47, tradução nossa).
São aquelas para as quais as regras que regem a apresentação de conteúdo e forma
podem variar: essas entidades podem ser componentes de sistemas de informação
ou “documentos de arquivo em potencial”, pois podem se tornar documentos de
arquivo se o sistema digital em que existem, dado o objetivo que ele cumpre, devem
conter documentos de arquivo e, portanto, é redesenhado de forma a produzir e
gerenciar documentos ou se as entidades que deveriam existir como registro forem
movidas para outro sistema que apenas mantenha documentos digitais (por
exemplo, entidades estáticas e não-dinâmicas) (DURANTI, 2009, p. 47-48,
tradução nossa).
Desta forma, o conteúdo estável está ligado ao conceito de variabilidade limitada, que
por sua vez se aplica em entidade digital estática e entidades digitais interativas dinâmicas e
não-dinâmicas, que a depender do contexto podem se tornar um potencial documento de
arquivo digital.
Outra característica de um documento de arquivo são as pessoas que compõem a sua
produção, as quais são: um originador, um autor, um redator, um destinatário e um produtor.
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Este conceito de “pessoas” foi determinado pela Diplomática Digital para “[...]
distinguir documentos de arquivo de objetos digitais resultantes da simples consulta de um
banco de dados [...]” (DURANTI; THIBODEAU, 2006, p. 16, tradução nossa, grifo nosso).
Assim temos o seguinte entendimento sobre estas pessoas:
[....] autor é a pessoa que emite o registro, o redator é a pessoa que determina a
articulação do discurso no documento e o destinatário é a pessoa a quem o
documento se destina. Como um documento de arquivo deve participar de uma
ação e qualquer ação deve recair sobre alguém, o destinatário é necessário para a
existência do documento (DURANTI; THIBODEAU, 2006, p. 16, tradução nossa,
grifo nosso).
Estas são as três pessoas que no mínimo devem ser identificadas na produção de um
documento de arquivo. As outras duas, que não são obrigatórias, mas podem se fazer presente
são: o originador que é “A pessoa física ou jurídica designada [atribuída] no endereço
eletrônico no qual o documento foi gerado e/ou enviado” e o produtor que é “A pessoa física
ou jurídica em cujo fundo o documento existe” (DURANTI, 2009, p. 45).
É importante esclarecer que a Diplomática, no século XIX, havia determinado a
existência de três pessoas: o autor, o destinatário e o redator. Posteriormente, duas pessoas
foram acrescentadas pela Diplomática Digital: originador e produtor.
Enquanto a característica “ação”, pode-se dizer que é aquela “[...] em que o
documento de arquivo participa ou que o mesmo apoia procedimentalmente como parte do
processo de tomada de decisão” (DURANTI; THIBODEAU, 2006, p. 16, tradução nossa),
Para Duranti (2009, p. 48, tradução nossa) é ainda necessário
É por isso que os documentos podem ser qualificados como documentos jurídico-
administrativos, documentos não-jurídicos e documentos do ambiente digital.
Os documentos jurídico-administrativos são divididos em probatórios e dispositivos.
Nessa categoria o documento é considerado probatório ao “[...] fornecer prova de um ato que
veio à existência e foi completo antes de se manifestar por escrito [...] (DURANTI, 2009, p.
48-49, tradução nossa). Alguns exemplos são os certificados, transcrições e recibos. Por outro
lado, o documento dispositivo é aquele que “[...] se destina a colocar o ato em prática e,
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portanto, constitui a essência e substância do ato [...] (DURANTI, 2009, p. 48-49, tradução
nossa). Os contratos, concessões, solicitações e ordens de pagamento são exemplos de
documentos dispositivos.
Os documentos não jurídicos (ou legais) são aqueles “Documentos cuja existência
não é exigida pelo sistema jurídico-administrativo para a execução de ações cuja forma
escrita é discricionária, são considerados registros não-legais” (DURANTI, 2009, p. 49).
Encontram-se divididos em documentos de apoio e narrativos.
Os documentos de apoio são aqueles “[...] cuja função é informar a atividade em que
participam [...] (DURANTI, 2009, p. 49, tradução nossa). A exemplo disso temos as notas
de ensino (teaching notes) e mapas. Já os documentos narrativos a “[...] função é a de
comunicação livre de informações (DURANTI, 2009, p. 49, tradução nossa). Os exemplos
deste tipo de documentos são as notas, relatórios não solicitados e relatos informais de
eventos.
E por último, a categoria de documentos do ambiente digital que são aqueles de
instrução e de capacitação.
Aqueles considerados de instrução “[...] indicam a maneira pela qual os dados,
documentos, ou documentos de arquivo devem ser apresentados (por exemplo, formulários
como instruções incorporadas para preencher e formatá-los) (DURANTI, 2009, p. 49,
tradução nossa).
E os documentos de capacitação
E por fim, temos como elemento intelectual da ontologia o suporte, que apesar de
contemplado foi necessário realocá-lo. Duranti e Thibodeau (2006) argumentam que é
importante levar em consideração que embora o documento digital seja uma entidade
necessária, seu suporte não está inextricavelmente vinculado à mensagem, são cadeias de bits
que o reproduzem e o tornam inteligível. Isso foi discutido no projeto InterPARES, que ao
levar em consideração os objetivos do projeto, de avaliar a autenticidade do documento de
arquivo digital, identificou que o suporte não era um fator relevante para a análise, inserindo-
o desta forma no âmbito dos contextos, mais especificamente, o contexto digital.
Até aqui apontamos boa parte do que se entende pela complexidade e especificidade
do documento de arquivo digital. Grande parte influenciada pelos conceitos desenvolvidos
na Diplomática e na Arquivologia aliada aos estudos interdisciplinares de profissionais de
inúmeras áreas, entre elas a tecnologia. No entanto, necessitamos ainda observar os demais
elementos da ontologia.
40
3.2.2 Os Atributos
Estes elementos foram especificados pelo InterPARES 1 e constituem como parte dos
conceitos de integridade e identidade de um documento de arquivo.
Segundo o Glossário do InterPARES 1 (2001, p. 6, tradução nossa) atributos tratam-
se de “Uma característica definidora de um documento de arquivo ou de um elemento do
documento de arquivo”. Estes estão relacionados à forma documental (espécie), seus
elementos extrínsecos e intrínsecos, conforme explica MacNeil et al (2000, p. 2, tradução
nossa):
A forma documental, que também pode ser entendida como a espécie documental, é
definida “[...] como as regras de apresentação segundo os quais o conteúdo de um documento
de arquivo, seu contexto administrativo e documental e sua autoridade são comunicados
(DURANTI; THIBODEAU, 2006, p.17, tradução nossa). Esta traz consigo os seus elementos
extrínsecos e intrínsecos.
