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CAPÍTULO XX - Alimentos

20.1. Natureza, Características e Fundamentos


Alimentos, em direito de família, tem significado de valor, bens ou
serviços destinados às necessidades existenciais da pessoa, em virtude de
relações de parentesco, quando ela não pode prover, com seu trabalho ou
rendimento, a própria mantença. Eles podem ser em dinheiro, também
denominados pensão alimentícia, ou naturais, como a entrega de imóvel para
moradia e de coisa para consumo humano.
O descumprimento dos deveres jurídicos de assistência, sustento ou
amparo faz nascer a pretensão e a correlativa obrigação de alimentos, de
caráter pessoal.
Essa obrigação já foi vista como imposição do dever de caridade e
piedade, contendo-se nos campos da moral e religioso. Hoje, em conformidade
com a CF, a obrigação de alimentos funda-se no princípio da solidariedade
A doutrina tradicional se refere aos alimentos naturais - exigidos para a
manutenção da vida - e civis - fixados considerando a qualidade e situação
pessoal do alimentado. Mas entende-se que tal distinção não tem mais razão
de ser, pois o CC atual refere-se aos alimentos em conjunto.
Os alimentos têm por finalidade preservar o que o CC denomina 'viver
de modo compatível com sua condição social' além de atender as
necessidades de sua educação.
A pretensão dos alimentos é de natureza personalíssima. A lei admite,
todavia, que débito alimentar seja objeto de sucessão, assumindo os herdeiros
do devedor os encargos de pagá-lo, no limite da herança e proporcionalmente
às quotas de cada um. São eles também, dada sua natureza de materialização
das condições de vida do credor, indisponíveis, irrenunciáveis,
incompensáveis, irrepetíveis e impenhoráveis.
A renúncia aos alimentos carrega história de intensa controvérsia na
doutrina e na jurisprudência. Ocorre que com o art. 1.707 do CC, estabeleceu-
se que 'pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito à
alimentos'. Consequentemente, pode-se exigir quando necessidade. Essa
norma atinge todos os credores alimentícios.
A tutela da inviolabilidade dos alimentos dirige-se até mesmo contra o
alimentando, que está impedido de efetuar compensação das dívidas e
obrigações com o alimentante.
Os alimentos são irrepetíveis, pois o alimentante não os pode repetir e o
alimentado não está obrigado a devolver se indevidamente recebidos. Mas
podem ser repetidos os alimentos por quem não os estava obrigado a pagar,
desde que comprove que o parente que legalmente os devia pagou, inclusive
os atrasados.
A impenhorabilidade decorre da natureza dos alimentos, cuja finalidade
estaria seriamente comprometida se pudesse ser objeto de penhora.
A pretensão aos alimentos nunca prescreve. Prescreve, entretanto, em
dois anos, a pretensão para haver as prestações alimentares, a partir da data
em que se vencerem.

20.2. Requisitos de Necessidade, Possibilidade e Razoabilidade


A pretensão aos alimentos assenta-se tradicionalmente no binômio
necessidade/possibilidade. Ou seja, exige-se a comprovação da necessidade
de quem o reclama e, em contrapartida, depende esta da possibilidade do
outro de provê-los.
A necessidade é pautada na comprovação da queda desarrazoada das
condições de vida do titular do direito ou da sua real dificuldade de obter
rendimentos necessários, e ela independe de prova quando se tratar de filhos
ou outros parentes menores; neste caso é legalmente presumida.
A doutrina e a jurisprudência acrescentam um terceiro requisito: a
razoabilidade, que alguns denominam de proporcionalidade, que se funda em
um balanceamento equilibrado entre os dois requisitos tradicionais.

20.3. Obrigação solidária ou subsidiária?


O sentido amplo de solidariedade decorrente do princípio não se
confunde com o sentido estrito de obrigação solidária quando há pluralidade de
credores ou devedores, respectivamente com direito de receber a totalidade da
dívida ou o dever de pagá-la integralmente. Assim, não constituem obrigação
solidária, porque não pode escolher o credor de alimentos livremente alguém
para pagá-los integralmente. Só há uma regra que excepciona a regra da não
solidariedade passiva, quando se tratar de idoso.
De um grau de parentesco para o subsequente, por exemplo, os mais
distantes só complementam o valor devido pelos primeiros, se estes tiverem
rendimentos insuficientes. Trata-se de obrigação subsidiária.

