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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE NACIONAL DE

DIREITO

DIREITO ADMINISTRATIVO II

Desapropriação no Direito Brasileiro

Alunos:

Henrique Figueiredo Simões (DRE: 106021283)

Saulo Salles de Pádua (DRE: 105030679)

Filipe Augusto Farias Alves (DRE: 106075088)


CONCEITO

A Constituição Federal de 1998 em seu artigo 3° determinou que um dos objetivos


fundamentais da República Federativa do Brasil é promover o bem de todos, por conta disto o
princípio que norteia o nosso sistema jurídico é o da supremacia do interesse público sobre o
privado.

Assim, a propriedade na ordem jurídica atual não tem caráter absoluto. O proprietário não
poderá dispor da propriedade como bem entender, tendo em vista que ela deverá atender a sua
função social.

O Estado no afã de promover o bem comum muitas vezes terá que desapropriar imóveis de
particulares, podendo estes apenas discutir o preço e o procedimento, uma vez que a
Constituição Federal, em seu artigo 5°, XXIV, estabelece que "a lei estabelecerá o
procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse
social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta
Constituição."

Celso Antônio Bandeira de Mello define desapropriação como "o procedimento através do
qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social,
compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, adquirindo-o originariamente mediante
indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou
rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para
eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e
sucessivas, preservado seu valor real”.

A desapropriação é o procedimento administrativo pelo qual o poder público ou seus


delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse
social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa
indenização.
FUNDAMENTOS JURÍDICOS

Por ser matéria de grande abrangência, a desapropriação tem a sua natureza jurídica espalhada
entre alguns dos ramos fundamentais das Ciências Jurídicas e Sociais. Esse instituto jurídico
tem a sua materialidade situada em quatro disciplinas do Direito: Direito Administrativo e
Direito Constitucional (ambos conexos ao Direito Público), Direito Processual Civil e Direito
Civil (ambos conexos ao Direito Privado).

Segundo Rizzardo encontra-se inserido no Direito Administrativo porque este completa as


normas genéricas da Constituição, além de desenvolvê-lo, discipliná-lo e adequá-lo conforme
as condições reais e próprias das necessidades públicas e sociais. Como a Magna Carta prevê
os elementos ensejadores da desapropriação, além de enumerar seus modais, nada mais
coerente que esta forma interventiva estar implícita no Direito Constitucional.

A razão de estar à expropriação integrada ao Direito Processual Civil se deve, entre outros
atos processuais, à análise pericial que é feita em relação ao bem imóvel. Deste modo, a
maneira procedimental da desapropriação acompanha o rito ordinário do Processo Civil para a
instrução e desde que, vasculhando a fundo o caso, demonstre-se a necessidade dos trâmites
legais do ramo jurídico recém citado. Por estar preconizada no Código Civil como um meio
de extinguir ou perder a propriedade, a expropriação tem a sua devida inclusão no Direito
Civil sob este fundamento.

Em sede final de estudo sobre a natureza jurídica deste fato administrativo, o Professor Diogo
de Figueiredo Moreira Neto sintetiza que: Entre as várias teorias que procuram explicar a
natureza jurídica do instituto, cremos que a que mais satisfaz ao modelo brasileiro é a que
descreve a desapropriação como substituição compulsória do objeto da propriedade.
Entendemos, assim, que nem há venda forçada, óptica civilista do fenômeno, nem perda da
propriedade, que a aproximaria do confisco, mas uma substituição imposta regularmente, pelo
Poder Público, do bem expropriando, pelo seu equivalente em dinheiro, operando,
simultaneamente, a sua transferência para o domínio público.
Havendo a instantânea incorporação da res desapropriada ao domínio do Poder Público, ou
ainda, havendo a manutenção temporária da propriedade por parte do particular, porém como
patrimônio das pessoas políticas que tiveram concedida a permissão para expropriar, tem-se
configurada a dita transferência supra referida.

No entender do insigne Venosa, a expropriação é um modo originário de aquisição da


propriedade porque é desprezado o título anterior, ao passo que o título gerado no
procedimento administrativo ou no processo expropriatório se faz registrável por força
própria, assim, restando dispensada a existência do registro anterior. Nestes termos, tendo em
vista o dispositivo preconizado pelo art. 35, do Decreto-lei nº. 3.365/41 — também chamado
pela doutrina de Lei das Desapropriações — depreende-se que caso venha a ser desapropriado
um terreno baldio de propriedade de uma pessoa X, e o valor condizente ao bem tenha sido
pago a pessoa diversa (o que, a priori, suscitaria nulidade), não há falar em invalidade do ato
administrativo, eis que prevalece o Princípio Aquisitivo da Desapropriação, ficando o credor
sub-rogado no preço pago pelo Estado. Resta, então, ao proprietário prejudicado no processo
expropriatório, entrar com ação autônoma para ver seus direitos satisfeitos.

