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Tal “abertura” do conhecimento oriundo das Artes Marcial, se por um lado significa um
maior acesso ao conhecimento marcial, por outro lado significa uma perda de qualidade nas
práticas, por causa da perda de seus fundamentos, seja por um excesso de “tradicionalismo
castrador” baseado num falso respeito a tradições antigas, seja pela incompreensão mesma
sobre as origens e fundamentos do conhecimento marcial.
Este último aspecto, que diz respeito à incompreensão, podemos perceber não apenas
em ocidentais, como também em orientais. Por incrível que pareça, muitos orientais apenas
herdam uma tradição morta, que se apresenta com uma casca bonita, mas que internamente
não tem substância alguma. Isso acontece com muitas culturas, inclusive no Brasil, como tenho
constatado através de pesquisas práticas em cima do folclore expresso, e dos conhecimentos
experimentados pelas populações que são portadoras desse folclore.
Pude observar, por exemplo, que num grupo de crianças e adolescentes que herdaram
a cultura secular do Congado, no município de Mariana (Brasil, Minas Gerais), existe uma
grande carência de conhecimentos sobre questões básicas do Congado, como por exemplo,
quem são os santos relacionados a esta tradição, ou mesmo sobre a vida de Jesus Cristo, que é
o centro mesmo de todo o processo. É interessante observar que estas crianças e adolescentes
conseguem reproduzir com perfeição os movimentos de danças marciais contidas no Congado,
além de enfeitarem ricamente os tambores, roupas, etc., mas não reconhecem
conscientemente os fundamentos daquilo que praticam...
Os tempos em que vivemos são marcados pela popularização das Artes Marciais, mas
também são caracterizados pela perda do sentido existencial das mesmas. A SISTEMATIZAÇÃO
ATUALIZADA das Artes Marciais é imprescindível, se é que realmente queremos servir a
alguém de alguma forma através dos conhecimentos contidos em seu cerne.
A Psicopedagogia Marcial sempre foi presente nos ensinamentos das Artes Marciais,
sendo transmitida através das gerações pela história oral, por lendas, parábolas, artes
plásticas, manuscritos, e principalmente, pelos movimentos corporais, marcas desses
2
conhecimentos. Mas falta sempre o aspecto ESOTÉRICO, ou seja, o aspecto essencial contido
“dentro” das práticas marciais. Como termo “dentro”, sinalizamos a experiência íntima, de tipo
psicológico, dos conhecimentos das Artes Marciais.
Segundo seus relatos, esta população era extremamente organizada, comia daquilo
que plantava e cultivava e dos animais que criava, as crianças eram muito educadas e não
desrespeitavam aos mais velhos, não havia escândalos dentre as pessoas, estas eram caladas e
humildes. Mas o que mais lhe chamou atenção foi o costume geral de, ao cumprimentarem-se
umas às outras, as pessoas diziam com firmeza “Não matar, não roubar, respeitar as pessoas”.
Após escutar estes relatos, e por outros motivos, estudei sobre o fundador do Império
Inca, Apu Tambo. Este homem, após liderar seu povo por um verdadeiro êxodo, enfrentando
fome, guerras, doenças e outros sofrimentos, inaugurou seu império na cidade de Cusco. Seu
filho, Manco Cápac estabeleceu as seguintes regras básicas de convivência:
3
Podemos reconhecer aqui claramente o efeito dos esforços dos homens e mulheres
dignos que nos antecederam, em épocas áureas das Grandes Civilizações que existiram por
sobre a face da Terra. Se repararmos bem, as regras de convivência das povoações que
constituem estre “pueblos” visitados por esta educadora há poucos anos são essencialmente
as mesmas que foram estabelecidas por aquele que é considerado o fundador da Civilização
Inca.
Por outro lado, podemos perceber claramente que estas Civilizações passaram
também por períodos de decadência, onde barbaridades foram consideradas legítimas e até
mesmo como leis. Logicamente, tais atos decadentes influenciaram comportamentos
póstumos, verificados através dos atos de muitos dos descendentes destas Civilizações.
Por outro lado, temos ainda em vigor práticas antigas que insistem em sobreviver, e
que tocam profundamente as pessoas, como acontecem no caso dos Jogos Olímpicos.
