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A GOVERNANÇA GLOBAL E O PROTAGONISMO DO MEIO

AMBIENTE NA REGULAÇÃO DOS INVESTIMENTOS


ESTRANGEIROS NO SÉCULO XXI

Fabricio Machado Sampaio

Resumo

Os séculos XX e XXI se notabilizaram por dois movimentos que, até pouco tempo,
caminhavam separadamente: o fracionamento da cadeia produtiva com a explosão do
fluxo de investimentos internacionais e a aceleração da degradação ambiental. Enquanto
tratados bilaterais de investimentos regulavam os crescentes fluxos de movimentação
financeira entre os países, de outro lado, mudança climática, poluição de rios e mares,
escassez de água, dentre outros temas, entraram na pauta da agenda ambiental
internacional. Nesse cenário, surgiu, inclusive, a figura do “pollution heaven”, que seria
o Estado atrativo a investimentos altamente poluentes em troca de flexibilização de suas
normas ambientais.

O avanço da conscientização ambiental e da institucionalização dos programas de


defesa do meio ambiente contribuíram para que, ao final do século XX, uma nova forma
de regulação dos investimentos internacionais se fizesse necessária, garantindo aos
Estados hospedeiros a possibilidade de regular o seu meio ambiente sem que tal fato
gerasse às empresas investidoras o direito de reclamar seus prejuízos da corte competente.
Ainda que avanços sejam notados, principalmente na retórica dos governos e nas redações
dos novos tratados de investimentos, há ainda um longo caminho a ser percorrido,
principalmente no que toca à jurisprudência dos tribunais arbitrais de investimentos, que
ainda variam entre os Estados hospedeiros e os investidores internacionais quando
solucionam controvérsias que envolvam investimentos e meio ambiente.
Este trabalho tem o objetivo de apresentar um panorama geral da evolução dos
investimentos internacionais e a sua nova forma de regulação, em prol de uma governança
global em que o meio ambiente seja protagonista e não mais visto apenas como um
empecilho à obtenção de lucros por parte dos investidores internacionais.

Summary

The XX and XXI centuries were notable for two movements wich until recently
walked separately: the fractionation of the production chain with the boom of the
international investment flow and the acceleration of the enviromental degradation.
Meanwhile the bilateral investment treaties regulated the increasing flows of financial
movement among countries, on the other side, climate change, river and seas polution,
water shortage, among other subjects, entered into the international enviromental agenda.
In this scenario, even emerged the figure of “pollution heaven”, which would be the
attractive country to higly polluting investments in exchange for flexibilization of its
environmental standards.

The advance of environmental awareness and the institucionalization of


environmental protection programs contributed to the need, by the end of the XX century,
for a new form of regulation of international investments, ensuring that host states could
regulate their environment policies without that this fact gave the investing companies
the possibility to claim their damages toward the courts. While progress has been made,
particularly in the rhetoric of governments and in the drafting of new investment treaties,
there is still a long way to go, especially in the case law of arbitral investment tribunals,
which still vary between host stares and international investor when they resolve
investment and environmental disputes.

This paper aims to present an overview of the Evolution of international investiment


and its new form of regulation, in favor of a global governance in which the environment
is protagonist and no longer seen only as na obstacle to profit making by the international
investors.

Palavras-chave

Investimento – tratado bilateral de investimento – meio ambiente – arbitragem


Keywords

Investment – bilateral investment traty – environment - arbitration

1. Introdução

Ao longo do século XX, a questão ambiental passou a ser cada vez mais discutida em
âmbito internacional. Degradações de ecossistemas, escassez de água, poluição de
oceanos, destruição da camada de ozônio e aquecimento global são alguns dos indicativos
de que o meio ambiente não respeita limites territoriais. Hoje, a crise ecológica não é uma
mera disputa política ou ideológica1, tendo a ciência ocupado posição central a nível
nacional e internacional.