REQUISITOS CONSTITUCIONAIS

Os requisitos constitucionais exigidos para a desapropriação resumem-se na ocorrência de


necessidade ou utilidade pública ou de interesse social e no pagamento de justa e prévia
indenização em dinheiro (CF, art. 5°, XXIV), ou em títulos especiais da dívida pública (no
caso de desapropriação para observância para o Plano Diretor do Município, art. 182, § 4°,
III) ou da dívida agrária (no caso de desapropriação para fins de reforma agrária, art.184).

No entender de Seabra Fagundes, os três fundamentos para desapropriação condensam-se no


conceito unitário de utilidade pública, "que é em si tão amplo, que a menção apenas dessa
causa bastaria autorizar a incorporação ao patrimônio estatal da propriedade privada, tanto
quando fosse útil fazê-lo, como quando tal se afigurasse necessário ou de interesse social".

No que diz respeito à necessidade pública, esta se faz presente quando, em casos de urgência,
o Estado se vê na obrigação de integrar determinado bem, antes pertencente ao particular, ao
patrimônio público, para que seja resolvida uma problemática iminente que exige, desde logo,
o uso do bem desapropriado.

Já quanto à utilidade pública, esta se configura quando da conveniência da transmissão de um


dado bem privado ao domínio público, mesmo que seja dispensável. Entretanto, a doutrina é
muito dividida, longe de ter uma opinião unânime formada, no tocante à possibilidade do
termo utilidade pública abarcar tanto o significado dele próprio como o da necessidade
pública e do interesse social.

Convém salientar aqui que a distinção que se fazia entre esses dois conceitos já não tem
relevância jurídica. Tanto as hipóteses de utilidade pública, quanto as de necessidade pública
são previstas sob a denominação única de utilidade pública.

Para alguns doutrinadores a tripartição (utilidade pública, necessidade pública e interesse


social) elaborada pela Carta Magna é de grande valia, eis que destaca melhor os casos da
desapropriação, evitando confusões ou interpretações equivocadas. Em compensação, a outra
parte da doutrina estabelece que a utilidade pública unifica, por si só, os três requisitos
citados. A verdade é que a polêmica está mantida, até porque é cristalino que não há um
consenso entre os diversos juristas que tratam do assunto.

Celso Antônio Bandeira de Mello considera a utilidade pública como o todo dessa tripartição,
e ficamos aqui com a definição dele: “Declaração de utilidade pública é o ato através do qual
o Poder Público manifesta sua intenção de adquirir compulsoriamente um bem determinado e
o submete ao jugo de sua força expropriatória”.

Já o interesse social acontece quando o Poder Público vislumbra a redução das disparidades
sociais, normalmente, em questões relativas à função social da propriedade. O Estado visa o
melhor aproveitamento da propriedade particular, quando da expropriação da res, em embora
deva ser independente do ponto de vista político, a ANP é membro da Administração Pública
Indireta, devendo subordinar-se às políticas setoriais formuladas pela Presidência, pelo MME
e pelo CNPE, em prol do interesse coletivo, ou até mesmo de classes sociais necessitadas.
Cumpre salientar que os bens expropriados por interesse social não são transferidos ao
patrimônio público, mas aqueles que a lei concede o direito de recebimento e uso destes (isto
é, coletividade ou categorias da sociedade que merecem o amparo especial da
Administração).- Justa e prévia indenização em dinheiro:
A exigência de indenização prévia sempre existiu na legislação brasileira, constitucional e
ordinária, nas desapropriações por utilidade pública ou interesse social.

Clóvis Beviláqua disse que a indenização deveria ser prévia, salvo nos casos de (1) recusa do
proprietário em receber (art. 591 do Código Civil), (2) o bem-estar sujeito à garantia real (art.
762, V do Código Civil), (3) estar penhorado, "porque a penhora retira o bem da posse do
devedor e o destina a venda judicial para com o produto para com o produto ser pago o
exeqüente", ou (4) a propriedade estar sendo disputada por ação real, e o dono não tiver título
transcrito. Para o grande civilista, o registro de imóveis adquire particular relevância porque a
transcrição é o modo de adquirir o domínio de imóveis (art. 530, do Código Civil). Por isso,
"se no registro se acha transcrito o título pelo qual o desapropriado adquiriu o bem, é ele que,
perante a lei e o direito, é o proprietário, a conseqüentemente a ele deve ser forçosamente
entregue a quantia arbitrada para o pagamento da indenização", conquanto seja possível
anular o registro, por ação própria.