Encontramos nessa antiga tradição nascida na Civilização Helênica, profundos simbolismos
filosóficos, fundamentos universais da Arte Marcial. O fundamento legitimamente heroico
contido no ato de se acender a Pira Ígnea, ou Tocha Olímpica, como uma herança divina do
Fogo Sagrado que deve ser acendido e jamais apagado dentro do herói, estabelece uma
legítima relação existente entre o Fogo Olímpico e o Fogo Sexual Humano, de origem divina.
Práticas como estas, associadas a façanhas físicas, concretas, refletidas nos esportes,
constituem um elo simbólico que se torna um elo de fato em quem souber compreender em
sua intimidade tal prodígio, entre os seres humanos e a Divindade.
4
“Não há uma forma fixa de ensino. Tudo o que posso oferecer é um remédio apropriado
para uma certa doença” (Bruce Lee – O Tao do Jeet Kune Do)
A frase que inicia este capítulo é de autoria do grande mestre de Arte Marcial, Bruce
Lee.
Este foi um grande revolucionário, ou seja, mostrou o que está sempre à nossa
frente, mas que poucos têm o valor de enxergar e demonstrar.
Incomodou a muita gente por causa de seu jeito direto de ser, demonstrando de
forma aberta e simples, todos os fundamentos da Arte Marcial através do campo que mais lhe
caracteriza, o do movimento.
A liberdade exige a máxima disciplina para ser alcançada, e disciplina não é algo
estúpido como qualquer prática forçada pautada pelo comportamento compulsivo e infeliz,
mas uma autêntica postura de responsabilidade ante a existência, na constante busca e
experiência na verdade.
5
Bruce Lee tocou num ponto fundamental: a Arte Marcial existe dentro de cada ser
humano, indiferente de treinamento marcial sistemático, é apenas necessário que o guerreiro
reconheça este potencial e o desenvolva livremente, com responsabilidade e sinceridade. Nada
mais terrível para aqueles que se sentem experts em algo, concebendo o conhecimento como
forma de obter poder por sobre outras pessoas e buscarem seguranças falsas!
Depois que Bruce Lee desvelou grandes princípios de Arte Marcial que por muitos e
muitos séculos ficaram guardados como “segredos”, abriu-se uma porta autêntica para muitos
artistas marciais que definitivamente estavam sedentos de verdade, de simplicidade, de
prática do desenvolvimento espiritual autêntico, na disciplina e na liberdade criativas.
Com certeza Bruce Lee definiu com grande clareza a Arte Marcial da Era de Aquário
que se iniciava em 1962, era esta tremendamente revolucionária, prática, guerreira. Ele veio
para derrubar definitivamente com muros quase impenetráveis, que se endureciam mais e
mais por séculos. Seu livro “O Tao do Jeet Kune Do”, é considerado como muitos um marco
que determina uma era de livre criação através da prática marcial, sendo reconhecido o seu
trabalho como um todo principalmente no campo da Arte Marcial enquanto luta.
Logicamente que ele não realizou isso a sós, pois outros grandes mestres
desenvolviam paralelamente trabalhos importantes no sentido de tornar público certos
fundamentos filosóficos, artísticos e científicos contidos no cerne da Arte Marcial, dentro do
novo contexto da Arte Marcial.
Com relação às práticas corporais que Castañeda ensina, que seriam oriundos das
tradições xamânicas pertencentes ao Império Tolteca, percebemos claramente as íntimas
relações entre tais e as práticas definitivamente marciais. Ele nunca escondeu que tais séries
de movimentos são oriundas de uma tradição marcial, muito embora se saliente no geral seus
aspectos medicinais.1
O colombiano Victor Manuel Gomez Rodrigues (conhecido como Samael Aun Weor)
perscrutou diferentes facetas do caminho marcial, definindo uma Psicologia e uma Pedagogia
Revolucionárias, pautadas, não em métodos e técnicas superficiais ou meramente funcionais,
mas em métodos autênticos e práticos voltados ao que ele chama de “Despertar da
Consciência”.
1
- Sobre as relações existentes entre Arte Marcial e Medicina, veremos mais à frente um capítulo
especial, já que tal associação é de primordial importância para compreender os fundamentos de
qualquer prática psicopedagógica no campo marcial.
7
que se manifesta nos seres humanos em seu caráter sexual (Fogo Sexual, Energia Criadora,
Kundalini, etc.).