20.4. Titulares de Alimentos ou Alimentandos


Titulares ou credores de alimentos, também denominados alimentandos,
são pessoas físicas nos âmbitos das relações de parentesco biológico ou
socioafetivo, de casamento, de união estável e os idosos.
Existem dois tipos de alimentos dos pais em relação aos filhos:
a. oriundos da autoridade parental, que perdura até os 18 anos
b. oriundo da parentalidade, configurando vínculo vitalício.
No caso dos cônjuges, o dever de assistência tem sido mitigado em face
da tendência pelo princípio da autorresponsabilidade dos cônjuges - que
incumbe que depois do divórcio cada cônjuge deve procurar por si mesmo o
seu sustento, podendo exigir alimentos do outro apenas na possibilidade de
não esperar que desenvolva atividade econômica.
A jurisprudência tem adotado o critério temporal para fixação de
alimentos dos ex-cônjuges e ex-companheiros. Em média, têm-se
estabelecido o prazo de 2 anos na fixação, do que se denominou 'alimentos
transitórios'.
O idoso também funda sua legitimidade na relação de parentesco. O art.
12 do Estatuto estabeleceu para o idoso, quando for credor de alimentos nessa
condição, o favor da solidariedade passiva em relação aos familiares
prestadores, podendo optar por qualquer um deles.
O direito de alimentos não tutela os que voluntariamente optam pela
ociosidade. Também deve ser levado em conta, máxime na separação de
casais, se resistentes tradições patriarcais do marido ou do companheiro
impediram ou inibiram a inserção da mulher no mercado de trabalho, ou a
circunstância da decisão compartilhada do casal de que a criação dos filhos
deveria ser prioritária.
A obrigação de alimentar pode surgir também antes do nascimento.
Esses alimentos são de natureza distinta, para o fim de pôr a salvo o direito à
vida do nascituro. Essa orientação se consolidou na Lei que instituiu os
alimentos gravídicos - compreendem os valores suficientes para cobrir as
despesas adicionais do período da gravidez e que sejam delas decorrentes, da
concepção ao parto. Esses alimentos não têm como titular o nascituro, mas a
mulher grávida, em face do pai.

20.5. Devedores de Alimentos ou Alimentantes


São devedores potenciais de alimentos, reciprocamente, os
ascendentes, os descendentes e os irmãos. Esta é a ordem de classe de
parentesco, que deve ser observada. Entre parentes do mesmo grau, por não
haver obrigação solidária entre eles, como vimos anteriormente, a divisão se dá
pro rata, ou seja, proporcionalmente as condições econômicas de cada um.
Da mesma forma que acontece com o alimentando, não basta a relação
de parentesco para que se constitua o dever de alimentos. O parente converte-
se em devedor, observada as ordens de classe e de grau, se for preenchido o
requisito da possibilidade. Pode ser, então, que o primeiro na ordem não
constitua-se devedor, passando para o seguinte. Como em se tratando de
alimentos nenhuma situação é definitiva, se o primeiro responsável melhorar
suas condições de vida, de modo a suportar integralmente o encargo, os
demais serão desobrigados.
Pelo grau da reciprocidade, considerando que pais e avós se obrigam a
prestar alimentos, os filhos e netos também assumem a obrigação em
obrigação em benefício daqueles, quando suas necessidades o exigirem,
observada as ordens de grau de parentesco.
Por fim, inexistindo ascendentes e descendentes, assumem os irmãos o
dever de alimentos. Os irmãos podem assumir os alimentos em caráter
complementar, na hipótese de os descendentes não podê-los realizar
integralmente.
Para o direito brasileiro não há único tipo de parentesco colateral. Este é
limitado de acordo com os fins de cada norma. Assim, o parentesco para fins
de alimentos é limitado ao segundo grau.
No caso da multiparentalidade instaurada pela tese 622, reconhecendo
a coexistência de pais socioafetivo e biológico, ambos serão devedores de
alimentos, repartindo-se o quantum devido de acordo com as possibilidades
econômicas de cada um.

20.6. O fator Culpa na Atribuição de alimentos


O CC introduziu espécie de alimentos de segundo nível, fundado na
ocorrência de culpa do alimentando. Se não tiver agido com culpa terá direito a
integralidade dos alimentos, mas se for culpado terá direito apenas aos
alimentos 'indispensáveis à subsistência'.
Todavia, ainda por questões morais, não pode exigir-se esses alimentos,
ainda que reduzidos, quem propositadamente optou pela ociosidade.

20.7. Fixação dos Alimentos


A diversidade de situações impede que o legislador estabeleça critérios,
padrões ou percentuais rígidos de alimentos. As necessidades de cada um são
distintas, em função da idade, da saúde, dos propósitos do alimentando.
Eles podem constituir obrigação de dar ou de fazer. A modalidade mais
comum é a fixação de percentual sobre os rendimentos do devedor, quando
são conhecidos.
Quando o devedor de alimentos for servidor público civil ou militar, ou
dirigente de empresa, ou empregado sujeito à legislação trabalhista, o juiz
pode, a pedido do credor, determinar que seja feito o desconto correspondente
na folha de pagamento, ou equivalente.
Os alimentos podem, ainda ser fixados, total ou parcialmente, em modos
não pecuniários, desde que supra as necessidades do alimentando. Essa
faculdade é direito do alimentante, especialmente quando dispõe de bens, mas
não de renda líquida.
A lei não exige que as condições de vida social e econômica que o
cônjuge alimentando desfruta sejam mantidas. O que se exige é que os
alimentos assegurem compatibilidade com sua condição social, ainda que seu
padrão de vida anterior não seja mantido - o que determina a lei, assim, é que,
considerando os recursos do alimentante, o ex-cônjuge não seja obrigado a
baixar na chamada escala social com prejuízo das relações e grupos sociais
que integravam seu modo de vida.
A CF, no art. 7, proíbe a vinculação do salário mínimo para qualquer fim.
Porém, a jurisprudência dos tribunais entendia que essa proibição não
alcançava à fixação dos alimentos. Esse entendimento restou consagrado no
art. 533 §4 do CPC/15 mediante o qual os alimentos podem ser fixados
tomando como base o salário mínimo.
Tem sido admitida à possibilidade de que o juiz estabeleça, na sentença,
a imposição de multa (astreinte) como 'fator de inegável utilidade para a
persuasão do devedor de alimentos a cumprir'. A multa foi fixada em 15%.

