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Ao longo do capítulo foram utilizadas as obras de Lôbo (2021); Monteiro

e Tavares (2020); Pereira (2020); Rizzardo (2021); Rodrigues (2018); e Venosa


(2019)
1 Características da prestação

Trata-se de uma obrigação de característica patrimonial que nasce das


relações entre familiares, e nesse sentido, as principais diferenças entre as
obrigações e as relações de família provêm essencialmente do fato de estas se
integrarem em uma instituição social (família), cujos fins exercem uma vincada
influência no seu regime jurídico.
Entre pais e filhos menores, cônjuges e companheiros não existe
propriamente obrigação alimentar, mas dever familiar, respectivamente de sustento
e de mútua assistência (CC, arts. 1.566, III e IV, e 1.724). A obrigação alimentar
também decorre da lei, mas é fundada no parentesco (art. 1.694), ficando
circunscrita aos ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo grau, com
reciprocidade, tendo por fundamento o princípio da solidariedade familiar
(MONTEIRO; TAVARES, 2020, p. 283).
Nesse mesmo sentido, não se deve, realmente, confundir a obrigação de
prestar alimentos com certos deveres familiares, de sustento, assistência e socorro,
como os que tem o marido em relação à mulher e os pais para com os filhos,
enquanto menores, deveres que devem ser cumpridos incondicionalmente. A
obrigação de prestar alimentos “stricto sensu” tem pressupostos que a diferenciam
de tais deveres. Ao contrário desses deveres familiares, é recíproca, depende das
possibilidades do devedor e somente se torna exigível se o credor potencial estiver
necessitado.
O nosso ordenamento jurídico se baseia em princípio de direito natural e seu
aspecto principal é o de ser um direito personalíssimo, isto é, ele não pode ser
transferido a outra pessoa.
É importante ressaltar que deste aspecto resultam os demais, sendo eles:

Direito Personalíssimo
Trata-se de um direito pessoal, uma vez que apenas as pessoas que mantém uma relação
de parentesco, casamento (ou união estável) com o alimentante pode pleiteá-los (isto
significa dizer que a obrigação de alimentar possui caráter intuitu personae).
Irrenunciabillidade
A obrigação é considerada irrenunciável, uma vez que não existe possibilidade de cessão
ou renúncia ao direito de alimentos. Contudo, existe entendimentos jurisprudenciais
permitindo tal renúncia em casos em que existe um acordo judicial entre cônjuges, senão:
Civil. Família. Separação consensual. Conversão. Divórcio. Alimentos. Dispensa mútua.
Postulação posterior. Ex-cônjuge. Impossibilidade. 1 - Se há dispensa mútua entre os
cônjuges quanto à prestação alimentícia e na conversão da separação consensual em
divórcio não se faz nenhuma ressalva quanto a essa parcela, não pode um dos ex-
cônjuges, posteriormente, postular alimentos, dado que já definitivamente dissolvido
qualquer vínculo existente entre eles. Precedentes iterativos desta Corte. 2 - Recurso
especial não conhecido.
Irreptibilidade
Essa característica se baseia na proibição de que os alimentos sejam repetidos, ou seja,
restituídos, caso se constate posteriormente que eles não eram devidos. Os casos mais
comuns em que se busca a restituição é nas ações exoneratórias ou revisionais de
alimentos. Por esta razão, e pelo princípio que veda o enriquecimento ilícito, a doutrina
vem repensando esta característica, pois o credor dela se vale para protelar cada vez mais
o processo judicial e, por conseguinte, prolongar o tempo em que o alimentando faz jus às
prestações alimentícias, postergando uma sentença de mérito. A ilicitude do
enriquecimento, repudiada pelo Direito, advém do recebimento da prestação alimentícia,
quando inexiste necessidade desta, isto é, quando o credor tem condições de arcar com o
próprio sustento.
Alternatividade
Este aspecto se caracteriza, principalmente, pelo que preconiza o artigo 1.701 do Código
Civil. Nesse sentido, os alimentos são, geralmente, fornecidos em dinheiro, mas de forma
alternativa eles podem ser garantidos através do fornecimento de hospedagem e sustento.
Destarte, tem-se que é possível que as partes acordem a respeito da forma de pagamento
da prestação de alimentos.
Reciprocidade
De acordo com o artigo 1.696 do Código Civil o direito à prestação de alimentos é recíproco
entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais
próximos em grau, uns em falta de outros. Assim é compreensível dizer que existe
reciprocidade nos alimentos, uma vez que todos aqueles que possuem, de certa forma, o
direito de recebe-los, da mesma forma podem ir a juízo exigi-los para si. Todavia a
reciprocidade não significa que duas pessoas devam entre si alimentos ao mesmo tempo,
mas apenas que o devedor alimentar de hoje pode tornar-se credor alimentar no futuro.
Intransmissibilidade
A transmissão de alimentos é impossível. Dessa forma, com a morte a obrigação se
extingue sem quaisquer direitos sucessores, isso de acordo com o artigo 1707 do Código
Civil. Noutra senda, o artigo 1.700 do mesmo código permite a transmissão de tal
obrigação aos herdeiros do devedor nos termos do artigo 1.694.
Impenhorabilidade
Tendo em vista que a prestação de alimentos visa manter a subsistência do credor que não
possui condições de prover suas próprias necessidades, o crédito alimentar é, em suma,
impenhorável. Dito isso, deve-se enfatizar que tal impenhorabilidade não se estende aos
frutos.
Imprescritibilidade
Seguindo com as classificações, tem-se que o direito aos alimentos é imprescritível, o que
garante ao credor, estando confirmadas as condições, a possibilidade de pleitear os
alimentos a qualquer tempo. Contudo, caso haja obrigação pré-estabelecida, estas serão
alcançadas pela prescrição.
Incompensabilidade
Pode-se dizer, ainda, que a obrigação alimentar não possibilita a utilização do instituto da
compensação como uma forma de extinguir os valores devidos em dívida alimentícia.
Irretroatividade
Aqui é possível afirmar que o pagamento de alimentos não retroage, ou seja, é impossível
obrigar o alimentante ao pagamento de alimentos relativos ao período anterior ao
ajuizamento da ação.
Atualidade
Tendo em vista que a obrigação alimentícia possui aspecto sucessivo, a prestação de
alimentos está submetida a um critério de atualização, mantendo assim o seu caráter atual
com base em uma correção de valores.
Periodicidade
Esse aspecto garante que os alimentos sejam prestados mensalmente, assim é vedado o
pagamento dos alimentos, por exemplo, semestralmente ou anualmente. Uma alternativa
que se mostra impossível é a antecipação de uma parcela.
Ausência de solidariedade
Por fim, a obrigação de prestar alimentos não é solidaria entre parente. Nesse sentido, é
factível enfatizar que se trata de um dever subsidiário, isso ocorre porque tal prestação é
sempre condicionada às possibilidades do alimentante (variando assim de pessoa para
pessoa). Dito isso, é importante ressaltar que a prestação pode ser dividida, uma vez que o
objeto da obrigação permite a repartição.
Quadro:
Fonte: Venosa (2019, p. 331)
Ante ao exposto, para que se possa ter o direito de alimentos, ou seja, ter a
concessão deste direito, devem estar presentes alguns requisitos. São eles:
existência de um vínculo de parentesco, entre as partes, os quais estão obrigados
conforme dispõe a lei somente os ascendeste, descendestes, irmãos (bilaterais ou
unilaterais); a necessidade: deve ser demonstrado o seu estado de necessidade
para garantir sua subsistência; e a possibilidade: pessoa pela qual é obrigada, ter
uma situação financeira-econômica para cumprir com a obrigação, onde quem
possui somente o necessário para a sua subsistência não tem como garantir a de
outrem, tem que ter condições de mantê-los.
Em resumo, deve-se ter uma proporcionalidade, que está de forma clara pelo
artigo 1695 do Código Civil. Tudo na obrigação deve ser regido por este princípio, na
proporção da necessidade e proporção do que pode ser suprido, tem um binômio
necessidade/possibilidade.
No mais, a obrigação alimentar deve obedecer a alguns requisitos para que
então seja concedida. Tais requisitos são denominados pressupostos, e são eles:

