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PATOLOGIA GERAL - DB-301, UNIDADE V, FOP/UNICAMP 6

ÁREAS DE SEMIOLOGIA E PATOLOGIA

BIOLOGIA TUMORAL E CARCINOGÊNESE

INTRODUÇÃO
A história natural da maioria dos tumores malignos pode ser dividida em 4 fases: (1)
transformação maligna, (2) crescimento da célula transformada, (3) invasão local e (4) metástase. O
processo de transformação maligna ocorre em vários estágios e resulta do acúmulo de alterações
genéticas. Essas alterações genéticas conhecidas como mutações podem ocorrer por ação de agentes
ambientais como substâncias químicas, radiação ou vírus.
Evidências demonstram que a massa tumoral origina-se de uma única célula que contraiu as
alterações genéticas, conhecidas como tumores monoclonais. A leucemia mielóide crônica é um tipo
de tumor que reforça esta teoria, onde em quase todos os casos as células leucêmicas têm o mesmo
tipo de translocação entre os cromossomos 9 e 22. O mesmo é observado em neoplasias de linfócitos
B, em que todas as células do tumor possuem o mesmo tipo de rearranjo gênico no DNA que codifica
as cadeias das imunoglobulinas.

ONCOGENES E GENES SUPRESSORES DE TUMOR


As alterações genéticas que promovem o desenvolvimento de câncer ocorrem em duas classes
de genes reguladores do crescimento, que estão presentes em células normais: os proto-oncogenes,
que promovem o crescimento e os genes supressores de tumor, que inibem o crescimento celular.
Alterações nos proto-oncogenes e nos genes supressores de tumor podem provocar desenvolvimento
de células com crescimento descontrolado.
Os oncogenes foram primeiramente descritos em genoma retroviral que induziam tumores em
animais. Estes genes foram chamados de oncogenes virais (viral oncogenes, v-oncs). Posteriormente,
foi descoberto que os oncogenes apresentavam seqüências muito semelhantes ao DNA das células
normais, chegando-se a conclusão que os vírus provocam mudanças na seqüência de DNA da célula
normal que foram infectadas. A partir deste achado os genes normais foram chamados de
proto-oncogenes.
Os proto-oncogenes podem transformar-se em oncogenes através de 2 formas:
- mudanças na estrutura do gene, resultando na síntese de oncoproteínas (produtos genéticos
anormais) tendo função aberrante.
- mudanças na regulação da expressão do gene, resultando um aumento ou produção
inadequada de proteínas promotoras de crescimento estruturalmente normais.
Mutação em ponto - o oncogene ras é o melhor exemplo de mutação em ponto e está
associado a um grande número de tumores humanos. Por exemplo, 90% dos adenocarcinomas
pancreáticos, 50% dos cânceres de cólon, endométrio e tireóide e 30% dos adenocarcinomas
pulmonares e leucemias mielóides apresentam este tipo de alteração.
Translocação cromossômica - o rearranjo do material genético por translocação
cromossômica usualmente resulta em aumento da expressão do proto-oncogene. O melhor exemplo
de translocação provocando tumor ocorre no linfoma de Burkitt e resulta no movimento do
seguimento contendo c-myc do cromossomo 8 para o cromossomo 14q na banda 32.
Amplificação gênica - a ativação do proto-oncogene associada com aumento da expressão de
seus produtos pode resultar da reduplicação do DNA, produzindo várias cópias de proto-oncogene
nas células tumorais. O caso mais interessante de amplificação envolve N-myc em neuroblastoma e
c-erb B2 em câncer de mama.
Os oncogenes codificam proteínas chamadas oncoproteínas que participam na transdução de
sinais durante várias etapas do ciclo celular. Existem 4 categorias de oncogenes que estão associados
a divisão celular e desenvolvimento de câncer que são: fator de crescimento, receptor de fator de
crescimento, proteínas envolvidas na transdução de sinais e proteínas reguladoras nucleares.
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Oncogenes, modo de ativação e tumores humanos associados.


