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Resumo
Os séculos XX e XXI se notabilizaram por dois movimentos que, até pouco tempo,
caminhavam separadamente: o fracionamento da cadeia produtiva com a explosão do
fluxo de investimentos internacionais e a aceleração da degradação ambiental. Enquanto
tratados bilaterais de investimentos regulavam os crescentes fluxos de movimentação
financeira entre os países, de outro lado, mudança climática, poluição de rios e mares,
escassez de água, dentre outros temas, entraram na pauta da agenda ambiental
internacional. Nesse cenário, surgiu, inclusive, a figura do “pollution heaven”, que seria
o Estado atrativo a investimentos altamente poluentes em troca de flexibilização de suas
normas ambientais.
Summary
The XX and XXI centuries were notable for two movements wich until recently
walked separately: the fractionation of the production chain with the boom of the
international investment flow and the acceleration of the enviromental degradation.
Meanwhile the bilateral investment treaties regulated the increasing flows of financial
movement among countries, on the other side, climate change, river and seas polution,
water shortage, among other subjects, entered into the international enviromental agenda.
In this scenario, even emerged the figure of “pollution heaven”, which would be the
attractive country to higly polluting investments in exchange for flexibilization of its
environmental standards.
Palavras-chave
1. Introdução
Ao longo do século XX, a questão ambiental passou a ser cada vez mais discutida em
âmbito internacional. Degradações de ecossistemas, escassez de água, poluição de
oceanos, destruição da camada de ozônio e aquecimento global são alguns dos indicativos
de que o meio ambiente não respeita limites territoriais. Hoje, a crise ecológica não é uma
mera disputa política ou ideológica1, tendo a ciência ocupado posição central a nível
nacional e internacional.
1
GUERRA, Sidney. A Crise Ambiental na Sociedade de Risco. Lex Humana, nº 2, 2009, p. 177.
necessidade de atração de investimentos estrangeiros principalmente por parte dos países
em desenvolvimento.
2
VIÑUALES, Jorge. Foreign Investment and the Environment in International Law. Cambridge: Cambridge
University Press, 2012, p. 17
3
UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT. World Investment Report 2005.
Geneva: United Natyionr, 2005, p. 117.
indiretos, por sua vez, não há o elemento do gerenciamento, o objetivo seria especulativo
e a duração variável de acordo com o interesse do investidor.
4
RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Direito Internacional dos Investimentos. Rio de Janeiro: Renovar, 2014,
p. 1.
5
Idem.
Não deixando qualquer margem para dúvidas quanto à opção pela solução bilateral
adotada pelos países, até o ano de 2018, 3.322 tratados de investimentos já haviam sido
assinados de acordo com o World Investment Report 2018 da UNCTAD.
Estes tratados, em sua maioria, tratam de temas basicamente econômicos tal qual
exposto acima. Muitos países seguem adotando políticas atrativas aos investimentos
estrangeiros. Em 2017, por exemplo, 84% das políticas de investimento foram favoráveis
aos investidores, com a liberalização das condições para a entrada de diversos segmentos,
como transporte, energia e manufatura. Procedimentos administrativos também têm sido
simplificados, e novos incentivos e zonas econômicas especiais são adotadas.
Nos últimos anos, contudo, pode-se verificar uma crescente atuação dos Estados no
sentido de regular de forma mais incisiva os investimentos estrangeiros. Seja por questões
de segurança nacional, direitos humanos ou meio ambiente, o fato é que tem havido desde
os anos de 2010 uma nova abordagem nas negociações e conclusões dos tratados de
investimentos. Trata-se de uma nova geração de acordos, que buscam harmonizar a
promoção do investimento estrangeiro com a governança global dos investimentos.
Novos padrões de investimento são estabelecidos.
Para que tal modernização dos tratados de investimentos ocorra, Fábio Morosini e
Luísa Niencheski6 defendem a necessidade de uma reformulação dos princípios do direito
do investimento internacional a fim de conceder ao Estado hospedeiro maior capacidade
de implementar políticas de interesse público visando o desenvolvimento sustentável.
Para tanto, uma mudança de postura dos investidores tradicionais e dos Estados é
essencial, valendo lembrar que a responsabilidade de negociação de tratados pertence aos
corpos diplomáticos de cada país.