Indenização prévia significa que o expropriante deverá pagar ou depositar o preço antes de
entrar na posse do imóvel. Este mandamento constitucional vem sendo frustrado, pelo
retardamento da justiça no julgamento definitivo das desapropriações, mantendo o
expropriado despojado do bem e do seu valor, por anos e anos, até transitar em julgado a
condenação. Os depósitos provisórios geralmente são ínfimos em relação ao preço efetivo do
bem , o que atenta contra o princípio da indenização prévia. Essa burla à Constituição só
poderá ser obviada pelo maior rigor dos juízes e tribunais na exigência de depósito prévio que
mais se aproxime do valor do bem expropriado.

Já a indenização justa é a que cobre não só o valor real e atual dos bens expropriados, à data
do pagamento, como, também os danos emergentes e os lucros cessantes do proprietário,
decorrentes do despojamento do seu patrimônio. Se o bem produzia renda, essa renda há de
ser computada no preço, porque não será justa a indenização que deixe qualquer desfalque na
economia do expropriado. Tudo que compunha seu patrimônio e integrava sua receita há de
ser reposto em pecúnia no momento da indenização; se o não for, admite pedido posterior, por
ação direta, para complementar?se a justa indenização. A justa indenização inclui, portanto, o
valor do bem, suas rendas, danos emergentes, os lucros cessantes, além dos juros
compensatórios e moratórios, despesas judiciais, honorários de advogado e correção
monetária.
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL, DESAPROPRIAÇÃO E REFORMA
AGRÁRIA

Observa-se que a Constituição Federal de 1988 fundamenta o regime jurídico da propriedade,


garantindo-a, desde que ela atenda a sua função social. O art. 5º, XXII e XXIII da Magna
Carta estabelece a garantia ao direito de propriedade e a necessidade de a propriedade atender
a uma função social, assim este direito só estará garantido se cumprida a sua função social.

É mister destacar que a propriedade rural, que compreende a análise da propriedade da terra,
possui disciplina própria trazida na Carta Magna de 1988 – que constitui um regime jurídico
especial - em razão do seu caráter eminentemente produtivo e, sobretudo, a sua relevância
para a própria sobrevivência humana.

Este regime jurídico consubstancia-se em normas especiais prescritas no Título VII, Capítulo
III – DA POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA, arts. 184 a
191, da CF/88. Tais disposições legitimam, em verdade, a ampla intervenção do Poder
Público nas relações de propriedade, produção e trabalho rurais, já que significam
condicionamentos específicos acerca da função social da propriedade, da política agrícola e
fundiária, dentre outros aspectos, cuja observação a todos se impõe.

De fato, a Lei Maior, em seu art. 184 caput, preceitua que o regime jurídico da terra está
alicerçado na doutrina da sua função social. Infere-se que a doutrina da função social da
propriedade rural está fundada na destinação social e econômica da terra. A produtividade
corresponde, pois, a um elemento da aludida função. Dessa maneira, aquele que detém a
propriedade agrícola tem o dever de utilizá-la não simplesmente como um bem patrimonial,
subserviente aos seus interesses pessoais, mas sim, como um bem de produção, capaz de
gerar, de forma mediata, riquezas para atender a toda uma coletividade.

Diante da possibilidade de não se atender a função social reclamada na lei, a própria Carta
Política de 88 consigna sanções de natureza punitiva aplicáveis aos imóveis rurais que têm o
fim precípuo de recolocar a propriedade em sua trilha normal. Significa dizer: torná-la e
mantê-la, efetivamente, como um bem de produção, com uma finalidade econômica e, bem
assim, social. Aliás, a satisfação, a contento, da função social da propriedade agrícola é
também de responsabilidade do Poder Público e não apenas daqueles que detêm a posse ou o
domínio da terra, tendo em vista o disposto no parágrafo único do art. 185 da CF/88, que reza
a obrigatoriedade da lei de garantir tratamento especial à propriedade produtiva e fixar normas
para o cumprimento dos requisitos relativos à sua função social, previstos no art. 186 do
Texto Constitucional.

