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I- O Quê é Psicopedagogia Marcial?


O termo “Psicopedagogia Marcial” designa a utilização da Psicologia e da Pedagogia,
em seus aspectos investigativo e prático, em Artes Marciais.

Não significa em si mesmo um estudo novo, mas uma ATUALIZAÇÃO da ciência


psicopedagógica, sempre presente no desenvolvimento da milenar Arte Marciais. O que
acontece é que por muito tempo os conhecimentos concernentes às Artes Marciais estiveram
mantidos fechados a famílias ou grupos pequenos de pessoas, até que em meados do Século
XX, tais conhecimentos passaram a ser disponibilizados a um contingente cada vez maior de
seres humanos, de todas as idades, sexos e raças.

Tal “abertura” do conhecimento oriundo das Artes Marcial, se por um lado significa um
maior acesso ao conhecimento marcial, por outro lado significa uma perda de qualidade nas
práticas, por causa da perda de seus fundamentos, seja por um excesso de “tradicionalismo
castrador” baseado num falso respeito a tradições antigas, seja pela incompreensão mesma
sobre as origens e fundamentos do conhecimento marcial.

Este último aspecto, que diz respeito à incompreensão, podemos perceber não apenas
em ocidentais, como também em orientais. Por incrível que pareça, muitos orientais apenas
herdam uma tradição morta, que se apresenta com uma casca bonita, mas que internamente
não tem substância alguma. Isso acontece com muitas culturas, inclusive no Brasil, como tenho
constatado através de pesquisas práticas em cima do folclore expresso, e dos conhecimentos
experimentados pelas populações que são portadoras desse folclore.

Pude observar, por exemplo, que num grupo de crianças e adolescentes que herdaram
a cultura secular do Congado, no município de Mariana (Brasil, Minas Gerais), existe uma
grande carência de conhecimentos sobre questões básicas do Congado, como por exemplo,
quem são os santos relacionados a esta tradição, ou mesmo sobre a vida de Jesus Cristo, que é
o centro mesmo de todo o processo. É interessante observar que estas crianças e adolescentes
conseguem reproduzir com perfeição os movimentos de danças marciais contidas no Congado,
além de enfeitarem ricamente os tambores, roupas, etc., mas não reconhecem
conscientemente os fundamentos daquilo que praticam...

Com isso, concluo que as tradições, quando simplesmente reproduzidas sem


consciência alguma, estão mortas, mesmo que sejam ricamente representadas por seus
portadores. Se tais tradições não forem refletidas, pesquisadas e definitivamente
ATUALIZADAS no contexto e no tempo em que são praticadas, não passam de meras
repetições.

Os tempos em que vivemos são marcados pela popularização das Artes Marciais, mas
também são caracterizados pela perda do sentido existencial das mesmas. A SISTEMATIZAÇÃO
ATUALIZADA das Artes Marciais é imprescindível, se é que realmente queremos servir a
alguém de alguma forma através dos conhecimentos contidos em seu cerne.

A Psicopedagogia Marcial sempre foi presente nos ensinamentos das Artes Marciais,
sendo transmitida através das gerações pela história oral, por lendas, parábolas, artes
plásticas, manuscritos, e principalmente, pelos movimentos corporais, marcas desses
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conhecimentos. Mas falta sempre o aspecto ESOTÉRICO, ou seja, o aspecto essencial contido
“dentro” das práticas marciais. Como termo “dentro”, sinalizamos a experiência íntima, de tipo
psicológico, dos conhecimentos das Artes Marciais.

O que vemos no geral é apenas o aspecto EXOTÉRICO, ou seja, o aspecto meramente


externo, superficial, por bonito que este possa se manifestar. Infelizmente, o que mais vemos
é a manifestação externa do egoísmo interno dos praticantes, que utilizam das Artes Marciais e
de seus conhecimentos para se obter algum poder ou vantagem sobre outros seres humanos.

O termo Psicopedagogia Marcial é apenas uma atualização, repetimos, do


conhecimento psicológico e pedagógico, sempre presentes no cerne das Artes Marciais, na
intenção de sistematizar tal conhecimento para que os interessados no seu estudo e prática
possam se fundamentar cada vez mais.

Jamais consideraríamos uma “prática psicopedagógica ao inverso” em Artes Marciais,


ou seja, uma pesquisa psicopedagógica contemporânea por parte da ciência oficial, que
serviria como base às práticas marciais. O que propomos é justamente o contrário, ou seja, a
sistematização de uma Psicopedagogia científica e atualizada, partindo do arcabouço de
práticas e conhecimentos afins às Artes Marciais. Se isso não for feito, poderemos cair no
pesadelo de vermos essa confusão de teorias indigestas de nossos tempos sufocarem o
conhecimento marcial, tornando-o escravo do intelectualismo.

Há a possibilidade (e é até mesmo saudável que aconteça) de utilizarmos de


conhecimentos científicos contemporâneos para intuirmos e/ou descrevermos de outras
maneiras os fundamentos da Arte Marcial, para assim, desenvolvermos práticas atualizadas e
simples. Mas jamais devemos desprezar os conhecimentos arcaicos que embasam a Arte
Marcial pelo simples fato de que tais conhecimentos se consolidam sobre princípios muito
mais firmes do que aqueles das ciências hoje existentes na Humanidade. Basta estudarmos
minimamente os traços que ficaram de culturas ancestrais e comparar o proceder dos seres
humanos em tais culturas com o da Humanidade atual.

Um exemplo interessante, podemos verificar em algumas populações descendentes


dos antigos Incas, viventes atualmente em zonas agrestes da Bolívia. Uma educadora que
conheço foi enviada para estas regiões a fim de desenvolver um projeto educacional boliviano.
Ao conhecer os modos de vida desta população, esta mulher passou a não ver sentido em
desenvolver projeto educacional algum com a mesma.

Segundo seus relatos, esta população era extremamente organizada, comia daquilo
que plantava e cultivava e dos animais que criava, as crianças eram muito educadas e não
desrespeitavam aos mais velhos, não havia escândalos dentre as pessoas, estas eram caladas e
humildes. Mas o que mais lhe chamou atenção foi o costume geral de, ao cumprimentarem-se
umas às outras, as pessoas diziam com firmeza “Não matar, não roubar, respeitar as pessoas”.

Após escutar estes relatos, e por outros motivos, estudei sobre o fundador do Império
Inca, Apu Tambo. Este homem, após liderar seu povo por um verdadeiro êxodo, enfrentando
fome, guerras, doenças e outros sofrimentos, inaugurou seu império na cidade de Cusco. Seu
filho, Manco Cápac estabeleceu as seguintes regras básicas de convivência:
3

1- Não haveria mais sacrifícios humanos;


2- Não matar;
3- Não roubar;
4- Não realizar adultérios.

Podemos reconhecer aqui claramente o efeito dos esforços dos homens e mulheres
dignos que nos antecederam, em épocas áureas das Grandes Civilizações que existiram por
sobre a face da Terra. Se repararmos bem, as regras de convivência das povoações que
constituem estre “pueblos” visitados por esta educadora há poucos anos são essencialmente
as mesmas que foram estabelecidas por aquele que é considerado o fundador da Civilização
Inca.

Por outro lado, podemos perceber claramente que estas Civilizações passaram
também por períodos de decadência, onde barbaridades foram consideradas legítimas e até
mesmo como leis. Logicamente, tais atos decadentes influenciaram comportamentos
póstumos, verificados através dos atos de muitos dos descendentes destas Civilizações.

É por causa dessas contradições que nós convidamos aos estudantes da


Psicopedagogia Marcial, que sejam analíticos, e que aprofundem na compreensão sobre os
fundamentos existenciais de certas práticas oriundas de Civilizações Antigas, para que estas
não sejam reproduzidas embasadas por um fetichismo estéril ou até mesmo ocasionando
prejuízos, por estimular a degeneração espiritual nos seres humanos.

Não somos a favor da reprodução das práticas aristocráticas do sistema de “panis et


circenses” (pão e circo), estabelecidos em Roma, já no período de degeneração deste Império.
Este sistema considerava como uma legítima forma de controle social e eleição de cargos
administrativos, a oferta de orgias bestiais à população romana.

Através deste sistema temos registrados na história os sangrentos combates entre


gladiadores, os cristãos que foram jogados aos leões, as orgias sexuais públicas, etc. Os
reflexos deste tipo de degeneração, podemos ver ainda hoje através das compras de votos por
parte de políticos corruptos, que bancam orgias públicas diversas como no caso de nossa
“cultura”, os carnavais de rua. Ou mesmo, as bestiais rinhas de lutadores, trancados entre oito
grades, para satisfazerem as inconscientes ânsias de violência da população.

Por outro lado, temos ainda em vigor práticas antigas que insistem em sobreviver, e
que tocam profundamente as pessoas, como acontecem no caso dos Jogos Olímpicos.
Encontramos nessa antiga tradição nascida na Civilização Helênica, profundos simbolismos
filosóficos, fundamentos universais da Arte Marcial. O fundamento legitimamente heroico
contido no ato de se acender a Pira Ígnea, ou Tocha Olímpica, como uma herança divina do
Fogo Sagrado que deve ser acendido e jamais apagado dentro do herói, estabelece uma
legítima relação existente entre o Fogo Olímpico e o Fogo Sexual Humano, de origem divina.

Práticas como estas, associadas a façanhas físicas, concretas, refletidas nos esportes,
constituem um elo simbólico que se torna um elo de fato em quem souber compreender em
sua intimidade tal prodígio, entre os seres humanos e a Divindade.
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A Tocha Olímpica está sempre rodeada de mulheres lindamente adornadas,


verdadeiras sacerdotisas, que nos lembram às Virgens do Sol, jovens dedicadas aos trabalhos
esotéricos relacionados à Divindade Solar, prática estabelecida pelo citado Manco Cápac,
fundador do Império Inca...