O guerreiro, para Samael Aun Weor é a “Essência” no ser humano, conceito que
designa “(...) o material psíquico para fabricar Alma, ou melhor diríamos, para cristalizar a
Alma (...)”. Curiosa esta questão da “Alma”, que para o autor seria “(...) um conjunto de leis,
princípios, virtudes, poderes, etc.”2
Este autor nos deixou a questão da impossibilidade da “Alma” por parte dos seres
humanos, a não ser mediante “trabalhos conscientes e sofrimentos voluntários”3. Ou seja, a
“Alma” enquanto uma unidade composta por diferentes partes, não existiria como tal nos
seres humanos, de maneira natural, como geralmente se pensa, mas do contrário, a realidade
psíquica dos seres humanos seria “a ausência de organização psicológica no fundo mesmo de
cada indivíduo”.4
Essencialmente a “Alma”, no ser humano, tinha sua integridade íntima, mas foi após
uma grande catástrofe de tipo sexual, simbolizada em todas as culturas como o momento da
‘queda’ dos seres humanos, que passou a se obscurecer mais e mais, escrava de impulsos
diversos e inconscientes. Curiosamente, o psiquiatra alemão Wilhelm Reich chegou a concluir
exatamente a mesma evidência, partindo de outros mecanismos de pesquisa, como podemos
verificar no livro “O Assassinato de Cristo”
A Bíblia fala muito da vida na prisão, mas pouco da maneira pela qual o
homem caiu na armadilha. É evidente que a porta de saída da prisão é
exatamente a mesma por onde o homem entrou, quando foi expulso do
paraíso. Porque é que ninguém diz nada sobre isso, exceto em alguns
parágrafos que representam um milionésimo da Bíblia, e numa linguagem
velada, utilizada para esconder a significação das palavras?A queda de
Adão e Eva deveu-se, sem dúvida, a alguma transgressão das Leis de Deus
na esfera genital:
Ora, Adão e sua mulher estavam nus e não se envergonhavam.(Génesis,
2:25)
Este texto mostra que o homem e a mulher não tinham consciência nem
vergonha da sua nudez, e que esta era a vontade de Deus e a maneira de
Viver. E que aconteceu? (...) Quando o homem se viu assim preso pela
primeira vez, a confusão tomou conta do seu espírito. Não compreendeu
porque estava cativo. Teve a impressão de ter feito algo errado, mas não
sabia que erro havia cometido. Não tinha vergonha da sua nudez e de
repente teve vergonha dos seus órgãos genitais. Havia comido da árvore
do «conhecimento» proibido, o que quer dizer, em linguagem bíblica, que
ele havia «conhecido» Eva, que a tinha abraçado genitalmente. Eis porque
Deus o havia expulso do Jardim do éden. A mais bela serpente de Deus,
que lhe pertencia em exclusivo, tinha-os seduzido; o símbolo da Vida
vibrante e viva e do órgão sexual masculino havia-os seduzido.
Este texto se assemelha muitíssimo com a visão de Samael Aun Weor sobre esta
questão da ‘queda’, e assim, sobre o estado da “Alma” posterior a esta queda. Assinala esta
‘queda’ definitivamente como um estado de escravidão anímica, caracterizado pela violência e
2
- Estudo Gnóstico da Alma
3
- Tratado de Psicologia Revolucionária, Cap. 4, pág. 13
4
- Idem, Cap. 10, pág. 26
8
A “Alma”, para Samael Aun Weor, seria um estado de unidade consciente. Portanto,
necessitaria a “Alma” do que ele chama de “Consciência” para ter seu status de integridade. O
estado de desorganização psíquica que caracteriza aos seres humanos seria a expressão do
que é inconsciente no psiquismo do mesmo. A inconsciência é composta pelo que ele chama
de “Ego”, ou seja, “O Ego, o Eu, nunca é algo individual, unitário, unitotal. Obviamente, o Eu é
‘Eus’”.5
A seu ver, um ser humano médio teria apenas cerca de 3% de Consciência e 97% de
inconsciência, ou seja, os 3% da Consciência são chamados de “Essência” e os 97% de
inconsciência chamados de “Ego”. Como o “Ego” é um conjunto de elementos distintos entre
si, onde cada um se considera a si mesmo como o “eu total”, utilizando-se dos processos
mentais, emocionais e volitivos, temos desorganização e desintegração em 97% da
constituição psíquica no ser humano!