O avanço do conhecimento científico a respeito do tema aliado a um crescimento e


institucionalização do Direito Internacional enquanto matéria jurídica foram essenciais
para o surgimento do Direito Internacional Ambiental no século XX. Uma de suas
principais características é a disseminação da regulação da matéria a nível internacional
em seu mais diversos temas. Diversas conferências, tratados e convenções passaram a
regular a temática ambiental, tanto em sua esfera econômica quanto ecológica.

Fenômeno também intensificado no século XX foi o da mobilidade do capital, em um


cenário de globalização e diminuição das distâncias, que gerou níveis recordes de
investimento privado interestatais, com especial destaque para investimentos de empresas
privadas de países desenvolvimentos em países em desenvolvimento. Somente em 2018,
o fluxo total de investimentos foi da ordem de 1,2 trilhão de dólares de acordo com a
UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento). O
Brasil, no mesmo ano, recebeu aproximadamente 59 bilhões de dólares em investimentos.

Os investimentos internacionais são, indiscutivelmente, importante fonte de


desenvolvimento econômico e geração de emprego e renda nos países receptores.
Discute-se a qualidade do investimento e seus potenciais efeitos negativos, porém, em
uma sociedade amplamente conectada, não parece haver maiores debates acerca da

1
GUERRA, Sidney. A Crise Ambiental na Sociedade de Risco. Lex Humana, nº 2, 2009, p. 177.
necessidade de atração de investimentos estrangeiros principalmente por parte dos países
em desenvolvimento.

No que tange à questão ambiental, a proteção ao investimento estrangeiro é, muitas


das vezes, conflitante com a necessidade de preservação do meio ambiente, com especial
destaque para os negócios envolvendo exploração de recursos minerais. De acordo com
o autor Viñuales, o conceito de desenvolvimento sustentável nos dias de hoje está
intrinsecamente ligado à conexão entre o investimento estrangeiro e a proteção ao meio
ambiente2. Com regulação adequada, o investimento estrangeiro, ao promover a redução
da pobreza, transferência de tecnologias e implementação de padrões ecológicos a nível
internacional, pode ser um aliado na luta contra a crise ecológica e não um vilão aos olhos
daquelas comunidades atingidas por investimentos privados internacionais.

Ao longo do artigo, faremos quatro abordagens sobre o tema. Iniciaremos trazendo


uma perspectiva dos investimentos estrangeiros e sua evolução nas últimas décadas. Em
seguida, trataremos da necessidade de uma regulação efetiva no que toca à questão
ambiental no âmbito dos investimentos estrangeiros. Após, será abordada a temática dos
“pollution havens” que seria o fenômeno no qual países com legislação ambiental mais
branda atraem investimentos com custos ambientais altos. Por fim, serão destacados casos
de resolução de controvérsias entre investidor e Estado hospedeiro no âmbito dos centros
de arbitragens de investimentos com a temática ambiental.

2. O boom dos investimentos estrangeiros e dos tratados bilaterais sobre o tema

De acordo com o World Investment Report 2005 da UNCTAD, o investimento


estrangeiro direto seria um investimento envolvido em um relacionamento de longo
prazo, refletindo um interesse e controle duradouros por uma sociedade com sede em um
local sobre um empreendimento situado em outro3. Nos investimentos estrangeiros

2
VIÑUALES, Jorge. Foreign Investment and the Environment in International Law. Cambridge: Cambridge
University Press, 2012, p. 17
3
UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT. World Investment Report 2005.
Geneva: United Natyionr, 2005, p. 117.
indiretos, por sua vez, não há o elemento do gerenciamento, o objetivo seria especulativo
e a duração variável de acordo com o interesse do investidor.

O mundo globalizado do século XXI, ao permitir o fracionamento das cadeias


produtivas, dá espaço a um maior fluxo de investimentos estrangeiros. O investidor, dadas
as condições de tecnologia e logística, pode optar onde e como investir seus recursos em
prol do lucro do empreendimento. O Estado, por sua vez, se vê em uma encruzilhada entre
a necessidade de atrair investimentos e a proteção de interesses coletivos nacionais, como
o meio ambiente por exemplo.