Infelizmente, no estado humano atual, no mundo inteiro, se tem esquecido as


referências transcendentais oriundas das culturas antigas, para se retomar um proceder
degenerado, semelhante ao que enterrou às antigas Civilizações em sua decadência. No nosso
caso, parece estar sendo retomada uma forma degenerada de matriarcalismo, que propõe
uma total desestruturação, dissociação, autodestruição e anarquia brutal dentre os seres
humanos, afundando-os nas guerras e crueldades primitivas mais aterradoras.

O conhecimento marcial responsável deve ser o manancial de onde uma


Psicopedagogia Marcial Atualizada deve emergir. Acreditamos que isso propiciará uma prática
mais rica, realmente útil e dignificante das Artes Marciais.

Capítulo II: Psicopedagogia Marcial Revolucionária

“Não há uma forma fixa de ensino. Tudo o que posso oferecer é um remédio apropriado
para uma certa doença” (Bruce Lee – O Tao do Jeet Kune Do)

A frase que inicia este capítulo é de autoria do grande mestre de Arte Marcial, Bruce
Lee.

Este foi um grande revolucionário, ou seja, mostrou o que está sempre à nossa
frente, mas que poucos têm o valor de enxergar e demonstrar.

Incomodou a muita gente por causa de seu jeito direto de ser, demonstrando de
forma aberta e simples, todos os fundamentos da Arte Marcial através do campo que mais lhe
caracteriza, o do movimento.

Os egoístas que se auto intitulam ‘grandes mestres’, geralmente se incomodam


quando alguém pratica de maneira tão direta o caminho do guerreiro, pois que é um caminho
de liberdade autêntica, e a liberdade tem a característica de fazer tremer por dentro aos seres
humanos escravos, que encontram em sua própria escravidão, os motivos de suas vidas.

No geral, os seres humanos são escravos de múltiplos padrões de pensar, sentir e


atuar, que sã essencialmente mecânicos, egoístas e que, infelizmente, causam uma falsa
sensação de segurança. Já a liberdade significa experimentar o desconhecido, que a todo
instante se encontra diante de nós. Isso dá medo.

A liberdade exige a máxima disciplina para ser alcançada, e disciplina não é algo
estúpido como qualquer prática forçada pautada pelo comportamento compulsivo e infeliz,
mas uma autêntica postura de responsabilidade ante a existência, na constante busca e
experiência na verdade.
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Bruce Lee tocou num ponto fundamental: a Arte Marcial existe dentro de cada ser
humano, indiferente de treinamento marcial sistemático, é apenas necessário que o guerreiro
reconheça este potencial e o desenvolva livremente, com responsabilidade e sinceridade. Nada
mais terrível para aqueles que se sentem experts em algo, concebendo o conhecimento como
forma de obter poder por sobre outras pessoas e buscarem seguranças falsas!

Depois que Bruce Lee desvelou grandes princípios de Arte Marcial que por muitos e
muitos séculos ficaram guardados como “segredos”, abriu-se uma porta autêntica para muitos
artistas marciais que definitivamente estavam sedentos de verdade, de simplicidade, de
prática do desenvolvimento espiritual autêntico, na disciplina e na liberdade criativas.

Infelizmente, muitos não compreenderam muito bem estas questões, e fizeram de


Bruce Lee mais um ícone, mais um ídolo, fanáticos que penduraram ao mestre como pôster
nas portas de seus guarda roupas. Outros, vestidos de mestres, continuaram a ostentar
orgulho, vaidade e violência, e menosprezaram a grande mensagem de Bruce Lee para as
próximas gerações de educadores que viriam depois dele: sejam livres com autêntica
disciplina!

Com certeza Bruce Lee definiu com grande clareza a Arte Marcial da Era de Aquário
que se iniciava em 1962, era esta tremendamente revolucionária, prática, guerreira. Ele veio
para derrubar definitivamente com muros quase impenetráveis, que se endureciam mais e
mais por séculos. Seu livro “O Tao do Jeet Kune Do”, é considerado como muitos um marco
que determina uma era de livre criação através da prática marcial, sendo reconhecido o seu
trabalho como um todo principalmente no campo da Arte Marcial enquanto luta.

Logicamente que ele não realizou isso a sós, pois outros grandes mestres
desenvolviam paralelamente trabalhos importantes no sentido de tornar público certos
fundamentos filosóficos, artísticos e científicos contidos no cerne da Arte Marcial, dentro do
novo contexto da Arte Marcial.

O famoso e controverso antropólogo Carlos Castañeda é um desses mestres que


tornaram públicos muitos aspectos marciais antes nunca revelados. Por muitos é considerado
um charlatão, principalmente por tratar de assuntos polêmicos no campo da ciência oficial,
como por exemplo:

1- Participação ativa como participante e não apenas como observador das


pesquisas em Antropologia: ele se ingressou definitivamente dentro do processo
de pesquisa ao qual se dedicou, tornando-se um discípulo autêntico de um
mestre da arte xamânica denominada, dentre outros termos, de “caminho do
guerreiro Nagual”;
2- Pesquisa prática sobre utilização do Peiotl, cacto considerado alucinógeno, para
adentrar em outros estados de consciência;
3- A consideração categórica sobre a multiplicidade de estados de consciência, que
coloca este estado que chamamos de “vigília” em Psicologia, apenas um dos
quase infinitos desses estados. Isso não seria tão polêmico, se estes estados de
consciência não estivessem associados de fato à entrada por completo nesses
mundos, com corpo e tudo;
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4- Dentre outros assuntos.

Curiosamente, quando analisamos um pouco mais de perto certos estudos científicos


realizados no século XX, principalmente aqueles oriundos da Psicologia, Física e Biologia,
temos realmente muitas razões para considerar as afirmações de Castañeda como
potencialmente válidas. Quando se pratica os exercícios por ele propostos, principalmente
aqueles repassados através de movimentos e posturas corporais, como no caso de seus
“Passes Mágicos”, obtemos muitos resultados práticos que são dignos de nota.

Com relação às práticas corporais que Castañeda ensina, que seriam oriundos das
tradições xamânicas pertencentes ao Império Tolteca, percebemos claramente as íntimas
relações entre tais e as práticas definitivamente marciais. Ele nunca escondeu que tais séries
de movimentos são oriundas de uma tradição marcial, muito embora se saliente no geral seus
aspectos medicinais.1

Algo que realmente embasa os conhecimentos ministrados por Carlos Castañeda é a


busca prática por autêntica liberdade, por parte do Guerreiro Nagual. Este buscaria, através de
sua prática marcial, unicamente, esta liberdade extrema conquistada pelo trabalho
disciplinado extremo. Esta liberdade radical é denominada “o presente da Águia”. Os xamãs
Nagual denominam a Águia uma força real que mantém a todas as manifestações da
existência, impessoal em si mesma, que nos dá a vida, mas que a pede de volta, já que seu
intento básico é obter consciência de si mesma através das experiências de vida das criadas
por ela alimentadas. O intento dos guerreiros seria a elaboração de um intenso e profundo
trabalho de autoconhecimento que os tornam capazes de devolver à Águia a consciência a
qual esta exige, sem devolverem sua energia vital, significando com isso uma vida plenamente
consciente.

Ao lado de Carlos Castañeda e Bruce Lee, outro grande mestre desenvolvia um


estudo completo, envolvendo os fundamentos energéticos, sexuais, instintivos, motores,
emocionais, mentais, volitivos, conscientes e espirituais, envolvidos no processo marcial,
através da Arte, da Ciência, da Filosofia e da Religiosidade.

O colombiano Victor Manuel Gomez Rodrigues (conhecido como Samael Aun Weor)
perscrutou diferentes facetas do caminho marcial, definindo uma Psicologia e uma Pedagogia
Revolucionárias, pautadas, não em métodos e técnicas superficiais ou meramente funcionais,
mas em métodos autênticos e práticos voltados ao que ele chama de “Despertar da
Consciência”.

Este despertar significa uma progressiva libertação do guerreiro, que acontece


através de seu próprio processo íntimo de “morte psicológica”. Tal morte se processaria a cada
instante na vida de um guerreiro, que deve se manter “atento como um vigia em época de
guerra”, afim de se auto-observar, descobrindo defeitos psicológicos, para assim,
compreendê-los e definitivamente eliminá-los mediante a ajuda de uma potência espiritual,

1
- Sobre as relações existentes entre Arte Marcial e Medicina, veremos mais à frente um capítulo
especial, já que tal associação é de primordial importância para compreender os fundamentos de
qualquer prática psicopedagógica no campo marcial.
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que se manifesta nos seres humanos em seu caráter sexual (Fogo Sexual, Energia Criadora,
Kundalini, etc.).

