Você está na página 1de 32

Beleza, Rigor e Dignidade:

A Cultura Material Tupi no Tempo e no Espaço


“Esta arte comunal é a floração maior das comunidades indígenas.
Aquela que lhes confere a imagem visível de si mesmas, de sua beleza, rigor e dignidade”.
(D. Ribeiro, 1987: 31)

Fabíola Andréa Silva


Eduardo Góes Neves
Paulo Antonio Dantas De Blasis
“A Caixa é a única empresa brasileira presente em todos os 5.562 municípios do País e que, ao completar 143 anos, está
consolidada como o banco do povo brasileiro e a principal executora das políticas públicas do Governo Federal.

A cultura também está no centro das preocupações das políticas públicas, de maneira a incentivar as manifestações artísti-
cas e democratizar o acesso à arte. E a Caixa, em consonância com essas políticas, tem priorizado o seu apoio à circulação
da produção artística nacional, em seus espaços culturais ou em espaços de terceiros, privilegiando aqueles projetos com
maior alcance e significação social, além da valorização e divulgação da cultura nacional, a exemplo do seu apoio ao tea-
tro, dança, artes visuais, fotografia, artesanato e projetos de arte-educação.

Os Conjuntos Culturais da CAIXA desenvolvem ações voltadas ao fomento da produção cultural e ao surgimento de novos
talentos, descentralizando projetos e resgatando valores e tradições da cultura brasileira nas artes plásticas, artes cênicas e
literatura. Além de teatros, galerias de arte e museus que contam a história da empresa e do País, a CAIXA possue um impor-
tante acervo artístico que abrange toda a história da pintura moderna e contemporânea do Brasil, composto por mais de mil
e setecentas obras de arte, com destaque para nomes como Anita Malfatti, Portinari, Di Cavalcanti, Djanira e Tarsila do Amaral.

A Exposição Brasil Tupi soma-se às iniciativas da Caixa de promover o acesso da população a acervos importantes da cultura
brasileira, mostrando, nesta oportunidade, os artefatos utilizados pelos índios que habitavam o antigo Planalto de Pirati-
ninga, onde surgiu a cidade de São Paulo. São peças, documentos, imagens fotográficas de parte do acervo do Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.

Esta parceria entre a Caixa e o MAE, um importante instrumento de pesquisa científica arqueológica e etnológica, pre-
senteia a população da Cidade São Paulo com um recorte da sua própria história, que resgata a cultura dos primeiros
habitantes destas terras que hoje abrigam a maior e mais rica cidade brasileira e uma das maiores do mundo.

Mais que uma exposição, Brasil Tupi é o elo que liga a cidadania histórica que buscamos na revitalização do Quadrilátero da
Sé e na democratização da cultura nacional “.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL


O Centro Cultural da Caixa Econômica Federal, ao consolidar sua presença e aprimorar suas instalações na Praça da Sé em São
Paulo, oferece ao Museu de Arqueologia e Etnologia a oportunidade de estender seus serviços universitários a um público
amplo e diversificado. A CEF tem contribuído de forma expressiva para qualificar o papel incontrastável por 450 anos do marco
zero da metrópole e o MAE participa honrado desse esforço, desdobrando suas ações externas à Cidade Universitária na capital.

Brasil Tupi, com suas 70 peças – número de anos que está celebrando a Universidade de São Paulo –, com seus cuidadoso pro-
jeto, vitrines e painéis, constitui exposição que acusa, testemunha e exalta muito do que nestas terras orientais americanas se
fez e se faz. Sua curadoria também aponta, comprova e alerta para a luta pela sobrevivência de nossos índios em geral e para
seu cenário pregresso e atual, espalhado por milhões de quilômetros quadrados de nosso continente, por toda a nação.

Salpicada pelo território brasileiro e para além de nossas fronteiras, a variada gente tupi prossegue em sua mobilidade mile-
nar da Amazônia à bacia do Prata, do interior para as praias e, acossada pelos que atravessaram o Atlântico, por mestiços e
outros bugres, de volta ao sertão. Os povos indígenas do portentoso tronco lingüístico tupi revelam por seus vestígios mate-
riais notável capacidade de adaptação, assim como preponderam no batismo dos bichos, plantas, das águas e terras do Brasil.

Murillo Marx
Diretor do MAE USP
Apresentação

Os povos indígenas que habitam o Brasil têm uma rica história com mais de 12.000 anos, quando se iniciou a ocupação
humana da América do Sul. Essa longa história pode ser entendida a partir do estudo dos vestígios deixados pelos ances-
trais dos povos indígenas que hoje ocupam todo o território brasileiro. Esses vestígios, formados por sítios arqueológicos,
objetos de cerâmica e pedra, cemitérios, restos de plantas e de fauna mostram que o passado pré-colonial dessa parte da
América do Sul foi bastante dinâmico.
A exposição Brasil Tupi, no acervo do MAE-USP pretende contar um pouco dessa história, a partir de objetos arqueológicos e
contemporâneos produzidos por índios que falam ou falavam línguas pertencentes ao tronco lingüístico Tupi ou que, de
alguma forma, têm sua história relacionada aos grupos Tupi. No século XVI, época da chegada dos europeus às Américas, boa
parte do litoral do sudeste e do nordeste, bem como do interior e do litoral sul do que veio a ser o Brasil eram ocupados por,
respectivamente, índios Tupinambá e Guarani e todos outros grupos a eles relacionados cultural, lingüística e biologicamente.
Graças a essa situação, há uma rica documentação sobre esses grupos, principalmente nos séculos XVI e XVII. A arqueologia
mostra, no entanto, que a ocupação Tupinambá e Guarani nessas áreas se iniciou no primeiro milênio DC a partir de uma ori-
gem Amazônica. Ou seja, os Tupinambá e Guarani também têm uma história de expansão e colonização.
Após o início da colonização européia, como se sabe, a população indígena sofreu uma imensa diminuição devido à pro-