Ao relativizar o princípio da territorialidade, os investidores multinacionais desafiam


a própria noção de soberania, elemento central da ordem internacional estabelecida pela
Paz de Westfália (1648). Tal fato se fortalece diante da problemática ambiental, na
medida em que barreiras alfandegárias não são suficientes para delimitar os impactos
ambientais.

Pode-se remeter às nacionalizações de ativos petroleiros pelo Irã e da Suel Canal


Company pelo Egito na década de 1950 para definir um marco de demanda de uma rápida
estruturação de um arcabouço jurídico para tratar da matéria4. Do ponto de vista
pragmático, a falta de acordo com nível multilateral não deixou alternativa que não a
busca por uma espécie de solução ad hoc5.

Quando, em 1987, a Primeira-Ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland


apresentou o conceito de desenvolvimento sustentável como sendo aquele que satisfaz as
necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir
suas próprias necessidades, o mundo se preparava para entrar na era da consolidação de
tratados bilaterais de investimentos ante o fracasso das tratativas multilaterais sobre o
tema. A década de 1990 teve a intensificação da segunda geração de tratados e, por
conseguinte, a consolidação de algumas características básicas dos mesmos, tais como a
proteção contra a expropriação, tratamento nacional, reciprocidade na proteção dos
investimentos e estabelecimento de mecanismos de solução de controvérsias.

4
RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Direito Internacional dos Investimentos. Rio de Janeiro: Renovar, 2014,
p. 1.
5
Idem.
Não deixando qualquer margem para dúvidas quanto à opção pela solução bilateral
adotada pelos países, até o ano de 2018, 3.322 tratados de investimentos já haviam sido
assinados de acordo com o World Investment Report 2018 da UNCTAD.

Estes tratados, em sua maioria, tratam de temas basicamente econômicos tal qual
exposto acima. Muitos países seguem adotando políticas atrativas aos investimentos
estrangeiros. Em 2017, por exemplo, 84% das políticas de investimento foram favoráveis
aos investidores, com a liberalização das condições para a entrada de diversos segmentos,
como transporte, energia e manufatura. Procedimentos administrativos também têm sido
simplificados, e novos incentivos e zonas econômicas especiais são adotadas.

3. Necessidade de regulação sobre outros temas: investimento e o meio


ambiente

Como visto, os tratados de investimentos de segunda geração, com início em 1959,


foram diligentes no que tange à proteção dos direitos dos investidores. Aqui, importante
destacar que boa parte do arcabouço jurídico elaborado tinha como base de interesse
resguardar os interesses de investidores oriundos de países desenvolvidos quando
atravessavam suas fronteiras para investir em um país em desenvolvimento ou
subdesenvolvido. Pouco se falava sobre os interesses estatais na regulação dos
investimentos, o que acabava por limitar de forma excessiva a capacidade regulatória dos
Estados, muitas vezes hipossuficientes quando comparados com grandes corporações
multinacionais.

Neste quadro de silêncio quase que absoluto a respeito de questões ambientais, os


investimentos – principalmente aqueles realizados na exploração de recursos minerais –
deixavam como rastro impactos ambientais significativos oriundos da atividade
econômica exercida sem que o Estado pudesse regular a respeito sob pena de figurar no
polo passivo perante os órgãos de solução de controvérsias estabelecidos.

Nos últimos anos, contudo, pode-se verificar uma crescente atuação dos Estados no
sentido de regular de forma mais incisiva os investimentos estrangeiros. Seja por questões
de segurança nacional, direitos humanos ou meio ambiente, o fato é que tem havido desde
os anos de 2010 uma nova abordagem nas negociações e conclusões dos tratados de
investimentos. Trata-se de uma nova geração de acordos, que buscam harmonizar a
promoção do investimento estrangeiro com a governança global dos investimentos.
Novos padrões de investimento são estabelecidos.