Com efeito, cabe, à lei, a tarefa de fixar os requisitos do exato cumprimento da função social
da propriedade rural. O art. 186 da CF predefine aqueles componentes que hão de estar
presentes para que se tenha como cumprida a mencionada função. Destarte, remete-se à lei a
tarefa de especificar os critérios e graus de exigência com que deverão ser observados os
incisos do artigo referido e, considerando-se que o detentor do imóvel rural irá fazê-lo
produzir de acordo com o tipo de terra, localização e condições e meios propiciados pelo
Poder Público, conclui-se a sua parcela de contribuição para o perfeito cumprimento da
função social da propriedade agrícola.

Cumpre destacar, ainda, que o princípio da função social pode ser definido como o
fundamento do regime jurídico da propriedade, e nunca como uma limitação, obrigação ou
um ônus; constituindo-se, portanto, em um dos princípios estruturantes da propriedade
privada e fundamento da atribuição do direito de propriedade, posto que incide sobre o seu
próprio conteúdo.

Como visto, a função social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de


propriedade, caracterizando-se, assim, como elemento qualificador na predeterminação dos
modos de aquisição, gozo e utilização dos bens.

DO CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL

A nossa Carta Magna já estabelece os requisitos objetivos que atendem à conceituação de


função social, em matéria agrária, e, neste ponto, procedeu, o legislador constituinte, com
grande acerto. Esta definição elidiu o conceito de função social da propriedade do campo das
abstrações, permitindo que o proprietário da terra diligencie no sentido de atender às
exigências que lhe são feitas, consagrando-se, outrossim, a segurança jurídica nas relações de
propriedade.
A norma do art. 186 da CF/88 fixa o conteúdo da função social da propriedade rural. Trata-se
de norma constitucional parcialmente em branco, haja vista que o texto constitucional dispõe
sobre a concretização da função social, mas, como dito, não estabelece critérios de aferição de
produtividade agrícola, reservando tal empreendimento à lei ordinária. A aludida
regulamentação adveio com a Lei n. 8.629/93, que disciplina os dispositivos constitucionais
relativos à política agrícola e fundiária e da reforma agrária.

É mister observar que os requisitos do artigo suso mencionado hão de ser atendidos
simultâneo e concomitantemente. Logo, não basta a invocação do cumprimento de um ou
alguns deles para eximir o dono ou possuidor do imóvel rural do atendimento dos outros.
Contudo, este rigor absoluto não é exigido quando se trata da intensidade no atendimento
dessa simultaneidade. Em outras palavras, não se requer sejam eles observados sempre da
mesma forma por todas as propriedades, independentemente de sua localização, tamanho e
qualidade das terras. Ao contrário, a Lei Maior está claramente a facultar que a lei quantifique
os graus de exigência, assim como determine os critérios a partir dos quais deverão ser
aferidos os requisitos.

Resta inconteste, pela norma constitucional, que a produtividade é um dos elementos


significativos para a aferição da função social, em matéria agrária. Porém, não é o bastante,
tendo em vista que uma propriedade, a despeito de produtiva, pode não ser cumpridora do
princípio, desde que não atenda a quaisquer das hipóteses elencadas no artigo sob comento.

Quanto aos requisitos em análise, o aproveitamento racional e adequado refere-se ao fator


produção. Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de
utilização da terra e de eficiência na sua exploração. Neste particular, a utilização da
propriedade e os fins econômicos auferidos têm de ser compatíveis com as características do
imóvel rural, de sorte que o uso exacerbado da terra, do ponto de vista econômico, não
satisfará o preceito constitucional.

A referida norma, contudo, não vislumbra o fato de que os Estados Modernos almejam o
desenvolvimento fulcrados, exatamente, no crescimento de seu potencial econômico.
Defende-se, pois, a necessidade de produção abundante, como antecedente lógico do bem-
estar social, sendo que a produção agrícola não deve estar atrelada a critérios mínimos de
economicidade, mas sim, ao estado atual de tecnologia e condições de investimento
propiciadas por seu país. A despeito disso, o que se pode afirmar com segurança é que a
função social de uma propriedade rural é deduzida pela sua eficácia atual quanto à geração de
riquezas.

Quanto à necessidade de utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e à


preservação do meio ambiente, depreende-se que, além da produtividade adequada, que se faz
respeitando a vocação natural da terra e mantendo o seu potencial produtivo, a função social,
segundo a Constituição, exige o cumprimento da legislação ecológica. Aqui, vê-se claramente
uma concepção mais ampla de função social, que abarca os interesses difusos relativos ao
meio ambiente. Desse modo a exploração da propriedade agrária, causando danos ao meio
ambiente, implicará no descumprimento da sua função social e acarretará a incidência das
sanções constitucionais.