Questões para reflexão


Prezado Público Visitante,
Estas questões apresentadas ao longo deste catálogo visam despertar sua reflexão sobre a temática indígena.
Propiciam uma oportunidade singular para que você aprofunde a observação de artefatos da cultura material de
povos que possuíram e possuem grande importância na formação de nossa cultura.
Sugerimos que estes questionamentos sejam realizados a partir de sua visita a esta exposição e que contribuam para
a compreensão sobre a questão indígena em nosso país.
Nossos monitores também estão à sua disposição para ampliar e enriquecer um diálogo profícuo no entendimento
desta problemática.
Camilo de Mello Vasconcellos
Carla Gibertoni Carneiro
Judith Mader Elazari
Educadores do MAE USP
pagação de doenças, escravidão, guerra. Os povos Tupi também passaram por esse processo, que levou à virtual extinção
dos Tupinambá do litoral. Mesmo assim, cinco séculos após a chegada de Cabral, os grupos Tupi continuam ocupando dife-
rentes partes do Brasil, da periferia de São Paulo ao interior do Rio Grande do Sul, do litoral do Rio de Janeiro à vastidão da
Amazônia. Essa ampla distribuição e vitalidade criativa ante a pressão da conquista são mostradas a partir de objetos pro-
duzidos no século XX por diferentes grupos falantes de línguas Tupi do Brasil.
É, portanto, mostrando, através de objetos, que os grupos Tupi têm história e que seguem vivos e por toda a parte do Brasil, que
a exposição se estrutura. A curadoria da exposição foi realizada por Fabíola Andréa Silva, Eduardo Góes Neves e Paulo De Blasis.
O acervo do MAE - reunido por profissionais renomados como Herbert Baldus, Claude Lévi-Strauss, Lux Vidal, Peter Hilbert,
Anette Lamig-Emperaire, Harald Schultz e Thekla Hartmann - é rico e diversificado o suficiente para a escolha dos objetos que
compõem a exposição. A escolha foi complementada por peças cerâmicas dos Asurini do Xingu, um grupo Tupi da Amazônia,
que pertencem ao acervo particular da Dra. Fabíola Andréa Silva, uma das curadoras. O critério de escolha passou sempre,
desde o início, pela discussão com conservadores e educadores sobre as condições de integridade e o potencial educativo
das peças. A exposição é também uma atividade que comemora os quinze anos do MAE, uma Instituição que, embora recente,
conta com acervos centenários, apesar de ainda não dispor de um prédio adequado à importância desse acervo.
Murillo Marx, Diretor do MAE, proveu o apoio institucional necessário para o desenvolvimento dos trabalhos. A exposição
e catálogo só puderam ser produzidos com sucesso graças à participação de uma série de profissionais atuando dentro e
fora do MAE. No museu, o empenho e dedicação de Carla Gibertoni Carneiro e Marilúcia Bottallo, Diretoras dos Serviços
Técnicos de Musealização e Curadoria, foram fundamentais para a inspiração, mobilização e coordenação do corpo técnico
da casa. O MAE tem a boa fortuna de contar com um corpo técnico altamente qualificado em educação, documentação,
conservação, restauro e museografia, o que permitiu que a exposição e o catálogo pudessem ser produzidos rapidamente.
Dentre esses técnicos de alto nível, foi fundamental a participação entusiasmada de Camilo de Mello Vasconcellos, Cida
Santos, Judith Mader Elazari, Silvia Cunha Lima e Wagner Souza e Silva. O apoio de Célia Maria Cristina Demartini,
Clementino Virgínio da Silva, Elly Ferrari, Gedley Belchior Braga, Luís Carlos Borges, Maria Aparecida Alves e Regivaldo Leite
foi também importante. Ainda no MAE, Marília Xavier Cury pensou inicialmente na idéia da exposição.
A possibilidade de trabalhar com Carlos Verna, Monica Schoenacker e Frédéric Berthélémé na concepção, produção e exe-
cução da planta e desenho da exposição, do catálogo e de outros materiais gráficos foi uma grata experiência. Do contato
com esses profissionais surgiram soluções criativas que deram formas ricas aos conceitos que nortearam a exposição.
Finalmente, Elcio Mendes Paiva, Hilda Ishibashi e sua equipe no Conjunto Cultural da Caixa em São Paulo, criaram as condi-
ções para a realização da exposição.

São Paulo, junho de 2004


Eduardo Góes Neves
Coordenador

1) Reflita a respeito do título desta exposição: Brasil Tupi. 2) Problematize o conceito de indígena no Brasil. 3) Quantas são e onde
-65° -55° -45° -35°

nco
Bra
Rio
Rio Negro
2 1
0° 0°
nas
3 Rio
Am
azo

s
cantin
Rio Sol
imõe

iba
s

a
Rio To

rn
s

Rio Xingu

ira

Pa
pa
e
r

ad
Ju

Ta

o
us

Ri
r M
o

o
Pu io
Ri

Ri
o R
Ri

s
cantin
ia
g ua
Ara
4

Rio To
Rio
-10° -10°

o
isc
nc
Fra
ai
gu

o
a


Par

Rio
5
Rio

1 Cultura Marajoara

2
á

-20° -20°
n
ra

Cultura Tapajônica e adjacências


Pa
o
Ri

3 Cultura Guarita
6
4
Rio
Igu
Provável região de origem dos grupos Tupi açu

5 Distribuição dos Tupinambá no séc. XVI

6 Distribuição dos Guarani no séc. XVI

0 150 300 km
-30° -30°

-75° -65° -55° -45° -35°

mapa 1: provável rota de expansão Tupi Guarani

vivem atualmente as sociedades indígenas no território brasileiro? Qual a estimativa dessas populações anteriormente à chegada dos
A chegada dos europeus à América significou tanto a conquista de novas terras e inúmeras riquezas como, também, a des-
coberta de uma diversidade de populações ameríndias com visões de mundo e modos de vida extremamente diferenciados.
Deste encontro entre diferentes culturas surgiram várias imagens que foram atribuídas aos povos indígenas. Estes foram
representados tanto como bons e maus selvagens, conforme o imaginário e os interesses que marcaram todo o período
de conquista do Novo Mundo.
Independentemente das imagens que foram elaboradas sobre estes povos, porém, o fato é que os mesmos foram pouco
compreendidos e respeitados pelo conquistador. Nestes cinco séculos, ao longo do processo histórico de consolidação do
Estado Nacional brasileiro, vários destes povos simplesmente desapareceram, dizimados por diferentes causas.
A escravização indígena, por exemplo, começou desde meados do século XVI, visando suprir as necessidades de mão-de-
obra para a economia açucareira. O apresamento dos índios, seja pelas tropas de resgate oficiais, seja pelas expedições par-
ticulares que penetravam pelos interiores e sertões, foi levado a cabo até meados do século XVIII. Guerras de dizimação
foram, em grande parte, o que restou para muitos dos grupos indígenas resistentes a estas práticas.
Além da escravização, as epidemias também contribuíram para flagelar os povos indígenas. Embora não tenhamos ainda
estudos demográficos muito detalhados, acredita-se que mais de 90% da população indígena desapareceu ao longo des-
tes séculos, vitimada por estes inimigos invisíveis trazidos pela população branca ao continente americano: vírus e bacté-
rias contra os quais os povos indígenas não tinham imunidade.
A população indígena atual do Brasil tem em torno de 370.000 indivíduos que falam em torno de 180 línguas diferentes.
Os povos que falam línguas Tupi perfazem um total de aproximadamente 70.000 pessoas e se encontram dispersos por
todo o território nacional. Os povos indígenas do Brasil contemporâneo são os descendentes de uma população que pode-
ria ter alcançado, antes do século XVI, um contingente de mais de 6 milhões de pessoas.
No século XVI, uma parte significativa do que é hoje o território brasileiro era ocupada por populações que falavam línguas
pertencentes ao que chamamos de tronco lingüístico Tupi. Um tronco lingüístico é um conjunto de línguas aparentadas
entre si, cujo parentesco se deve ao fato de dividirem uma origem comum. Pode-se representar um tronco lingüístico como
se ele fosse uma árvore, sendo que o tronco da árvore seria o próprio tronco lingüístico, enquanto que os galhos maiores
dessa árvore seriam as famílias lingüísticas e os galhos mais finos as línguas. No caso da língua portuguesa, por exemplo, as
similaridades aparentes com o espanhol, o italiano, o catalão, o galego, o romeno e o francês indicam que todas essas lín-
guas descendem de um ancestral comum, que é o latim. O latim por sua vez - e todas essas línguas que dele se originaram
- é uma língua da família Indo-Européia.
A partir de línguas ancestrais novas línguas vão se diferenciando ao longo do tempo, como resultado de processos que têm
a ver com o isolamento, migração, expansão econômica, expansão militar, extinção. Como exemplo, a grande difusão da
língua espanhola na América Latina é resultado da expansão colonial espanhola pelo continente. Do mesmo modo, a
ampla distribuição da língua quéchua pelos Andes é conseqüência da expansão militar do império Inca antes da conquista
européia. É óbvio que as línguas em si não se diferenciaram ou desapareceram por conta própria. Expansões ou retrações
são feitas por populações que carregam consigo seus modos de vida, padrões de organização social e econômica e tam-
bém suas línguas. Assim, no caso da Amazônia e da Nova Guiné, a intensa expansão econômica e destruição de florestas
que têm ocorrido nas últimas décadas nesses locais têm levado ao desaparecimento de populações locais, seus modos de

