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DISCURSO DE BAILE DE FORMATURA – TURMA DE MEIO

AMBIENTE 2016

Ai, Deus, e u é?

Por certo, vocês irão se lembrar desse verso de D. Dinis, numa das minhas
primeiras aulas de literatura, sobre cantiga trovadoresca. Como também deverão se
lembrar daquele primeiro dia de aula, em que todos, num misto de ansiedade, apreensão
e dúvida, adentraram aquela sala, sem saber como foram ali parar, ou se, mesmo, iriam
sair de lá. Era uma nova jornada em início: rostos novos, figurinos excêntricos,
personalidades distintas. E, com certeza, cada um de vocês se perguntava: “Ai, Deus, o
que eu estou fazendo aqui?” Mas não se preocupem. Se isso os confortar, nós
estávamos no mesmo barco.

Foi ontem que cheguei à sala de vocês, todo trabalhado nas expectativas de um
recém-aspirante a professor. E com razão: só eu mesmo para entrar em sala, largar
minhas coisas sobre a mesa e correr no Leandro para que ligasse o datashow, não é,
André? Você devem ter pensado, de imediato: “Ai, Deus, e essa escola é assim?
Professor larga aluno em sala e vaza? Que maneiro!” Mas não foi loucura minha. Até
porque eu sabia que ninguém sairia de sala (e se alguém tiver saído, já perdeu dois
pontos na nota). Sabem o que foi: confiança. Começava a nascer dali um bonito laço de
confiante cumplicidade.

E assim foram nossos dias. A começar por aquela dinâmica dos crachá, em que
quase todo mundo recebeu nova certidão de registro. Grazi André que o diga. Ou, quem
sabe, aquela aula sobre linguagem e variedade linguística. Talvez, nem se lembrem o
que é signo linguístico, mas, de certo, vão recordar a grande revelação da sala, no
primeiro ano: a declaração de Dom Greg, que desvaira pela dama Rebeca de fremosura.
Ai, Deus... Sem falar na piração de Vitor na More bicha das coxonas. Ai, Deus! E como
esquecer aquelas encenações bafônicas, que lançaram ao cenário dramático as grandes
atrizes Kethy Valentine e Samila Lawrence, em Casais (nada) perfeitos? Mas, verdade
seja dita: não houve casal mais perfeito e shipado que Androusa e Thandré, cujo beijo
ainda hoje é aguardado com ânsia de último capítulo de novela das 9h. Então, será que
sai hoje? Ai, Deus!
Por outro lado, a maior surpresa que pude receber foi, de fato, uma surpresa. Na
volta do intervalo, enquanto segui pelo corredor em direção à sala, via muitos de vocês
fora, segurando cartazes. Imediatamente, entendi a situação, quando comecei a lê-los.
Uma turma com a qual tinha pouco tempo de convivência, me presenteava com uma
festa de aniversário, minha primeira festa de aniversário feita por uma turma. Quando
cheguei na sala, mais surpresas: minhas fotos, ressuscitadas do jurássico Orkut, foram
stalkeadas. Ai, Deus!!! Eu quase morri do coração: pelo inesperado das fotos, num
primeiro momento, mas de profunda alegria, num segundo, em perceber tanto carinho e
cumplicidade para com alguém que alguém que acabaram de conhecer.

Mas nem tudo foram flores. Na balança dos relacionamentos, as complicações


pesaram mais que os afetos. E num fatídico dia, o encanto de cristal e quebrou. Numa
conversa bem séria, rompi as relações amistosas com vocês e decidi que, dali em diante,
seríamos apenas professor e alunos. Eu vi nos olhos de muitos de vocês a frustração em
saber que, naquele momento, algo que poderia se tornar duradouro estava ruindo. De
muitos me distanciei, enquanto um seleto grupo continuava na sociedade secreta.

Apesar do rompimento, não poderia quebrar a promessa que fizera, logo no


primeiro ano: de que iria acompanha-lo durante os três anos de Ensino Médio,
justamente que assumi a responsabilidade de instruí-los no ensino da língua e da
literatura. Infelizmente, interrupções durante o percurso me impediram de permanecer
os três anos contínuos, mas tive a felicidade de estar com vocês esporadicamente. E,
nessa convivência, vi vocês crescerem, em corpo, como Níkolas Cage, e também em
conhecimento. Foi como vê-los engatinhar, ensaiar os primeiro passos, e, por fim,
empreenderem pequenas corridas no tapete da sala. E, agora, já crescidos, quase adultos
(se alguns já são), vocês farão a própria caminhada, enquanto que eu ficarei para trás.