Neste diapasão, destaca-se o requisito que versa acerca da observância das disposições que
regulam as relações de trabalho, onde se incluem não só o respeito às leis trabalhistas e aos
contratos coletivos de trabalho, como também as normas relativas aos contratos de
arrendamento e parceria rurais.

O que se percebe, em relação aos dois últimos aspectos ora comentados, é que o legislador
constituinte não foi muito feliz ao atrelar a sua fiel observância à função social da propriedade
rural e estatuir a hipótese de desapropriação do imóvel em caso de não cumprimento. Por
certo, a proteção ao meio ambiente e o respeito à legislação trabalhista podem ser pleiteadas
por meios próprios, perante o Judiciário, sendo garantida a reparação. O dever de
cumprimento dessas normas não se restringe aos proprietários rurais, de modo que a sanção
punitiva específica acaba por tratar desigualmente situações que mereceriam igual tratamento.

Por derradeiro, a exigência de exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores (inciso IV) termina por aclarar verdadeira atecnia legislativa, se se considerar
que a tendência normal da legislação protetora das relações sociais no campo sempre foi a
tutela do trabalhador. Com efeito, o bem-estar do proprietário já é condição que deflui da sua
condição de dono, presumidamente mais vantajosa que a do seu empregado. Por isso, o
entendimento assente de que o requisito aludido seria de maior propriedade se trouxesse a
seguinte prescrição “exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários, sem prejuízo do
bem-estar dos trabalhadores”, sendo que o bem-estar destes últimos seria alcançado pelo
atendimento de suas necessidades básicas, observadas as normas de segurança do trabalho
rural.
DA SANÇÃO PUNITIVA

A Carta Política de 88 prevê a hipótese de aplicação de sanções ao proprietário do imóvel


rural que faça uso degenerado do mesmo, em manifesto desatendimento à função social.
Essas sanções são, fundamentalmente, de duas ordens: as decorrentes de infrigência às
normas do poder de polícia ou, então, a perda da propriedade, nos termos do art. 184 do Texto
Constitucional, ora que nos interessa.

Essa destituição do domínio dar-se-á em decorrência da desapropriação do imóvel por


interesse social para fins de reforma agrária, a ser realizada pela União, único ente dotado de
competência para a adoção desta medida punitiva. O constituinte pátrio agiu acertadamente ao
atribuir competência exclusiva à União para resolver os problemas fundiários agrários
desapropriando imóveis rurais que não estejam cumprindo a sua função social, tal como
definida no art. 186 da Lei Maior. Diante da repercussão sócio, econômico e política que o ato
expropriatório é capaz de provocar no âmbito nacional, seria insensato legitimar os Estados e
Municípios, atribuindo-lhes poderes para realizar desapropriação para fins de reforma agrária,
tendo em vista a seriedade da questão.

A hipótese da desapropriação, repita-se, tem de ser realizada no interesse social, o qual reside
na própria destinação final que será conferida ao imóvel, qual seja, a reforma agrária. Isto
porque os motivos configuradores de uma justificativa de interesse social no campo seriam os
mesmos que levam a implementação de uma reforma agrária.

Lembremos que a expropriação por interesse social, aquela que se decreta com o fito de
promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem-estar social,
pode assumir duas formas: a primeira corresponde à hipótese ora analisada, privativa da
União e específica da reforma agrária, ressaltando que esta expropriação é indenizável em
títulos da divida agrária e só pode ter por objeto o imóvel que não esteja cumprindo a sua
função social; a segunda é hipótese permitida a todos os entes da Federação, que têm o dever
de adequar o uso da propriedade em geral às exigências da coletividade, mas só é indenizável
mediante justa e prévia quantia em dinheiro, a teor do disposto no inciso XXIV, art. 5º, da
CF/88.

Na hipótese objeto desse estudo, o interesse social é interesse da coletividade como um todo e
não interesse da Administração. Destarte, os bens expropriados para fins agrários, em regra,
não se destinam à Administração, mas sim à particulares que sejam aptos a promover um
melhor aproveitamento ou produtividade da terra em prol de uma comunidade. Então essa
espécie de desapropriação não atinge propriedades produtivas, mas apenas aqueles domínios
cuja destinação social não esteja sendo cumprida por seus proprietários.

O interesse social justificativo de desapropriação está indicado na própria norma, Lei n.