colonizadores? 4) Qual o profissional que realiza pesquisas sobre as sociedades indígenas existentes no território brasileiro
vida e suas línguas, às expensas da expansão de línguas como o português e o inglês. Atualmente, no Estado de Rondônia,
há línguas que são faladas por menos de dez indivíduos. Isso é lamentável, porque o desaparecimento de uma língua é
também o desaparecimento de uma maneira de enxergar, conhecer e transformar o mundo.
As línguas do tronco Tupi descendem de uma língua ancestral falada há cerca de 5.000 anos em uma região do sudoeste
da Amazônia, no que são atualmente partes dos Estados de Rondônia, Amazonas e Mato Grosso. Acredita-se que essa
região seja o centro de origem porque é ali que se encontra o maior número de línguas e famílias lingüísticas do tronco
Tupi. Dentre essas línguas há o Karitiana, o Cinta Larga, o Suruí, o Zoró. A idade de 5.000 anos é sugerida pelo grau de seme-
lhança entre palavras de origem comum nessas línguas. Quanto maiores as semelhanças, pode-se propor que mais recente
foi a separação entre as línguas, quanto menores as semelhanças, mais antiga a separação.
Dentre as famílias lingüísticas que compõem o tronco Tupi, a mais conhecida é a família Tupi-Guarani. Curiosamente, línguas da
família Tupi-Guarani não eram, no século XVI, faladas na suposta área de origem das línguas Tupi, no sudoeste da Amazônia, mas
sim em outra área, bastante ampla, que englobava boa parte do litoral Atlântico – desde, ao norte, o Rio Grande do Norte até,
ao sul, a foz do rio da Prata, na atual cidade de Buenos Aires – e do interior do sul e partes do centro-oeste do Brasil e dos atuais
territórios da Bolívia e do Paraguai (mapa 1, pag. 4). Os testemunhos arqueológicos do contato entre os Tupinambá e europeus
nos séculos XVI e XVII podem ser encontrados em artefatos nos sítios arqueológicos, como é o caso de um prato cerâmico esca-
vado no sítio de Itaguá, em Ubatuba, SP, que apresenta decoração com motivos florais, influência européia, mas técnica de pro-
dução, de combinação de cores e de produção de corantes típicas das cerâmicas dos Tupinambá (fig. 1, pag. 9 ).
A ampla expansão das línguas Tupi-Guarani além do território ancestral foi um processo anterior à chegada dos europeus nas
Américas e ocorreu há mais de 2.000 anos, o que é atestado pela datação de sítios arqueológicos no sudeste e sul do Brasil.
Atualmente, os povos Tupi são divididos em 47 etnias que estão agrupadas de acordo com a família lingüística a qual per-
tencem. O Tronco Tupi possui 10 famílias lingüísticas com várias línguas e dialetos (ver tabela abaixo):

família lingüística língua(s)


Asurini do Tocantins, Suruí do Tocantins, Parakanã, Amanayé, Anambé, Apiaká, Araweté, Asurini do Xingu,
Tupi-Guarani Avá, Guajá, Guarani-Mbyá Guarani-Nhandeva, Guarani Kayowá, Kamayurá, Kayabi, Kokáma, Omágua,
Parintintin, Diahói, Juma, Tenharin, Tapirapé, Guajajara, Tembé, Uruewauwáu, Urubu-Kaapor, Waiãpi, Xetá
Arikém Karitiana
Juruna Juruna, Xipaya
Mondé Aruá, Cinta-Larga, Gavião, Mondé, Suruí, Zoró.
Munduruku Kuruáya, Munduruku
Ramaráma Uruku, Itogapúk
Tupari Makuráp, Tupari, Wayoró, Mekéns e Akuntsu
Puroborá Puroborá
Aweti Aweti
Sateré Sateré-Mawé

atualmente? 5) Qual o profissional que realiza pesquisas sobre os povos que habitavam o território brasileiro anteriormente à chegada
fig. 1: prato cerâmico com pintura policrômica, Tupinambá, sítio Itaguá, Ubatuba, SP, séc. XVI DC,
coletores D. Uchoa e C. Garcia (h=4,7cm diâmetro=28,5cm)

dos colonizadores? 6) Discuta a importância destas pesquisas atualmente no nosso país. 7) Qual o futuro das sociedades indígenas
fig. 2: vaso cerâmico com pintura policrômica, Guarani, sítio José Fernandes, Itaberá, SP, data desconhecida,
coletor S. Maranca (h= 26 cm diâmetro maior=35cm)