O guerreiro, para Samael Aun Weor é a “Essência” no ser humano, conceito que
designa “(...) o material psíquico para fabricar Alma, ou melhor diríamos, para cristalizar a
Alma (...)”. Curiosa esta questão da “Alma”, que para o autor seria “(...) um conjunto de leis,
princípios, virtudes, poderes, etc.”2

Este autor nos deixou a questão da impossibilidade da “Alma” por parte dos seres
humanos, a não ser mediante “trabalhos conscientes e sofrimentos voluntários”3. Ou seja, a
“Alma” enquanto uma unidade composta por diferentes partes, não existiria como tal nos
seres humanos, de maneira natural, como geralmente se pensa, mas do contrário, a realidade
psíquica dos seres humanos seria “a ausência de organização psicológica no fundo mesmo de
cada indivíduo”.4

Essencialmente a “Alma”, no ser humano, tinha sua integridade íntima, mas foi após
uma grande catástrofe de tipo sexual, simbolizada em todas as culturas como o momento da
‘queda’ dos seres humanos, que passou a se obscurecer mais e mais, escrava de impulsos
diversos e inconscientes. Curiosamente, o psiquiatra alemão Wilhelm Reich chegou a concluir
exatamente a mesma evidência, partindo de outros mecanismos de pesquisa, como podemos
verificar no livro “O Assassinato de Cristo”
A Bíblia fala muito da vida na prisão, mas pouco da maneira pela qual o
homem caiu na armadilha. É evidente que a porta de saída da prisão é
exatamente a mesma por onde o homem entrou, quando foi expulso do
paraíso. Porque é que ninguém diz nada sobre isso, exceto em alguns
parágrafos que representam um milionésimo da Bíblia, e numa linguagem
velada, utilizada para esconder a significação das palavras?A queda de
Adão e Eva deveu-se, sem dúvida, a alguma transgressão das Leis de Deus
na esfera genital:
Ora, Adão e sua mulher estavam nus e não se envergonhavam.(Génesis,
2:25)
Este texto mostra que o homem e a mulher não tinham consciência nem
vergonha da sua nudez, e que esta era a vontade de Deus e a maneira de
Viver. E que aconteceu? (...) Quando o homem se viu assim preso pela
primeira vez, a confusão tomou conta do seu espírito. Não compreendeu
porque estava cativo. Teve a impressão de ter feito algo errado, mas não
sabia que erro havia cometido. Não tinha vergonha da sua nudez e de
repente teve vergonha dos seus órgãos genitais. Havia comido da árvore
do «conhecimento» proibido, o que quer dizer, em linguagem bíblica, que
ele havia «conhecido» Eva, que a tinha abraçado genitalmente. Eis porque
Deus o havia expulso do Jardim do éden. A mais bela serpente de Deus,
que lhe pertencia em exclusivo, tinha-os seduzido; o símbolo da Vida
vibrante e viva e do órgão sexual masculino havia-os seduzido.

Este texto se assemelha muitíssimo com a visão de Samael Aun Weor sobre esta
questão da ‘queda’, e assim, sobre o estado da “Alma” posterior a esta queda. Assinala esta
‘queda’ definitivamente como um estado de escravidão anímica, caracterizado pela violência e

2
- Estudo Gnóstico da Alma
3
- Tratado de Psicologia Revolucionária, Cap. 4, pág. 13
4
- Idem, Cap. 10, pág. 26
8

a falta de reconhecimento do Criador, obviamente relacionado com uma “transgressão das


Leis de Deus na esfera genital”.

Embora Wilhelm Reich nos diga em seu “O Assassinato de Cristo”, editado


primeiramente em 1953, que ninguém havia ainda se questionado sobre estas questões,
Samael Aun Weor não apenas havia editado a primeira versão de seu livro “ Matrimônio
Perfeito” em 1950, como neste livro o autor já trata profundamente sobre tais questões,
revelando inclusive que elas sempre haviam sido tratadas nas diferentes culturas humana,
embora de forma velada.

A “Alma”, para Samael Aun Weor, seria um estado de unidade consciente. Portanto,
necessitaria a “Alma” do que ele chama de “Consciência” para ter seu status de integridade. O
estado de desorganização psíquica que caracteriza aos seres humanos seria a expressão do
que é inconsciente no psiquismo do mesmo. A inconsciência é composta pelo que ele chama
de “Ego”, ou seja, “O Ego, o Eu, nunca é algo individual, unitário, unitotal. Obviamente, o Eu é
‘Eus’”.5

A seu ver, um ser humano médio teria apenas cerca de 3% de Consciência e 97% de
inconsciência, ou seja, os 3% da Consciência são chamados de “Essência” e os 97% de
inconsciência chamados de “Ego”. Como o “Ego” é um conjunto de elementos distintos entre
si, onde cada um se considera a si mesmo como o “eu total”, utilizando-se dos processos
mentais, emocionais e volitivos, temos desorganização e desintegração em 97% da
constituição psíquica no ser humano!

Em última instância, o guerreiro seria em si mesmo apenas a fração auto consciente,


ou seja, aquela parte da psique humana capaz de permanecer consciente de si, e assim, capaz
de observar os elementos subconscientes, estes que são manifestações da porção inconsciente
em nossa psicologia. Isso significa dizer que o guerreiro em si mesmo no ser humano seria a
“Essência”, representada pelos 3% de Consciência.

Logicamente que este pesquisador jamais consideraria o ser humano como dono de
si mesmo, o que sugeriria ser este plenamente consciente daquilo que existe dentro de sua
psicologia particular. A Psicologia Moderna comprova este fato incômodo para o Ego do ser
humano de uma maneira indiscutível, seja através das asseverações psicanalíticas sobre o
inconsciente, propostas por Sigmund Freud, até ao universo dos condicionamentos mecânicos
propostos pelo Behaviorismo de B. F. Skinner.6

A “Essência” é associada por Samael Aun Weor à Marte, pelo fato de que ela é quem
deve lutar por sua emancipação, por seu crescimento e desenvolvimento. Sem o positivo
querer da “Essência”, não haveria possibilidade de tal emancipação, crescimento e
desenvolvimento. Este processo deveria acontecer dentro da “Personalidade” do ser humano,
que para o autor, é de natureza energética, e não vem pronta para o ser humano, deve ser

5
- Idem, Cap. 11, Pág. 28
66
- Mesmo que Skinner não se utilize de nenhum conceito relativo a consciência ou inconsciência, é
notório que ele aponte a situação mecânica em que vive o ser humano, sem que este perceba,
justamente por estar condicionado a viver de certa maneira determinada, mesmo que isso signifique
uma vida sem adaptação às circunstâncias ofertadas.
9

cultivada principalmente pelos ensinamentos efetuados no processo da educação e no


exemplo dos mais velhos. Sobre a relação existente entre “Essência” e “Personalidade”,
“O desenvolvimento harmonioso da Personalidade e da Essência dá como resultado homens e
mulheres geniais”.78

Temos visto então que temos quatro conceitos fundamentais nesta visão
psicopedagógica:

1- Consciência;
2- Ego;
3- Personalidade;
4- Essência.

Em termos práticos, o guerreiro é, como dissemos anteriormente, a “Essência”,


caracterizada como a porção Consciente nos seres humanos. O “Ego” seria a porção
inconsciente, formada por diferentes elementos personificados, cada qual a sua maneira, e
divididos em suas manifestações, capazes de aprisionar a “Essência” em seus
condicionamentos. Temos a “Personalidade” como um aspecto dos seres humanos que é
construído ao longo da vida, e por onde se manifestarão, ou o “Ego” ou a “Essência”. Por fim,
temos a “Consciência”, como o conjunto total do “material psíquico” contido na “Essência”,
infelizmente adormecida nos seres humanos.

A meu ver, grande parte das sagas heroicas tratadas pelas Mitologias nada mais
fazem do que revelar toda esta questão psicológica do guerreiro, este visto enquanto o herói
humano em si mesmo. É comum vermos como um ser frágil e aparentemente insignificante
(Essência) inicia uma saga de proporções gigantescas, enfrentando monstros e perigos
tenebrosos (Ego), adquirindo experiência e habilidades especiais (Personalidade), a por fim,
adquirindo um status de absoluta perfeição (Consciência).

A saga de “Frodo Bolseiro” em “O Senhor dos Anéis”, representa com fidelidade este
ideal mítico-marcial. Infelizmente, temos também nas Mitologias os relatos do fracasso da
“Essência”, que cai mediante os poderes tenebrosos do “Ego”. Analisemos o fracasso de
“Anakin Skywalker” na saga “Star Wars – Episódio III”. Neste exemplo, temos um ser frágil e
cheio de potencialidades que é treinado e ensinado na “Ordem dos Cavaleiros Jedi” e tendo
sua “Personalidade” fortalecida, mas que infelizmente sucumbe ante as trevas do “Ego”,
despertando sua “Consciência”, não para servir à luz, mas às trevas. Samael Aun Weor
descreve também esta ‘queda’ da “Essência” em seus textos, narrando também o
reerguimento destas Almas dos domínios das trevas.9

Este pesquisador analisa temas marciais tão distintos, baseado no que ele chama de
“Judo Psicológico”, um processo de luta íntima por liberdade praticada pelo guerreiro no
sentido deste se livrar de seus defeitos íntimos (Ego). Ele se aprofunda por exemplo, nas
culturas guerreiras mesopotâmicas (Saga de Ishtar), ameríndias (Guerreiros Nahuatl,
Cavaleiros Tigre, Popol Vuhl, etc.), nórdicas (Runas Nórdicas), tibetanas (Lamaseria), cristãs

7
8
- Educação Fundamental, Cap. 24, Pág. 121
9
- Ver “A Revolução de Bel”
10

(Cristo como Herói Perfeito, Ordem dos Cavaleiros Templários, Percival, etc.) dentre muitas
outras.

No campo prático da Psicopedagogia, podemos resumir seu conteúdo essencial


através de duas obras: 1- Tratado de Psicologia Revolucionária e 2- Educação Fundamental. As
duas obras tem um conteúdo essencial muito próximo, embora a primeira se dirija ao trabalho
prático no campo da autotransformação através do autoconhecimento íntimo por parte do
guerreiro, enquanto o segundo instrui sobre certas manifestações do egoísmo humano e suas
relações com a Personalidade, donde o autoconhecimento e autotransformação íntima seria o
único caminho para o processo educativo.

Ou seja, através da “Psicologia Revolucionária”, conseguimos transformações


concretas no comportamento por parte do trabalho de autoconhecimento, enquanto a
“Educação Fundamental” abrange um trabalho de fortalecimento da Personalidade por meio
de uma instrução bem fundamentada que leva inevitavelmente ao autoconhecimento,
autotransformação e “Despertar da Consciência desde os bancos da escola”. No fim, a
“Psicologia Revolucionária” contém a “Educação Fundamental” e vice-versa.

Vejamos o que o autor nos diz sobre o estado comum da educação e como deveria
ser:

Milhões de estudantes de todos os países do mundo inteiro vão


diariamente à escola e à universidade de forma inconsciente, automática,
subjetiva, sem saber porquê, nem para quê.