Já os elementos extrínsecos são “Os elementos de um documento de arquivo que
constituem sua aparência externa” (DURANTI; THIBODEAU, 2006, p.17, tradução nossa).
Os elementos extrínsecos constituem-se dos recursos de apresentação, que são “Um
conjunto de recursos perceptíveis (gráficos, auditivos, visuais) gerados por meio de
instruções de codificação de programa e capazes, quando usados individualmente em
combinação, de apresentar uma mensagem em todos os sentidos” (MACNEIL et al, 2000, p.
1, tradução nossa). Podendo estes estarem concentrados em 1) apresentação em geral – texto,
gráfico, imagem, som – e 2) apresentação específica – layout especiais, fontes de tipos
empregadas deliberadamente, cores empregadas deliberadamente, hiperlinks, indicação
gráfica de anexo, taxa de amostragem de arquivos de som, resolução de arquivos de imagens,
escalas de mapas (MACNEIL et al, 2000).
Outro elemento extrínseco é a assinatura eletrônica que se configura como uma marca
digital que pode ter uma ‘‘[...] função de assinatura, associada ou logicamente associada a
41
Finalizada nossa abordagem, podemos inferir a grande contribuição dada pelas duas
etapas do projeto InterPARES, um resultado que recuperou conceitos tradicionais da
43
Componentes intelectuais
Esta seção nos trouxe um panorama do geral para o particular sobre a relação do
documento de arquivo com o ambiente digital, através da ontologia do projeto InterPARES,
o que contribuiu para entendermos sobre a questão de complexidade e especificidade que
estes carregam na atualidade. Diante disso, passemos para a próxima seção que abordará a
questão de prova do documento digital em uma perspectiva arquivística e jurídica.
46
Este esclarecimento serve para refletir sobre esta temática, tendo em vista a confusão
que os termos prova e evidência podem gerar, a autora reforça a necessidade de estudos que
abordem essa preocupação.
Silva (2019) também reflete sobre o assunto, onde
[...] deve se frisar a diferença entre a prova (evidence) e os documentos, uma vez
que a primeira se refere a um objeto coletado em alguma circunstância, que precisa
ser protegido e mantido inalterado a fim de ser apresentado em juízo. Os
documentos não são coletados, mas transmitidos pelo produtor e seus legítimos
sucessores até o arquivista.
Sua reflexão de prova e documentos está pautada na ideia da cadeia de custódia que
é compartilhada entre o Direito e a Arquivologia, assunto que será abordado mais adiante.
Retornando para a definição de prova, no contexto jurídico brasileiro, recorremos a
Silva (2016, p. 1134) que nos diz:
O mesmo aponta ainda que a prova pode ser entendida como uma confissão, dada a
partir da coleta de depoimentos; perícias, constituídas de exames, vistorias e arbitramento5 -
por exemplo; documentos de proveniência pública ou particular e pelas presunções que
devem estar vinculadas à lei (SILVA, 2016).
São apresentados outros tipos de prova que para Silva (2016) são provas que recebem
denominações especiais, algumas merecem destaque:
5
Na linguagem jurídica, trata-se da apreciação de determinar o valor de fatos ou coisas que não possuem
elementos de avaliação determinados (SILVA, 2016).
48
É importante ressaltar que não foi observado a existência de nenhuma definição que
abordasse a questão da prova digital, constituída de documentos, vestígios e traços digitais.
Trazendo desta forma, definições amplas e genéricas.
A prova digital, na concepção jurídica da Ciência Forense Digital é, portanto,
compreendida como qualquer objeto ou material passível de prova legal diante de um
tribunal, seja esta uma cópia autenticada ou um original. Em uma definição do Scientific
Working Group on Digital Evidence (SWGDE) da International Organization on Digital
Evidence (IODE), apresentada em 1998, a mesma foi interpretada como “[...] qualquer
informação de valor probatório que é armazenada ou transmitida em forma binária”
(WHITCOMB, 2002, p. 4, tradução nossa). Posteriormente “binária” foi alterado para
“digital”.
Cohen (2011) utiliza-se do conhecimento combinado da Diplomática, Arquivologia
e Ciência Forense para enriquecer o Campo da Ciência Forense Digital, apresentando os
conceitos definidos e elaborados pelo projeto InterPARES para uso e tratamento de forma
científica das provas digitais.
Fruto disso é a definição proposta pelo autor para rastro, evento e registro que por sua
vez estão relacionados à prova digital (COHEN, 2011, p. 10, tradução nossa):
instrumento ou subproduto dela (todos os registros digitais são rastros, mas nem todos
os rastros são registros)
[...] criar imagens de um único disco rígido e, em seguida, realizar uma pesquisa
nessa imagem fornece um ambiente técnico estático. Em contraste, um ambiente
técnico dinâmico é aquele em que um ou mais dos componentes dos quais os dados
são recuperados têm potencial para modificação, independentemente de quaisquer
mudanças no sistema que possam ser introduzidas durante o processo investigativo.
Em outras palavras, sistemas ''vivos6'' e sistemas conectados à Internet se
qualificam como dinâmicos.
Esta classificação é utilizada para a Ciência Forense Digital como um ponto de partida
para o contexto técnico de extração de dados para se diferenciar do contexto investigativo.
As outras categorias encontradas na Ciência Forense Digital são as de registros
armazenados em computador e registros armazenados por computador.
6
Este termo é utilizado quando se trata de equipamentos ligados (Lives Forensics) onde se realiza a coleta de
dados com equipamento ainda funcionando no intuito de adquirir informações voláteis (VECCHIA 2019).
51
Este tipo de registro entendido pela Ciência Forense Digital como gerado por
computador é também contemplado pela Diplomática Digital, no entanto, na categoria dos
documentos armazenados e de capacitação. Os registros gerados por computador ao contrário
dos registros armazenados em computador, não possuem declarações humanas por serem
produzidos por programas computacionais. Isso demonstra que um registro com declarações
humanas, para estas regras, implica em questões de confiabilidade enquanto que as
produzidas por programas computacionais implicam como autênticas (DURANTI, 2009).