- A existência de um vínculo de parentesco:  na forma do art. 1.694 do


Código Civil, a obrigação alimentar, é decorrente do parentesco ou da
formação de uma família. Assim, são obrigados a prestar os alimentos, os
ascendentes, descendentes e irmãos germanos (bilaterais) ou unilaterais.
Por fim, é importante ressaltar que a lei não permite a extensão da
responsabilidade para tios, sobrinhos e primos;
- A necessidade do reclamante: segundo esse pressuposto, o credor dos
alimentos deve estar em estado de necessidade, demonstrando que caso
não receba os alimentos ele colocaria sua subsistência em risco, fulcro no
artigo 1.694, § 1º do Código Civil;
- A possibilidade econômico-financeira da pessoa obrigada:  não se pode
condenar ao pagamento de pensão alimentícia quem possui somente o
estritamente necessário à própria subsistência. Destarte, quando se trata de
um conflito de alimentos, não se pode ignorar a necessidade do autor e de
igual modo, não se deve esquecer da possibilidade financeira do requerido;
e
- A proporcionalidade: dita o §1º do artigo 1.694 do Código Civil que os
alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante
e dos recursos da pessoa obrigada. Nesse sentido, durante o trâmite do
processo, que ao final define a obrigação alimentícia, se exige do juiz uma
deliberação que se embase em ponderação e prudência. Em outras
palavras, é necessário que o magistrado se atenha aos fatos e às provas
juntadas para que não defina uma obrigação desproporcional nem para o
requerido.
2.3

Como amplamente divulgado ao longo do trabalho, a obrigação alimentar,


fundamentada no Princípio da Solidariedade, no artigo 3º, I, CF/88, destina-se ao
suprimento de necessidades existenciais da pessoa, quando esta não pode ela
mesma prover por recursos próprios.
Outrossim, decorre de uma relação parental ou familiar e hoje, no caso das
relações conjugais, independe da causa do divórcio ou se houve culpa pelo
rompimento, sendo o direito a alimentos derivado do princípio da preservação da
dignidade humana.
Considerando que o dever de prestar alimentos relaciona-se às
necessidades daquele que recebe, a extinção desta obrigação nunca será
definitiva, eis que diante de situações financeiras desfavoráveis será cabível
ressurgir o direito alimentar.
Mas existem situações onde é cabível suscitar a exoneração da obrigação
alimentar. A primeira delas é a Maioridade Civil, é importante referir que o
alimentante não se exonera do dever alimentar na data que o menor completa 18
anos. O entendimento majoritário dos Tribunais do país é de que a pensão seja
estendida ao período de formação educacional, especialmente graduação
(RODRIGUES, 2018, p. 99).
De modo que, com o alcance da maioridade, não há mais o dever de sustento
decorrente do poder familiar, mas poderá perdurar a obrigação alimentar como
resultado do parentesco.
O art. 1694 do Código Civil afirma que a maioridade civil, por si só, não
conduz à extinção do dever alimentar do genitor, em especial quando persistir a
necessidade em decorrência da impossibilidade do alimentando de prover o próprio
sustento (BRASIL, 2002, p. 100).
Salienta-se que sempre será necessário ajuizar-se a ação de exoneração, já
que esta não ocorre de forma automática.
A segunda causa de exoneração seria é a morte do alimentante. Venosa
(2019, p. 339) versa que ainda que personalíssimo o direito aos alimentos,
ressalva-se que no caso de morte do alimentante, durante o inventário, o espólio
tem a obrigação de continuar prestando alimentos ao herdeiro a quem o falecido
devia, mesmo os vencidos após o falecimento.
Pondera-se, nestes casos, a morosidade inerente ao procedimento de
inventário, sendo justo o pagamento até que seja efetivada a partilha dos bens.
A morte do alimentante é respaldada em lei no art. 1.700, in verbis: “A
obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do
art. 1.694” (BRASIL, 2002, p. 1).
Apesar do dever legal de prestar alimentos ser personalíssimo, o
artigo 1.700 do Código Civil traz uma exceção que permite que a obrigação
alimentar possa ser transmitida aos herdeiros do devedor:

O que se tem entendido doutrinária e jurisprudencialmente é que o que se


transmite é a obrigação alimentar inadimplida ao tempo da morte do
devedor de alimentos, cabendo ao espólio arcar com tais obrigações nos
limites da herança deixada (RIZZARDO, 2021, p. 419).