Categoria proto-oncogene mecanismo tumor associado
fatores de crescimento
cadeia β de PDGF sis hiperexpressão astrocitoma, osteossarcoma
fatores de crescimento de hst-1, int-2 hiperexpressão câncer de estômago, câncer de bexiga, câncer
fibroblastos de mama e melanoma
receptores de fator de
crescimento
família de receptor EGF erb-B1 hiperexpressão carcinoma de célula escamosa de pulmão
erb-B2 amplificação cânceres de mama, ovário, pulmão e estômago
erb-B3 hiperexpressão câncer de mama
CSF-1 receptor fms mutação em ponto leucemia
proteínas envolvidas na
transdução de sinal
ligações de GTP ras mutação em ponto vários canceres humanos, incluindo pulmão,
cólon, pâncreas, muitas leucemias
tirosinoquinase não- abl translocação leucemia mielóide crônica, leucemia
receptora linfoblástica aguda
proteínas reguladoras
nucleares
ativadora da transcrição myc translocação linfoma de Burkitt
N-myc amplificação neuroblastoma, carcinoma de pequenas células
do pulmão
L-myc amplificação carcinoma de pequenas células do pulmão

Os genes supressores de tumor (anti-oncogenes) codificam proteínas que inibem a divisão


celular. Por desempenharem esta função e terem sido descobertos em estudo de tumores receberam
esta denominação. O primeiro gene supressor de tumor descrito foi o Rb o qual está localizado no
cromossomo 13q14 e está associado ao desenvolvimento do retinoblastoma, que afeta
aproximadamente 1 em 20.000 crianças.
O p53 é o gene supressor de tumor mais comumente relacionado aos cânceres humanos.
Alterações nestes genes são encontradas em aproximadamente 70% dos cânceres de cólon, em 30 a
50% dos cânceres de mama e em 50% dos cânceres de pulmão. Além dos tumores epiteliais, mutação
no p53 tem sido encontrada em leucemias, linfomas, sarcomas e tumores neurogênicos. Vários genes
supressores de tumor envolvidos no desenvolvimento de cânceres humanos estão listados na tabela a
seguir.
Os mecanismos pelos quais os genes supressores de tumor inibem a divisão celular são pouco
conhecidos. Entretanto, evidências sugerem que os sinais que inibem a divisão celular originam-se
fora da célula e utilizam-se de receptores de membrana, proteínas citoplasmáticas e proteínas
nucleares para realizarem seus efeitos, como ocorre nos oncogenes.
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Genes supressores de tumor envolvidos em neoplasias em humanos


Gene local tumores associados a mutações somáticas tumores associados a mutações herdadas

Rb 13q14 retinoblastoma, osteossarcoma, carcinoma retinoblastoma, osteossarcoma


de mama, próstata, bexiga e pulmão
p53 17p13.1 maioria dos cânceres humanos síndrome de Li-Fraumeni, câncer de mama e do
córtex da supra-renal, sarcomas, leucemias e
tumores cerebrais
APC 5q21 carcinoma de cólon, estômago e pâncreas polipose adenomatosa familiar do cólon,
carcinoma de cólon
WT-1 11p13 tumor de Wilms tumor de Wilms
DCC 18q21 carcinomas de cólon e estômago desconhecidos
NF-1 17q11 schwannoma neurofibromatose tipo 1, tumores renais
NF-2 22q12 schwannoma e meningioma neurofibromatose tipo 2, schwannoma central,
meningioma
VHL 3p25 desconhecida doença de von-Hippel-Landau,
hemangioblastomas retinianos e cerebelares,
carcinoma de célula renal, angiomas e cistos em
muitos órgãos viscerais