E por fim, há uma terceira categoria de registros gerados e armazenados por
computador que se enquadram no típico exemplo de “[...] uma planilha que recebeu entrada
humana seguida de processamento por computador (as operações matemáticas do programa
de planilhas) (DURANTI, 2009, p. 51). Esta pode se enquadrar tanto nas regras de boatos
quanto no teste de Daubert9, que é um teste que apura prova científica ou prova pericial.
Os conceitos sobre o tipo de prova, de acordo com a literatura da Ciência Forense
Digital, são sistematizados no quadro 5.
7
A lei da prova (Evidence Act) regulamenta as regras de prova no Canadá, já nos Estados Unidos prevalece as
Regras Federais de Prova (Federal Rules of Evidence), ambas em conformidade com o direito comum
(Common Law).
8
A Regra do Boato (Hearsay Rule) - do direito norte-americano - equivale no direito brasileiro ao “ouvi
dizer”. Disponível em: https://congressonacional2017.ammp.org.br/public/arquivos/teses/90.pdf. Acesso em
23 ago 2020.
9
Regra norte-americana que trata da prova científica, aquela que é elaborada por um perito mediante
metodologia com aceitação da comunidade científica Disponível em:
http://www.pge.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2019-
10/002ojuizeaanalisedaprovapericial.pdf . Acesso em 20 ago. 2020.
52
Desta forma, Duranti (2009) conclui que observando essa explicação e o que foi
exposto por Mocas (2004), percebe-se que do ponto de vista da Diplomática Digital o
conceito de integridade também não implica em autenticidade.
Na Ciência Forense Digital existem ainda outros meios de entender uma prova digital
enquanto autêntica. Por exemplo, o entendimento sobre a prova de autenticidade (proof of
authenticity), ou autenticação da prova (authentication of evidence), que estariam também
relacionadas à declaração de uma testemunha sobre a prova gerada por um sistema. Os seus
metadados de data e hora tais como os registros de recebimento e envio de mensagem, bem
com a indicação dos computadores que criaram e receberam tais mensagens. E também, a
importância de se manter uma cadeia de custódia legítima (DURANTI, 2009).
A precisão (accuracy) não é muito bem definida na Ciência Forense Digital, mas
Duranti (2009) afirma que os especialistas a utilizam como um componente de autenticidade,
ou mais especificame nte de integridade.
Já a confiabilidade de uma prova é usada em referência à fonte do registro, ou seja,
em apontar se o software de origem é confiável. Para isso, os especialistas usam testes
empíricos sujeitos à revisão por pares, determinando desta forma a taxa de erro e sua
aceitação pela comunidade legal (DURANTI, 2009).
A integridade é um conceito que se divide entre integridade de dados e integridade da
duplicação. A integridade de dados é a garantia “[...] que as informações digitais não sejam
modificadas (intencionalmente ou acidentalmente) sem a devida autorização” (LAND-
WEHR, 2001 apud MOCAS, 2004, p. 56, tradução nossa). E a integridade de duplicação,
segundo Mocas (2004, p. 56, tradução nossa), é representada quando “[...] dado um conjunto
54
de dados, o processo de criação de uma duplicata dos dados não os modificou (seja
intencionalmente ou acidentalmente) e a duplicata seja uma cópia exata do conjunto de dados
original”.
Outros dois princípios muito importantes para a Ciência Forense Digital e que
contribuem para a proteção da integridade de uma prova digital, são os de não interferência
e interferência identificável. A não interferência significa que “[...] o método usado para
coletar e analisar os dados, ou registros digitais, não altera as entidades digitais originais”. E
a interferência identificável significa que “[...] se o método utilizado altera as entidades
originais, as alterações serão identificáveis” (DURANTI, 2009, p. 60).
Apresentados estes conceitos, observemos o processo pelo qual uma prova digital
deve perpassar para que seja útil aos tribunais.
passos podem ser tomados como base e adaptados à determinada realidade, conforme
entendimento do autor.
Pode-se dizer que a identificação consiste na descrição de informações no ato da
apreensão de mídias e na etapa da coleta é realizada a duplicação forense com o intuito de
gerar a cópia e/ou extração de dados desse objeto, sem que ocorra alteração. Posteriormente
é realizado o exame, no intuito de aplicar filtros que reduzam a quantidade massiva de dados
e que facilitem a análise propriamente dita, tendo em vista que esta é realizada manualmente
pelo perito. E por fim são apresentados os resultados encontrados, mediante parecer ou laudo
técnico (VECCHIA, 2019).
Duranti e Rogers (2013) apresentam um modelo de análise forense, oriundos dos
estudos do projeto Digital Records Forensics (DRF), que consiste em seis etapas, conforme
figura 4:
ROGERS, 2013). Estas são atividades desenvolvidas na análise forense norteada por outras
atividades descritas no modelo.
A diferença dessa análise apresentada pelas autoras seria de que, combinada com
referenciais proporcionados pela Arquivologia, asseguraria a produção de documentos de
arquivo digitais autênticos para serem usados como prova. É diante disso que surge a
proposta de integração da cadeia de preservação (arquivologia) com a cadeia de custódia
(forense).
Passemos para compreensão de cadeia de custódia a partir da Ciência Forense Digital
e da Arquivologia.
[...] significa controle sobre os nomes dos indivíduos que coletam as provas e cada
pessoa ou entidade subsequentemente sob custódia, as datas em que os itens foram
coletados ou transferidos, o número da agência e do processo, o nome da vítima ou
do suspeito e uma breve descrição de cada item (GIOVA, 2011, p. 1).
Tratando-se dessa forma, como “Um processo usado para manter e documentar a
história cronológica da prova”, conforme o National Institute of Justice do Estados Unidos
(2011 apud GIOVA, 2011).
58
Esta atividade, de documentar, gira em torno dos seguintes termos: onde, quando, por
quê, quem e como (PRAYUDE; SN, 2015). Sendo um escopo que inclui todos os envolvidos
no processo de análise forense e trata-se de um importante recurso para preservar a
autenticidade de uma prova digital, até que esta seja válida perante o tribunal.
A cadeia de custódia deve ser alinhada ao modelo de análise forense digital, de acordo
com a realidade de cada sistema jurídico.
No Brasil, conforme Vecchia (2019), não há uma legislação específica para tal
processo, mas bem recentemente a cadeia de custódia foi contemplada na lei 13.964 de, de
24 de dezembro de 2019, que aperfeiçoa a legislação penal e o processo penal e tem sido
denominada lei anticrime.