Os estudantes são obrigados a estudar matemática, física, química,


geografia, etc.

A Mente dos estudantes está recebendo informação diariamente, mas eles


jamais na vida se detém por um momento para pensar o porquê dessa
informação, ou o objetivo dessa informação.

Por que nos enchemos dessa informação? Para quê nos enchemos dessa
informação?

Os estudantes vivem realmente uma vida mecânica e só sabem que têm


de receber informação intelectual e conservá-la armazenada na memória
infiel, isso é tudo.

Aos estudantes jamais ocorre pensar sobre o que é realmente esta


educação. Vão à escola, ao colégio ou à universidade porque seus pais os
mandam, isso é tudo.

Nem aos estudantes, nem aos professores e professoras ocorre alguma


vez de perguntarem a si mesmos: Por que estou aqui? Que vim fazer aqui?
Qual é realmente o verdadeiro motivo secreto que me traz aqui?

Professores, professoras e os estudantes varões e estudantes do sexo


feminino, vivem com a Consciência adormecida, agem como verdadeiros
autômatos, vão à escola, ao colégio e à universidade de forma
11

inconsciente, subjetiva, sem saber realmente nada do porquê ou do para


que.

É necessário deixar de ser autômato, despertar a Consciência, descobrir


por si mesmo o que é esta luta tão terrível para passar nos exames, para
estudar, para viver em determinado lugar estudando diariamente, para
passar de ano, sofrendo abusos, angústias, preocupações, praticar
esportes, brigar com os companheiros de escola, etc., etc., etc. (...) É
preciso que os estudantes percam o medo para que aprendam a pensar
por si mesmos. É urgente que os estudantes percam o medo para que
possam analisar as teorias que estudam. (WEOR, pág. 8, 11)10

Suas palavras são definitivas no que concerne a uma Psicopedagogia Marcial,


principalmente quando percebemos que as questões básicas sobre o processo educativo
devem ser desvendadas pelos próprios estudantes, ou seja, é necessário “descobrir por si
mesmo” o sentido dos processos da vida. Esta característica marcante, típica da visão
psicopedagógica marcial, nos leva imediatamente a outra dessas características, ou seja, a de
que o Mestre ou Professor é apenas quem conduz ao aluno no seu processo íntimo dentro do
Caminho do Guerreiro.

É claro que o professor deixa de ser aqui o portador do conhecimento absoluto, mas
uma espécie de ‘condutor de almas’, e por isso mesmo, a Psicopedagogia Marcial necessita
invariavelmente que o Mestre desenvolva primeiramente e concomitantemente ao
desenvolvimento do aluno, seu próprio desenvolvimento espiritual legítimo. Nesses casos não
adianta se enganar; se o professor paralisa em seu processo, os alunos mais fracos debandam
do Caminho, e os mais fortes o ultrapassam, voando ao infinito.

O legado de Samael Aun Weor muito extenso, profundo e abrangente, necessitando


paciência e principalmente, prática, para que possa ser compreendido. Sobre a Arte Marcial,
vejamos uma de suas citações:

Os estudantes do Zen avançado acostumam ao Judo, porém o Judo


Psicológico deles não tem sido compreendido pelos turistas que chegam
ao Japão. Ver, por exemplo, aos monges praticando o Judo, lutando uns
contra outros, pareceria como um exercício meramente físico, mas não o
é. Quando eles estão praticando o Judo, realmente quase não estão dando
conta do corpo físico, sua luta vai realmente dirigida a dominar sua própria
mente. O Judo no que se acham combatendo é contra a própria mente de
cada qual. De maneira que, o Judo psicológico tem por objetivo submeter
a mente, trata-la cientificamente, com o objetivo de submetê-la.

Desgraçadamente, os ocidentais que somente veem a casca do Judo


(como sempre, superficiais e néscios), tomaram o Judo como defesa
pessoal física e se esqueceram dos princípios Zen e Chan (isso tem sido
verdadeiramente lamentável). (WEOR, Samael Aun, conferência: A
Segunda Joia do Dragão Amarelo).

10
- Educação Fundamental, Capítulo I: A Livre Iniciativa.
12

Todos estes mestres e outros trabalharam arduamente nesta Era de Aquário,


definindo uma divisão radical entre esta e antiga Era de Peixes, que terminou no ano de 1962,
e que se manifestava numa tônica pautada pelo retraimento, pela abstração, pela vida
monástica, por uma mística introspectiva, pelos segredos não reveláveis, etc..11

Antes deles, logicamente outros grandes mestres abriram caminho para esta nova era
através de trabalhos revolucionários e titânicos. E por falarmos em Judo, falemos de um nome
se destaca: Jigoro Kano. Quase ninguém conhece este grande educador, que muito
acrescentou ao desenvolvimento da Arte Marcial enquanto um processo pedagógico bem
fundamentado e aplicável a qualquer público. Suas conquistas enquanto foi ministro da
educação infantil no Japão foram memoráveis. Mais conhecido é o sistema marcial o qual
desenvolveu, o Judo Kodokan, no início do século XX.

Este mestre também foi um grande revolucionário, primeiramente por questionar o


uso exclusivo da força e do abuso de autoridade dentre os mestres de Arte Marcial na época
em que ele mesmo era ainda um aprendiz de Jiu Jitsu. Sua constituição frágil o fazia sempre
questionar sobre um real sucesso em se defender diante de uma situação real de perigo.

Embora fosse japonês, seu pai logo compreendeu que seu país não resistiria às
investidas das Nações Ocidentais por sobre o território japonês, o que de fato resultaria na
queda da velha estruturado Shogunato no Japão e na entrada da economia capitalista no país,
por vias dos Estados Unidos da América e Inglaterra.

Foi assim que desde jovem, Jigoro Kano estudou em escolas com metodologia
ocidental, onde se formou em Economia e Filosofia. Encantava-o as metodologias científicas
ocidentais por seu pragmatismo. Quando ainda na faculdade e bem jovem, foi orientado por
um professor norte americano a estudar sua própria e profunda cultura, que não deveria
desaparecer naqueles momentos críticos. E foi assim, através de um estímulo por parte de um
estrangeiro, que Kano iniciou um longo processo de estudos que aliavam metodologias
científicas ocidentais e ciências tradicionais japonesas, desenvolvendo uma forma marcial
científica: o Judo Kodokan.

11
- Para quem queira se inteirar melhor, as Eras Astrológicas são amparadas em um fenômeno
astronômico comprovado cientificamente deste a Antiguidade e confirmado pela Astronomia, chamado
“precessão”. Este fenômeno prescreve uma alteração no eixo terrestre em um grau, a cada dois mil
anos. Como existem doze constelações que vigoram dentro do sistema astrológico clássico, teríamos
então um ciclo de vinte e quatro mil anos até que as Eras sejam repetidas por sobre a face da Terra.
Cada Era seria determinada por características específicas, associadas ao Signo Zodiacal a ela
relacionado, o que nos seres humanos repercutiria concretamente enquanto uma tônica
comportamental elementar. No livro “Aion: Estudos Sobre o Simbolismo do Si Mesmo”, o psiquiatra C. G.
Jung, analisa cientificamente como a entrada da Era de Peixes coincide com o nascimento de Cristo, e
com uma nova configuração simbólica na estrutura psíquica da Humanidade, caracterizada pela
mudança, na Bíblia, de uma foco em figuras como o carneiro (Áries), para o foco em símbolos
fundamentados em elementos como o peixe e a água. Não se trata a Astrologia, então, de algo insólito e
sem fundamentos, mas uma autêntica disciplina científica. O fato de se acreditar ou não nestas
afirmações, como sempre, dependem mais de uma questão de tendência científica, do que
necessariamente de uma averiguação experimental.
13

Muito trabalho custou para que aquele rapaz mirrado mas com vontade de ferro
pudesse desenvolver sua forma marcial até ao ponto de conseguir resultados práticos
inegáveis, tanto no plano da luta marcial, como no plano psicopedagógico. Conseguiu isso
ministrando juntamente com metodologias de treinamento marcial tradicionais, conceitos
científicos específicos, que aliavam numa só atividade, preceito e prática concreta.

Jigoro Kano teve grande importância enquanto educador, tornando-se num certo
momento, como já foi dito anteriormente, Ministro da Educação Infantil no Japão. Tal fato é
ofuscado por uma de suas realizações mais evidentes, que foi a sua luta pela introdução do
Judo enquanto modalidade olímpica.

Sua reconhecida importância enquanto educador é assinalada no artigo, referente a


uma visita do grande educador norte americano John Dewey a Tóquio, onde realizava uma
série de conferências na Universidade Imperial em 1912. Neste momento, nos é dito que John
Dewey realizou uma visita à escola de Jigoro Kano a “Kodokan”, e nesta ocasião: “Depois de
contemplar o método de Kano, Dewey estaria sumamente impressionado, chegando a afirma
que o mesmo resultava ser muito superior ao utilizado no Ocidente no âmbito da educação
física, pois aportava uma elevada dimensão espiritual. Por isso recomendaria, expressamente a
realização de um estudo ao respeito”. (CASADO e VILLAMÓN)12.

Kano foi um inovador, propiciando o desenvolvimento de um sistema de Segurança


Pública de extrema eficiência e baixo nível de violência, além de proporcionar uma melhor
formação para milhões de japoneses, através da prática do Judo. Instaurou um novo momento
na história da educação em Arte Marcial ao relacionar sistematicamente métodos tradicionais
orientais e ciência ocidental. É incrível que tal figura não seja considerada em matérias em
cursos superiores de Pedagogia.