Contudo, entende-se que caberia ao espólio também arcar com o dever


legal de prestar alimentos desde que os bens deixados gerassem frutos e
rendimentos e até a finalização da partilha.
O terceiro motivo para exoneração seria novo matrimônio ou união estável,
presente no art. 1.708 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor,


cessa o dever de prestar alimentos.
Parágrafo único. Com relação ao credor cessa, também, o direito a
alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor (BRASIL,
2002, p. 104).

Assim sendo, quando o credor dos alimentos constitui uma nova entidade
familiar, seja pelo casamento ou por união estável, extingue-se a obrigação
alimentar do ex-marido ou ex-companheiro.
Venosa (2019, p. 389) diz que cumpre referir que relações amorosas que
não configurem constituição familiar não autorizam a exoneração dos alimentos,
até mesmo porque o dever de fidelidade recíproca extinguiu-se com a separação.
Assim, o artigo ainda se mostra deficiente sob outros aspectos, o que tem
levado o intérprete a haurir, da norma, indevida exegese.
É bem verdade que a regra agora inserta no art. 1708 introduziu, de certa
forma, significativa alteração na sistemática até então vigente, na medida em que
alargou o alcance da disposição contida no art. 29 da Lei do Divórcio já que tal
apenas previa a cessação da obrigação alimentar diante do “novo casamento do
cônjuge credor da pensão” (BRASIL, 1977, p. 1).
Nota-se que o art. 1708 abriu um leque das hipóteses determinantes da
exoneração do encargo pensional, fazendo açambarcar outras circunstâncias.
O quarto motivo é a indignidade do credor de alimentos. Comportamentos
indignos por parte do credor de alimentos podem desobrigar o alimentante, o que
deve restar demonstrado em ação exoneratória. Destarte, pode o juiz determinar
que, em vez da extinção, haja a redução do valor dos alimentos, a fim de
assegurar a subsistência do alimentando (PEREIRA, 2020, p. 83).
Explica-se que a indignidade do alimentário pode fazer com que ele perca o
direito ao recebimento de pensão alimentícia, conforme determinação do art. 1.708
do Código Civil: “Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se
tiver procedimento indigno em relação ao devedor”.
Nota-se que não há um conceito fechado para a dignidade com vistas à sua
aplicação no Direito de Família, em especial sobre a questão alimentar.
É necessário partir da premissa essencial de que a dignidade é um valor
intrínseco à pessoa humana. Há procedimento indigno quando se afronta a
dignidade da pessoa humana.
O penúltimo motivo é a indignidade em relações conjugais e parentais, nesse
diapasão:

Nas relações entre os cônjuges e companheiros, a indignidade, como causa


excludente da obrigação alimentar, não está necessariamente ligada ao
dever de fidelidade, não está atrelada simplesmente ao conteúdo de uma
moral sexual, até porque ela é variável e relativizável. Aponta-se que a
caracterização de atos de indignidade relaciona-se muito mais à ética do
que à moral. Não é ético, por exemplo, que uma pessoa receba pensão do
ex-cônjuge ou companheiro e, ao mesmo tempo, impeça,
injustificadamente, que ele conviva com os filhos comuns, ou pratique atos
de alienação parental. O genitor digno estimula os filhos a conviverem com
o pai, apesar das divergências entre eles (RIZZARDO, 2021, p. 455).
Assim sendo, indignidade é um comportamento ou uma ação que deteriora ou
destrói o outro, agindo diretamente contra a preservação de sua integridade
psicofísica e a preservação de sua dignidade, desconfigurando a sua essência, a
sua natureza enquanto pessoa humana e ente ocupante daquela determinada
função, pai ou mãe, filho ou filha, cônjuge, companheiro entre outros.
Trata-se de um comportamento não ético, pois ético é a conduta guiada
necessariamente por uma avaliação racional das questões morais.
E o último motivo é a reversão da guarda de filhos, previsto no art. 1707, in
verbis: “Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o
direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação
ou penhora” (BRASIL, 2002, p. 103).
Há situações em que a reversão da guarda, onde apenas um genitor arca
com todos os custos da criação da prole, mostra-se medida de justiça a
exoneração dos alimentos, pois estes se devidos aos filhos, devem apenas a estes
beneficiar.
De modo que é imprescindível referir que o desemprego não tem sido aceito
como causa suficiente para a exoneração dos alimentos, já que admitir-se tal
condição colocaria em risco a sobrevivência de muitas pessoas no país.
Ademais, inobstante a taxa de desempregados seja muito elevada, há um
importante número de trabalhadores informais, os quais não devem eximir-se da
obrigação alimentar (MONTEIRO; TAVARES, 2020, p. 292).
A ponderação entre as necessidades do alimentado e as possibilidades do
alimentante é fundamental para qualquer ação de alimentos, bem como nos casos
de exoneração, quando cabível.
Tal equilíbrio possibilita que a justiça seja efetivamente alcançada, ainda
mais nesta seara tão essencial para qualquer ser humano.