Logicamente que este pesquisador jamais consideraria o ser humano como dono de
si mesmo, o que sugeriria ser este plenamente consciente daquilo que existe dentro de sua
psicologia particular. A Psicologia Moderna comprova este fato incômodo para o Ego do ser
humano de uma maneira indiscutível, seja através das asseverações psicanalíticas sobre o
inconsciente, propostas por Sigmund Freud, até ao universo dos condicionamentos mecânicos
propostos pelo Behaviorismo de B. F. Skinner.6
A “Essência” é associada por Samael Aun Weor à Marte, pelo fato de que ela é quem
deve lutar por sua emancipação, por seu crescimento e desenvolvimento. Sem o positivo
querer da “Essência”, não haveria possibilidade de tal emancipação, crescimento e
desenvolvimento. Este processo deveria acontecer dentro da “Personalidade” do ser humano,
que para o autor, é de natureza energética, e não vem pronta para o ser humano, deve ser
5
- Idem, Cap. 11, Pág. 28
66
- Mesmo que Skinner não se utilize de nenhum conceito relativo a consciência ou inconsciência, é
notório que ele aponte a situação mecânica em que vive o ser humano, sem que este perceba,
justamente por estar condicionado a viver de certa maneira determinada, mesmo que isso signifique
uma vida sem adaptação às circunstâncias ofertadas.
9
Temos visto então que temos quatro conceitos fundamentais nesta visão
psicopedagógica:
1- Consciência;
2- Ego;
3- Personalidade;
4- Essência.
A meu ver, grande parte das sagas heroicas tratadas pelas Mitologias nada mais
fazem do que revelar toda esta questão psicológica do guerreiro, este visto enquanto o herói
humano em si mesmo. É comum vermos como um ser frágil e aparentemente insignificante
(Essência) inicia uma saga de proporções gigantescas, enfrentando monstros e perigos
tenebrosos (Ego), adquirindo experiência e habilidades especiais (Personalidade), a por fim,
adquirindo um status de absoluta perfeição (Consciência).
A saga de “Frodo Bolseiro” em “O Senhor dos Anéis”, representa com fidelidade este
ideal mítico-marcial. Infelizmente, temos também nas Mitologias os relatos do fracasso da
“Essência”, que cai mediante os poderes tenebrosos do “Ego”. Analisemos o fracasso de
“Anakin Skywalker” na saga “Star Wars – Episódio III”. Neste exemplo, temos um ser frágil e
cheio de potencialidades que é treinado e ensinado na “Ordem dos Cavaleiros Jedi” e tendo
sua “Personalidade” fortalecida, mas que infelizmente sucumbe ante as trevas do “Ego”,
despertando sua “Consciência”, não para servir à luz, mas às trevas. Samael Aun Weor
descreve também esta ‘queda’ da “Essência” em seus textos, narrando também o
reerguimento destas Almas dos domínios das trevas.9
Este pesquisador analisa temas marciais tão distintos, baseado no que ele chama de
“Judo Psicológico”, um processo de luta íntima por liberdade praticada pelo guerreiro no
sentido deste se livrar de seus defeitos íntimos (Ego). Ele se aprofunda por exemplo, nas
culturas guerreiras mesopotâmicas (Saga de Ishtar), ameríndias (Guerreiros Nahuatl,
Cavaleiros Tigre, Popol Vuhl, etc.), nórdicas (Runas Nórdicas), tibetanas (Lamaseria), cristãs
7
8
- Educação Fundamental, Cap. 24, Pág. 121
9
- Ver “A Revolução de Bel”
10
(Cristo como Herói Perfeito, Ordem dos Cavaleiros Templários, Percival, etc.) dentre muitas
outras.
Vejamos o que o autor nos diz sobre o estado comum da educação e como deveria
ser:
Por que nos enchemos dessa informação? Para quê nos enchemos dessa
informação?
É claro que o professor deixa de ser aqui o portador do conhecimento absoluto, mas
uma espécie de ‘condutor de almas’, e por isso mesmo, a Psicopedagogia Marcial necessita
invariavelmente que o Mestre desenvolva primeiramente e concomitantemente ao
desenvolvimento do aluno, seu próprio desenvolvimento espiritual legítimo. Nesses casos não
adianta se enganar; se o professor paralisa em seu processo, os alunos mais fracos debandam
do Caminho, e os mais fortes o ultrapassam, voando ao infinito.
10
- Educação Fundamental, Capítulo I: A Livre Iniciativa.
12
Antes deles, logicamente outros grandes mestres abriram caminho para esta nova era
através de trabalhos revolucionários e titânicos. E por falarmos em Judo, falemos de um nome
se destaca: Jigoro Kano. Quase ninguém conhece este grande educador, que muito
acrescentou ao desenvolvimento da Arte Marcial enquanto um processo pedagógico bem
fundamentado e aplicável a qualquer público. Suas conquistas enquanto foi ministro da
educação infantil no Japão foram memoráveis. Mais conhecido é o sistema marcial o qual
desenvolveu, o Judo Kodokan, no início do século XX.