Segundo as próprias palavras do fundador do Judo:

O princípio fundamental do Judo (...) é que, qualquer que seja o objetivo,


este se obtenha da melhor maneira pelo uso do princípio de máxima
eficiência de corpo e mente, adaptada ao fim perseguido. Este mesmo
princípio, aplicado às atividades da vida diária, nos conduz a seguir uma
vida mais racional e melhor (...) O princípio de máxima eficiência bem
aplicado à arte de ataque e defesa ou ao refinamento e aperfeiçoamento,
da vida diária, demanda sobretudo, que haja harmonia entre as pessoas, o
qual só se logra através da ajuda e concessões mútuas. O resultado é o
benefício e bem estar mútuos. A meta final da prática do Judo é inculcar
respeito pelos princípios de máxima eficácia, por um lado, e benefício e
bem estar, por outro.” (CASADO e VILLAMÓN)13

12
- “La Utopía Educativa de Jigoro Kano: El Judo Kodokan” - Prof. Dr. Julián Espartero Casado e Prof. Dr.
Miguel Villamón Universidad de León, Universidad de Valencia, Espanha, 2009. Livre tradução do original
em Español.
13
- Ibdem.
14

Muitos outros mestres poderiam ser acrescidos à lista dos revolucionários que
lutaram por uma revolução necessária a Arte Marcial para a Era que se iniciou há tão pouco
tempo. Citemos os mestres Pastinha e Bimba, da tradição da Capoeira. O primeiro é um dos
principais herdeiros da Capoeira de Angola, estilo tradicional de Capoeira, realizando a proeza
de divulgar a sua arte em forma de poesia, artes plásticas, músicas, e no fim, através do
primeiro livro escrito exclusivamente sobre a Capoeira no mundo.

Lutou a vida inteira para tirar da marginalidade a Capoeira, esta nobre forma marcial,
realizando um trabalho realmente titânico ao promovê-la sob tantas formas diferentes de arte.
Esta herança dos escravos negros foi mal vista por muitas décadas depois de instaurada a Lei
Áurea, que daria liberdade civil aos escravos negros. Infelizmente, sabemos nós, estudiosos ou
leigos, o quanto é difícil retirar de uma nação as marcas profundamente dolorosas da
escravidão. Ainda hoje temos estas marcas, que impedem que a Capoeira seja respeitada
como deveria dentro da Nação Brasileira.

Mestre Pastinha Morreria cego e abandonado em um asilo para idosos em 1981,


depois de se sacrificar imensamente por sua arte. Fico a pensar onde estariam as centenas de
alunos, discípulos e amigos de Mestre Pastinha quando este morreu abandonado numa asilo...
Sinto profundamente que muitas das dificuldades que a Capoeira sofre para ser reconhecida
como deveria, acontecem como decorrência dessa negligência dos capoeiristas em relação a
um de seus maiores mestre. Ninguém consegue se desenvolver quando subestima suas
origens, e não seria diferente com os capoeiristas. Tudo tem seu preço, a ser pago com
sofrimento ou caridade! Que os capoeiristas saibam pagar com caridade por sua negligência,
pois só assim realizarão em suas vidas os méritos conquistados por Mestre Pastinha. Sobre sua
psicopedagogia, seguem alguns pensamentos:

“O Capoeirista é um curioso, tem mentalidade para muita coisa, sabendo aproveitar de


tudo o que o ambiente lhe pode proporcionar. E a Capoeira Angola só pode ser ensinada sem
forçar a naturalidade da pessoa. O negócio é aproveitar os gestos livres e próprios de cada
um.”

“Ninguém luta do meu jeito, mas no deles há toda a sabedoria que aprendi. Cada um é
cada um.”

“Tudo o que eu penso da Capoeira, um dia escrevi naquele quadro que está na porta da
Academia. Em cima, só estas três palavras: Angola, capoeira, mãe. E embaixo, o pensamento:
Mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é
inconcebível ao mais sábio capoeirista.”

Já Mestre Bimba foi um legítimo visionário, e teve o mérito de sistematizar a


Capoeira, dando-lhe metodologias capazes de torna-la praticável por públicos cada vez mais
amplos. É inegável que a Capoeira Angola é um primor insubstituível, mas a Nova Era de
Aquário necessita de expansão e popularização das artes, ciências, filosofias e práticas
religiosas, e a Capoeira Regional, desenvolvida por Mestre Bimba, seria capaz de dar o grande
impulso que a Capoeira necessitava para ser internacionalmente conhecida e praticada.
15

A preciosidade que representa a Capoeira jamais poderia ser aprisionada por um


grupo restrita de negros iniciados, mas sim, oferecer a lição que os escravistas brancos jamais
puderam reconhecer por si próprios: a de que todos somos irmãos e compartilhamos das
mesmas necessidades.

Foi através de um estudo inteligente utilizando-se de sistemáticas orientais em Arte


Marcial, que Mestre Bimba desenvolveu uma metodologia em Capoeira capaz de torná-la
apresentável dentro de um currículo, e da mesma forma que o fez Jigoro Kano no Japão,
estabeleceu bases para uma Capoeira esportiva.

O que dizer do famoso mestre chinês de Tai Chi Chuan, Yang Cheng Fu? Segundo nos
é contado no livro “Clássicos do Tai Chi Chuan”, traduzido ao inglês por Douglas Wile, este
mestre teria aprendido com seu avô Yang Luchan , o fundador do Estilo Yang de Tai Chi Chuan,
não apenas as questões metodológicas e a filosofia da arte, mas também a importância que
esta tinha no século XIX, para a educação e a saúde do povo chinês.

Este aprendizado foi tão significativo para Yang Cheng Fu, que este mestre não se
contentou em expandir sua arte apenas para o povo chinês. Pudemos observar que seu
trabalho de disseminação do Tai Chi Chuan foi tão intenso, que propiciou que esta forma
marcial se tornasse conhecida em todo o mundo. Ao lado de outros grandes mestres chineses,
este importante mestre contribuiu para que o Tai Chi Chuan se tornasse um dos grandes
alívios aos estressados seres humanos de nossa época, com suas práticas terapêuticas que
causam grande impacto em doenças causadas por elevados níveis de estresse, regulando as
funções neuroendócrinas desequilibradas nas relações sistema simpático/sistema
parassimpático.

A China também conheceu grandes mestres de Kung Fu que auxiliaram na divulgação


desta arte pelo mundo, através de diferentes momentos que se arrastaram pelo conturbado
momento que durou desde a segunda metade do Século XIX até o início da Revolução Cultural
estabelecida em 1949, com a instauração da República Popular da China por Mao Tsé Tung.
Dentre eles podemos citar Huo Yuanjia14, Ku Yu Cheong, e no Brasil, o pioneiro Grão Mestre
Chan Kowk Wai, que foi um dos primeiros mestres no Brasil (e talvez na América) e ensinarem
publicamente ao Kung Fu para pessoas não chinesas.

E assim existem com certeza muitos outros mestres anônimos que desenvolvem
dignamente a Arte Marcial em todas as partes do mundo, lutando para preservar um pouco de
decência neste mundo desordenado.

No âmbito das ciências da Psicologia e Pedagogia, existem muitos autores que,


embora não estejam claramente ligados à tradição marcial, desenvolveram ideias muito
próprias do modo de ser marcial. Em fins do Século XIX e início do XX no Ocidente, iniciaram-se
várias “rebeliões” que culminaram em muitos momentos em verdadeiros movimentos
revolucionários na forma de se conceber a existência.

14
- Cuja história de vida se tornou roteiro do filme cujo título em português é “O Mestre das Armas”,
estrelado pelo ator Jet Li.
16

Da mesma maneira que novos modos de enxergar o existência penetraram no


Oriente, provocando a fundamentação de obras primas como o Judo Kodokan, também no
Ocidente penetraram ‘ideias estranhas’, muitas delas provindas do mundo oriental.

Na segunda metade do Século XIX e início do Século XX muitos personagens


apareceram na Europa Ocidental portando conhecimentos misteriosos, que embora a
primeira vista fossem vistos como exóticos, carregavam em sua essência uma profundidade e
uma organização interna em suas concepções, realmente inegáveis.

Personagens como Helena Blavatsky e George Ivanovich Gurdjieff, ambos oriundos do


Leste Europeu, chegaram na Europa trazendo consigo um conhecimento vastíssimo, profundo
e capaz de integrar várias áreas do conhecimento humano.

Muitos outros personagens, como os alemães Arnold Krumm Heller e Rudolf Steiner,
embora fossem cientistas conceituados no âmbito da ciência oficial, desbravaram
conhecimentos arcaicos, iniciando no Ocidente uma espécie de ciência moderna embasada
por princípios filosóficos e práticos oriundos de culturas antigas, incluindo vários destes
fundamentos na Sabedoria Oriental.

Aparentemente, as Culturas Orientais que inicialmente adentraram o âmbito cultural


e científico europeu neste momento da história foram a judaica, a indiana, a persa, a
mongólica e a tibetana. Podemos verificar tal fato através das produções artísticas e científicas
produzidas na época, seja pela música, pela literatura, pela pintura e escultura, seja por certos
conceitos científicos, tais como Kundalini, Chakras, Bodhisatva, dentre muitos outros
conceitos.

As culturas japonesa e chinesa parecem ter penetrado na Cultura Europeia deste


momento um pouco mais tardiamente, e contribuíram muito para isso os psicanalistas e
outros cientistas que estiveram ligados inicialmente a essa escola científica, como atesta C. G.
Jung, em sua conhecida obra acerca do conhecimento alquímico chinês “O Segredo da Flor de
Ouro”.

No que tange à Cultura Chinesa, tem importância fundamental um missionário cristão


que foi à China ao fim do Século XIX, mas que, por sua profunda inquietude espiritual, acabou
por adentrar seriamente no estudo da religiosidade chinesa em grupos até então fechados aos
não chineses. Seu nome é Richard Wilhelm, um alemão que traduziu a primeira versão, tanto
do Tao Te Ching, como do I Ching, livros importantíssimos para a formação da Civilização
Chinesa.

