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1. Moral e ética
1
Professor de Filosofia da UNIOESTE (Campus de Toledo) e doutorando em Filosofia pela UNICAMP. Este texto
forma parte de um trabalho mais abrangente sobre a constituição do Sentido. Minha dissertação de mestrado e
minha tese de doutorado, assim como outros estudos que publiquei sobre Kant, me permitiram avançar sobre a
constituição do sentido no nível da linguagem. Abordei os textos kantianos sob a pergunta pela possibilidade das
proposições sintéticas, isto é, pela sua significação. Isto me levou a compreender como, em Kant, o sujeito se
constitui como sujeito segundo os modos em que se dão os processos de doação de significação das suas
representações, por exemplo, existem operações de significação para as proposições cognitivas, outros para as
práticas e outras para as reflexivas, dentro desses campos existem operações específicas, por exemplo no caso
das proposições reflexivas, temos um tipo de operação para as estéticas e outro para as teleológicas, e assim
por diante. Outro forma de constituição de sentido se dá um nível que não é da linguagem. È isso que procuro
nas leituras de Heidegger e de Foucalt. Ver Kant, I, Crítica da razão prática e Fundamentação da metafísica dos
costumes. Werke in zehn Bänden. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgessellschaft, 1983, vol, VI.
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individual. Tal vez possa explicar melhor a singularidade ou individualidade dos atos
recorrendo à noção de “estilo”, e no caso específico da ética do “estilo de vida”.
Kant pensava a moralidade como um “modo de vida”. Ser moral para Kant
era submeter a minha vontade livre à lei moral (age de tal modo que a máxima da
tua vontade, possa ser erigida como lei universal) segundo um sentimento de
respeito. A “moral” kantiana não manda a agir segundo o conteúdo. Isto é, a lei
moral não é um enunciado do tipo “não faça especificamente isto” ou “faça
especificamente aquilo”. Mas, manda a agir segundo a forma. Essa forma deve ser
preenchida em cada caso. Dito de outro modo, em Kant meu agir é determinado por
máximas, para saber se essas máximas são moralmente boas ou más, eu devo
saber se confrontadas com a lei moral podem ser universalizadas ou não2, uma vez
realizada essa operação, a execução do ato não precisa de cálculos, apenas de
cuidados. Um exemplo pode ser que é uma máxima da minha moralidade seja a de
tratar bem os meus convidados, o modo de execução desta máxima já não depende
de mais universalizações, apenas de bom gosto, de cuidados. A máxima devo tratar
bem aos meus convidados é de tal natureza que confrontada com a lei moral é
determinada como boa. Não são os fatos, os que podem ser ditos morais, mas a
determinação de meu agir por respeito à lei. Quer dizer, eu só confrontarei com a lei
moral aquelas máximas que de acordo com um sentimento moral devam ser
confrontadas. Todas as outras máximas que comportam o conjunto de operações de
meu agir fazem parte de um “modo de vida”, mas não são proposições moral-
práticas. As lições de ética3 e a doutrina da virtude4 de Kant falam destes cuidados.
É exatamente esta questão dos “cuidados” que é deixada de lado pelos
grandes moralistas. Em favor de discursos sobre a felicidade plena, o temor a Deus,
o bem comum ou a justiça universal construiu-se grandes sistemas para
regulamentar e sobre tudo JULGAR a moralidade dos outros. Até hoje filósofos
como Appel ou Habermas procuram a chave do julgamento moral público. O “EU TE
JULGO” logrou se impor sobre a questão do estilo, o cuidado foi relegado.
No entanto, nas últimas duas décadas, foram os trabalhos de Foucalt que
resgataram parcialmente estas questões. Foucalt apresenta a moral como um dos
modos do controle social, como um exercício do poder do outro, como um
2
Ver Kant, I. Lecciones de Ética. Barcelona: Editorial Crítica, 1988
3
Ver Kant I. Metafísica dos costumes. Werke in zehn Bänden. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgessellschaft, 1983, vol, VII.
4
Ver Foucalt, M. Resumo dos Cursos do Collége de France 1970-1982. RJ: Jorge Zahar Editora, 1997, pp 50-55.
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Quando Foucalt pensa a ética na Antigüidade (S. V-IV antes de Cristo) não
procura reconstruir exegeticamente o texto do filósofo para saber o que realmente
ele quis dizer, aborda a questão desde uma problemática (a problemática dos
cuidados) que lhe permite compreender o que se reflete das condutas dos gregos a
partir de uma dietética, uma economia e uma erótica.