Embora fosse japonês, seu pai logo compreendeu que seu país não resistiria às
investidas das Nações Ocidentais por sobre o território japonês, o que de fato resultaria na
queda da velha estruturado Shogunato no Japão e na entrada da economia capitalista no país,
por vias dos Estados Unidos da América e Inglaterra.
Foi assim que desde jovem, Jigoro Kano estudou em escolas com metodologia
ocidental, onde se formou em Economia e Filosofia. Encantava-o as metodologias científicas
ocidentais por seu pragmatismo. Quando ainda na faculdade e bem jovem, foi orientado por
um professor norte americano a estudar sua própria e profunda cultura, que não deveria
desaparecer naqueles momentos críticos. E foi assim, através de um estímulo por parte de um
estrangeiro, que Kano iniciou um longo processo de estudos que aliavam metodologias
científicas ocidentais e ciências tradicionais japonesas, desenvolvendo uma forma marcial
científica: o Judo Kodokan.
11
- Para quem queira se inteirar melhor, as Eras Astrológicas são amparadas em um fenômeno
astronômico comprovado cientificamente deste a Antiguidade e confirmado pela Astronomia, chamado
“precessão”. Este fenômeno prescreve uma alteração no eixo terrestre em um grau, a cada dois mil
anos. Como existem doze constelações que vigoram dentro do sistema astrológico clássico, teríamos
então um ciclo de vinte e quatro mil anos até que as Eras sejam repetidas por sobre a face da Terra.
Cada Era seria determinada por características específicas, associadas ao Signo Zodiacal a ela
relacionado, o que nos seres humanos repercutiria concretamente enquanto uma tônica
comportamental elementar. No livro “Aion: Estudos Sobre o Simbolismo do Si Mesmo”, o psiquiatra C. G.
Jung, analisa cientificamente como a entrada da Era de Peixes coincide com o nascimento de Cristo, e
com uma nova configuração simbólica na estrutura psíquica da Humanidade, caracterizada pela
mudança, na Bíblia, de uma foco em figuras como o carneiro (Áries), para o foco em símbolos
fundamentados em elementos como o peixe e a água. Não se trata a Astrologia, então, de algo insólito e
sem fundamentos, mas uma autêntica disciplina científica. O fato de se acreditar ou não nestas
afirmações, como sempre, dependem mais de uma questão de tendência científica, do que
necessariamente de uma averiguação experimental.
13
Muito trabalho custou para que aquele rapaz mirrado mas com vontade de ferro
pudesse desenvolver sua forma marcial até ao ponto de conseguir resultados práticos
inegáveis, tanto no plano da luta marcial, como no plano psicopedagógico. Conseguiu isso
ministrando juntamente com metodologias de treinamento marcial tradicionais, conceitos
científicos específicos, que aliavam numa só atividade, preceito e prática concreta.
Jigoro Kano teve grande importância enquanto educador, tornando-se num certo
momento, como já foi dito anteriormente, Ministro da Educação Infantil no Japão. Tal fato é
ofuscado por uma de suas realizações mais evidentes, que foi a sua luta pela introdução do
Judo enquanto modalidade olímpica.
12
- “La Utopía Educativa de Jigoro Kano: El Judo Kodokan” - Prof. Dr. Julián Espartero Casado e Prof. Dr.
Miguel Villamón Universidad de León, Universidad de Valencia, Espanha, 2009. Livre tradução do original
em Español.
13
- Ibdem.
14
Muitos outros mestres poderiam ser acrescidos à lista dos revolucionários que
lutaram por uma revolução necessária a Arte Marcial para a Era que se iniciou há tão pouco
tempo. Citemos os mestres Pastinha e Bimba, da tradição da Capoeira. O primeiro é um dos
principais herdeiros da Capoeira de Angola, estilo tradicional de Capoeira, realizando a proeza
de divulgar a sua arte em forma de poesia, artes plásticas, músicas, e no fim, através do
primeiro livro escrito exclusivamente sobre a Capoeira no mundo.
Lutou a vida inteira para tirar da marginalidade a Capoeira, esta nobre forma marcial,
realizando um trabalho realmente titânico ao promovê-la sob tantas formas diferentes de arte.