10

no Brasil? 8) Quais as principais lutas que estas sociedades vêm travando atualmente? 9). Em que aspectos podemos notar a presença
Além de possuírem afinidade lingüística os povos Tupi apresentam algumas outras características culturais comuns. A maio-
ria destes povos ocupa preferencialmente ambientes de floresta e são agricultores que cultivam uma variedade de plantas
dentre as quais se destacam o milho e a mandioca, sendo sua dieta enriquecida com os produtos da caça, pesca e coleta.
O grupo doméstico é a estrutura social fundamental na maioria destas sociedades, tanto por ser a unidade econômica de
produção como, também, por se constituir em uma unidade política. No entanto, existe uma certa fluidez na constituição
destes grupos domésticos, tendo em vista que os seus membros podem variar de tempos em tempos em função de novos
arranjos matrimoniais e de residência. Além disso, na maioria dos grupos, o poder político e religioso pode ser exercido pelo
mesmo indivíduo que é, ao mesmo tempo, pajé e chefe familiar e político.
Outro aspecto recorrente entre os Tupi é a importância fundamental dada ao mundo sobrenatural, que é habitado pelos
espíritos, deuses e mortos. Além disso, para eles as fronteiras entre este domínio da sobrenatureza, o mundo dos homens
e da natureza, são indefinidas. Neste sentido, o xamanismo e as performances rituais são processos supervalorizados nes-
tas sociedades, pois traduzem as relações que se estabelecem entre estes diferentes domínios e os seres que neles habi-
tam. A noção de Pessoa é também parte crucial do seu pensamento, e se conjuga nesta inter-relação entre os diferentes
domínios cosmológicos Tupi. Neste sentido, o xamã e o guerreiro seriam então os tipos emblemáticos da Pessoa Tupi,
estando ora em complementaridade ora em absoluta proximidade.
Assim, se tentássemos estabelecer o que caracterizaria um modo de ser Tupi diríamos que, de modo geral, são povos
agricultores, com uma organização social flexível, um poder político baseado no prestígio e na importância religiosa do
indivíduo, e que compartilham um mundo espiritual e ritual onde o xamanismo, a guerra e o canibalismo são noções
extremamente importantes para a construção da sua identidade.
Nos séculos XVI e XVII, as descrições feitas pelos europeus permitem que se conheça bastante sobre os grupos falantes de
línguas da família Tupi-Guarani que ocupavam o litoral Atlântico e o interior da região sul do Brasil. Dentre esses grupos, há
os próprios Guarani, Carijó, Tupinambá, Tupiniquin, Caeté, Tamoio etc. Muitos deles desapareceram, sucumbindo às doen-
ças, à guerra e à escravidão. Outros sobreviveram e hoje têm sua população crescendo, como é o caso dos Guarani.
É possível datar a chegada dos ancestrais desses grupos – aqui chamados genericamente de Tupinambá e Guarani - ao sul
e sudeste do Brasil por causa das semelhanças entre as cerâmicas presentes nos sítios arqueológicos e as cerâmicas por eles
produzidas e descritas pelos europeus na época do contato inicial, nos séculos XVI e XVII. Essas cerâmicas têm em comum,
entre outras coisas, um tipo de decoração pintada em três cores, chamada de pintura policrômica, vermelho ou laranja e
preto sobre uma base branca (fig. 2, pag. 10). Assim, normalmente quando se encontra no sul e leste do Brasil cerâmicas
com esse tipo de decoração, em sítios arqueológicos localizados em meia encosta próximo a cursos d´água, sabe-se que
ela foi produzida por ancestrais dos Tupinambá e Guarani. A datação dos sítios arqueológicos com essas cerâmicas permite
saber a antigüidade da presença desses grupos em diferentes regiões do Brasil.
Se todos os grupos Tupi têm mesmo uma origem amazônica e se os Tupinambá e Guarani já ocupavam o leste e sul do Brasil
há cerca de 1.500 anos atrás, sua expansão a partir da Amazônia se iniciou ainda antes disso. A expansão Tupi-Guarani não
foi um processo único, mas sim relacionado a outros eventos que ocorreram na Amazônia e outras partes do território brasi-
leiro mais ou menos na mesma época. Dentre esses eventos há, por exemplo, o surgimento de grandes aldeias na Amazônia,
no Brasil central e também na região do Pantanal, indicando não apenas crescimento populacional mas também a adoção

11

indígena em nossa sociedade e que vem contribuindo para a formação de nossa cultura? 10) Cite algumas imagens que os europeus
fig. 3: urna funerária com pintura policrômica, Marajoara, fig. 4: urna funerária cerâmica com pintura, incisão e excisão,
ilha de Marajó, PA, sécs. IV-XIV DC, coletor H. Schultz, 1950 Marajoara, ilha de Marajó, PA, sécs. IV-XIV DC, coletor H. Schultz,
(h=29cm diâmetro maior=27cm) 1950 (h=40,5cm Diâmetro maior=30,5cm )

de um estilo de vida mais sedentário, com o surgimento de comunidades de até centenas e alguns milhares de pessoas.
Todos esses fenômenos parecem ser o resultado de mudanças profundas na economia e organização social das popula-
ções que habitavam esses locais há cerca de 2.000 anos atrás. Talvez essas mudanças estejam relacionadas à adoção de
modos de vida dependentes na agricultura do milho e da mandioca. Em todo caso, parece claro que elas se iniciaram na
região amazônica para depois ocorrer no centro-oeste, sul e sudeste do Brasil.
A expansão dos Tupinambá e Guarani não foi uma simples migração, mas sim um processo lento, que envolveu a coloni-
zação paulatina de áreas com aptidão agrícola por grupos ou facções que se dividiam a partir de uma aldeia ou grupo de
aldeias ancestrais. A divisão entre grupos e facções, conseqüência de tensões políticas, em muitos casos levava ao surgi-
mento de novas comunidades que eram inimigas entre si. Assim, embora se possa falar em uma unidade cultural, religiosa
e econômica entre os grupos Tupi, esses grupos nunca compuseram uma unidade política mais ampla, como um Estado.
Na época do início da expansão Tupinambá e Guarani para o sul e sudeste do Brasil uma série de mudanças, em alguns
casos envolvendo também expansões populacionais, ocorreram na Amazônia. Tais mudanças ensejaram uma maneira dife-

