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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha
Campus Frederico Westphalen
Curso Superior de Bacharelado em Administração

O Grande Irmão Triunfa, afinal? Texto Final1

No livro 1984 começamos a acompanhar a vida de Winston Smith, personagem principal da


trama. Winston é um ser pacato, assim como todos naquela sociedade, essa é regida por um sistema
político chamado de Socialismo Inglês que têm seu poder centralizado na figura do Grande Irmão -
que pode ou não existir.
“The Big Brother is watching you”2 slogan do Partido (que controla todas as instâncias de
poder na Oceania) pode ser representado pelo o uso das teletelas, instrumento utilizado para
controlar a rotina de todos, controlar em que lugar estão e como demonstram se sentir. O modo
como a teletela funciona nos lembra muito o sistema prisional estudado por Foucault no livro Vigiar
e Punir3: o panóptico. Este se usa de um modelo onde quem vigia não é visto, e quem é vigiado não
consegue ver quem está o observando, resultando no medo constante do preso e na adequação social
pela coerção e, também, em uma certa impunidade dos vigilantes, já que estes acabam perdendo a
noção de que o outro que está ali também é humano, pois falta o contato direto. Neste modo de
vida, onde até mesmo as pequenas ações são controladas, temos a total servidão à instituição
regente, o Grande Irmão.
A trama do livro se desenvolve entre Winston aceitar ou não os dogmas impostos pelo
Grande Irmão e controlados pelo Partido, um dos dogmas mais importantes é Ignorância é Força,
que significa o duplipensamento termo cunhado por Orwell, em novafala, para designar a
possibilidade de manter duas crenças opostas em mente e acreditar em ambas, por exemplo, o
Ministério da Verdade criar mentiras. O duplipensamento é um dos métodos de controle, pois ele
leva as pessoas a acreditarem em tudo o que é imposto, mesmo sendo contraditório. Desta maneira,
o desfecho do livro com a frase “Finalmente amava o Grande Irmão” é muito contraditório, neste
momento Winston já estava adequado ao sistema e praticava o duplipensamento o que acaba
permitindo interpretações diferentes do final da história, estaria ele totalmente alienado e agora
acreditava totalmente na ideologia do IngSoc, ou seria seu último ato de revolução, entendendo
amor como um mecanismo de expressar seu ódio ao Grande Irmão?
Se levarmos em conta o Grande Irmão como uma personificação da centralização de poder
na estrutura política da Oceania, chegamos a conclusão de que em 1984, para o Partido, não há
natureza humana, e o que acaba ocorrendo é a desistência do ser como um indivíduo único e a
adesão “natural”, a total identificação e reconhecimento com esta instituição transcendental, o
homem é uma parte ínfima da superestrutura, e a própria humanidade se transforma no Partido.
Conceito que se aproxima muito do que temos atualmente, uma super estrutura econômica
que influencia na vida individual e tem a capacidade de se adaptar a todas as situações que vão
contra sua natureza de acumulação do capital. A identificação com 1984 vai ainda mais além,
mesmo relatando e criticando autoritarismos onde o Estado é a residência do Poder em todas as suas

1 Texto de autoria de Eduardo de Camargo


2
"O Grande Irmão zela por ti" ou "O Grande Irmão está lhe observando" a dualidade da palavra "watching" em inglês é
fundamental para compreendermos o real significado do slogan.
3
É interessante pensarmos sobre como Foucault trabalha este sistema de vigilância- não restringindo ele somente a
prisões, mas sim a diversas instituições, como a escola e a indústria - como negativo, que visa a punição dos indivíduos
na adequação da norma vigente.
personificações (militar, econômico e de dominação social), é possível fazermos análises análogas a
nossa a atualidade, onde a base da Justiça Ocidental preza hegemonicamente por instituições
transcendentais, consideradas justas, que não levam em consideração as práticas comportamentais
reais e as relações sociais, ou seja, apresentam verossimilhança com o Grande Irmão.
Se pensarmos como metodologia o materialismo histórico4, onde nos propomos a analisar a
sociedade partindo de uma visão onde os modos de produção - infraestrutura - determina as relações
sociais e a superestrutura - valores morais, éticos, justiça, etc. Poderemos ver que o modo como
trabalhamos irá determinar o nosso modelo de relacionamento com a vida. Por exemplo Winston
modifica o passado, contribuindo para a visão do Partido onde tudo é relativo e passado e futuro não
existem, somente o presente. Mesmo Winston fugindo da regra por razões que não ficam explícitas
no livro, todos os outros de seu departamento acabam sendo doutrinados pelo modo como realizam
o trabalho. Ademais os proles, que supostamente produzem para a toda a sociedade, também são
condicionados à relações de submissão, pois o material final, em sua maioria, é levado a oligarquia
do núcleo do Partido. E no mundo atual isso continua, muito de nossa vida, como os ciclos sociais
que estamos inseridos, é determinada pela quantidade de renda que possuímos e isto provém
diretamente de nosso trabalho. Mas a relação com o trabalho hoje em dia vem mudando, antes, o
pensamento do trabalhador utópico era o “homem máquina”5. A partir da década de 1980, temos
novamente a ascensão do liberalismo como sistema de organização política, criando o
neoliberalismo e a passagem do Fordismo para o Toyotismo, esse novo modo de produção não
extingue as explorações acontecidas no passado, mas sim as re-configura em uma nova sistemática
de acumulação. Esta nova acumulação do capitalismo financeiro, se dá a partir do débito e crédito, e
não mais no âmbito material, mas sim em um valor cognitivo.
A produção de subjetividade, com valor imaterial, acaba misturando tempo de vida com o
tempo de trabalho, pois não há mais a necessidade de se ter um pleno emprego, uma estabilidade,
mas sim se tornar um fornecedor de produtos na rede mundial.6
Surgindo então a empregabilidade: deve-se ter condições para se inserir no mercado de
trabalho - boa educação, boa saúde, mobilidade urbana e virtual - só que a obtenção desses fatores
acontece na vida privada e a remuneração acontece somente no trabalho final, no produto.
Ao consumir para produzir, o proletário contribui para o mercado financeiro, pois deve-se
fazer relações de endividamento, e quem não pode consumir acaba ficando à margem, excluído,
vivendo perifericamente. Esta nova organização social da atividade laboral, apresenta como maior
problemática não o conceito de empregabilidade ou o pleno emprego, mas sim, o desafio da
valoração e da rentabilização, parte central do trabalho no mundo atual, quando não há distinções
entre tempo de vida e tempo de trabalho. Baseando se nisso Antonio Negri, filósofo político,
argumenta sobre uma Renda Universal

Não, é óbvio que em si mesma ela não pode resolver o problema. É o


elemento preliminar, e também central, para a reorganização social
baseada no Comum e a superação das categorias de propriedade privada e
pública. É no terreno financeiro que é preciso confrontar-se. O problema é
o comando das finanças. O Palácio de Inverno hoje são os bancos centrais.

Referências
Fonte: ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 414 p.

4
Contextualizando: o materialismo histórico, em sua primeira instância, analisou uma sociedade capitalista industrial.
5
Essa visão é muito utilizada no modelo americano de produção, com teóricos como o Fordismo, que herda de Taylor
uma visão de uma administração científica, com um trabalhador alienado e uma produção verticalizada nas escalas de
poder.
6
Um fornecedor que busca relações contratuais, por exemplo, designer, arquiteto.

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