A referida lei traz um capítulo (Capítulo II) dedicado à cadeia de custódia, intitulado
“Do Exame de Corpo de Delito, da Cadeia de Custódia e das Perícias em Geral”, o qual a
entende como “[...] o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e
documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes,
para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte” (BRASIL,
2019, art. 158-A). No entanto, não se referindo especificamente a cadeia de custódia digital,
mas sim um entendimento amplo que se aplique a todas as áreas que necessitam utilizá-la.
Analisemos alguns elementos.
No mesmo artigo (158-A), que aborda essa definição da cadeia de custódia, são
apontados três importantes elementos que a complementam: a preservação da prova ainda no
local do crime, o agente público como responsável pela preservação da prova e o próprio
objeto ou material que se relacione com a infração (BRASIL, 2019).
A lei também menciona etapas a serem observadas no processo da cadeia de custódia,
as quais são: reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte,
recebimento, processamento, armazenamento e descarte (BRASIL, 2019). Servindo como
uma forma de padronizar os procedimentos que vão do início ao fim do uso dessa prova nos
centros de custódia dos institutos criminais.
Parodi (2020) ao refletir a omissão na referida lei sobre as provas digitais que
compõem grande parte das investigações, tais como as dos casos de corrupção, nos alerta que
não seria apropriado falar desta especificidade ali, tendo em vista as constantes mudanças
das tecnologias. O ideal seria que uma lei própria para tal assunto dispusesse de conceito e
critérios de cunho geral.
59
Enquanto isso não acontece, estes conceitos e princípios no âmbito brasileiro são
contemplados na norma da ABNT/ISO 2703 de 2014, mesmo que ainda não se tenha um
reconhecimento em lei.
Na Arquivologia, a cadeia de custódia também possui destaque para as discussões de
autenticidade do documento de arquivo. Um dos primeiros teóricos a abordar tal assunto foi
Jenkinson, em seu livro “A manual of archives administration”, de 1922. O autor, na verdade,
faz referência à custódia para sinalizar que, quando mantida nos arquivos, transmite a
autenticidade dos conjuntos documentais.
Silva (2015) explica que para o autor os arquivos estão sempre em risco e que estes
dependem de procedimentos rigorosos de controle para que sua proteção seja mantida. É
diante disso que o mesmo argumenta que duas importantes características são fundamentais
nesse contexto: a imparcialidade e a autenticidade.
A imparcialidade quer dizer que os arquivos devem estar livres de qualquer
julgamento pessoal e manter sua fiel relação com a atividade que o gerou. A autenticidade
diz respeito à preservação sob um custodiante confiável em uma sucessão legítima que é
mantida em uma linha, a cadeia de custódia ininterrupta, entre o produtor e o responsável
pela preservação (SILVA, 2015).
Em relação ao conceito na teoria arquivística, Pearce-Moses (2005, p 67, tradução
nossa) aponta para duas perspectivas do que é uma cadeia de custódia. A primeira, de cunho
arquivístico, é entendida como “A sucessão de cargos ou pessoas que detiveram materiais
desde o momento em que foram criados” e a segunda, oriunda do Direito, seria “A sucessão
de oficiais ou indivíduos que tenham detido provas reais desde o momento em que são obtidas
até a sua apresentação em tribunal”. Ressaltando que para ambas, demonstrar a existência de
uma cadeia de custódia ininterrupta implica em autenticidade tanto para os documentos de
arquivo quanto paras as provas.
Na definição da base de dados terminológica do projeto InterPARES Trust (s./d.,
s./p.) a cadeia de custódia é apresentada com duas definições: a primeira trata-se de uma
“Lista cronológica de entidades que mantiveram documentos arquivísticos ao longo do
tempo que pode ser usada para demonstrar a autenticidade desses documentos” e uma
segunda, onde “Num contexto legal, cada entidade de custódia pode ser chamada a atestar o
recebimento, a guarda e o manuseio adequados, e a destinação dos documentos
arquivísticos”.
Essas abordagens não trazem uma especificação para o documento de arquivo em
ambiente digital. A cadeia de custódia que perpassa a ideia de Jenkinson, num período em
60
que ainda não se produziam documentos digitais, tem sido recuperada e introduzida num
contexto contemporâneo, exemplo disso são autores como Flores, Rocco e Santos (2016) e
Luz e Flores (2018) que a apresentam sob a perspectiva da teoria arquivística aliada ao
Modelo Open Archival Information System (OAIS)10.
O modelo contempla, basicamente, três ambientes digitais; o ambiente de gestão, de
preservação e de acesso. Na atualidade os sistemas estão produzindo documentos de arquivo,
como apresentado anteriormente, que os configuram como documentos digitais complexos e
específicos. Estes documentos, se levada em consideração toda teoria sobre a cadeia de
custódia explicada acima, devem ser recolhidos do ambiente de gestão (produtor) para um
ambiente de preservação (preservador). Esta compreensão será melhor desenvolvida
posteriormente. Por ora o que nos interessa é demonstrar o conceito de cadeia de custódia
para os documentos de arquivo digital, ou o que se tem convencionado chamar por Flores,
como Cadeia de Custódia Digital Arquivística (CCDA). Esta seria:
10
Trataremos do modelo OAIS na próxima seção.
11
Trataremos da cadeia de preservação na próxima seção.
61
Percebe-se, desta maneira, que tudo apresentado nesta seção nos leva a compreender
a aproximação de diversos conceitos entre a Ciência Forense Digital e a Diplomática Digital,
62
que são influenciados pelo contexto jurídico, um reflexo também vislumbrado pela
Arquivologia.
Esta seção buscou explorar a literatura comum às áreas estudadas nesta pesquisa, por
vez, a Diplomática possui notório lugar de destaque na Arquivologia, enquanto que a Ciência
Forense Digital é compartilhada entre o Direito e a Ciência da Computação e até pouco tempo
desconhecida pela comunidade arquivística. Espera-se que assim ao adentrarmos as próximas
seções possamos estar aptos a entendermos o conhecimento gerado pela integração destas
áreas a fim de compreendermos diante do objetivo principal deste trabalho, quais são os
requisitos arquivísticos que contribuem para a segurança jurídica garantida pelo documento
de arquivo digital. Para isso, necessitamos ainda estabelecer os ambientes que aqui
mencionamos. Assim, dividiremos desta a próxima seção em duas partes, na gestão e na
preservação de documentos digitais, atrelando a cada uma os principais modelos e padrões
para os ambientes digitais.
63
Já por outro lado os requisitos funcionais são definidos como “Um requisito que
especifica uma função de um sistema ou componente do sistema que deve ser capaz de
realizar'' (IEEE STANDARD…, 1990, p. 35, tradução nossa).