12

colonizadores elaboraram sobre os indígenas a partir do século XVI. 11) Além da escravização, que outro fator também contribuiu
rente de manejar o meio ambiente e transformar a paisagem, deixando marcas bastante visíveis na arqueologia da região.
Assim, na ilha de Marajó e áreas adjacentes, a partir de cerca de 1.600 anos atrás, surgem vestígios de uma população que
construía aterros artificiais com vários metros de altura e dezenas de metros de comprimento. Esses aterros eram locais de
habitação e cemitério. Neles se encontram cerâmicas sofisticadas, também com decoração pintada em vermelho, preto e
branco. A cultura Marajoara se desenvolveu por quase mil anos nessa região (mapa 1, pag. 4).
As cerâmicas Marajoara apresentam uma grande diversidade de padrões de decoração e forma. Talvez o padrão mais conhe-
cido seja o de urnas globulares, com decoração pintada policrômica e também decoração modelada representando figuras
antropomorfas através da indicação de olhos, orelhas e adornos (fig. 3, pag. 12). Outras urnas mostram uma decoração ainda
mais complexa, combinando pintura, o uso de incisões e excisões e o modelado representando figuras antropomorfas e zoo-
morfas (fig. 4, pag. 12). Outros tipos de vaso foram usados como meios para decoração pintada com motivos geométricos,
incluindo aqueles com formas mais simples de tigela (fig. 5, abaixo) e outros com formas mais complexas incluindo bases
duplas em pedestal (fig. 6, abaixo).
A semelhança entre a forma e decoração de vasos Marajoara e Tupinambá levou alguns autores a sugerir que haveria algum
tipo de relação biológica ou cultural entre esses grupos, mas essa questão não foi ainda resolvida. De fato, o uso da deco-
ração em algumas tigelas feitas pelos Tupinambá mostram um uso refinado da pintura policrômica, incluindo motivos em
linhas finas sinuosas, sempre em vermelho, sobre uma base de cor branca (fig. 7, pag. 14 e fig. 8, pag. 15). Os motivos pin-
tados nesses vasos parecem emular as vísceras dos indivíduos que eram sacrificados e comidos em rituais canibalísticos.

fig.5: tijela cerâmica com pintura policrômica, Marajoara, fig .6: vaso cerâmico com base dupla em pedestal e decoração
ilha de Marajó, PA, sécs. IV-XIV DC, coletor H. Schultz 1950 pintada, incisa e excisa, Marajoara, ilha de Marajó, PA, sécs.
(h=6cm Diâmetro=12cm) IV-XIV DC, coletor H. Schultz, 1950 (h=9cm c=27,5cm l=25cm)

13

de maneira contundente no processo de extermínio das culturas indígenas? 12) Em relação específica aos povos Tupi qual o
fig. 7: tigela cerâmica policrômica Tupinambá, data desconhecida, encontrada em uma igaçaba no estado de São Paulo,
comprado do Dr. B. Estelita Alvares em 1903 (h=8,7cm c=37,5 l=25,5cm)

14

contingente populacional deste grupo e onde se localizam geograficamente? 13) O que vem a ser os grupos Tupi? Em quantas etnias
fig.8: tigela cerâmica policrômica Tupinambá, data desconhecida,
coletor desconhecido (h=14cm c=45cm l=40,5cm)

15

estão divididas? 14) Represente o tronco lingüístico dos Tupi e suas respectivas subdivisões por meio do desenho de uma árvore.
Cerâmicas arqueológicas com decoração em vermelho, preto e
branco são encontradas em outras regiões da Amazônia além
da ilha de Marajó. Dentre essas regiões, há o médio Amazonas
onde sítios com cerâmicas semelhantes às Marajoara, conheci-
das como Guarita (mapa 1, pag. 4). Os sítios com cerâmicas
Guarita são bastante grandes, indicando que eram grandes
aldeias no passado, onde viviam centenas ou até milhares de
pessoas. As cerâmicas Guarita são mais recentes que as
Marajoara, datando entre 1200 e 500 anos atrás. Urnas funerá-
rias Guarita são normalmente antropomorfas e têm em mui-
tos casos duas partes: uma tampa, formada pela cabeça do
indivíduo, e o corpo, que é a urna propriamente dita (fig. 9, a
direita). Na cabeça, partes da anatomia, como nariz, olhos e
boca são indicados por apliques de argila. Normalmente o
cabelo é decorado com uma grande tiara, que é modelada
sobre a cabeça. No corpo da urna, braços e pernas são tam-
bém modelados, estando normalmente grudados ao corpo
do indivíduo representado. As urnas Guarita e Marajoara eram
sempre decoradas com rica pintura policrômica, mas as pró-
prias condições de preservação do material, sempre enter-
rado, levam a que a pintura desapareça, como é o caso desse
pássaro modelado, que era provavelmente um apêndice de
uma urna (fig. 10, pag. 17).
Finalmente, ainda na região amazônica, uma outra sociedade
produziu cerâmicas também sofisticadas, caracterizadas, em
alguns casos, pela decoração pintada em vermelho, preto e
branco. Essa sociedade, conhecida como Tapajônica, se desen-
volveu na região do baixo rio Tapajós, ao redor da atual cidade
de Santarém, no Pará (mapa 1, pag. 4). Do mesmo modo que
os Tupinambá tiveram contato e foram descritos pelos euro-
peus nos séculos XVI e XVII, os índios Tapajó conviveram por
quase dois séculos com os espanhóis e portugueses até o
final do século XVII, quando desapareceram. Não se sabe com
certeza a antigüidade da civilização Tapajônica, mas é certo
que ela surgiu há mais de mil anos atrás.
Do repertório de vasos cerâmicos produzidos pelos Tapajó, os fig. 9: urna Guarita com tampa, Manacapuru, AM, 1000-1600 DC,
vasos chamados “de cariátides”são os mais conhecidos, embora coletor P. Hilbert (h = 55cm c = 28cm l = 30cm)

16

15) O que significa o desaparecimento de uma língua indígena? 16) Qual a razão que justifica o centro de origem dos Tupi estar
fig. 10: apêndice cerâmico em forma de pássaro, Marajoara, ilha de Marajó, PA, sécs. IV-XIV,
coletor H. Schultz, 1950 (h = 7cm c = 10,5cm l = 9cm)

não sejam mostrados aqui. Outros tipos de vaso têm pedestais decorados com decoração policrômica e modelada (fig. 11,
pag. 18). Além dos vasos, há categorias de artefatos cerâmicos característicos como estatuetas antropomorfas ocas, muitas
com base plana. A forma e decoração das estatuetas variam muito: em alguns casos têm decoração modelada e pintura poli-
crômica em linhas finas, representando indivíduos em diferentes posições, inclusive de cabeça para baixo (fig. 12, pag. 19).
A ocorrência de decoração pintada em vasos produzidos pelos Tupinambá, Guarani, Marajoara, Tapajó e Guarita não quer
dizer que todos esses grupos fossem necessariamente biológica ou culturalmente aparentados. É interessante notar, no
entanto, que todas essas culturas têm mais ou menos a mesma antigüidade, apesar de terem se desenvolvido em locais dife-
rentes. De fato, as diferentes expansões e os processos de diferenciação cultural, expressos nas semelhanças e diferenças
entre as cerâmicas, indicam uma rica e dinâmica história entre os povos indígenas que ocupavam o território brasileiro antes
da chegada dos europeus. Os Tupinambá e Guarani pré-coloniais são mais conhecidos porque seus descendentes ainda
vivem, e porque foram bem descritos nos séculos XVI e XVII. O conhecimento da história desses povos, no entanto, ilustra
também a riqueza da história de outras populações cujos únicos testemunhos no presente são os vestígios arqueológicos.