A mudança de postura necessária, contudo, muitas vezes esbarra em uma falsa ideia
de que o Estado hospedeiro, ao regular de forma mais rígida os padrões ambientais
mínimos, impõe dificuldades à entrada de investimento estrangeiro que, em tese, buscaria
locais onde a regulação seria mais flexível. Tal percepção, conforme veremos mais à
frente, não mais corresponde à realidade no mundo dos investimentos. O que os
investidores buscam, em regra, são normas claras e transparentes, que reduzam a margem
de interpretação subjetiva das mesmas, de forma a evitar que litígios sejam iniciados
perante os mecanismos de solução de controvérsias estipulados no tratado.
6
MOROSINI, Fábio & NIENCHESKI, Luísa. A Regulação do Investimento Estrangeiro Direto e suas Relações
com o Meio Ambiente. In: Direito Internacional dos Investimentos, Rio de Janeiro: Renovar, 2014. P. 564.
7
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Agenda 21 Global. MRE. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/
responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global>
Assim, enquanto o direito de regular determinada situação decorre do conceito de
soberania estatal, o dever de proteger advém de uma série de documentos jurídicos
internacionais e domésticos assinados pelos Estados. Viñuales aponta, portanto, uma
natureza dual na relação entre proteção do meio ambiente e investimento estrangeiro:
conflitiva (entre o tratado de investimento e os documentos internacionais sobre meio
ambiente) e sinérgica, efetivada por instrumentos como transferência de tecnologia,
fundos ambientais, educação ambiental, dentre outros8.
Ainda que a mudança de paradigma seja lenta e boa parte dos tratados de
investimentos existentes silenciem a respeito da proteção ao meio ambiente, de acordo
com o World Investment Report 2018, dos 13 tratados concluídos em 2017, 12 possuíam
exceções a fim de proteger a vida humana, animal ou vegetal, conservar os recursos
exauríveis e promover o desenvolvimento sustentável9.
8
VIÑUALES, Jorge. Foreign Investment and the Environment in International Law. Cambridge: Cambridge
University Press, 2012, p. 28.
9
UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT. World Investment Report 2005.
Geneva: United Natyionr, 2018, p. 96.
O avanço apresentado acima, contudo, ainda esbarra em questões práticas e
processuais decorrentes dos tratados de investimentos. Muitas das vezes, os tratados
mencionam apenas superficialmente a questão do desenvolvimento sustentável, sem
conferir aos Estados hospedeiros a segurança jurídica devida para que possam regular
efetivamente sobre o meio ambiente. O resultado é que a jurisprudência arbitral sobre o
tema ainda se inclina em favor dos interesses dos investidores, entendendo que a
regulação ambiental, em certos casos, pode representar uma afronta à estabilização do
investimento.
10
HAMAMOTO, Shotaro. Recent Anti-ISDS Discourse in the Japanese Diet: A Dressed-Up but Glaring
Hipocrisy. Brill Nijhoff, 2015, p.938.
A teoria dos “paraísos poluidores” possui três dimensões11: a primeira é a
realocação de indústrias poluidoras de países desenvolvidos com políticas ambientais
restritivas para países em desenvolvimento com menor regulação. A segunda é o despejo
de resíduos tóxicos de países desenvolvidos em países em desenvolvimento. A terceira
dimensão é a exploração desenfreada de recursos naturais minerais por parte de empresas
multinacionais oriundas de países desenvolvidos no território de países em
desenvolvimento abundantes de matéria prima. A teoria dos pollution heavens, portanto,
indica uma disputa entre países a fim de atraírem investimento estrangeiro reduzindo os
padrões ambientais ou tornando-os inócuos ou de difícil fiscalização. Esta “race to the
bottom” resultaria no progressivo desmantelamento dos padrões de regulação
existentes12.
11
ALIYU, Mohammed Aminu. Foreign Direct Investment and the Environment: Pollution Haven Hypothesis
Revisited. School of Economic, University of East Anglia, Norwich, United Kingdom and Department of
Economics, Bayero University, Kano, Nigeria, 2005, p. 3.
12
MOROSINI, Fábio. Teoria da competição regulatória: o caso da regulação ambiental. Revista de
Informação Legislativa, v. 48, n. 189, jan/mar, 0-21, 2011. P. 11.