Disso não me entristeço, faz parte da jornada. Pessoas vêm, pessoas vão. Pessoas
sempre passarão por nossas vidas e deixarão um pouco de si. A grande questão é saber
como conservar em nós essas porções do outro. Acredito que, nos primeiros dias de
aula, devo ter dado um valioso conselho (gratuito): “Vivam cada dia com intensidade,
pois vocês só terão três anos juntos”. E como é engraçado ver uma família se constituir
em tão pouco tempo. Descobri até que Denilson se tornou pai de Thiago. Aí, Deus! E,
de fato, vocês se tornaram uma: só pai que sabe nos escutar nos nossos dias mais bads,
só irmãos que fazem aquela folhinha, à noite, no quarto, após o estudo do seminário de
Geografia, só mãe que empresta seu ombro para que possamos chorar nossos problemas
de casa e da vida, e nos diz aquela palavra que precisamos ouvir. Alguns de vocês me
procuraram para conversar sobre alguns desses assuntos, e que bom que nossa conversa
resolveu muita coisa.

Não fico triste também com a notícia de que o nosso “romance” tinha acabado e
que vocês já estavam em outra, bem mais potente. Lindo para minha cara: quem
mandou terminar relacionamento?! É... a fila anda. Ai, Deus! Se bem que sofrência é
assim mesmo: você se acaba na dor, mas no final continua amando do mesmo jeito.
Mesmo sabendo de outras preferências, amei vocês sem pedir nada em troca. Amei de
graça. Amor que espera algo em troca é mesquinho, mas amor é algo somado, não
dividido. Assim, meu afeto a vocês eu rendia, não sei se recebia o retorno, a
consideração (como diria Thami Gomes). Pus-me convicto de que não, quando soube
que rolava nos grupos um print de uma conversa em que me citaram e que o assunto
não vem ao caso. Contudo, para a minha alegria, percebi que o amor de vocês por mim
havia retornado, ao me convidarem para apadrinhá-los, ao som de funk e tudo.

E cá estamos. No início e no fim, mas eu prefiro dizer numa pausa. Afinal de


contas, a vida dá voltas e voltas. E é impossível que não nos esbarremos por alguma
esquina, vocês com suas advocacias, medicinas, engenharias, docências (por que não?).
Se todos vocês chegaram aqui é porque fizeram por merecer. Mais do que isso: fizeram
por conseguir, pois repito algo que disse na nossa última aula: Todos vocês são
capazes! Basta acreditarem! Eu acredito em cada um de vocês, pois além de
professor, sou humano e me sinto responsável pela formação humana de vocês. Do
contrário, feriria um dos princípios da docência: formar o indivíduo para a vida. Sou
professor de literatura, mas não ensino literatura. Ensino a vida através da literatura. E
conhecendo-a, vocês terão a chance espetacular de conhecerem a si próprios. Em outras
palavras: a literatura nos salva.

Ao findar destas palavras, quero dizer duas coisas. Na verdade, três:


1) Cristal quebrado cola com cola super bonde, e fica parecendo novinho;
2) Águas passadas não movem moinho;
3) Lembrem-se sempre deste momento como um ponto de partida, não de chegada, pois
ainda há muito caminho a percorrer. E, acima de tudo, lembrem-se uns ao outros na
quilo que os tornaram família, naquilo que puderam ver refletido nos olhos do outro.
Como um espelho, tal a última dinâmica que fizemos em sala. Vejam-se refletidos uns
nos outros, pois três anos de convivência nos tornam um pouco parecido com quem está
do nosso lado. Tenham certeza de que vocês deixam pedacinhos de vocês em mim, os
quais guardarei com muita gratidão. Mas também quero deixar um pedacinho de mim a
cada um de vocês. Bem pequenininho, mas na certeza de que, quando olharem para ele,
também se olharão.
E aí, Deus, u é?!
É sim!
É Meio Ambiente, a turma que vai morar sempre em meu coração.

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