Para que tal modernização dos tratados de investimentos ocorra, Fábio Morosini e
Luísa Niencheski6 defendem a necessidade de uma reformulação dos princípios do direito
do investimento internacional a fim de conceder ao Estado hospedeiro maior capacidade
de implementar políticas de interesse público visando o desenvolvimento sustentável.
Para tanto, uma mudança de postura dos investidores tradicionais e dos Estados é
essencial, valendo lembrar que a responsabilidade de negociação de tratados pertence aos
corpos diplomáticos de cada país.

A mudança de postura necessária, contudo, muitas vezes esbarra em uma falsa ideia
de que o Estado hospedeiro, ao regular de forma mais rígida os padrões ambientais
mínimos, impõe dificuldades à entrada de investimento estrangeiro que, em tese, buscaria
locais onde a regulação seria mais flexível. Tal percepção, conforme veremos mais à
frente, não mais corresponde à realidade no mundo dos investimentos. O que os
investidores buscam, em regra, são normas claras e transparentes, que reduzam a margem
de interpretação subjetiva das mesmas, de forma a evitar que litígios sejam iniciados
perante os mecanismos de solução de controvérsias estipulados no tratado.

É importante destacar que a inclusão de normas explícitas de proteção a padrões


mínimos ambientais é, em realidade, a efetivação de compromissos internacionais
assumidos pelos Estados no bojo das principais conferências sobre o meio ambiente. O
item 2.23 da Agenda 21, documento elaborado na Rio-92 e assinado por 179 países,
dispõe que:

“O investimento é fundamental para que os países em desenvolvimento tenham


condições de atingir o crescimento necessário a uma melhora do bem-estar de
suas populações e ao atendimento de suas necessidades básicas de maneira
sustentável, sem deteriorar ou prejudicar a base de recursos que escora o
desenvolvimento.7”

6
MOROSINI, Fábio & NIENCHESKI, Luísa. A Regulação do Investimento Estrangeiro Direto e suas Relações
com o Meio Ambiente. In: Direito Internacional dos Investimentos, Rio de Janeiro: Renovar, 2014. P. 564.
7
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Agenda 21 Global. MRE. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/
responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global>
Assim, enquanto o direito de regular determinada situação decorre do conceito de
soberania estatal, o dever de proteger advém de uma série de documentos jurídicos
internacionais e domésticos assinados pelos Estados. Viñuales aponta, portanto, uma
natureza dual na relação entre proteção do meio ambiente e investimento estrangeiro:
conflitiva (entre o tratado de investimento e os documentos internacionais sobre meio
ambiente) e sinérgica, efetivada por instrumentos como transferência de tecnologia,
fundos ambientais, educação ambiental, dentre outros8.

Ainda que a mudança de paradigma seja lenta e boa parte dos tratados de
investimentos existentes silenciem a respeito da proteção ao meio ambiente, de acordo
com o World Investment Report 2018, dos 13 tratados concluídos em 2017, 12 possuíam
exceções a fim de proteger a vida humana, animal ou vegetal, conservar os recursos
exauríveis e promover o desenvolvimento sustentável9.

Além de os novos tratados tratarem do tema do meio ambiente, segundo a UNCTAD,


os países também estão trabalhando no sentido de modernizar seus tratados da geração
passada, já havendo discussões multilaterais para reformá-los, inclusive no que toca ao
sistema de solução de controvérsias. Esse é um dado de extrema relevância se
considerarmos que a maior parte dos 3322 tratados bilaterais de investimento (até 2018)
ainda são da antiga geração, ou seja, destinados prioritariamente a proteger os direitos do
investidor ante a regulação do Estado hospedeiro.

Nesse ponto, é válido mencionar a importância da mobilização da sociedade civil


organizada, por meio das Organizações Não-Governamentais, grupos de pesquisa,
associações, dentre outros representantes, que por décadas pressionaram governos a
adotarem medidas práticas em benefício do desenvolvimento sustentável. É também
relevante a fiscalização exercida por estes atores no tocante às atividades econômicas
desenvolvidas pelos investidores estrangeiros.