13
RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Direito Internacional dos Investimentos. Rio de Janeiro: Renovar, 2014,
p. 560.
conceito de “pollution heavens”, pode-se extrair dessas concessões a sistemática clássica
envolvendo a relação entre investidores estrangeiros e países em desenvolvimento:
necessidade destes em receber investimentos e desejo daqueles em obter maiores lucros
possíveis, deixando um déficit social e democrático a ser arcado pela parte da sociedade
sem a capacidade de pagamento.
Como se vê, a lógica por trás dos “pollution heavens” passa por um Estado
necessitado de investimentos e, para tanto, opta por abrir mão de uma regulação mais
rígida em prol de atrair investidores estrangeiros.
Outro fator a ser levado em consideração quando da análise deste assunto é o nível
de corrupção em cada Estado e como isso interfere na decisão de alocação de uma
empresa transnacional. É sabido que muitas das vezes o relaxamento de regulações
ambientais se dá em países em desenvolvimento que sofrem problemas severos de
corrupção entre agentes públicos e privados15 e estes problemas interferem muito mais
diretamente nas decisões dos investidores do que a política ambiental propriamente dita.
14
GUERRA, Sidney. Direito Internacional Ambiental. Rio de Janeiro: Maria Augusta Delgado, 2006, p. 96.
15
SMARZYNSKA, Beata K. e WEI, Shang-Jin. Pollution Heavens and Foreing Direct Investment: Dirty
Secret or Popular Myth. National Bureau of Economic Research, Cambridge, 2001. P. 4.
16
MOROSINI, Fábio e NIENCHESKI, Luísa. A Regulação do Investimento Estrangeiro Direito e suas Relações
com o Meio Ambiente. In: Direito Internacional dos Investimentos, Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 563.
educacional avançado e onde as desigualdades sociais são mais agudas, sendo, em
realidade, zonas de aglomeração de poluição.
O laudo emitido em agosto de 2000, concluiu que o México havia violado suas
obrigações perante o NAFTA por não ter concedido tratamento justo e equitativo ao
investimento da empresa Metalcad e por ter adotado medidas equivalentes a uma
expropriação. Isso porque, os funcionários federais teriam induzido a empresa a acreditar
que a permissão de construção não seria necessária, havia falta de transparência no
tocante às medidas ambientais adotadas e que a proibição somente poderia se dar em caso
de falhas na prestação dos serviços, o que não teria ocorrido. Assim, o estado mexicano
foi condenado a pagar mais de 16 milhões de dólares à empresa investidora.
17
GUTERRES, Orlando. Proteção a Investimentos Internacionais e Direitos Humanos: possibilidade de
diálogo. P. 5.
18
MOROSINI, Fábio & NIENCHESKI, Luísa. A Regulação do Investimento Estrangeiro Direto e suas
Relações com o Meio Ambiente. In: Direito Internacional dos Investimentos, Rio de Janeiro: Renovar,
2014. P. 583.
possibilidade de alteração de padrões ambientais mesmo após assinatura de acordos de
livre comércio e início da operação do investidor estrangeiro em seu território.
Como pode ser visto, estes dois casos representam, ainda que de forma
incompleta, o dilema envolvendo a arbitragem de investimentos e o meio ambiente.
Enquanto parte dos laudos arbitrais ainda se calcam na antiga ideia de que uma alteração
do padrão ambiental de determinado Estado pode ser considerado fundamento para sua
condenação, outra parte, mais atualizada, já compreende a importância do meio ambiente
e a necessidade de constante atualização das políticas públicas a respeito, ainda que desse
processo investidores estrangeiros sejam prejudicados.
Conclusão
Esse cenário apontado também tem seus efeitos na regulação dos investimentos
estrangeiros, sendo certo que é crescente o número de tratados bilaterais de investimentos
que têm adotado cláusulas ambientais efetivas em seus textos, fato este que não ocorria
até a década de 1990, por exemplo. No lugar de previsões genéricas e de pouco valor
prático, provisões claras a respeito de expropriação indireta são cada vez mais adotadas a
fim de evitar que Estados se sintam coibidos de implementar políticas públicas ambientais
mais rígidas. Aliado à proteção do investimento estrangeiro – indispensável a qualquer
país em um mundo globalizado -, é cada vez mais urgente a proteção ao meio ambiente e
a promoção do desenvolvimento sustentável.