Enquanto aos requisitos não-funcionais, entende-se como
E por fim o entendimento sobre o que seria uma regra de negócio, que
No início dos anos 90 a Comissão Europeia buscava promover uma cooperação entre
os arquivos dos governos europeus, um dos resultados disso foi a realização de um fórum
denominado DLM, “Données Lisibles par Machine” ou "machine-readable data”, para a
criação de um modelo de requisitos para a gestão de documentos eletrônicos.
69
Desta forma, isso se trata de uma ruptura de paradigma, pois os modelos vigentes
sempre referenciaram um repositório central por trás dos sistemas que produziam os
71
documentos. Lappin (2012) afirma que o MoReq2010 tem um grande potencial de ser um
modelo mais influente do que o DoD 5015.2-STD.
O Brasil conta com duas normas que propõem requisitos para sistemas de gestão de
documentos, o Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão Arquivística
de Documentos (e-ARQ Brasil) e o Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de
Gestão de Processos e Documentos do Poder Judiciário brasileiro (MoReq-Jus).
O e-ARQ Brasil é uma norma produzida pela Câmara Técnica de Documentos
Eletrônicos, do Conselho Nacional de Arquivos, sua primeira versão foi publicada em 2006
e atualmente encontra-se em sua segunda versão, ainda não publicada oficialmente, mas
disponível para consulta pública em 2021. É um padrão que pode ser utilizado por qualquer
entidade independente de sua esfera, seja ela pública ou privada.
O MoReq-Jus foi elaborado por um grupo de trabalho interdisciplinar com o objetivo
de estabelecer requisitos mínimos para os sistemas informatizados do Poder Judiciário, foi
publicado em 2009 pelo Conselho Nacional de Justiça. Por ser uma norma que compila outras
normas, como o próprio e-ARQ Brasil, não iremos explicar seus componentes, nossa
73
preocupação será demonstrar o e-ARQ Brasil que assume um lugar de destaque como o
padrão brasileiro mais importante para os sistemas de gestão de documentos.
Em uma citação mais adequada o e-ARQ Brasil trata-se de
região (TRF2) (CONARQ, 2020). Destes SIGADs, o que é utilizado pelo TRF2, conhecido
como Sistema Integrado de Gestão Documental (SIGA-DOC), foi adotada pelo governo do
Estado de São Paulo tendo como órgão gestor o Arquivo Público do Estado de São Paulo
(APESP).
Isso tem ocasionado um cenário disruptivo12 com a adoção de ferramentas que não
contemplam os requisitos do e-ARQ Brasil, por parte de muitas instituições e que
futuramente poderá ocasionar problemas na gestão dos documentos digitais e
consequentemente em sua preservação.
Abordado os principais padrões de gestão de documentos digitais e a forma como
estes se estruturam em cada contexto, é identificada a preocupação em possuir um ambiente
digital que seja seguro para os documentos digitais. Posteriormente a esse momento, o que
se deve fazer quando os prazos para se manter tais documentos indicam a eliminação ou a
preservação? Se há um ambiente regulamentado com requisitos adequados de algumas dessas
normas a eliminação adequada ocorrerá, mas a preservação permanente deve ser competência
de outro ambiente, o qual será apresentado em seguida.
12
A disrupção tecnológica ocorre “[...] quando uma tecnologia altera as regras do jogo de um mercado, a vida
das pessoas ou uma sociedade inteira”. Disponível em https://www.iberdrola.com/inovacao/disrupcao-
tecnologica. Acesso em 27 set. 2021.
76
13
Entende-se por preservação digital sistêmica, a preservação de documentos digitais feita em Repositórios
Arquivísticos Digitais Confiáveis.
77
• Gestão de dados: “[...] fornece os serviços e funções para preencher, manter e acessar
as informações descritivas que identificam e documentam acervos de Arquivos e
dados administrativos usados para gerenciar o Arquivo” (CCSDS, 2012, p. 4-2,
tradução nossa);
• Administração: “[...] fornece os serviços e funções para a operação geral do
Arquivo” (CCSDS, 2012, p. 4-2, tradução nossa);
• Planejamento da preservação: “[...] serviços e funções para monitorar o ambiente
OAIS, fornecendo recomendações e planos de preservação para garantir que as
informações armazenadas [...] permaneçam acessíveis para, e compreensíveis pela,
comunidade designada a longo prazo, mesmo que o ambiente de computação original
se torne obsoleto” (CCSDS, 2012, p. 4-2, tradução nossa);
• Acesso: “[...] fornece os serviços e funções que apoiam os Consumidores na
determinação da existência, descrição, localização e disponibilidade de informações
armazenadas no OAIS e permitindo que [...] solicitem e recebam produtos de
informação” (CCSDS, 2012, p. 4-3, tradução nossa)
O modelo OAIS tem sido adotado como a base de uma preservação digital sistêmica,
apesar de tal relevância este não se consolida como uma solução tecnológica, trata-se apenas
dos elementos necessários para se pensar e pôr em prática a preservação de documentos
digitais, sendo referência para muitas instituições arquivísticas que desenvolvem seu
80
programa de preservação digital. Apesar disso, ele por si só não é a solução de todos os
problemas. Vejamos no próximo item a ideia do que seja uma Repositório Digital Confiável.
Em 2003, o RLG e o NARA se reuniram para criar uma força tarefa de certificação
de repositórios confiáveis, o que originou o Trustworthy Repositories Audit and Certification
Checklist (TRAC), em 2007. O trabalho é oriundo da motivação em auditar e certificar
repositórios que estivessem em conformidade com o modelo OAIS e que transmitisse
confiança.
As métricas desenvolvidas na TRAC são divididas em três grupos (CRL/OCLC,
2007):
• A) Infraestrutura organizacional: A1) Governança e viabilidade organizacional,
A2) Estrutura organizacional e pessoal, A3) Responsabilidade processual e estrutura
política, A4) Sustentabilidade financeira, A5) Contratos, licenças e
responsabilidades;
• B) Gestão de objetos digitais: B1) Fase inicial da ingestão que aborda a aquisição
inicial, B2) A fase final da ingestão que coloca o conteúdo digital adquirido nos
formulários, chamados de AIP’s usado pelos repositórios para a preservação a longo
prazo, B3) Estratégias de preservação atuais, sólidas e documentadas, juntamente
com mecanismos para mantê-las atualizadas em face das mudanças do ambiente
técnico, B4) Condições mínimas para a preservação a longo prazo de AIP’s, B5)
Metadados de nível mínimo para permitir que objetos digitais sejam localizados e
gerenciados dentro do sistema, B6) A capacidade do repositório de reproduzir e
disseminar versões precisas e autênticas dos objetos digitais;
• C) Tecnologias, infraestrutura técnica e segurança: C1) Requisitos gerais de
infraestrutura do sistema, C2) Tecnologias adequadas com base nos requisitos de
infraestrutura do sistema, com critérios adicionais especificando as tecnologias de uso
83
O PREMIS é mantido pela Library of Congress (LoC) e suas atualizações são feitas
por um comitê. A LoC possui uma ferramenta para implementação do PREMIS, a PREMIS
in METS (PIM) Toolbox, que automatiza a criação de metadados de preservação.