17

localizado no sudoeste da Amazônia? 17) Qual o estilo cerâmico característico dos Tupinambá e Guarani? Como ele é denominado
fig. 11: vaso cerâmico com pedestal e decoração policrômica e modelada, Tapajônica, Santarém, PA, secs. X-XVII DC,
coletor desconhecido (h= 17 cm, diâmetro maior= 18 cm)

18

e quais as suas principais características? 18) Quais as razões da expansão Tupi pelo território brasileiro no período pré-colonial?
fig.12: estatueta cerâmica antropomorfa com pintura policrômica, Tapajônica, Santarém PA, sécs. X-XVII DC,
coletor desconhecido (h=31cm c=21,5cm l=17,5cm)

19

19) Quais as principais características da cultura marajoara representadas nos objetos cerâmicos presentes nesta exposição?
-65° -55° -45° -35°

nco
Bra
WAIÃPI

Rio
Rio Negro
0° 0°
nas
azo
Rio
Am TEMBÉ
URUBU-KAAPOR

s
cantin
Rio Sol
imõe ASURINI ASURINI

iba
s
DO XINGU DO TOCANTINS

na
Rio To
ós

r
á

ira

Pa
ru

pa

u
de
Ju

ing
Ta

o
s a
ru

Ri
M
o

o
Pu o

Rio X
Ri
Ri

Ri
o
Ri

s
ia

cantin
PARINTINTIN

g ua
Ara

Rio To
Rio
TAPIRAPÉ
-10° -10°
KAYABI

sco
nci
i

Fra
ua
ag

o

Par

Rio
Rio

-20°
-20° -20°
n
ra
Pa

GUARANI
o
Ri

GUARANI
Rio
Igu
açu

GUARANI

GUARANI

0 150 300 km
-30° -30°

-75° -65° -55° -45° -35°

mapa 2: localização dos povos indígenas mencionados no texto

20) Aponte a principal semelhança entre a cerâmica marajoara e tupinambá? 21) Além da cerâmica marajoara, que outras culturas
A Diversidade dos Povos Tupi no Presente
Apesar das semelhanças aqui discutidas cada etnia Tupi do presente possui um universo cultural próprio que os torna,
ao mesmo tempo, diversos entre si. Estas diferenças são o resultado das situações históricas vividas por eles, de sua
inserção geográfica em ambientes variados e das formas particulares elaboradas por cada grupo para conduzir sua vida
econômica, social e ritual.
Um dos mais significativos indicadores desta diversidade encontra-se na sua cultura material pois, embora quase todos pos-
suam objetos cerâmicos, cestaria, tecidos, plumária e uma infinidade de outros objetos de uso cotidiano ou ritual, os mes-
mos são elaborados a partir de diferentes matérias-primas e técnicas que, por sua vez, constituem estilos étnicos que os
particularizam e os identificam com os seus produtores. Assim, cada um destes objetos testemunha a riqueza da expressão
e da vida destas populações. São portadores de uma multiplicidade de significados, cumprindo suas funções no contexto
cotidiano ou ritual e servindo como veículos de mensagens de caráter social, cosmológico e estético.
Entre os Asurini do Xingu, a cerâmica é talvez o melhor exemplo desta concomitância de significados. Além de ser produzida
pelas mulheres para cumprir as atividades cotidianas de processamento e armazenagem dos alimentos, ela também se consti-
tui no símbolo da comida que, para os Asurini, é o meio a partir do qual eles obtêm o ynga (princípio vital) dos sobrenaturais,
nos rituais. Ao mesmo tempo, os vasilhames cerâmicos servem de suporte para a arte gráfica desta população. Na mitologia
Asurini a obtenção dos desenhos por parte da humanidade se deu a partir do encontro do ancestral mítico Anhyngavuí com
o sobrenatural Anhyngakwasiat. O primeiro teria reproduzido, no trançado, os desenhos existentes no corpo do sobrenatural,
ensinando-os aos que já morreram que, por sua vez, os ensinaram para as demais gerações. Estes desenhos mais tarde passa-
ram a ser reproduzidos em vários objetos da cultura material dos Asurini e, inclusive, nos seus corpos, sendo um elemento fun-
damental na afirmação da identidade étnica desta população (fig. 13, pag.22). Neste sentido, a cerâmica se constitui em um
discurso sobre a relação dos homens com o mundo material, dos homens entre si e dos homens com o mundo sobrenatural.
Na cestaria dos Kayabi os desenhos também remetem aos seres sobrenaturais, e a representação mais complexa neles exis-
tente é a reprodução de um personagem mitológico identificado como tana ou tanga. São realizadas muitas variações
deste motivo, sendo que cada uma adquire um significado diferente, representando em essência os traços antropomorfos
deste ser. As peneiras empregadas para processar produtos da roça são elaboradas com estes motivos além de outros
como, por exemplo, o motivo kwasiat que significa simplesmente “desenho” e taangap que é identificado como sendo o
“sapo kururu”, personagem mítico que aparece na mitologia de outros grupos Tupi (fig. 14, pag. 23). Assim, a cestaria Kayabi,
extremamente elaborada e de difícil execução, implicando num longo aprendizado, é ao mesmo tempo o suporte de dese-
nhos com um significado profundo para aquela sociedade.
Outro exemplo desta riqueza de significados pode ser encontrada na cestaria Guarani, cujos motivos se dividem em dois tipos,
ou seja, aqueles que foram ensinados diretamente por Ñanderu, o herói criador, e aqueles que foram criados por eles próprios
(fig. 15, pag. 24). Assim, os cestos confeccionados com os motivos chamados ipará rysy e ipará pirárãinhykã não podem ser ven-
didos aos brancos, pois têm origem sagrada, enquanto que os demais, produzidos com grafismos inventados por eles pró-
prios, podem circular livremente. A origem destes motivos sagrados está relacionada com a origem dos próprios cestos, cuja
confecção foi ensinada pelo personagem mítico Kuaray. Além disso, os cestos são metaforicamente associados à mulher, e
seus grafismos à pintura facial feminina.