4.132/62, sendo que o Estatuto da Terra (Lei n. 4.054/64) previu mais alguns casos de
interesse social, para fins de reforma agrária (art. 18). A expropriação, nestes casos, só se
aplicará a imóveis rurais, mediante prévia e justa indenização em títulos da divida agrária,
exatamente nos moldes e com o fito descrito no art. 184, da CF/88. O ato expropriatório
deverá seguir os trâmites da Lei Complementar n. 76/93 e da Lei nº 8.629/93, bem assim será
expedido pelo Presidente da República ou autoridade outra a quem tenham sido delegados
poderes especiais para praticá-lo.

Muito se discutiu a respeito do conceito de imóvel rural, pois a legislação infraconstitucional


ora adotou o critério da destinação, ora o chamado critério topográfico. Pela primeira acepção,
prevista no Estatuto da Terra, art. 4º, inciso I, define-se como rural aquele imóvel que tem
uma destinação agrícola, pecuária ou industrial, qualquer que seja a sua localização. No
segundo sentido, inicialmente adotado pelo Código Tributário Nacional, leva-se em conta a
mera localização.

A Lei n. 5.868/72 contribui intensivamente para o fim dessa celeuma, haja vista ter abraçado
o critério da destinação, ao estabelecer que para fim de incidência do imposto sobre a
propriedade territorial rural é considerado imóvel rural aquele que se destinar à exploração
agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial. A bem da verdade, quer nos parecer
que a significação colimada pelo legislador constitucional tem a ver com o critério
topográfico, tendo em vista que a definição de imóvel rural tem de ser perquirida no contexto
do presente artigo que cuida também da reforma agrária.

Partindo-se da premissa de que a reforma agrária incide no campo, irrefutavelmente chegamos


à conclusão de que será rural todo aquele imóvel que se encontre no campo, isto é, que não
seja urbano, conforme definido pelo próprio município, segundo diretrizes da União.
Obviamente, se um imóvel encontrar-se em área urbana, ainda que com destinação agrária, a
ele não se lhe aplicará a expropriação para fins de reforma agrária. Nas áreas urbanas, cabe a
desapropriação de que cuida o art. 182, parágrafo 4º, III da Carta Magna, como instrumento
da política urbana. Assim, as áreas rurais serão compostas de imóveis rurais com exclusão das
porções de terra que, porventura, tenham uma destinação não-agrária.

Do ponto de vista do expropriado, representa cláusula bastante severa o fato de a


desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária só dar direito a uma
indenização, que também é justa e prévia, consoante dispõe a desapropriação por interesse
social realizável por todos os Entes Federados – art. 5º, inc. XXIV, da CF – contudo,
mediante títulos da dívida agrária com clausula de dívida do valor real, resgatáveis no prazo
de até vinte anos e cuja utilização será definida em lei. Os títulos da dívida agrária destacam-
se dos títulos da dívida pública em geral, pois eles gozam de uma cláusula que os protege
contra a depreciação do valor da moeda, embora não percam as suas características originais
no tocante à abstratividade, à executoriedade e à negociabilidade. Ademais, terão a utilização
definida em lei. Significa dizer: são títulos com destinação específica só utilizáveis pelo Poder
Público para resgate da indenização. Isto importa em vincular cada título à específica
desapropriação em que serviu como pagamento, donde se conclui que não se pode admitir que
o título deve ou pode ser ao portador.

Desta forma, o fato de só com o resgate desses títulos obter, o expropriado, a indenização
pecuniária, de certa forma, com a cláusula de valor real, fica garantido o pagamento de uma
indenização justa, cujo cálculo do montante deve ser suficiente para elidir qualquer dano
sofrível pelo proprietário do bem. Quanto à destinação feita pela lei para essas cambiais, a
Constituição atual não os restringe ao pagamento de parte do imposto territorial rural e como
pagamento do preço das terras públicas, como o previa a Carta Política anterior. Sem
prescrever essas utilizações especiais, nota-se que o intuito do constituinte foi o de garantir
uma utilização mais ampla aos títulos da dívida agrária - só plenamente indenizável após vinte
anos – do que aquela que lhe seria própria na qualidade de título da dívida pública.