Muitas obras orientais forma mal traduzidas, ou traduzidas parcialmente, o que


logicamente gerou estragos significativos, como a obra indiana Kamasutra, resgatada por Sir
Charles Burton, famoso diplomata e ‘multicientista’ inglês. Este texto, que trata de uma forma
religiosa indiana com fundamento no estudo da sexualidade, acabou sendo traduzida por
Burton apenas em seu aspecto ilustrativo, como as figuras das posições sexuais sagradas, e de
algumas legendas superficiais.

O que não se sabe, é se o Senhor Burton não teria traduzido tal material parcialmente
por causa de sua incompreensão sobre a sacralidade do assunto, ou se queria apenas
17

introduzir algo até então considerado profano dentro da cultura europeia, apenas causando
choques de consciência para uma posterior abertura de fundo. O fato é que muitas obras e
conhecimentos orientais foram mal interpretados e caricaturados, perdendo muito de sua
essência, naquele ambiente europeu ainda despreparado. Este parece ser o caso da Yoga, que
até hoje não encontrou seriedade em suas práticas pelo mundo, por incompreensão e
fanatismo, engrandecido após a era Hippie, dentre os anos 69 e 7015.

Esta atmosfera de transformação pairava no Ocidente, como se se esperasse por


alguma grande revolução que se aproximava, e diante da qual a ciência moderna deveria fazer
algo. Por isso é que muitos cientistas ousados iniciaram verdadeiras vias crucis em favor do
desenvolvimento de um tipo de ciência que se ocupasse verdadeiramente com as questões
cognitivas básicas dos seres humanos como: o conhecimento de si mesmo, o sentido da
existência, os níveis de consciência, as relações entre percepções fisiológicas e relações
humanas com o universo psíquico do indivíduo, etc.

A lista de nomes que se empenharam nesta difícil empreitada foram muitos, mas
citaremos dois que se consolidaram no campo psicopedagógico: o alemão Carl Gustav Jung e a
italiana Maria Montessori.

Ambos os cientistas foram médicos, o que era comum no início do Século XX,
momento este em que nem a Psicologia nem a Pedagogia ainda haviam se consolidado
enquanto formação acadêmica superior. Os médicos geralmente foram os pioneiros em
investigar a psique humana e a ciência pedagógica, partido do fundamento sobre o qual
estavam mais calcados, ou seja, os aspectos biológicos que revelava funções psíquicas e
tendências comportamentais principalmente por vias dos instintos, da sexualidade e da
motricidade.

A Psicanálise, inicialmente desenvolvida por Sigmund Freud tem uma importância


ímpar no sentido do estudo das influências psicológicas inconscientes sobre a vida total do ser
humano, além de lançar as primeiras luzes sobre o comportamento da Energia Sexual (Libido),
aliando num só ponto as manifestações fisiológicas e os processos psíquicos no
comportamento humano.

O psiquiatra C. G. Jung iniciou cedo suas pesquisas na área do comportamento


humano, e parece ter tido sempre uma vida acadêmica particular, à parte daquela construída
no grupo da Psicanálise, movimento científico o qual participou ativamente por um tempo. Ele
dizia ter definitivamente se afastado da Psicanálise enquanto movimento por causa do
“deplorável dogmatismo”16 de seu fundador, Sigmund Freud, que insistia em permanecer
numa postura fundamentalista com relação a uma Psicologia baseada unicamente nos
aspectos instintivos da sexualidade. Para Jung, a Psicanálise insistia em considerar

15
- Sobre isso, Arnold Krumm Heller já chamava atenção em 1930, em seu livro Biorritmo. Tal cientista
considerava já na época o quão intenso era o charlatanismo com relação à Yoga, na época muito
favorecido pelo desconhecimento do povo sobre esta nobre arte. Hoje em dia, se tem conhecimento de
que a Yoga existe, mas esta popularização não amenizou os excessos e as loucuras produzidas no meio
dos que a praticam e ministram.
16
- Psicologia Analítica e Educação – Conferência I; contido no livro O Desenvolvimento da
Personalidade, Volume XVII das Obras Completas de C. G. Jung.
18

basicamente as funções patológicas ligadas a sexualidade, e não abria campo para o estudo de
funções naturais da mesma, e até mesmo em suas funções transcendentes, em suas
associações ao que ele chama de psicologia do “homem normal”.17

Este pesquisador se desenvolveu num vasto campo de estudos, e fundou a


“Psicologia Analítica”, que segundo seus princípios estabelecidos por seu próprio fundador,
apresenta-se com um foco importante no processo de autoconhecimento humano. Por isso
sua preocupação esclarecida acerca da possibilidade da construção de uma “Psicologia
Complexa”, que envolveria diversos aspectos existenciais simultaneamente, mas que por isso
mesmo, abriria espaço para que o ser humano normal desenvolvesse por si próprio um
processo de desenvolvimento psicológico.

Observemos agora o que nos diz C. G. Jung, em seu magnífico livro “O


Desenvolvimento da Personalidade”, que trata de educação e psicologia no processo de
desenvolvimento do ser humano. ele relata no que difere a sua proposta daquelas com
fundamentos absolutamente calcados no naturalismo ou no que ele chama de “ciências puras
do espírito”18:

Em relação a concepções anteriores, a diferença reside no fato de a


psicologia analítica não recusar a ocupar-se com quaisquer processos, por
mais difíceis e complicados que sejam. Outra diferença consiste no
método adotado e no funcionamento de nossa ciência. Não temos
laboratório com aparelhagens complicadas. Nosso laboratório é o mundo.
Nossos acontecimentos são acontecimentos reais da vida humana de cada
dia, e o pessoal submetido às provas são os nossos pacientes, discípulos,
parentes, amigos e enfim nós mesmos. O papel de experimentador
compete ao destino. Nada de picadas de agulha, de choques artificiais, de
experimento de laboratório. O que temos são as esperanças e os perigos,
as dores e as alegrias, os erros e as realizações da vida real, que se
encarregam de fornecer-nos o material de que precisamos para a
observação.

Nosso intento é compreender a vida da melhor maneira possível, tal como


ela se manifesta na alma humana. A lição que tiramos desse conhecimento
– e esta é minha sincera esperança – não deverá petrificar-se sob a forma
de uma teoria intelectual, mas deverá tornar-se um instrumento de
trabalho, que aperfeiçoará suas propriedades pela aplicação prática, de
modo a poder cumprir a sua finalidade da melhor maneira possível. Este
intento consiste na adaptação mais adequada do modo de levar a vida
humana; e esta adaptação ocorre em dois sentidos distintos (pois a
doença é adaptação reduzida). O homem deve ser levado a adaptar-se em
dois sentidos diferentes, tanto à vida exterior – família, profissão,
sociedade – quanto às exigências vitais da sua própria natureza. Se houve
negligência em relação a qualquer uma dessas necessidades, poderá surgir
a doença (...) Por isso nossa psicologia é uma ciência prática. Não
pesquisamos apenas por causa da pesquisa, mas sim levados pela intenção

17
- Ibdem.
18
- O Desenvolvimento da Personalidade, pág.96.
19

imediata de ajudar. Poderíamos também dizer que a ciência é apenas um


produto secundário de nossa psicologia e não sua meta principal; isto
indica a grande diferença existente entre ela e o que entendemos por
ciência “acadêmica”.19

Esta descrição não se afasta muito das frases simples proferidas por Mestre Pastinha,
não é mesmo? Esta incrível aproximação existente entre a maneira de experimentar a vida,
exposta por um cientista como C. G. Jung e os fundamentos da Psicopedagogia Marcial, se
repete nos trabalhos de outros eminentes personagens que revolucionaram o campo
psicopedagógico na modernidade.

Interessantes são as observações de Jung sobre o que ele chama de “designação”20:

Enfim, o que impulsiona a alguém a escolher seu próprio caminho, e a


elevar-se como uma camada de nevoeiro acima identidade com a massa
humana? Não pode ser a necessidade, pois esta atinge a muitos e todos
estes se salvam pelas convenções. A decisão moral também não pode ser,
pois geralmente todos se decidem pela convenção. O que, pois, dá o
último impulso a favor de algo fora do comum?

É o que se denomina designação; é um fator irracional, traçado pelo


destino, que impele a emancipar-se da massa gregária e de seus caminhos
desgastados pelo uso. Personalidade verdadeira sempre pressupõe
designação e nela acredita, nela deposita “pistis” (confiança) como em
Deus, mesmo que na opinião do homem comum seja apenas um
sentimento pessoal de designação. Esta designação age como age como se
fosse uma lei de Deus, da qual não é possível esquivar-se. O fato de
muitíssimos perecerem, ao seguir seu caminho próprio, não significa nada
para aquele que tem designação (...) Exemplos lindíssimos a respeito disso
se encontram no Antigo Testamento. Isto não é apenas um modo de falar
dos antigos; também o mostram confissões de personalidades históricas,
como GOETHE e NAPOLEÃO, para citar apenas dois nomes bastante
conhecidos de pessoas que não fizeram segredo de sua designação.

A designação ou o respectivo sentimento não constitui apenas uma


prerrogativa das grandes personalidades; também aparece nas pequenas
personalidades e mesmo na menor delas, só que acompanhada no
decréscimo da intensidade, tornando-se cada vez mais nebulosa e mais
inconsciente (...) Quanto menor for a personalidade, tanto mais imprecisa
e inconsciente se torna a voz, até confundir-se com a sociedade, sem
poder distinguir-se dela, privando-se da própria totalidade para diluir-se
na totalidade do grupo. A voz interior é substituída pela voz do grupo
social e de suas convenções; em lugar da designação aparecem as
necessidades da coletividade. A não poucos sucede que, mesmo estando
nesse estado social inconsciente, são chamados por uma voz individual e
assim começam a distinguir-se dos outros e a deparar com problemas a

19
- Idem, pág.97 e 98.
20
- Idem, pág. 181.
20

respeito do quais os outros nada sabem. Em geral é impossível para esse


indivíduo explicar às outras pessoas o que lhe aconteceu, pois existe como
que um muro de fortíssimos preconceitos a impedir a compreensão.