21

produzem objetos cerâmicos com características semelhantes entre si? 22) Descreva um artefato cerâmico da cultura guarita.
fig. 13: cerâmica, Asurini do Xingu, PA, coletor F. Silva, 2000 (25cm x 30cm)

22

23) É possível estabelecer se há uma relação biológica ou cultural entre as culturas produtoras da cerâmica policrômica? 24) Por
fig. 14: peneira, Kayabi, MT, Coletor G. Grünberg, 1966 (16cm x 32cm)

23

que os povos Tupinambá e Guarani são os mais conhecidos e estudados? 25) Quais as características culturais comuns entre os
fig. 15: cesto cargueiro, Guarani, SP, coletor E. Schaden, 1951 (40cm x 35cm)

24

grupos Tupi em termos de localização geográfica, atividade econômica, dieta básica e religião? 26) Quais são os fatores que tornam
Entre os Tapirapé, os desenhos da cestaria costumam repre-
sentar certas características dos animais e das plantas como
por exemplo o motivo i-auvaná-pypara que representa o ras-
tro do guará. Além disso, o modo de fazer esses desenhos é
prerrogativa de alguns indivíduos, sendo transmitidos de
uma geração a outra.
Significados de ordem estética também estão presentes nos
objetos destes povos indígenas Tupi. Exemplo disso é a arte
plumária dos Urubu-Ka’apor, que se caracteriza pela delica-
deza e apuradíssimo refinamento na escolha dos materiais e
composição das peças. Dentre os adornos mais importantes
deste grupo estão o colar-apito-emplumado feito de osso do
gavião-real, e o grande diadema amarelo ouro que teria sido
dado ao mesmo pelo sobrenatural Maíra, o herói-criador,
sendo uma representação do próprio sol (fig. 17, pag. 26).
Ambos adornos são feitos e usados pelos homens durante as
festas cerimoniais como, por exemplo, as festas de nomina-
ção masculina. Outros objetos de igual beleza são os labretes
de uso masculino, as testeiras de uso feminino e os brincos e
pentes de uso feminino e masculino.
Este mesmo princípio estético de delicadeza e refinamento
pode ser encontrado em outros adornos cerimoniais como,
por exemplo, na grinalda Tembé (fig. 16, a direita), na coroa
Parintintin (fig. 18, pag. 26) e na coroa Waiãpi. Esta última é
usada especialmente pelos homens Waiãpi nos rituais e dan-
ças coletivas, sendo feita de penas de pássaros que voam alto
e simbolizam a boa saúde como, por exemplo, a arara, o
gavião e o tucano.
Nos instrumentos musicais a diversidade da expressão Tupi
também se revela seja nos tipos de chocalhos, bastões, flau-
tas ou maracás. Alguns destes objetos são imprescindíveis nas
ocasiões cerimoniais como é o caso das flautas Waiãpi e dos
maracás Tapirapé e Guarani.
Na parafernália do pajé Guarani, inclusive, o maracá é um ele-
mento fundamental para a realização da sua performance,
juntamente com os colares de sementes, o adorno plumário fig. 16: grinalda, Tembé, PA,
de cabeça e o manto cerimonial (fig. 19, pag. 27). coletor desconhecido, (38cm x 19cm)

25

os povos Tupi diferentes entre si? Onde podemos encontrar os traços desta diversidade? 27) Nesta exposição quais são os elementos
fig.17: diadema horizontal, Urubu-Kaapor, MA, fig. 18: coroa, Parintintin, AM,
coletor E. Fernandes, 1949 (67 x 31,5 x 31 cm) coletor L. Paixão Silva (83cm x 21cm)

26

que evidenciam esta diversidade? 28) Qual o papel da cultura material na diversidade da etnia Tupi? 29) Escolha um objeto cerâmico
fig.19: manto, Guarani, SP, coletor desconhecido, 1914 (16 x 72,5 x 72 cm)

27

Asurini e responda às seguintes questões: do que é feito? como foi feito? como foi decorado? qual sua função? 30) Os desenhos da
Para este grupo, foi Ñanderyqueý, o filho do deus criador Ñanderuvuçu, que criou a dança da pajelança para se comunicar
com o pai. Este entregou a ele suas armas e os objetos da pajelança, e determinou a ele o cuidado da terra. É por isso que
entre os Guarani o pajé é uma figura proeminente, tocado de inspiração e cujos poderes devem estar a serviço da comu-
nidade como, por exemplo, a cura de doenças, a descoberta dos nomes e as profecias.
Outros objetos cerimoniais também testemunham a diversidade e criatividade dos povos Tupi. Neste caso estamos nos
referindo às máscaras cuja confecção é levada com grande esmero e cuidado desde a escolha dos materiais. No contexto
da performance ritual a máscara serve de veículo para materializar os diferentes seres que habitam o mundo da natureza e
o sobrenatural. Por esta razão, ela detém em si toda a força do sagrado e é um veículo de expressão de idéias e conceitos
do arcabouço cultural de quem a produziu.
Este é o caso da máscara Tapirapé conhecida sob a denominação de ypé ou Cara Grande, que é única no seu gênero. Feita
de madeira e revestida de plumas de arara e gavião, ela representa o espírito do inimigo morto em combate, sendo coroada
com uma armação de penas vermelhas (fig. 20, pag. 29). Para os Tapirapé, as penas de arara vermelha são consideradas quen-
tes como o fogo e, por esta razão, portadoras de uma força mágica especial. A máscara ypé é usada no ritual para os inimi-
gos mortos em guerra, sendo que o mesmo é realizado para que estes seres possam dançar e ser alimentados pelos vivos.
Como pudemos perceber, a cultura material das populações Tupi, além de testemunhar a sua diversidade serve, tam-
bém, para estabelecer o conteúdo das relações dos homens com a natureza, com os seres sobrenaturais e os outros seres
diferentes deles mesmos.
Em outras épocas se acreditou que os povos indígenas poderiam vir a desaparecer ou, então, ser totalmente assimilados
pela sociedade nacional. Exemplos dramáticos como o dos Tupinambá, um grupo Tupi que habitava a costa brasileira e que
foi totalmente eliminado nos primeiros séculos da colonização européia, se projetaram até períodos recentes em diferen-
tes proporções por todo o território brasileiro. Felizmente, no entanto, parece que o fantasma da dizimação e assimilação
dos povos indígenas está aos poucos sendo afastado. Estes, ao contrário do que se esperava, vêm retomando o seu cresci-
mento populacional, têm se organizado e lutado por seus direitos à autodeterminação e manutenção dos seus modos de
vida. Não querem mais ser vistos como povos exóticos mas, simplesmente, como diferenciados culturalmente e, por esta
razão, respeitados em suas particularidades. O direito à posse, ou à preservação de suas terras é uma das suas maiores preo-
cupações, pois é a partir disso que garantem a manutenção e reprodução de seus modos de vida, cuja diversidade e com-
plexidade fica evidenciada em todas as suas realizações.
Longe de serem passivos diante da história deste país e da sua própria história, os povos indígenas vêm se afirmando no
cenário nacional. Assim, estes cinco séculos de conquista da América são, também, um tempo de resistência, de luta e de
afirmação da identidade étnica de uma multiplicidade de povos indígenas, dentre eles os Tupi que resistiram e ainda resis-
tem em não permitir que o mundo se transforme numa grande monotonia cultural.