8
VIÑUALES, Jorge. Foreign Investment and the Environment in International Law. Cambridge: Cambridge
University Press, 2012, p. 28.
9
UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT. World Investment Report 2005.
Geneva: United Natyionr, 2018, p. 96.
O avanço apresentado acima, contudo, ainda esbarra em questões práticas e
processuais decorrentes dos tratados de investimentos. Muitas das vezes, os tratados
mencionam apenas superficialmente a questão do desenvolvimento sustentável, sem
conferir aos Estados hospedeiros a segurança jurídica devida para que possam regular
efetivamente sobre o meio ambiente. O resultado é que a jurisprudência arbitral sobre o
tema ainda se inclina em favor dos interesses dos investidores, entendendo que a
regulação ambiental, em certos casos, pode representar uma afronta à estabilização do
investimento.

A discussão a respeito do mecanismo de resolução de litígios (ISDS, sigla em inglês)


já é clássica na doutrina especializada. É frequentemente levantado que os tratados de
investimento e a arbitragem entre investidor e Estado restringem indevidamente o espaço
regulatório que a lei internacional geralmente concede ao Estado hospedeiro10. Ainda que
o ISDS seja utilizado muitas vezes de forma abusiva por parte dos investidores, o fato é
que os tratados de investimentos não restringem a liberdade regulatória dos Estados a fim
de promover políticas públicas, desde que esses tratados sejam redigidos de forma
cuidadosa e detalhada.

As cláusulas que supostamente limitariam o poder regulatório dos Estados, incluindo-


se aí o poder regulatório para adotar políticas públicas relacionadas ao meio ambiente,
muitas das vezes são invocadas perante os tribunais arbitrais por suposta prática de
expropriação indireta. Assim, medidas tomadas para proteger o legítimo bem-estar
público devem ser planejadas, adotadas e realizadas de maneira justa e equitativa sob
pena de serem consideradas discriminatórias ou desproporcionais e, portanto, passíveis
de configuração como expropriação indireta. Desta forma, muitos casos famosos de
arbitragem entre investidor e Estado que supostamente limitam o poder regulatório do
Estado, em realidade limitam o poder regulatório indiscriminado e discriminatório desse
Estado conforme veremos mais adiante.

4. Pollution heavens: mito ou verdade?

10
HAMAMOTO, Shotaro. Recent Anti-ISDS Discourse in the Japanese Diet: A Dressed-Up but Glaring
Hipocrisy. Brill Nijhoff, 2015, p.938.
A teoria dos “paraísos poluidores” possui três dimensões11: a primeira é a
realocação de indústrias poluidoras de países desenvolvidos com políticas ambientais
restritivas para países em desenvolvimento com menor regulação. A segunda é o despejo
de resíduos tóxicos de países desenvolvidos em países em desenvolvimento. A terceira
dimensão é a exploração desenfreada de recursos naturais minerais por parte de empresas
multinacionais oriundas de países desenvolvidos no território de países em
desenvolvimento abundantes de matéria prima. A teoria dos pollution heavens, portanto,
indica uma disputa entre países a fim de atraírem investimento estrangeiro reduzindo os
padrões ambientais ou tornando-os inócuos ou de difícil fiscalização. Esta “race to the
bottom” resultaria no progressivo desmantelamento dos padrões de regulação
existentes12.

Os exemplos históricos de casos em que empresas buscam condições regulatórias


mais flexíveis são inúmeros. Caso clássico seria o das maquiladoras instaladas no México.
No contexto de crise econômica e com o advento do NAFTA, as maquiladoras foram
impulsionadas pelo governo mexicano a fim de gerarem emprego e renda. O resultado
ambiental foi o acúmulo de resíduos nocivos e a poluição do abastecimento de água13.
Outro famoso exemplo é o das indústrias têxteis norte americanas. Começaram suas
atividades no norte do país e, com a regulação, migraram para o sul dos Estados Unidos.
Com a implementação de políticas ambientais no sul tal qual no norte, essas indústrias
emigraram para países da América Latina e Ásia, em busca de condições mais favoráveis
para seus investimentos.