Designação ou vocação, fato é que tal constatação sobre a psique humana aponta
para algo de extraordinário dentro do ser humano, capaz de torna-lo algo absolutamente
diferente. Este ‘algo’ estaria presente em todos os seres humanos, embora, curiosamente,
toma forma consciente em poucas pessoas. Porém, tal manifestação no universo psíquico
humano determina grandes transformações, significativas, não apenas para a pessoa que a
experimenta, como também para as massas, que estão tão inconscientes de tais fenômenos, e
que até mesmo os negam violentamente. Segue outra parte do mesmo texto:

Um dos exemplos mais brilhantes da vida e do sentido de uma


personalidade, com a história no-lo conservou, constitui a vida de Cristo.
Entre os romanos existia a presunção dos Césares, e isto não era apenas a
propriedade do imperador, mas atingia a todo o cidadão – “civis Romanun
sum” (sou cidadão romano). O cristianismo se apresentou como
adversário dessa presunção, e por isso foi a única religião perseguida de
fato pelos romanos, o que menciono apenas de passagem. Essa oposição
se manifestava toda vez que o culto dos Césares e o cristianismo colidiam
entre si. Mas essa mesma oposição já tinha desempenhado um papel
decisivo na alma do fundador do Cristianismo, de acordo com o que
conhecemos por meio das alusões dos Evangelhos sobre o processo
psíquico da formação da personalidade de Cristo. A história da tentação
mostra-nos claramente com que poder psíquico Jesus colidiu: o demônio
do poder, existente na psicologia dos seus contemporâneos, que no
deserto o levou a uma grave tentação. Esse demônio era o psiquismo
objetivo, que prendia em sua esfera de ação todos os povos do império
romano; por isso podia o tentador prometer a Jesus todos os reinos da
Terra, como se quisesse fazer dele um César. Seguindo a voz interior, sua
designação e vocação, Jesus se expôs delivre vontade ao ataque da
presunção imperialista, que a todos inflava – vencedor e vencido. Com isso
reconheceu a natureza da realidade psíquica objetiva que colocava o
mundo inteiro em estado de sofrimento e ocasionava o desejo de
salvação, expresso também pelos poetas pagãos. Esse ataque psíquico
com o qual conscientemente se defrontou, ele nem o sufocou nem se
deixou sufocado por ele, mas o assimilou. E deste modo surgiu do César
dominador do mundo um reino espiritual, e do império romano o Reino de
Deus, que é universal e não pertence a este mundo. Enquanto todo o povo
judeu esperava um Messias, que ao mesmo tempo fosse um herói
imperialista e atuante na política, cumpriu Cristo sua designação
messiânica, não tanto para sua nação, mas muito mais para o mundo
romano, ao chamar a atenção da humanidade para essa verdade antiga,
que onde domina o poder não existe o amor, e que onde reina o amoro
poder desaparece. A religião do amor era exatamente o traço psíquico
oposto ao que havia de demoníaco no poderio romano (...)
21

A deificação de Jesus, como também de Buda, não causa admiração, pois


atesta de modo perfeito a estima imensa que a humanidade tem para com
esses heróis, e também o valor que confere ao ideal da formação da
personalidade. Se atualmente temos a impressão de que o predomínio
cego e destruidor de poderes coletivos sem sentido parece eclipsar o ideal
da personalidade, contudo isso não passa de uma revolta passageira
contra o predomínio da História. Quando a tradição estiver já bastante
desgastada pela nova geração, que tem tendência revolucionária, a-
histórica e é pela anti-cultura, então surgirá novamente a procura de
heróis, e esses heróis serão encontrados.21

Estas averiguações soam em nosso tempo algo realmente profético, já que o livro “O
Desenvolvimento da Personalidade”, do qual estes trechos foram retirados, foi editado em
1915, e depois disso, nós vimos duas guerras mundiais, e uma tremenda transformação de
caráter revolucionário de caráter mundial dentre os anos 50 e 60.

Será este momento em que vivemos, aquele onde toda a tradição se desgastou, e
necessita-se com urgência de novos heróis? Quem serão estes heróis? As portas do heroísmo
não estariam abertas a todos os seres humanos? O que acontecerá aos que não abraçarem seu
destino heroico com vontade e consciência, senão serem sufocados por seu próprio
inconsciente, onde a “voz do silêncio” acaba por ser sufocada pelo tumulto das massas?

A Psicopedagogia Marcial atual se encontra num ponto onde deve assumir uma
postura bem sóbria com relação aos momentos decisivos em que nos encontramos. A Arte
Marcial deve estudar cientificamente os princípios que embasam o desenvolvimento de uma
personalidade heroica, distribuindo com boa vontade e de maneira altruística todo este
conhecimento à humanidade que sofre em sua ignorância. Também a Arte Marcial deve
caminhar na anti-cultura, tendência esta que foi claramente definida por Bruce Lee como já
especificamos. Todo o tradicionalismo estéril e toda compulsão para esconder segredos
maravilhosos que ninguém jamais viu, devem cair por terra, impactados pela ânsia de
liberdade do herói.

Cabe à Psicopedagogia Marcial atual trabalhar com a infância e juventude, a fim de


realizar-se a façanha de fazer emergir do caos total, os heróis que formarão uma nova raça, já
que a atual raça humana está definitivamente condenada por suas próprias abominações.

Sigamos nosso estudo com Maria Montessori (1870 – 1952). Esta educadora iniciou
seus estudos no campo da Medicina. Foi uma das primeiras mulheres na Itália e na Europa a se
formar em Medicina, através de um processo penoso, em um ambiente intelectual estéril,
dominado pelo machismo e por preconceitos puritanos de toda ordem. Ela relata sua difícil
vida de estudante e sua vontade de desistir em vários momentos. Para termos uma ideia, os
colegas homens (já que ela era a única mulher na turma), chutavam por detrás de sua carteira,
para que a vibração dos chutes atrapalhasse seu estudo.

21
- Idem, pág. 185 e 186.
22

De nada adiantou, pois suas notas estavam dentre as mais altas e concluiu sua
formação, para desespero dos homens autossuficiente, pois ao se formar, ingressou na luta
por direitos das mulheres, compondo um lugar dentre as mais aclamadas defensoras da
dignidade feminina, inclusive proclamando discursos em diversos países.

Certo dia, ela haveria de observar num relance, um menino pobre nas ruas da Itália, a
manipular avidamente um pedaço de papel colhido do chão. Aquela cena lhe chocou de tal
forma que a partir daí, se entregou por completo e pelo resto da vida, pelo tema da educação
para crianças e adolescentes. Aparentemente, o que a chocou naquele momento em que a
criança brincava, era a espontaneidade com que a criança fez de um pedaço de papel jogado
ao chão, na miséria das ruas, um brinquedo excelente, além da capacidade de concentração da
criança ao brincar com aquele pedaço de papel.

Ela passou a conceber a educação como um processo aberto a qualquer pessoa, em


qualquer circunstância em que estivesse inserida. Na criança, os processos de brincar e de se
concentrar seriam naturais e muito mais fortes do que o que a cultura educacional da época
pudesse suspeitar. Ao trabalhar num centro psiquiátrico que tratava de educar e asilar crianças
portadoras de necessidades especiais, ela percebeu que aquelas crianças, tidas como algo sem
potencial para nenhuma educação formal, eram capazes de avanços importantes. Foi aí que
ela começou a pesquisar os processos envolvidos nos sentidos ordinários humanos, e outros
processos fisiológicos que poderiam ser praticamente utilizados na educação com estas
crianças.

Seus resultados foram tão assombrosos, que ela inscreveu muitos de seus alunos em
um exame realizado na Itália, pelo Governo, no início do Século XX. Os resultados de seus
experimentos vieram à tona como uma bomba: muitos de seus alunos tiveram médias em suas
notas acima da média nacional encontrada em alunos tidos como normais, ou mesmo,
apresentando a mesma média destes.

Enquanto ela era aclamada pela mídia e pela elite científica da época, em seu íntimo
se sentia chocada, pois, se seus alunos que eram considerados deficientes tinham tido uma
média tão boa, o que dizer do processo educativo oferecido às crianças normais, na Itália?

Dessa época em que trabalhou com crianças deficientes mentais, ela escreve:

Quando em 1898 e 1900, consagrei-me à instrução das crianças


excepcionais, tive logo a intuição de que esses métodos de ensino não
tinham nada de específico para a instrução de crianças excepcionais, mas
continham princípios de uma educação mais racional do que aqueles que
até então vinham sendo usados, pois que uma mentalidade inferior era
suscetível de desenvolvimento. Esta intuição tornou-se minha convicção
depois que deixei a escola dos deficientes; pouco a pouco adquiri a certeza
de que métodos semelhantes, aplicados às crianças normais,
desenvolveriam suas personalidades de maneira surpreendente.

Foi então que me dediquei a um estudo realmente profundo desta


pedagogia “reparadora”; empreendi o estudo da pedagogia normal e dos
princípios em que se fundamenta, e inscrevi-me como estudante de
filosofia na universidade. Uma grande fé me animava, embora não
23

soubesse se conseguiria algum dia fazer triunfar minha ideia. Abandonei,


pois, tidas as demais ocupações como se fosse preparar-me para uma
missão desconhecida. (MONTESSORI, pág. 28 e 29)22

Sobre essa “missão desconhecida”, ou vocação, lembremo-nos dos esclarecimentos


de Jung sobre o processo descrito por ele como “designação” e sobre as íntimas relações entre
este processo de necessidade individual e transcendente de expressão da personalidade, e o
caminho do autêntico herói. É notória a realidade psíquica deste fenômeno, principalmente
depois de analisarmos a época em que o livro “A Pedagogia Científica: A Descoberta da
Infância” foi publicado pela primeira vez, em 1909, e as realizações científicas de Maria
Montessori posteriores a esta época até a morte dela em 1952.