É de bom alvitre, porém, assinalar que as benfeitorias úteis e necessárias existentes nos
imóveis rurais desapropriados não serão indenizáveis em títulos, mas sim, em moeda corrente.
Tendo em vista que a expropriação, ao significar uma punição para o proprietário que não
conferiu a destinação social a sua propriedade, não pode representar também uma sanção para
as hipóteses em que o mesmo, efetivamente, procurou valorizar economicamente o imóvel ou
garantir a sua preservação. Neste ponto merece elogios a nossa Constituição.
No que concerne ao procedimento expropriatório, reza a lei multicitada que ele se efetivará
mediante ação judicial, a ser proposta pela União Federal, em competência exclusiva, tão logo
seja expedido o decreto que declara o imóvel com de interesse social, para fins de reforma
agrária. Contudo, é preciso salientar dois pontos importantes: primeiro, que o processo
judicial não é imprescindível para a efetivação dessa modalidade expropriatória, pois havendo
concordância entre as partes sobre o preço correspondente à indenização, neste caso, a ação
referida será evitada, por falta de objeto; segundo, a despeito da edição do decreto
expropriatório, pode a União, de acordo com o seu livre convencimento, determinar-se quanto
à conveniência de prosseguir no seu intento, qual seja, a procura de um acordo ou a
propositura da ação. Isto porque a desapropriação, por interesse social, sobretudo visando à
redistribuição de terras, é um poder geral do Poder Público, art. 5º, inciso XXIV, que deve
decidir sobre a implementação das medidas expropriatórias ou não.

Aliás, em face desta discricionariedade, alguns doutrinadores chegam a admitir que a vedação
constante do art. 185 da Constituição Federal constitui uma exceção à hipótese expropriatória
consignada no art. 184, da CF/88 e não ao poder geral de desapropriação por interesse social
autorizado pela Constituição, no seu art. 5º, XXIV, resultando em conseqüência relevante.
Vejamos as lições do eminente Prof. José Afonso da Silva, in Curso de Direito
Constitucional Positivo, 20ª ed., Malheiros ed., pg.796/797:

“A sanção para o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função
social é a desapropriação por interesse social, para fins de reforma
agrária, mediante pagamento da indenização em títulos da dívida
agrária, nos termos do art. 184. Não quer dizer que a reforma agrária
possa fazer-se somente por esse modo. A desapropriação por interesse
social, inclusive para melhor distribuição da terra, é um poder geral
do Poder Público (art. 5º, inc. XXIV), de maneira que a vedação de
desapropriação, para fins de reforma agrária, de pequena e da media
propriedade rural, assim definida em lei e desde que seu proprietário
não possua outra, e da propriedade produtiva configurada no art. 185
deve ser entendida em relação ao processo de reforma agrária
constante do art. 184. Ou seja: o art. 185 contém uma exceção à
desapropriação especial autorizada no art. 184, não ao poder geral de
desapropriação por interesse social do art. 5º, XXIV. Quer dizer, desde
que se pague a indenização nos termos do art. 5º, inc. XXIV, qualquer
imóvel rural pode ser desapropriado por interesse social para fins de
reforma agrária e melhor distribuição da propriedade fundiária.”

Com a devida venia às lições do ilustre mestre, não nos parece ser um procedimento
consentâneo permitir a expropriação de propriedade que esteja desempenhando a sua
destinação social. Em síntese, o que deve ser reprimida é a ociosidade injustificada da terra. A
incidência, em áreas plenamente produtivas, de projetos de reforma agrária, só tem o condão
de desorganizar a produção, pelo desinvestimento e pelo agravamento das tensões sociais.

Ademais, a própria Carta Magna veda o implemento da implemento de desapropriação para


fins de reforma agrária tendo por base a propriedade produtiva, segundo estabelece em seu
art. 185. Se a reforma agrária, como dito, tem por escopo de condicionar o uso da terra a sua
função social, propiciando um aproveitamento racional e adequado da terra por parte de seu
detentor, quando o imóvel esteja satisfazendo essas exigências, seria um absoluto contra-
senso submetê-lo a um processo de reforma agrária. Diante da clarividência do dispositivo e
das considerações já expendidas no decorrer deste trabalho, nos interessa apenas explicitar
que a propriedade rural insuscetível de ser desapropriada não se restringe apenas a
propriedade familiar, cujo conceito traz o Estatuto da Terra, como fazem crer alguns
doutrinadores. Na falta de lei posterior à Constituição, a invocação do elemento ‘exploração
familiar da gleba’ restringe a imunidade constitucional, que só levou em conta o tamanho da
propriedade. Agora, é forçoso reconhecer que deve haver uma ligação entre o proprietário e
sua ocupação do imóvel, pois quando a norma prevê ‘desde que o proprietário não possua
outra’ está a indicar a terra que é fonte de subsistência para seu dono não é passível de
desapropriação. Por derradeiro, pode ser vislumbrada uma equivalência entre a propriedade
produtiva e a propriedade que preenche a sua função social, tanto que o parágrafo único deste
dispositivo faz remissão a uma lei que fixe normas para regulamentar o cumprimento dos
requisitos relativos à função social, já referida no art. 186 da CF/88.
DA EFETIVIDADE DA REFORMA AGRÁRIA