O imperativo grego do “conhece-te a ti mesmo” era em Delfos uma regra
prática, um conselho para consultar o oráculo. De algum modo, indicava uma
advertência, você deve ter certeza do que quer perguntar para o oráculo. Mas, por
outro lado, era um apelo, que funcionava em toda a cultura grega, para ocupar-se de
si. Conhece-te a ti mesmo significa ocupa-te de ti mesmo. Sócrates, de algum modo
é visto como aquele que traz esse apelo5. Os homens se preocupam pela riqueza,
pelo sucesso, pela fama, pelo que os outros dizem dele, mas quem se preocupa por
si mesmo? Sócrates entende que sua missão, ensinar às pessoas a se ocupar elas
mesmas de si mesmas, é uma forma de se ocupar também com a cidade6. Só
ocupando-nos de nós mesmos é que poderemos nos ocupar dos outros
adequadamente.
O lado prático do conhece-te a ti mesmo ficou obscurecido pelo lado
cognitivo. Nossa cultura moderna entendeu o enunciado como um apelo para
conhecer cientificamente o sujeito e assim transformá-lo em um elemento da
natureza ou da sociedade. O indivíduo, com suas especificidades, desaparece nos
mecanismos da objetividade. O conhece-te a ti mesmo significa na modernidade
“transforma-te em objeto de conhecimento”. Deste modo, a questão das condutas
passou a ser de uma preocupação pelo cuidado a um problema de julgamento. A
5
Ver Platão. Alcibíades e Apología.
6
Ver Foucalt, M. Historia de la Sexualidad. México: Editora Siglo XXI, 1986, vol. 2, p. 92.
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7
Ver Foucalt, M. Historia de la Sexualidad. México: Editora Siglo XXI, 1986, vol. 2, p. 27.
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Um dos textos nos que se fala sobre as dietas dos gregos é na República de
Platão. Sócrates relata no diálogo como a medicina de um homem livre deve ser
fundada no cuidado do seu corpo, com dietas, chás, a prática de exercícios. A saúde
do homem livre não é vista como uma forma de reparar uma maquinaria que deve
imediatamente voltar para o trabalho, mas como modo de vida. Hipócrates, o pai da
medicina ocidental, compreende o regime como uma verdadeira arte de viver, que
não se reduz só a modular as condutas do dia, também é preciso cuidar de nós
durante a noite. Os cuidados compreendem exercícios, como caminhadas, passeios,
corridas, lutas, que devem ser realizados na medida justa, horário e lugar adequado
de acordo com a época do ano, a idade do sujeito e os alimentos que foram
ingeridos. A prática alimentaria é outro tema de preocupação, a comida e a bebida
não devem ser ingeridos em grandes quantidades, deve ser procurada uma relação
com as atividades do sujeito, o clima e a qualidade dos produtos. Este cuidado se
estende também aos banhos, um guerreiro, um homem consagrado às virtudes
cuida da sua higiene, um mercador, aquele que está ocupado em coisas menos
nobres, cheira mal. Outro encargo deve ser o de cuidar dos nossos sonhos,
devemos cuidar da cama, da sua dureza, seu calor, da posição da cama e da
posição de nosso corpo, nem muito estendido nem muito flexionado, da devida
digestão dos alimentos. Mas os gregos incluem ainda mais um item nos seus
regimes: uma dieta dos prazeres. O médico Hipócrates aconselha a tudo aquele que
quiser ouvir: fazer sexo emagrece e melhora a pele por causa do exercício o corpo
consume as carnes, esquenta e umedece. Na carta de Diocles ao Rei Antígono se
aconselha que durante o solstício de inverno a prática sexual não deve ser
restringida. A atividade sexual não está colocada nos termos de permitido/proibido,
bem/mal, mas em uma espécie de atividade a mais na vida cotidiana. A questão é
colocada nos termos de uso, que deve ser modulado de acordo com o estado do
corpo e as circunstâncias externas.
8
Ver Platão. República. BsAs: EUDEBA, 1988, pp. 406-7-8.
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2.3 A erótica
resistir. Diógenes Laércio conta que Alcibíades era reprovado como sem
temperança em seu caráter “por ter afastado, na sua adolescência, os maridos das
mulheres, e na juventude as mulheres dos maridos”. A erótica funciona a partir de
práticas de corjeto, verdadeiras “artes de amar”. Há certas condutas que devem ser
observadas como a manifestação do carinho, a atenção, os presentes, etc. Não é
mera satisfação do prazer, o verdadeiro prazer é também amor e esse amor, às
vezes, passava pela transformação do desejo sexual entre os dois amados em
amizade (philia), quer dizer, em semelhança na forma de vida e de caráter, no
compartilhar pensamentos e experiências, na preocupação mútua, etc.
2.4 A filosofia
ignorância. Os deuses não filosofam porque são sábios e os ignorantes porque não
se consideram desprovidos de sabedoria. Assim, só filosofa aquele que ama. A
filosofia, para Platão, é um ato de amor.
4. A psicanálise
Conclusão
Bibliografia