MECANISMOS DE INVASÃO E METÁSTASE


A invasão e metástase são processos relacionados aos tumores malignos e se desenvolvem em
várias etapas. Estudos revelaram que embora milhões de células do tumor primário sejam lançadas
diariamente na circulação, somente algumas metástases são produzidas. Isto é explicado pelo fato de
células de um mesmo tumor serem heterogêneas e apenas algumas terem potencial metastático. Para
que uma célula neoplásica obtenha sucesso na metastatização ela deve inicialmente se destacar do
tumor primário, invadir e migrar nos tecidos adjacentes, infiltrar e sobreviver na corrente circulatória,
aderir e atravessar os capilares sangüíneos e sobreviver em um tecido estranho ao de sua origem.
Cada uma destas etapas requer habilidades especiais, fazendo com que o processo de metástase seja
seletivo. As células normais expressam glicoproteínas transmembrânicas que promovem adesão
intercelular, desempenhando importante papel na manutenção da integridade estrutural. As caderinas
são as de maior importância. No tecido epitelial são chamadas de E-caderina. Alterações nestas
proteínas diminuem a adesão entre as células e facilitam o desprendimento do tumor primário e
invasão dos tecidos vizinhos. Para invadir e migrar no tecido conjuntivo as células metastáticas
devem primeiramente se aderir aos componentes da matriz extracelular. Esta adesão ocorre devido à
expressão de receptores para laminina e fibronectina. As células tumorais podem também expressar
integrinas que são uma família de glicoproteínas de superfície celular que mediam a adesão célula -
célula ou de célula com a matriz extracelular. Para migrar no tecido conjuntivo, as células
metastáticas devem ser capazes de secretar colagenases e outras enzimas proteolíticas que digerem a
matriz extracelular. Para entrar na corrente circulatória, as células devem atravessar a membrana
basal (MB). A MB é uma fina camada de matriz extracelular que envolve vasos sangüíneos, células
musculares, adiposas, nervosas, além de separar o tecido epitelial do conjuntivo. A MB parece ser
uma barreira particularmente importante à disseminação de células metastáticas. Para atravessar esta
barreira as células precisam inicialmente aderir à “laminina” que é um dos principais componentes
proteicos das membranas basais. A interação dos receptores celulares com a laminina parece
estimular a síntese de colagenase IV. A degradação do colágeno IV faz com que a membrana basal se
desintegre, abrindo o caminho da célula metastática para a corrente circulatória.
Ao entrar na corrente circulatória a maior parte das células é provavelmente destruída por
linfócitos NK (natural killer) e fagócitos polimorfonucleares. Algumas células tumorais aderem às
plaquetas circulantes, sendo esta interação mediada por integrinas. A interação das células
metastáticas com plaquetas parece ser um fator importante na metastatização, principalmente no
desenvolvimento de metástase pulmonares. Além de possível camuflagem das células tumorais, que
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assim conseguem escapar dos leucócitos circulantes, a interação célula tumoral - plaquetas pode
formar pequenos trombos que são aprisionados nos pequenos vasos sangüíneos dando origem a novos
focos metastáticos.
Células tumorais isoladas também podem aderir a receptores de membrana nas células
endoteliais e atravessar os vasos sangüíneos, num fenômeno similar a leucopedese.
O local de desenvolvimento de metástase está relacionado, em parte, a localização anatômica
do tumor primário. Entretanto, algumas observações sugerem que a via natural de drenagem não
explica inteiramente a distribuição das metástases. Por exemplo, cânceres de próstata desenvolvem
metástase óssea com relativa freqüência, carcinoma broncogênico tende envolver adrenal e cérebro, e
neuroblastomas irradiam para fígado e ossos. O tropismo para determinados órgãos pode estar
relacionado a 3 mecanismos:
- células tumorais podem expressar moléculas de adesão as quais se ligam preferencialmente
às células endoteliais de órgão alvo.
- alguns órgãos podem liberar agentes quimiotáticos que recrutam células tumorais.
- em alguns casos o órgão alvo parece não ser favorável para a proliferação das células
tumorais.
Apesar de existirem alguns fatores que indiquem a maior probabilidade de desenvolver
metástase em determinado local, a precisa localização da metástase não pode ser prevista em nenhum
tipo de câncer.
Carcinomas e locais preferencias de metástase.
Local 1º 2º 3º 4º
Boca linfonodos cervicais pulmão fígado osso
Colo de útero linfonodos pélvicos pulmão fígado cérebro
Mama linfonodos axilares osso pulmão fígado
Próstata linfonodos pélvicos osso rim adrenal
Pulmão linfonodos mediastinais fígado osso cérebro

CARCINOGÊNESE
Vários são os agentes carcinogênicos que promovem alterações no DNA transformando as
células em malignas. Eles dividem-se em três categorias: (1) carcinógenos químicos, (2) energia
radiante e (3) vírus oncogênicos.
A carcinogênese é dividida em dois estágios: iniciação e promoção. Na iniciação as células
são expostas a carcinógenos que promovem alterações permanentes no DNA (mutação) e na
promoção ocorre proliferação das células transformadas. O conceito de iniciação e promoção é
baseado em estudos experimentais envolvendo o desenvolvimento de câncer em camundongos.