2.2.2 Transmissibilidade

Antes de adentrar à questão da transmissibilidade da obrigação alimentar,


passa-se à uma pequena introdução acerca do Direito Sucessório.
Nesse diapasão:
Em uma interpretação mais abrangente, representa o ato através do qual
uma pessoa se coloca no lugar de outra, substituindo-a e assumindo a
titularidade de determinados bens. Isso quer dizer que, por exemplo, em
uma compra e venda o comprador sucede ao vendedor, adquirindo todos os
direitos que a este pertenciam. Da mesma forma, ao cedente sucede o
cessionário, e o mesmo acontecendo em diversos outros modos variados de
adquirimento de domínio ou de direito. Destarte, o propósito da sucessão se
mostra pela permanência de uma relação de direito que subsiste mesmo
que haja a modificação dos respectivos titulares, ocorrendo não apenas no
direito das obrigações, mas também no direito das coisas e no direito de
família (RODRIGUES, 2018, p. 139).

Á risca interpretativa, quando se trata do direito das sucessões, o termo é


posto de forma mais estrita, pois visa designar apenas a sucessão decorrente da
morte de alguém. Trata-se, então, da matéria que disciplina a transmissão do
patrimônio e do autor da herança aos seus sucessores.
A transmissibilidade da obrigação alimentar é exposta no artigo 1.700 do
Código Civil Brasileiro, in verbis: “A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos
herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694” (BRASIL, 2002, p. 121). 
Desta forma, ocorre transmissibilidade da obrigação alimentícia para os
herdeiros do devedor. O grande conflito permeia o entendimento sobre até que
ponto ocorre essa transmissão (quais os limites dela). Ainda, de uma análise
profunda nas jurisprudências dos Tribunais brasileiros, extrai-se que os alimentos
possuem um caráter personalíssimo, e por tal, em relação à obrigação alimentar, é
impossível a ocorrência de transmissão do dever jurídico de prestá-los.
A regra da intransmissibilidade, constante no Código Civil de 1916, se
justificava pela natureza de direito personalíssimo dos alimentos. No entanto, o atual
Código reverteu a lógica anterior estabelecendo a transmissão da obrigação de
prestar alimentos.
Com isso, a partir da taxatividade do texto legal, a doutrina majoritariamente
admite a transmissão, estabelecendo, porém, algumas ressalvas. Consideram uma
exceção ao caráter personalíssimo dos alimentos. Como defende:

Ao nosso ver, tratando-se de uma obrigação personalíssima, os alimentos


não deveriam admitir transmissão, impondo-se reconhecer sua automática
extinção pelo falecimento do alimentante ou mesmo do alimentado.
Somente as prestações vencidas e não pagas é que se transmitiriam aos
herdeiros, dentro das forças do espólio, por se tratar de dívida do falecido,
transmitida juntamente com o seu patrimônio, em conformidade com a
transmissão operada por saisine (CC, art. 1.784) (RIZZARDO, 2021, p.
491).