O padrão tem sido utilizado por muitos países, no intuito de não apenas especificar
os elementos necessários apenas para a preservação, mas também completar os padrões de
metadados específicos para serem implantados nos seus respectivos sistemas de gestão de
documentos em ambiente digital.
As demais normas estipuladas nas diretrizes de um RDC-Arq não serão apresentadas
aqui porque são de suporte para a descrição e o acesso, não que estas não possam estar no
fluxo de trabalho da preservação digital, mas para a delimitação desta seção o nosso objetivo
é demonstrar as iniciativas apenas de gestão e preservação dos documentos digitais.
É de valia ainda mencionar dois modelos que se diferenciam das iniciativas que
apresentamos e foram desenvolvidos pelo projeto InterPARES, pensando exclusivamente
nos documentos de arquivo em ambiente digital mantidos de forma segura e confiável ao
longo do tempo.
86
14
Modelo desenvolvido com base na teoria do ciclo de vida dos documentos, que trata de distintas fases da
existência do documento, desde a produção até a destinação. Disponível em:
https://dictionary.archivists.org/entry/life-cycle.html. Acesso em 28 set. 2021.
87
Para Duranti e Preston (2008) o modelo COP indica uma preservação a longo prazo
duradoura, onde todas as atividades em torno dos registros ao longo de sua existência estão
em uma cadeia. Se algo compromete esta cadeia, ela não poderá executar seu trabalho, o que
indicaria a perda da confiança e consequentemente colocaria os registros em perigo.
Sobre a implementação do modelo COP, Duranti em mensagem eletrônica enviada
em 4 de outubro de 2020 indica duas instituições que têm trabalhado com o modelo: o NARA
e o City of Vancouver Archives. Este último foi a gênese do desenvolvimento do sistema de
preservação digital Archivematica, que contempla o modelo COP.
15
Nas diretrizes do produtor, traduzida pela equipe brasileira do projeto InterPARES 3, o BDR ficou
conhecido como Modelo de Manutenção de Documentos Orientada pelas Atividades do Produtor. Disponível
em: http://www.siga.arquivonacional.gov.br/images/publicacoes/diretrizes_produtor_digital.pdf. Acesso em
28 set. 2021
16
O records continuum, desenvolvido na Austrália, é um modelo de prática de manutenção de documentos
(recordkeeping) que conceitua as interações dos documentos em dimensões e eixos inter-relacionados, sem
distinguir onde termina a produção e a gestão de ativos de documentos e onde começa a gestão arquivística
destes documentos. As dimensões rastreiam os documentos na produção, captura, organização e pluralização
(tornando os documentos disponíveis como prova). Os eixos representam diferentes facetas da
responsabilidade: a identidade da entidade envolvida em uma transação documentada pelos documentos, o
que esta entidade fez, do que os documentos fornecem prova e como eles são encontrados e recuperados para
uso posterior. Disponível em: https://dictionary.archivists.org/entry/records-continuum.html. Acesso em: 28
set. 2021.
88
Este modelo tem como ideia estar dentro das organizações abordando o seu próprio
negócio em diferentes contextos (jurídico, econômico e cultural) e consequentemente seus
registros (DURANTI; PRESTON, 2008).
Seus objetivos concentram-se em:
Diferente da COP que possui uma perspectiva do preservador, o modelo BDR possui
a perspectiva do produtor. Conforme Duranti e Preston (2008), na COP o arquivista olha para
o "negócio" de uma organização que produz os registros e identifica aqueles de interesse
histórico e social que são necessários para a preservação. Assim, o arquivista é considerado
uma terceira parte confiável (trusted third party) com responsabilidade na preservação a
longo prazo de documentos confiáveis, as outras duas partes seriam o produtor (records
creator) e o usuário (user of records external) que também são interessados em manter a
integridade dos registros.
Já no modelo BDR, Duranti e Preston (2008) explicam que se trata de uma
perspectiva do “negócio”, onde a base da narrativa é o próprio produtor, ou da organização
produtora dos documentos. Nesta perspectiva os documentos são produzidos por atividades
e processos de negócios para apoiar os objetivos da organização e são de interesse, também,
por partes interessadas (stakeholders) que possuem seu próprio objetivo. Estes interessados
seriam clientes, parceiros e a sociedade em geral, e o papel do arquivista estaria englobado
neste grupo.
O modelo BDR pode, ser assim, sistematizado da seguinte forma (DURANTI.
PRESTON, 2008, p. 249, tradução nossa):
89
No modelo BDR, apresentado por Duranti e Preston (2008), são enunciadas duas
modelagens: uma que englobaria as três primeiras perspectivas, tendo em vista que estas
podem acontecer em qualquer situação do negócio; e uma outra direcionada apenas para a
última camada.
Nas três primeiras etapas, entendidas como o núcleo, estariam os eixos transacional,
identidade e evidência, na última etapa seria o eixo referente à sociedade (pluaralizar). O
modelo enfatiza que estes estariam interligados e representariam a visão multidimensional
do records continuum.
A respeito da aplicabilidade do modelo BDR, Duranti em mensagem eletrônica
recebida em 14 de março de 2021 nos explica: “O Australian National Archives parece ter a
intenção de usá-lo, uma vez que não aceita mais registros para a preservação das agências,
que agora devem preservar seus próprios registros seguindo recomendações arquivísticas”.
Questionada se isso seria parte da teoria do records continuum Duranti afirma que não, o
Australian National Archives na verdade está desistindo do esforço da preservação de
documentos, mesmo isso sendo responsabilidade de um arquivo nacional.