Carcinogênese química
Uma grande quantidade de substâncias químicas (naturais ou sintéticas) apresentam potencial
carcinogênico. Algumas não necessitam de transformação química para promover carcinogênese e
são chamadas de carcinógenos de ação direta. Outras requerem conversão metabólica in vivo para
que os produtos finais sejam capazes de transformar as células, sendo neste caso conhecidas como
carcinógenos de ação indireta ou pró - carcinógenos.

Radiação
A radiação sob a forma de raios ultravioleta da luz solar e as radiações eletromagnéticas (raios
x, raios gama) e particuladas (partículas alfa, beta, próton e neutron) podem provocar alterações
celulares e desenvolvimento de câncer. Os raios ultravioleta estão relacionados ao aumento da
incidência de carcinoma de células escamosas, carcinoma basocelular e melanoma de pele. As
radiações ionizantes de origem médica (radioterapia), ocupacional (mineiros de elementos
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radioativos) e a bomba atômica (Hiroshima e Nagasaki) estão associados a uma grande variedade de
tumores malignos.

Carcinogênese viral
Vários vírus (DNA ou RNA) têm mostrado potencial para induzir transformação maligna. Os
três principais vírus DNA implicados na causa de câncer humano são:
- papilomavírus (HPV) - foram identificados 65 tipos distintos de HPV, os quais estão
relacionados a origem de vários tipos de câncer.
- vírus Epstein-Barr (EBV) - é um membro da família herpes e está associado a patogenia de 4
tipos de câncer humano: linfoma de Burkitt, linfoma de células B em pessoas imunossuprimidas,
alguns casos de doença de Hodgkin e carcinoma de nasofaringe.
- vírus da hepatite B (HBV) - evidências sugerem associação do HBV com câncer hepático.
Com relação ao vírus RNA (retrovírus), apenas o vírus tipo 1 da leucemia de célula T humana
(HTLV-1) está associado a uma forma de leucemia/linfoma de célula T.

OBJETIVOS
1- Cite e explique as fases da história natural dos tumores malignos.
2- Cite e comente as classes de genes que, alterados, causam o aparecimento de tumores.
3- Cite e comente as mudanças que podem ocorrer nos proto-oncogenes, transformando-os em
oncogenes.
4- Defina mutação em ponto e cite um exemplo de tumor em esta alteração está envolvida.
5- Defina translocação cromossômica e cite um exemplo de tumor em esta alteração está envolvida.
6- Defina amplificação gênica e cite um exemplo de tumor em esta alteração está envolvida.
7- Cite dois exemplos de oncogenes.
8- Defina oncoproteínas e cite dois exemplos.
9- Defina p53 e cite um exemplo de tumor onde o mesmo está presente.
10- Qual a participação das caderinas no processo de metástase?
11- Sumarize o processo bioquímico e molecular das metástases.
12- Qual o papel da laminina no processo de metástase?
13- Qual(is) categoria(s) de célula(s) realiza(m) a destruição da maioria das células tumorais que
caem na circulação sangüínea?
14- Qual a participação das plaquetas no processo de estabelecimento de metástases?
15- Qual o local preferencial de metástases para cânceres de boca, colo de útero, mama, próstata e
pulmão?
16- Cite as três principais categorias de agentes carcinógenos.
17- Cite e comente as duas etapas da carcinogênese.
18- Cite dois carcinógenos relacionados a radiação e os tumores aos quais estão relacionados.
19- Cite dois vírus com potencial carcinogênico e os respectivos tumores aos quais estão
relacionados.

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