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Olá terceiro ano, terceirão!

Podem não acreditar, pois como são dramáticos, nunca acreditam nos meus sentimentos.
Mas estou escrevendo este texto em função de minha ansiedade para terminar as férias e
voltarmos as aulas. Enfim, apesar do meu espanto, estou diante do terceirão.
Vocês carregam algo de muito especial para minha vida pessoal e profissional, uma vez que
é a primeira turma que acompanhei em todos os anos que aqui estive. Desde 2016, em
meio a tantas dificuldades que enfrentei no início, sempre fui muito bem recebido e
acolhido enquanto ainda eram duas salas.
Este é o quarto ano que nos encontraremos em sala e em muitos outros ambientes que
nossa amizade proporcionará. E dizer isso me espanta. Me espanta a celeridade do tempo e
sua fugacidade. Ou melhor, me espanta essa incrível contradição entre um grande espaço
de tempo percorrido de maneira tão rápida. Por um lado, nos conhecemos há anos, por
outro, parece que ainda temos muito a nos conhecer e a viver. Agora estamos diante do
encerramento deste período bonito da vida de cada um de vocês. E confesso que, além de
espanto, isso me dá medo.
Não é um discurso de saudade, ao contrário, não estamos sequer nos despedindo, pois
ainda há muitas experiências a serem vividas. Muita raiva a ser passada, muita prova a ser
zerada, muita treta nos esperando para acontecer. Enfim, deixemos as despedidas e os
discursos saudosistas para outro momento, talvez a formatura – Para aqueles que lá
chegarem.
Minha intenção ao escrever este texto é outra, meus amigos. Considero esta carta aberta
como um pedido que gostaria muito de ser atendido. Por isso, peço um pouco de carinho e
de atenção ao me ouvir.
Muito bem, um grande filósofo chamado Martin Heidegger em seu livro Ser e Tempo diz
que as experiências que vivemos, bem como toda a nossa vida, só possuem sentido porque
elas têm um fim. Em palavras mais duras, Heidegger diz que é justamente a morte que
confere sentido à vida.
É claro que não sei se é exatamente dessa forma que Heidegger diz, nem sei se é neste livro
mesmo e agora às 3:21h da manhã de uma terça feira, não me sinto animado a procurar no
Google. F
O fato é que desde que li este pensamento, inquieto-me com ele. Por um lado, pensar que
a vida só tem sentido porque existe um fim, me angustia. Percebo em mim uma vontade
tremenda de viver mais, de poder encontrar mais vezes as pessoas que amo, de
experimentar tudo aquilo que de bom a vida pode nos dar. Vez ou outra revolta-me o fato
de que as coisas terminam, a vida inclusive. Por outro lado, saber que a vida tem um fim,
desperta em mim um sentimento de responsabilidade terrível. Saber que ela termina me
faz repensar atitudes que até então tenho tomado. Saber que a morte é uma senha que a
qualquer momento pode ser chamada, me faz revisar aquilo que até então tenho feito com
minha vida.
O que a morte tem a ver com isso? Bom, ao refletir sobre isso, começo a estender a
reflexão para todas as experiências que vivo em minha vida. Começo a pensar que tudo
tem um fim, um final e que por isso não posso viver de qualquer forma. No caso, talvez
agora fique mais claro meu pedido.
Hoje peço a vocês que ao viverem seus dias, pensem que eles estão acabando. Junto com o
fim de cada dia, existe o fim também destes momentos que vocês estão vivendo juntos.
Junto com o sinal que terminará esta aula, terminarão as possibilidades de você
demonstrar seu carinho a alguém. Junto com as muitas vezes que descerá estas escadas, irá
junto com cada um de vocês, imensas possibilidades, probabilidades, situações não
acontecidas, apenas ameaçadas, pensadas, muitas sequer ditas. Junto com nossas saídas
diárias, nossas despedidas, nossos dias, vão também as oportunidades não aproveitadas.
De todas estas oportunidades, talvez a maior das perdas seja a nossa recusa, o nosso
esquecimento, a nossa desatenção, a nossa indiferença em amar. Nós já falamos de forma
teórica inúmeras vezes o poder que o amor confere às nossas relações. E é justamente ele
que dá à vida um sabor especial. Não há nenhuma experiência humana que supere a graça
de se sentir amado. Não há nada melhor que ser amado e amar na mesma medida. E é por
isso que, sabendo do fim de nossos dias, do fim de nosso ano, do fim de uma etapa e,
porque não, do fim de nossas vidas, não podemos nos furtar de amar a quem hoje está
próximo. Não podemos nos apegar em coisas pequenas que no futuro nos
envergonharemos. Não podemos mais tolerar a mediocridade do nosso pequeno amor.
Vocês são jovens, eu também, porém com mais beleza. Vocês possuem o vigor da vida, a
força, a inteligência, a esperteza, a ação. Diante de tudo isso, não podem se contentar em
amar “mais ou menos”, deixar que as fraquezas de nossa condição humana reinem e nos
impeça de crescer também enquanto pessoa para os outros.
Quando peço para que utilizem este final de ano para amar, não peço um sentimento
infantil, meloso, embriagado pelas paixões. Nós já vimos que o verdadeiro amor está além
do sentimento humano e do que agrada o nosso eu. Amor não é aquilo que nos deixa
extasiados e nos faz alegres, rindo à toa, agitados e intensamente eufóricos. O nome disso é
cocaína, amor é outra coisa.
Amor está relacionado com nossa capacidade de decisão e nossa liberdade. A liberdade de
não deixar que a raiva passe por cima do respeito pelo outro. A liberdade de dizer ‘não’ ao
sentimento mesquinho de vingança. A liberdade de decidir perdoar e recomeçar outra
história com alguém. A decisão de recomeçar hoje a forma de tratar quem não nos agrada,
falar de outra forma com quem não merece e esforçar-se para não deixar se levar pela
cômoda posição da indiferença. Amor é, antes de mais nada, um atributo dos fortes.
E porque falo de amor e de fim, ao mesmo tempo? Porque é justamente o amor que
confere à vida uma eternidade. Um filósofo chamado Gabriel Marcel diz que “Amar é dizer
ao outro: Tu nunca morrerás”, em Cânticos, capítulo 8, diz que o “Nem as torrentes das
grandes águas conseguem apagar o amor, pois ele é mais forte que a morte”. Isso significa
que aqueles que amamos não morrem, eles se eternizam na memória indestrutível do
coração. É da mesma forma que dizemos que somos eternos, pois viveremos na memória
do amor eterno de Deus. Seremos revestidos pela eternidade de um amor infinito. Isso
tudo me enche de uma alegre esperança.
Enfim, estão diante de vocês a possibilidade de não fazer desta, apenas uma série de
colegial. Estão diante de vocês a oportunidade de eternizar afetos, perpetuar vínculos,
construírem memórias inabaláveis. Estão diante de seus olhos, diante de seus corações,
diante de suas mãos, a chance de não morrerem um para o outro, não se esquecerem. Não
me esquecerem também! Estão diante de cada um, diante de mim também, a possibilidade
de aproveitar este tempo que acabará, como também nossa vida. Aproveitar com
qualidade, com carinho, com respeito, com “muito obrigado” e “bom dia”, com bons
exemplos, com parceria, com lealdade, com amizade. Aproveitar a chance que Deus
oferece ao nosso amor humano, por vezes tão frágil, imprimir um selo de eternidade
naquilo que até então para nós é apenas o simples cotidiano.

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