Esta herança dos escravos negros foi mal vista por muitas décadas depois de instaurada a Lei
Áurea, que daria liberdade civil aos escravos negros. Infelizmente, sabemos nós, estudiosos ou
leigos, o quanto é difícil retirar de uma nação as marcas profundamente dolorosas da
escravidão. Ainda hoje temos estas marcas, que impedem que a Capoeira seja respeitada
como deveria dentro da Nação Brasileira.
“Ninguém luta do meu jeito, mas no deles há toda a sabedoria que aprendi. Cada um é
cada um.”
“Tudo o que eu penso da Capoeira, um dia escrevi naquele quadro que está na porta da
Academia. Em cima, só estas três palavras: Angola, capoeira, mãe. E embaixo, o pensamento:
Mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é
inconcebível ao mais sábio capoeirista.”
O que dizer do famoso mestre chinês de Tai Chi Chuan, Yang Cheng Fu? Segundo nos
é contado no livro “Clássicos do Tai Chi Chuan”, traduzido ao inglês por Douglas Wile, este
mestre teria aprendido com seu avô Yang Luchan , o fundador do Estilo Yang de Tai Chi Chuan,
não apenas as questões metodológicas e a filosofia da arte, mas também a importância que
esta tinha no século XIX, para a educação e a saúde do povo chinês.
Este aprendizado foi tão significativo para Yang Cheng Fu, que este mestre não se
contentou em expandir sua arte apenas para o povo chinês. Pudemos observar que seu
trabalho de disseminação do Tai Chi Chuan foi tão intenso, que propiciou que esta forma
marcial se tornasse conhecida em todo o mundo. Ao lado de outros grandes mestres chineses,
este importante mestre contribuiu para que o Tai Chi Chuan se tornasse um dos grandes
alívios aos estressados seres humanos de nossa época, com suas práticas terapêuticas que
causam grande impacto em doenças causadas por elevados níveis de estresse, regulando as
funções neuroendócrinas desequilibradas nas relações sistema simpático/sistema
parassimpático.
E assim existem com certeza muitos outros mestres anônimos que desenvolvem
dignamente a Arte Marcial em todas as partes do mundo, lutando para preservar um pouco de
decência neste mundo desordenado.
14
- Cuja história de vida se tornou roteiro do filme cujo título em português é “O Mestre das Armas”,
estrelado pelo ator Jet Li.
16
Muitos outros personagens, como os alemães Arnold Krumm Heller e Rudolf Steiner,
embora fossem cientistas conceituados no âmbito da ciência oficial, desbravaram
conhecimentos arcaicos, iniciando no Ocidente uma espécie de ciência moderna embasada
por princípios filosóficos e práticos oriundos de culturas antigas, incluindo vários destes
fundamentos na Sabedoria Oriental.
O que não se sabe, é se o Senhor Burton não teria traduzido tal material parcialmente
por causa de sua incompreensão sobre a sacralidade do assunto, ou se queria apenas
17
introduzir algo até então considerado profano dentro da cultura europeia, apenas causando
choques de consciência para uma posterior abertura de fundo. O fato é que muitas obras e
conhecimentos orientais foram mal interpretados e caricaturados, perdendo muito de sua
essência, naquele ambiente europeu ainda despreparado. Este parece ser o caso da Yoga, que
até hoje não encontrou seriedade em suas práticas pelo mundo, por incompreensão e
fanatismo, engrandecido após a era Hippie, dentre os anos 69 e 7015.
A lista de nomes que se empenharam nesta difícil empreitada foram muitos, mas
citaremos dois que se consolidaram no campo psicopedagógico: o alemão Carl Gustav Jung e a
italiana Maria Montessori.
Ambos os cientistas foram médicos, o que era comum no início do Século XX,
momento este em que nem a Psicologia nem a Pedagogia ainda haviam se consolidado
enquanto formação acadêmica superior. Os médicos geralmente foram os pioneiros em
investigar a psique humana e a ciência pedagógica, partido do fundamento sobre o qual
estavam mais calcados, ou seja, os aspectos biológicos que revelava funções psíquicas e
tendências comportamentais principalmente por vias dos instintos, da sexualidade e da
motricidade.
15
- Sobre isso, Arnold Krumm Heller já chamava atenção em 1930, em seu livro Biorritmo. Tal cientista
considerava já na época o quão intenso era o charlatanismo com relação à Yoga, na época muito
favorecido pelo desconhecimento do povo sobre esta nobre arte. Hoje em dia, se tem conhecimento de
que a Yoga existe, mas esta popularização não amenizou os excessos e as loucuras produzidas no meio
dos que a praticam e ministram.