Não se vê, portanto, com bons olhos a opção do legislador civil, desprovida
de sustentação jurídica e atentatória à natureza personalíssima da obrigação.
Adiante, no ano de 1977, a Lei 6.515/77 introduziu, no ordenamento jurídico
brasileiro, uma nova norma que dispunha sobre o assunto em questão ditando, em
seu art. 23 que a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do
devedor, na forma do artigo 1.796 do Código Civil/1916, isto é, neste momento
surgiram duas disposições contrárias, uma de cunho geral (que tratava da
intransmissibilidade da obrigação) e outra especial que tratava da transmissibilidade
(PEREIRA, 2020, p. 143).
Assim sendo, com o cenário dividido, surgiram diversas visões jurídicas
acerca do tema, nascendo assim correntes diferentes e recheadas de controvérsias.
O principal conflito aconteceu entre as pessoas que defendiam o art. 23 da
Lei 6.151/77, a qual derrogava o artigo 402 do CC/16, de forma que, para todos os
casos possíveis, a obrigação alimentar tinha sido considerada transmissível, e que a
transmissão normatizada pelo artigo 23 da lei supracitada era restringida à
obrigação alimentar entre os cônjuges, uma vez que o assunto estava disposto em
legislação especial (MONTEIRO; TAVARES, 2020, p. 300).
Nesse sentido, prevaleceu o entendimento de que o dispositivo da lei
6.515/77 possuía aplicação restrita aos alimentos acordados ou estabelecidos em
separação judicial ou divórcio.
Ficou decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda, que a condição de
“devedor” de alimentos continuava personalíssima, ou seja, não seria possível
transmitir-se a obrigação de pagar alimentos aos herdeiros do devedor, ficando os
herdeiros responsáveis apenas pelos débitos existentes até a data da morte do “de
cujus”. (GRAEFF, 2017)
Seguindo essa mesma premissa, o Código Civil de 2002, oficializou a regra
da transmissibilidade, sem, entretanto, explicitar o texto do art. 23 da Lei 6.515/77.
Destarte, o artigo 1.700 do CC elucidou que a obrigação de prestar alimentos era
transmissível aos herdeiros do devedor, nos termos do artigo 1.694 do Código Civil
(RODRIGUES, 2018, p. 184).
Essa decisão tomada pelos juristas que criaram o Código Civil, foi vista pela
sociedade jurídica com inúmeras controvérsias:

Mas, diante de uma análise mais profunda, tem-se que a qualidade de


direito personalíssimo deriva do seu caráter tutelar, a fim de garantir a
existência digna do indivíduo necessitado. Sendo assim, a prestação é
direcionada ao alimentado, o que lhe confere tais características peculiares,
aqui expostas. O direito é personalíssimo, já que liga duas pessoas (credor
alimentado e devedor alimentante) unidas por determinado vínculo levando
em consideração suas situações pessoais (binômio da necessidade versus
possibilidade) (LÔBO, 2021, p. 204).

Dito isto, certo é que o caráter personalíssimo não é abalado pela


transmissiblidade. A obrigação alimentar segue como uma obrigação pessoal
relativa ao falecido e seu credor, o que se transfere é a prestação.
Nesse sentido, a obrigação de prestar alimentos se transmite aos herdeiros
do devedor (nos limites das forças da herança), e não o direito a alimentos e a
obrigação em si. Não é possível a transmissão da condição própria, personalíssima,
de alimentário e de alimentante. Na verdade, a obrigação alimentar é pessoal e
intransferível, mas a obrigação de prestá-la, não.
Questão relevante que merece atenção refere-se ao fato de que a regra da
transmissibilidade deve ser aplicada exclusivamente na situação de morte do
alimentante. Caso o alimentando venha a falecer a obrigação será extinta, não
havendo sucessão para o recebimento das pensões desta data em diante, mas
apenas das parcelas vencidas e não pagas como qualquer dívida contraída em vida
pelo alimentante falecido.
Nas palavras de Venosa (2019, p. 402): “Todavia, se falecer o beneficiado,
extingue-se a obrigação, e se, porventura, seus herdeiros forem carentes de
recursos materiais, terão de requerer alimentos de quem seja obrigado a prestá-los,
fazendo-o por direito próprio e não como sucessores do falecido.”
Essa é uma abordagem preliminar, visto que é este o ponto central do
presente estudo e será analisado mais profundamente no decorrer da
argumentação.

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