Desta forma, a seção enunciou dois importantes ambientes, considerando o modelo
OAIS, conhecidos como de gestão e preservação, os quais estão aqui direcionados para o
90
O contexto jurídico sempre esteve presente no fazer arquivístico, fruto disso é que
padrões de gestão de documentos digitais, como o e-ARQ, levam em consideração a
legislação do país. A próxima seção irá apontar de forma holística os requisitos arquivísticos
que contribuem para a segurança jurídica sustentada em documentos de arquivo digital. Para
isso serão enunciadas as três camadas externas que contribuem para a consolidação destes
requisitos.
94
Esta explicação se faz necessária porque até o momento desta pesquisa nos referimos
a complexidade e especificidade do documento de arquivo digital e o seu uso enquanto fonte
98
de prova. O que nos leva a refletir o papel desta nova disciplina para reforçar a avaliação da
autenticidade de objetos digitais, os quais podem ser considerados para a Diplomática como
documento de arquivo e para a Ciência Forense Digital como prova digital.
Diante disso, apresentemos alguns requisitos para a confiabilidade do documento de
arquivo, que garantem a segurança do ambiente digital onde tais registros são produzidos e
mantidos. Estes são:
6.3.1 Requisitos arquivísticos que garantem a segurança jurídica no que se refere a gestão
de documentos digitais
explicadas as mudanças e novidades que o e-ARQ-Brasil 2.0 traz na nova versão17. Para este
item é pertinente apontar que sua fala explicitou o core do SIGAD, ou núcleo, apresentando
os elementos que não podem deixar de ser contemplados no sistema, estes são:
1. Organização dos documentos arquivísticos
2. Captura
3. Avaliação: temporalidade e destinação
4. Segurança
5. Preservação
A organização dos documentos arquivísticos deve ser feita tendo como suporte o
plano de classificação, instrumento da gestão de documentos, que demonstra a relação
orgânica entre os demais documentos que compõem o conjunto documental. Assim como no
ambiente analógico, essa regra deve ser respeitada no ambiente digital.
A captura de documentos trata da regra que retira o documento produzido em um
sistema de negócio para ser mantido em um SIGAD e assim contempla a gestão de
documentos, ou seja, a manutenção pelo período necessário em que cumpre seus prazos de
guarda, para fins de prova e/ou até que este seja enviado para a preservação permanente em
outro ambiente apropriado. Essa regra também segue outras formas de proteção do
documento de arquivo, que podem ser o SIGAD que vai ao sistema de negócios fazer a gestão
de documentos ou o sistema de negócios que contempla os requisitos do SIGAD.
O elemento da avaliação, relacionada à pré-existência de uma tabela de
temporalidade, como mencionada anteriormente, deve estar na regra do SIGAD, conforme
as maneiras de se contemplar o sistema macro que realiza a avaliação dos documentos
capturados ou que realiza tal avaliação nos próprios sistemas de negócios. Isso permite que
não se mantenha documentos desnecessários por períodos além do previsto pela legislação.
A segurança tem recebido um destaque e importância especial, conforme o título
principal desta pesquisa. Tal requisito confere proteção aos documentos de arquivo digital,
os quais devem carregar a credibilidade que é suportada pela confiabilidade, autenticidade e
precisão. Duranti no mesmo simpósio, dando ênfase ao assunto, declarou que “A segurança
é a nova autenticidade”.
E por fim, a preservação que é requisito responsável em manter os documentos
digitais preservados pelo tempo em que precisam ser mantidos no ambiente de gestão, bem
como acessíveis, este não se trata especificamente da preservação permanente, mas da
17
Apresentação feita por Claudia Carvalho Masset Lacombe Rocha no Simpósio Internacional de Arquivos,
em São Paulo, em dezembro de 2021.
101
utilização dos Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis para dar suporte a preservação
dos documentos de caráter corrente e/ou intermediário através da integração com o SIGAD.
Outros elementos que podem ser considerados, além destes mencionados, são a
elaboração de documentos e tramitação e fluxo de trabalho. O SIGAD não necessariamente
precisa dar suporte à produção dos documentos, mas em grande tem sido muito comum a
adoção desta prática para dar suporte a gestão de documentos, mas quando este possuir essa
intenção deve levar em conta os dois elementos acima mencionados.
Além destes requisitos o novo modelo adota a possibilidade de uso do SIGAD com
os sistemas de negócios, como já demonstrado anteriormente. As seções de elaboração de
documentos e assinatura cadastrada por meio de login e senha. E uma das grandes mudanças
foi a revisão de seus metadados, em especial no que se refere aos metadados de gestão.
Desta forma, o e-ARQ-Brasil 2.0 se consolida como uma garantia de produção ou
manutenção de documentos de arquivo em ambiente digital. Logo é entendido como um
requisito indispensável para a segurança jurídica, por se tratar do ambiente que gerencia os
documentos de arquivo digital, de forma segura, quando consolidado em um SIGAD, desde
sua gênese até a sua destinação final.
Assim, recomenda-se que os requisitos arquivísticos que possibilitam a garantia da
segurança jurídica na gestão de documentos digitais sejam os requisitos do e-ARQ-Brasil.
O próximo item abordará a segurança jurídica da perspectiva da preservação dos
documentos em um ambiente adequado de proteção, conforme o modelo OAIS, é entendido
como o Arquivo Digital.
• Cenário 1: “Um SIGAD pode gerenciar documentos digitais nas idades corrente e
intermediária, armazenando determinados documentos em sistemas de storage, e
encaminhando outros documentos para um RDC-Arq, de acordo com a política
arquivística adotada” (CONARQ, 2015b, p. 4);
• Cenário 2: “Um sistema informatizado de processos de negócios, no ambiente do
produtor, pode interoperar com um SIGAD, e este com um RDC-Arq e/ou um sistema
de storage” (CONARQ, 2015b, p. 5);
• Cenário 3: “Um sistema informatizado de processos de negócio no ambiente do
produtor que incorpora as funcionalidades de um SIGAD e interopera com um RDC-
Arq e/ou um sistema de storage” (CONARQ, 2015b, p. 6).
Desta maneira, temos a diferença entre um RDC-Arq voltado para apoiar a gestão de
documentos digitais e um RDC-Arq voltado para a preservação permanente digital. Este
último foi contextualizado anteriormente, através das inciativas internacionais e traduzido
em diretrizes para o âmbito brasileiro.
Um RDC-Arq é antes de tudo um RDC, no entanto esta peculiaridade foi adotada no
Brasil para adjetivar os repositórios que possuem a missão de manter o material arquivístico
digital de acordo com normas e princípios da Arquivologia (GAVA; FLORES, 2020).