A Reforma Agrária corresponde a um programa de governo, plano de atuação estatal, que


legitima a intervenção do Estado na propriedade privada e, de conseguinte, na economia
agrícola. Tem como objetivo maior promover o acesso à propriedade rural, mediante à
distribuição ou à redistribuição de terras. Outrossim, almeja a repartição da renda fundiária,
na medida em que prima pela redistribuição da propriedade desapropriada em favor das
unidades de produção familiares.

Desta forma, ao autorizar a desapropriação do imóvel que não esteja cumprindo a sua função
social, para fins de reforma agrária, entendem-se que o legislador constituinte objetivou
atender a dois elementos fundamentais a fim de alcançar o desenvolvimento agrícola, quais
sejam, a modificação da estrutura da propriedade agrícola e o aumento da produção.

De antemão, é válida a crítica de há muito desenvolvida por estudiosos da matéria de que a


resolução da questão fundiária, no nosso país, envolve necessariamente o aumento da
produção. Entretanto, já se comprovou que a maior produtividade não será auferida por meio
de uma mera redistribuição de terras. Na verdade, não se põe termo ao desemprego no campo
sem o implemento de uma política fundiária e agrícola efetiva, com grandes incentivos
governamentais.

O mero distributivismo agrário, considerando-se de per si cada unidade familiar, sem o


conseguinte apoio governamental, seria inócuo para o desenvolvimento agrícola, já que se
poderia representar apenas a perpetuação da miséria agora justamente distribuída por todos.
De certo, o aumento da produção aproxima-se muito mais com o aumento do investimento e
dos estímulos que possam ser oferecidos à atividade agrícola, através de uma correta política
governamental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A nova definição de direito de propriedade, revelando o caráter liberal da atual Magna Carta,
em que se destaca o respeito à função social, atribuiu a esse direito um cunho público,
destituindo-o da acepção meramente individualista para estabelecer uma concepção mais
comprometida com o interesse social. Daí a importância deste estudo, buscando
compatibilizar esse direito individual e o seu atributo socializante.

Com efeito, o princípio da função social inserido no direito de propriedade mesclou o poder
do proprietário de exercer este direito em proveito próprio com o dever de direcioná-lo a um
fim de interesse coletivo. Assim, os poderes de usar, gozar e dispor do titular do domínio, no
seu interesse próprio, uniu-se à obrigação de adequá-los à satisfação das necessidades da
sociedade, sendo esta definida, então, como partícipe da relação de propriedade.

Portanto, é preciso esclarecer que, à concepção clássica do direito de propriedade, opõe-se


uma nova concepção. O direito de propriedade transmudou-se de um direito subjetivo público
absoluto, concebido para proteger o interesse individual, para um eito cujo exercício se
encontra vinculado à conciliação do interesse do proprietário com os objetivos da ordem
social tutelados pela ordem jurídica (vinculação à função social). Concilia-se, pois, o
tratamento jurídico conferido à propriedade nos regimes capitalista e socialista.

A função social visa coibir aquelas destinações que poderão levar ao uso degenerado da
propriedade, recolocando-a na sua trilha normal. Deve haver uma perfeita sintonia entre a
fruição individual do bem e o atendimento de sua função social, para que seja alcançado o tão
almejado desenvolvimento econômico do País, mormente no campo. Nesta busca é mister
destacar os institutos da reforma agrária e da desapropriação, então analisados, bem como o
fenômeno social dos movimentos de sem-terra. Observa-se, alfim, que o Brasil carece de uma
verdadeira reforma agrária e não de uma simples repartição de terras, mera reforma fundiária.
Contudo, não converge o entendimento dos diversos setores da sociedade brasileira no que se
refere a esta discussão.
BIBLIOGRAFIA

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Malheiros.

SEABRA FAGUNDES, Miguel. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário,
São Paulo.

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MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo, Rio: Forense.

Site http://www.jusnavigandi.com.br

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, 13ªed., Malheiros


Editores;

BORGES, Paulo Torminn, Institutos Básicos do Direito Agrário, 8ª ed., Saraiva;

SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 20ª ed., Malheiros
Editores;

ARAÚJO JÚNIOR, Vicente Gonçalves de, Direito Agrário, 2002, Inédita.

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