16
- Psicologia Analítica e Educação – Conferência I; contido no livro O Desenvolvimento da
Personalidade, Volume XVII das Obras Completas de C. G. Jung.
18
basicamente as funções patológicas ligadas a sexualidade, e não abria campo para o estudo de
funções naturais da mesma, e até mesmo em suas funções transcendentes, em suas
associações ao que ele chama de psicologia do “homem normal”.17
17
- Ibdem.
18
- O Desenvolvimento da Personalidade, pág.96.
19
Esta descrição não se afasta muito das frases simples proferidas por Mestre Pastinha,
não é mesmo? Esta incrível aproximação existente entre a maneira de experimentar a vida,
exposta por um cientista como C. G. Jung e os fundamentos da Psicopedagogia Marcial, se
repete nos trabalhos de outros eminentes personagens que revolucionaram o campo
psicopedagógico na modernidade.
19
- Idem, pág.97 e 98.
20
- Idem, pág. 181.
20
Designação ou vocação, fato é que tal constatação sobre a psique humana aponta
para algo de extraordinário dentro do ser humano, capaz de torna-lo algo absolutamente
diferente. Este ‘algo’ estaria presente em todos os seres humanos, embora, curiosamente,
toma forma consciente em poucas pessoas. Porém, tal manifestação no universo psíquico
humano determina grandes transformações, significativas, não apenas para a pessoa que a
experimenta, como também para as massas, que estão tão inconscientes de tais fenômenos, e
que até mesmo os negam violentamente. Segue outra parte do mesmo texto:
Estas averiguações soam em nosso tempo algo realmente profético, já que o livro “O
Desenvolvimento da Personalidade”, do qual estes trechos foram retirados, foi editado em
1915, e depois disso, nós vimos duas guerras mundiais, e uma tremenda transformação de
caráter revolucionário de caráter mundial dentre os anos 50 e 60.
Será este momento em que vivemos, aquele onde toda a tradição se desgastou, e
necessita-se com urgência de novos heróis? Quem serão estes heróis? As portas do heroísmo
não estariam abertas a todos os seres humanos? O que acontecerá aos que não abraçarem seu
destino heroico com vontade e consciência, senão serem sufocados por seu próprio
inconsciente, onde a “voz do silêncio” acaba por ser sufocada pelo tumulto das massas?
A Psicopedagogia Marcial atual se encontra num ponto onde deve assumir uma
postura bem sóbria com relação aos momentos decisivos em que nos encontramos. A Arte
Marcial deve estudar cientificamente os princípios que embasam o desenvolvimento de uma
personalidade heroica, distribuindo com boa vontade e de maneira altruística todo este
conhecimento à humanidade que sofre em sua ignorância. Também a Arte Marcial deve
caminhar na anti-cultura, tendência esta que foi claramente definida por Bruce Lee como já
especificamos. Todo o tradicionalismo estéril e toda compulsão para esconder segredos
maravilhosos que ninguém jamais viu, devem cair por terra, impactados pela ânsia de
liberdade do herói.
Sigamos nosso estudo com Maria Montessori (1870 – 1952). Esta educadora iniciou
seus estudos no campo da Medicina. Foi uma das primeiras mulheres na Itália e na Europa a se
formar em Medicina, através de um processo penoso, em um ambiente intelectual estéril,
dominado pelo machismo e por preconceitos puritanos de toda ordem. Ela relata sua difícil
vida de estudante e sua vontade de desistir em vários momentos. Para termos uma ideia, os
colegas homens (já que ela era a única mulher na turma), chutavam por detrás de sua carteira,
para que a vibração dos chutes atrapalhasse seu estudo.
21
- Idem, pág. 185 e 186.
22
De nada adiantou, pois suas notas estavam dentre as mais altas e concluiu sua
formação, para desespero dos homens autossuficiente, pois ao se formar, ingressou na luta
por direitos das mulheres, compondo um lugar dentre as mais aclamadas defensoras da
dignidade feminina, inclusive proclamando discursos em diversos países.