20.8. Atualização e Revisão dos Alimentos


Os alimentos não são dívidas em dinheiro, imodificáveis apesar do
decurso do tempo, mas dívidas de valor, que não levam em conta a expressão
nominal da moeda, e sim o valor da coisa ou da situação que exprime; daí a
necessidade de permanente atualização.
O art. 1.710 do CC adotou critério problemático, aparentemente
equânime, de atualização segundo índice oficial regularmente estabelecido. Em
primeiro lugar, não há um único índice oficial, mas vários, a depender da base
de cálculo utilizada. Em segundo lugar, a aplicação de um índice oficial deve
ser supletiva, nas hipóteses de rendimento mensal desconhecido.
A fixação consensual ou a decisão judicial que homologa ou fixa
alimentos nunca são definitivas. Na fixação dos alimentos, inclusive os
provisórios, não há coisa julgada; a decisão de prestar alimentos é que se
reveste da coisa julgada. Prevalece, em contrapartida, o princípio da rebus sic
stantibus, que obriga ao cumprimento desde que as circunstâncias
permaneçam as mesmas - a mudança de circunstâncias definida em lei diz
respeito à alteração das condições econômicas e financeiras do alimentante ou
do alimentando.
Em todas as hipóteses, os alimentos devem ser revistos, amigavelmente
ou judicialmente, na proporção da redução da necessidade ou da
possibilidade, majorando-se ou reduzindo-se.

20.9. Extinção
O direito a alimentos e o respectivo dever são extintos pela morte do
alimentante ou alimentando, ou quando cessa a necessidade do alimentando,
principalmente pela mudança de circunstâncias econômicas favoráveis que lhe
permitam arcar com sua própria mantença. Porém a extinção nunca é
definitiva, pois, à semelhança do que ocorre com a fixação dos alimentos, a
decisão que decreta não faz coisa julgada, podendo o direito ser recriado
quando a necessidade ressurgir.
A morte de qualquer das partes da obrigação leva, em princípio, como
dito, à extinção desta por sua natureza personalíssima, mas é transmissível
aos herdeiros do alimentante, até as forças da herança. No caso de morte do
alimentando, não se transfere para seus herdeiros, pois sua finalidade deixou
de existir.
Controverte a doutrina acerca da limitação temporal do dever de
alimentos em razão da idade do filho. A orientação majoritária nos tribunais é
no sentido de admitir a extensão do limite de idade até os 24 anos, para
permitir ao filho sua formação educacional. Esse entendimento ficou
consolidado na súmula 358 do STJ.
Na hipótese do filho maior, o direito a alimentos apenas se extingue com
sua morte ou do pai ou da mãe alimentante, pois não se origina no poder
familiar, mas na relação de parentesco a que se vincula permanentemente,
para cujo exercício, a qualquer tempo, deve ser comprovada a necessidade.
Com fundamento moral, o CC determina a extinção da obrigação
alimentar, quando o alimentando contrair novo matrimônio, ou união estável, ou
tiver procedimento indigno em relação ao alimentante - que por sua natureza
de restrição de direitos, o conceito de procedimento indigo deve buscar seu
conteúdo no sistema jurídico.

20.10. Prisão Civil do Devedor


A CF estabelece que não haverá prisão civil por dívida, salvo a do
responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação
alimentícia e a do depositário infiel. Por sua natureza, objetiva reforçar a
imposição do cumprimento da obrigação.
É importante frisar que não poderá haver cominação da prisão civil se o
inadimplemento for involuntário ou se houver causa escusável, ou, como se
vêm discutindo, na hipótese de incapacidade econômica do devedor de
alimentos
Esse instituto deve ser aplicado pelo juiz com prudência, não só por ser
remanescente de odiosa tradição, mas para que não se transforme em
instrumento de vingança privada ou mesmo de agravamento das condições de
rendimentos do devedor, em prejuízo do próprio credor.
Estabelece o CPC que débito alimentar que autoriza a prisão civil é o
que compreende até as 3 prestações anteriores ao ajuizamento da execução.
Os alimentos vencidos a mais de 3 meses perdem a natureza alimentar, no
sentido estrito, não justificando por isso o decreto de prisão.

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