Assim, temos uma abordagem de RDC-Arq’s que são necessários para a preservação
digital sistêmica no ambiente de gestão arquivística e ainda um Arquivo Permanente Digital
capaz de capaz de confinar documentos de arquivo digital complexos e específicos, conforme
Gava e Flores (2020).
As Diretrizes para a Implementação de Repositórios Arquivísticos Digitais
Confiáveis, conhecida também por meio das resoluções nº 39 e 43 do Conarq, tratam da
regulamentação e das orientações para a consolidação de um ambiente de preservação digital
ou Arquivo, conforme modelo OAIS, o Arquivo Permanente Digital ou simplesmente um
Repositório Arquivístico Digital Confiável (RDC-Arq), como já apresentado.
A presente resolução trata da indicação de um modelo básico de requisitos a serem
levados em consideração na consolidação do RDC-Arq, aponta o modelo OAIS como de
grande relevância para a estrutura de um repositório.
No modelo OAIS, como já é sabido, descreve o modelo funcional e o modelo de
informação, ou seja, das funções de um repositório digital e dos metadados para a
preservação e o acesso dos documentos digitais. A Trustworthy Repository Audit &
103
Certification: criteria and checklist (TRAC) também é referenciada como um requisito para
a consolidação de um RDC-Arq.
Sobre as considerações de um RDC-Arq, as diretrizes mencionam elementos que
devem ser levados em consideração, tais como a responsabilidade, o tratamento arquivístico,
a consideração dos princípios de preservação digital, a independência de repositórios e a
interoperabilidade.
E por fim, os requisitos essenciais que se estruturam na infraestrutura organizacional,
subdividida em governança e viabilidade organizacional, estrutura organizacional e de
pessoal, transparência de procedimentos e arcabouço político, e sustentabilidade financeira e
contratos, licenças e passivos.
O gerenciamento do documento digital é pautado nos pacotes de informações (SIP,
AIP e DIP). A TRAC reforça ainda requisitos que envolvem o gerenciamento do documento
no repositório, categorizado em seis grupos: admissão: captura de documentos; admissão:
criação de pacote de arquivamento; planejamento de preservação; armazenamento e
preservação/manutenção de AIP, gerenciamento de informação e gerenciamento de acesso.
O último requisito é direcionado para a tecnologia, infraestrutura técnica e segurança
descreve as melhores práticas para a gestão de dados e segurança que devem estar no
repositório digital. A infraestrutura de sistema deve apoiar a preservação dos AIP’s. Esses
aspectos são listados pelas diretrizes do RDC-Arq, as tecnologias do repositório, tais como o
software e hardware, devem ser apropriadas para apoiar o serviço de preservação e a
segurança não deve se limitar apenas aos aspectos tecnológicos, mas toda a estrutura física e
de pessoas envolvidas.
Desta maneira, julgamos como necessário e importante o papel que as diretrizes de
implementação de um RDC-Arq possuem para a garantia, segurança, proteção,
confiabilidade que deve ser contemplada em um ambiente de preservação digital que mantém
documentos de arquivo digital, logo a segurança jurídica. Tendo em vista que esta contempla
os principais padrões e modelos oferecidos pela comunidade arquivística.
Por conseguinte, recomendamos como requisitos arquivísticos que podem viabilizar
a segurança jurídica por meio da preservação de documentos digitas as diretrizes de
implementação de um RDC-Arq.
É importante ressaltar que as diretrizes se comunicam com os padrões de metadados,
oferecidos pelo e-ARQ Brasil e os padrões de metadados de descrição arquivística, que são
oferecidos pelas normas de descrição, abordaremos estas últimas a seguir.
104
A ISAD (G) uma das primeiras normas de descrição arquivística, traz consigo a tarefa
de descrever todas as entidades relacionadas a fundo documental, o que ficou compreendido
como descrição multinível. Esta ideia parte da perspectiva de um todo, ou seja, do geral para
o particular através de uma hierarquia que compõem o fundo (fundo, seção, série, subsérie,
dossiê/processo, item documental). São determinados vinte e seis elementos, no entanto
apenas seis são considerados essenciais (código de referência, título, produtor, data,
dimensão da unidade de descrição e nível de descrição) e está organizada em sete áreas
(identificação, contextualização, conteúdo e estrutura, condições de acesso e uso e fontes
relacionadas).
No Brasil, a NOBRADE foi elaborada para contextualizar a realidade local, esta
possui todos os elementos da ISAD (G), no entanto com vinte e oito elementos e oito áreas.
Dos vinte e oito elementos, sete são obrigatórios (código de referência, título, produtor, data,
nível de descrição, dimensão e suporte, nome do produtor e condições de acesso) e das oito
áreas em que ela está organizada apenas a área de ponto de acesso e descrição foi
acrescentada.
A ISAAR (CPF) tem por objetivo registrar as entidades que estão relacionadas com
a produção e manutenção do fundo. Sua organização se divide em áreas (identificação,
descrição, relacionamentos e controle) e com vinte e sete elementos, dos quais apenas quatro
são essenciais (tipo de entidade, forma autorizada do nome, data de existência, identificador
do registro de autoridade).
Já a ISDIAH tem como propósito normatizar a descrição das instituições
custodiadoras de acervos. Sua estrutura está dividida em seis áreas (identificação, contato,
descrição, acesso, serviços e controle) e trinta e um elementos, mas apenas três obrigatórios
(identificador, forma autorizada do nome e endereço).
A ISDF descreve as funções das entidades relacionadas à produção e manutenção dos
arquivos. Sua divisão está organizada em quatro seções (identificação, descrição,
relacionamentos e controle) e vinte e dois elementos disponíveis, onde apenas três são
obrigatórios (tipo, forma autorizada do nome e identificador da descrição da função).
E por fim, vale ressaltar o Records in Contexts (RiC), que é um padrão de descrição
arquivística desenvolvido pelo Conselho Internacional de Arquivos com o intuito de permitir
a descrição em múltiplas camadas de contexto e que contempla as normas de descrição
arquivística. Este ainda se encontra em uma versão rascunho e em estudo de sua possível
implantação.
106
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, é importante salientar que a continuidade de estudos voltados para a auditoria
e certificação das plataformas de gestão, preservação e acesso/difusão de documentos digitais
possibilitariam novo elementos e estudos que garantiriam a segurança jurídica para as
relações do cidadão com o Estado, favorável para a consolidação da credibilidade do
documento de arquivo em ambiente digital e a sua relação com a sociedade.
111
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