Certo dia, ela haveria de observar num relance, um menino pobre nas ruas da Itália, a
manipular avidamente um pedaço de papel colhido do chão. Aquela cena lhe chocou de tal
forma que a partir daí, se entregou por completo e pelo resto da vida, pelo tema da educação
para crianças e adolescentes. Aparentemente, o que a chocou naquele momento em que a
criança brincava, era a espontaneidade com que a criança fez de um pedaço de papel jogado
ao chão, na miséria das ruas, um brinquedo excelente, além da capacidade de concentração da
criança ao brincar com aquele pedaço de papel.
Seus resultados foram tão assombrosos, que ela inscreveu muitos de seus alunos em
um exame realizado na Itália, pelo Governo, no início do Século XX. Os resultados de seus
experimentos vieram à tona como uma bomba: muitos de seus alunos tiveram médias em suas
notas acima da média nacional encontrada em alunos tidos como normais, ou mesmo,
apresentando a mesma média destes.
Enquanto ela era aclamada pela mídia e pela elite científica da época, em seu íntimo
se sentia chocada, pois, se seus alunos que eram considerados deficientes tinham tido uma
média tão boa, o que dizer do processo educativo oferecido às crianças normais, na Itália?
Dessa época em que trabalhou com crianças deficientes mentais, ela escreve:
Esta grande inquietude vivida por ela influenciou a forma com que via o processo
educacional, e não é a toa que um dos fundamentos de sua convicção científica se concentra
no fato para ela inquestionável, de que a criança deve ser educada no sentido do
desenvolvimento de suas maiores potencialidades, não apenas técnicas, mas principalmente,
enquanto uma experiência de plenitude, já que “A saúde pessoal está muito relacionada com o
domínio de si mesmo, do homem, e com a veneração que se tenha pela vida e sua beleza
natural”.23
22
- Retirados do livro “Pedagogia Científica: A Descoberta da Criança”. Trecho citado na obra “Maria
Montessori” de Hermann Röhrs, pág. 57 (Organização e tradução de Danilo Di Manno de Almeida e
Maria Leila Alves).
23
- Conferência: “A Paz”, proferida em 1932 ante o Congresso Internacional de Educação, em Genebra,
Suíça.
24
- Conferência: “A Importância da Educação na Consecução da Paz”, Escola Internacional de Filosofia
de Amersfoort em 28 de dezembro de 1937.
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A Segunda Guerra Mundial havia se iniciado e seu retorno para a Europa era
tremendamente arriscado, ainda mais ao considerarmos seu exílio da Itália, por parte do
ditador fascista Benito Mussolini. Apenas com o término da guerra, em 1946, que a educadora
retorna para a Europa, não sem antes passar por uma grande provação: a prisão de seu filho,
Mário Montessori, em um campo de concentração, por ser considerado inimigo do Estado
Inglês (rival da Itália na guerra).
Curiosamente, o Governo Indiano interviu nessa questão, pois durante sua estadia no
país, a educadora havia realizado tantos benefícios em seus projetos educacionais, que acabou
sendo agraciada, em seu aniversário de 70 anos, com a soltura de seu filho.
Concluímos este capítulo afirmando uma das principais características da Arte Marcial
e de sua psicopedagogia: transformar-se, adaptando-se às necessidades, sem perder seus
fundamentos. Enquanto das massas sombrias nascem as degenerações no campo marcial,
podemos perceber uma nova forma de se manifestar a legítima Arte Marcial, em seus
fundamentos básicos e imortais.
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- Ver o livro “A Santa Missa Vivida Pelas Crianças”, de Maria Montessori.
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Já não é necessário mais se isolar da sociedade para que estes fundamentos sejam brindados
aos que assim o desejarem, mas sim, que a personalidade aceite, em meio ao turbilhão das
massas, experimentar a solidão necessária para que estes princípios sejam captados, para logo
serem praticados. Infelizmente, nossa raça humana está tão degenerada, que mesmo que se
grite pelas ruas, ou mesmo que se ensine tais conhecimentos nas escolas, atualmente, poucos
heróis autênticos destacarão, mesmo se tendo diante dos olhos o conhecimento que há
milênios foi ensinado às escondidas.
Mesmo assim, creio firmemente que este conhecimento deve ser propagado a preço
de sangue, pois este sempre foi o preço pago pelos heróis por sua liberdade. Devemos iniciar
sempre estas revoluções heroicas na infância, afinal de contas, as crianças necessitam, e
sabem que necessitam, ser elas mesmas heroínas e donas de suas próprias vidas. Pena que
nos adultos esta necessidade geralmente morre, dando lugar à vida vazia das máquinas
socialmente condicionadas...