28

cestaria Kayabi são somente estéticos ou remetem também a outros elementos da cultura deste grupo? Justifique. 31) Observe os
fig. 20: máscara sem coroa de penas, Tapirapé, MT coletor desconhecido (90 x 90cm)

29

objetos de plumária da etnia Urubu-Kaapor e responda às seguintes questões: para que servem? como foram feitos? quem os utiliza?
Referências Bibliográficas

BALDUS, H. Tapirapé: Tribo Tupi no Brasil Central. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1970.
BAPTISTA DA SILVA, S. Etnoarqueologia dos grafismos Kaingang: Um Modelo para a Compreensão das Sociedades Proto-Jê
Meridionais. Tese de Doutorado. Departamento de Antropologia Social. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2001.
BROCHADO, J. J. P. A Expansão dos Tupi e da cerâmica da tradição policrômica, Dédalo, 27: 65-82, 1989.
FAUSTO, C. Fragmentos de história e cultura Tupinambá: da etnologia como instrumento crítico de conhecimento etno-
histórico, In: M. Carneiro da Cunha (org.) História dos Índios no Brasil, São Paulo: Companhia das Letras, pp. 381-396, 1992.
GALLOIS, D. O Pajé Waiãpi e seus Espelhos. Revista de Antropologia, 27/28:179-196, 1984/1985.
LARAIA, R. de B. Tupi: Índios do Brasil Atual. São Paulo, FFLCH/US, 1986.
MÜLLER, R.P. Asurini do Xingu. História e Arte. Campinas, Editora da UNICAMP, 1990.
MÜLLER, R.P Tayngava, a noção de reprensentação na arte gráfica Asurini do Xingu, In: L. Vidal (org.) Grafismo Indígena, São
Paulo, Studio Nobel/EDUSP, pp. 231-248, 1992.
NIMUENDAJU, C.U. As Lendas de Criação e Destruição do Mundo como Fundamentos da Religião dos Apopocuva-Guarani. São
Paulo, HUCITEC/EDUSP, 1987 [1914].
NOELLI, F.S. A ocupação humana na região sul do Brasil:arqueologia, debates e perspectivas 1872-2000. In Neves, W. (org.)
Antes de Cabral: arqueologia brasileira. Revista USP 44(2):218-269, 1999-2000
PROUS, A. Arqueologia Brasileira. Brasília, Ed. UnB, 1992.
RIBEIRO, B. Desenhos Semânticos e Identidade Étnica: o Caso Kayabi. In: B. Ribeiro (Coord.) Suma Etnológica Brasileira. Vol.3.
Petrópolis, Ed. Vozes. Pp. 287-296, 1987.
RIBEIRO, D. Arte Índia. In: B. Ribeiro (Coord.) Suma Etnológica Brasileira. Vol.3. Petrópolis, Ed. Vozes. Pp. 29-64, 1987
RIBEIRO, D. & RIBEIRO, B. Arte Plumária dos Índios Kaapor. Rio de Janeiro, 1957.
SCHMITZ, P. I. Migrantes da Amazônia: tradição Tupiguarani, In: A. Kern. (org.) Arqueologia Pré-histórica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre: mercado Aberto, pp. 295-330, 1991
SILVA, F. A. As Tecnologias e seus Significados. Um Estudo da Cerâmica dos Asurini do Xingu e da Cestaria dos Kayapó-Xikrin sob
uma Perspectiva Etnoarqueológica. Tese de Doutorado. Departamento de Antropologia Social. Universidade de São Paulo.
São Paulo, 2000.
URBAN, G. A História da cultura brasileira segundo as línguas nativas, pp. In: M. Carneiro da Cunha (org.) História dos Índios
no Brasil, São Paulo: Companhia das Letras, pp. 87-102.
VIVEIROS DE CASTRO, E. Arawaté: os deuses canibais, Rio de Janeiro: Zahar/ANPOCS, 1986.
WAGLEY, C. Lágrimas de Boas Vindas. Os Índios Tapirapé do Brasil Central. São Paulo, EDUSP, 1988.

30
LUIZ INACIO LULA DA SILVA ANTONIO PALOCCI FILHO JORGE EDUARDO LEVI MATTOSO
Presidente da República Ministro de Estado da Fazenda Presidente da Caixa Econômica Federal

Universidade de São Paulo reitor: adolpho josé melfi vice-reitor: hélio nogueira da cruz pró-reitor de cultura e
extensão: adilson avansi de abreu Museu de Arqueologia e Etnologia diretor: murillo marx divisão científica:
paulo antonio dantas de blasis divisão de difusão cultural: eduardo góes neves texto científico: eduardo góes
neves, fabíola andréa da silva, paulo antonio dantas de blasis ação educativa: camilo de mello vasconcellos,
carla gibertoni carneiro, judith mader elazari mapas: cida santos fotografia: wagner souza e silva documentação:
aparecida de fátima de souza, marilucia bottallo conservação: clementino virginio da silva, gedley belchior
braga, luiz carlos borges, regivaldo leite, silvia cunha lima apoio: celia maria, cristina demartini, elly ferrari

design gráfico frédéric berthélémé produção gráfica monica schoenacker foradeserie@laposte.net

projeto museográfico da exposição: estúdio carlos verna coordenação: eliane koseki


colaboração: débora costa, emanuele basso e renata b. de oliveira

31
1 2

Crédito Direto CAIXA apresenta:

no acervo do Museu de Arqueologia


e Etnologia da USP

03 de julho a 07 de novembro de 2004


Terça-feira a domingo, 9 às 21 horas
ENTRADA FRANCA 3 4
Visitas monitoradas e oficinas
Grupos podem agendar visitas monitoradas às exposições
e ao Museu pelo telefone (11) 3107-0498
CONJUNTO CULTURAL DA CAIXA
Praça da Sé, 111 - São Paulo - SP - CEP: 01001-001
Tel. (11) 3107.0498 - (11) 3258.2122 ramal: 279
www.caixa.gov.br - remaisp@caixa.gov.br

à esquerda: labrete, Urubu-Kaapor, MA (25cm x 16cm),


à direita: tembetás de pedra polida, Tupinambá, datas desconhecidas,
1: Mogi das Cruzes, SP (h=1,5cm c=5,3cm l=5,5cm), 2: Mogi das Cruzes, SP (h=1,8cm c=4,5cm l=2,4cm),
3: Rio Araguaia, MT (h=2,5cm c=2,5cm l=4,5cm), 4: Rio Doce, MG (h=0,5cm c=2,8cm l=1,9cm)

padrão a partir do desenho Ipirajuak “pintura de peixe”, feito por Burí, mulher Asuriní do Xingu (Müller 1992: 236)
32

Você também pode gostar