Esta grande inquietude vivida por ela influenciou a forma com que via o processo
educacional, e não é a toa que um dos fundamentos de sua convicção científica se concentra
no fato para ela inquestionável, de que a criança deve ser educada no sentido do
desenvolvimento de suas maiores potencialidades, não apenas técnicas, mas principalmente,
enquanto uma experiência de plenitude, já que “A saúde pessoal está muito relacionada com o
domínio de si mesmo, do homem, e com a veneração que se tenha pela vida e sua beleza
natural”.23

O desenvolvimento do ser humano num sentido que transcenda ao mecanismo social


das massas é uma das principais metas de Maria Montessori, como segue:

A liberdade primordial, a liberdade do indivíduo, é necessária para a


evolução das espécies por duas razões: 1) brinda ao indivíduo infinitas
possibilidades de crescimento e progresso, e constitui o ponto de partida
para o desenvolvimento completo do homem; 2) possibilita a formação de
uma sociedade, pois a liberdade é a base de toda sociedade humana (...)
As ânsias de liberdade, esse impulso interior inerente a cada indivíduo que
o leva a buscar a solidão para assim atuar por si mesmo, representa o que
nós denominamos um “nível de educação”. Para ser exatos, é o primeiro
nível de educação. Desde nosso ponto de vista, este nível corresponde à
escola, ao primário, pois nesta idade é imprescindível que a criança recebe
materiais apropriados para uma atividade livremente organizada. O
segundo nível é o passo prévio à sociedade, à organização social dos
adultos. A escola secundária deveria abrir as portas até o desenvolvimento
da personalidade e a organização social. (MONTESSORI, A Educação do
Indivíduo).24

22
- Retirados do livro “Pedagogia Científica: A Descoberta da Criança”. Trecho citado na obra “Maria
Montessori” de Hermann Röhrs, pág. 57 (Organização e tradução de Danilo Di Manno de Almeida e
Maria Leila Alves).
23
- Conferência: “A Paz”, proferida em 1932 ante o Congresso Internacional de Educação, em Genebra,
Suíça.
24
- Conferência: “A Importância da Educação na Consecução da Paz”, Escola Internacional de Filosofia
de Amersfoort em 28 de dezembro de 1937.
24

A inquietude que se apoderou de Maria Montessori após trabalhar com crianças


deficientes mentais ampliou seus trabalhos, até que, em 1907, fundou a “Casa dei Bambini”
(Casa das Crianças), local onde poderia educar crianças filhas de pessoas residentes em um
enorme complexo de moradias em um bairro pobre de Roma, San Lorenzo.

Através desse choque de consciência, Maria Montessori se empenhou de maneira


apostólica em favor do conhecimento da psicologia da criança, e do processo de educação
destas. Dentre suas descobertas, estão:

1- A psicologia infantil é portadora de características individuais, e as crianças não


seriam meras ‘coisas’ a serem educadas mediante conhecimento forçados;
2- A Educação da época em que vivia era extremamente castradora dos potenciais
criativos infantis, e dessa maneira, a psique infantil não tinha nenhuma
possibilidade de se expressar naturalmente;
3- Disciplina e liberdade andam lado a lado. Não há como desenvolver liberdade
autêntica sem disciplina e nem adquirir legítima disciplina sem liberdade, ou seja,
disciplina verdadeira significa um ato de esforço e sacrifícios conscientes por
parte da própria criança a fim de se obter liberdade;
4- Os fundamentos da psique adulta se encontram na psique infantil. Em grande
parte dos casos, sofrimentos psíquicos adultos refletem anomalias no
desenvolvimento natural e espontâneo da psique adulta;
5- Existe uma luta atroz entre o adulto e a criança, ou seja, inconscientemente, o
adulto sente medo e repulsa da psique infantil e de sua potencialidade, de
maneira que passa a atrofiar os reais potenciais infantis mediante sistemas
complicados de adequação social, familiar, etc. Esta atitude adulta no fundo
refletiria a atrofia ou má formação da psique infantil no adulto;
6- A função de todo processo educativo deve se dirigir à construção da
individualidade do ser humano, dando fundamentos para que as reais
potencialidades do mesmo se manifestem de forma plena;
7- Métodos psicopedagógicos que se fundamentam em educação dos órgãos dos
sentidos e disciplinas físicas devem coadunar com métodos que desenvolvam
aspectos mentais (concentração, abstração, etc.) e emocionais (prazer em realizar
atividades produtivas, relacionamento humano saudável, etc.), de maneira a
facilitar o desenvolvimento do autoconhecimento;
8- As crianças tem uma tendência natural para a ordem e trabalhos diversos, tanto
individuais quanto em grupo, contrariando a todas as expectativas educacionais
que tendem a forçar as crianças a realizarem atividades dadas a priori;
9- É necessário desenvolver uma “Ciência da Paz”, da mesma forma que existe uma
“Ciência da Guerra”;
10- As guerras revelam em seus fundamentos, uma relação doente para com a psique
infantil, onde os adultos desenvolvem maneiras diversas de expressão da
violência que seriam evitadas, caso fossem bem conduzidos, na infância, para
suas melhores potencialidades;
11- Qualquer expectativa de uma Humanidade equilibrada se encontra no pleno
desenvolvimento da psique infantil, respeitando seus funcionamentos próprios, e
conduzindo as crianças pelo caminho da individualização;
25

12- A religiosidade é um aspecto primordial na formação da integridade do ser


humano e deve ser considerada no processo educativo.25

Sobre sua “Ciência da Paz”, discorreremos no capítulo seguinte. Importa-nos


compreender as repercussões de sua vocação pedagógica em termos da educação global. Suas
pesquisas e trabalhos, que se iniciaram com crianças deficientes mentais na Itália, acabaram
por se difundir inicialmente pela Europa e por fim, até o Oriente. Em 1931, Maria Montessori e
Mohandas Gandhi se conheceram na cidade de Londres, num evento internacional. Gandhi
ficou assombrado pelas práticas e ideias de Montessori, e por isso, convidou-a a lecionar na
índia, de forma a auxiliar na educação de crianças pobres e desfavorecidas do país. Mas foi
apenas em 1939 que Montessori foi definitivamente viver na Índia, aonde ficou por 7 anos.

A Segunda Guerra Mundial havia se iniciado e seu retorno para a Europa era
tremendamente arriscado, ainda mais ao considerarmos seu exílio da Itália, por parte do
ditador fascista Benito Mussolini. Apenas com o término da guerra, em 1946, que a educadora
retorna para a Europa, não sem antes passar por uma grande provação: a prisão de seu filho,
Mário Montessori, em um campo de concentração, por ser considerado inimigo do Estado
Inglês (rival da Itália na guerra).

Curiosamente, o Governo Indiano interviu nessa questão, pois durante sua estadia no
país, a educadora havia realizado tantos benefícios em seus projetos educacionais, que acabou
sendo agraciada, em seu aniversário de 70 anos, com a soltura de seu filho.

Percebemos que seus trabalhos e estudos conseguiram uma abrangência rara,


podendo ser aplicados em tantos países pela Europa, com diferenças culturais gritantes,
chegando a ter significação até mesmo na Índia. A importância de mulheres como estas em
relação à Psicopedagogia Marcial não está apenas em suas realizações científicas, mas
principalmente, pelo que movimenta tais realizações, ou seja, o espírito guerreiro que as
movimenta. É importante destacar o que significa para o amadurecimento da Arte Marcial a
intervenção de mulheres guerreiras como Maria Montessori, e não apenas dela, mas das
milhões de mulheres que se esforçam cotidianamente por incutir em seus filhos, amigos,
companheiros, alunos, os valores básicos do heroísmo.

Concluímos este capítulo afirmando uma das principais características da Arte Marcial
e de sua psicopedagogia: transformar-se, adaptando-se às necessidades, sem perder seus
fundamentos. Enquanto das massas sombrias nascem as degenerações no campo marcial,
podemos perceber uma nova forma de se manifestar a legítima Arte Marcial, em seus
fundamentos básicos e imortais.

Esta nova concepção, típica de nossa época turbulenta e essencialmente


revolucionária, para o bem ou para o mal, iniciou-se no Ocidente e no Oriente, de forma que
se torna cada vez mais difícil ou mesmo, desnecessário falarmos de “Estilos Marciais”, já que
os fundamentos da Arte Marcial palpitam cruamente, sem máscaras, à medida em que vários
heróis os revelam, em diferentes áreas do saber.

25
- Ver o livro “A Santa Missa Vivida Pelas Crianças”, de Maria Montessori.
26

Já não é necessário mais se isolar da sociedade para que estes fundamentos sejam brindados
aos que assim o desejarem, mas sim, que a personalidade aceite, em meio ao turbilhão das
massas, experimentar a solidão necessária para que estes princípios sejam captados, para logo
serem praticados. Infelizmente, nossa raça humana está tão degenerada, que mesmo que se
grite pelas ruas, ou mesmo que se ensine tais conhecimentos nas escolas, atualmente, poucos
heróis autênticos destacarão, mesmo se tendo diante dos olhos o conhecimento que há
milênios foi ensinado às escondidas.

Mesmo assim, creio firmemente que este conhecimento deve ser propagado a preço
de sangue, pois este sempre foi o preço pago pelos heróis por sua liberdade. Devemos iniciar
sempre estas revoluções heroicas na infância, afinal de contas, as crianças necessitam, e
sabem que necessitam, ser elas mesmas heroínas e donas de suas próprias vidas. Pena que
nos adultos esta necessidade geralmente morre, dando lugar à vida vazia das máquinas
socialmente condicionadas...

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