Fazendo uma retrospectiva histórica, pode-se também resgatar que na segunda


metade do século XIX e no início do século XX, no processo de intensa urbanização das
cidades das ex-colônias europeias na América do Sul, diversos serviços públicos foram
concedidos a empresas estrangeiras. Ainda que não se estabeleça, neste período, o

11
ALIYU, Mohammed Aminu. Foreign Direct Investment and the Environment: Pollution Haven Hypothesis
Revisited. School of Economic, University of East Anglia, Norwich, United Kingdom and Department of
Economics, Bayero University, Kano, Nigeria, 2005, p. 3.
12
MOROSINI, Fábio. Teoria da competição regulatória: o caso da regulação ambiental. Revista de
Informação Legislativa, v. 48, n. 189, jan/mar, 0-21, 2011. P. 11.
13
RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Direito Internacional dos Investimentos. Rio de Janeiro: Renovar, 2014,
p. 560.
conceito de “pollution heavens”, pode-se extrair dessas concessões a sistemática clássica
envolvendo a relação entre investidores estrangeiros e países em desenvolvimento:
necessidade destes em receber investimentos e desejo daqueles em obter maiores lucros
possíveis, deixando um déficit social e democrático a ser arcado pela parte da sociedade
sem a capacidade de pagamento.

Assim ocorreu, por exemplo, quando o governo de Dom Pedro II contratou, na


década de 1850, o serviço de limpeza das casas da cidade do Rio de Janeiro e do esgoto
das águas fluviais por meio de concessão firmada com Edward Gotto, engenheiro inglês,
que capitaneou a abertura da empresa “The Rio de Janeiro Improvements Company
Limited” com capitais ingleses. Dada a ausência de regulação pelo Estado brasileiro e o
objetivo primordial da empresa em obter lucros sobre o capital investido, não é difícil
imaginar que boa parte da população do Rio de Janeiro ficou totalmente excluída da
prestação dos serviços de limpeza e de esgoto da companhia internacional.

Como se vê, a lógica por trás dos “pollution heavens” passa por um Estado
necessitado de investimentos e, para tanto, opta por abrir mão de uma regulação mais
rígida em prol de atrair investidores estrangeiros.

Ainda que tal hipótese pareça plausível levando-se em consideração que os


investidores em regra almejam maiores lucros, hoje, não se pode mais considerar como
absoluto o conceito de pollution heavens, já que, na prática, não são formadas “ilhas de
investimentos” em países com baixa regulação ambiental. Diversos estudos comprovam
que é extremamente precário relacionarmos diretamente a decisão de alocação de
investimentos de uma empresa multinacional e as políticas ambientais do país porventura
escolhido.

Os fatores para o questionamento do conceito de pollution heavens são inúmeros


e detalharemos abaixo, porém, primeiramente, é de suma importância ressaltar a mudança
da conscientização ambiental deflagrada a partir da segunda metade do século XX, seja
no meio científico, político ou social. Neste ponto, pode-se destacar a Conferência de
Estocolmo de 1972, definida pelo Professor Sidney Guerra como “o grande marco do
movimento ecológico, haja vista que reuniu pela primeira vez países industrializados e
em desenvolvimento para se discutir problemas relativos ao meio ambiente”14.

Outro fator a ser levado em consideração quando da análise deste assunto é o nível
de corrupção em cada Estado e como isso interfere na decisão de alocação de uma
empresa transnacional. É sabido que muitas das vezes o relaxamento de regulações
ambientais se dá em países em desenvolvimento que sofrem problemas severos de
corrupção entre agentes públicos e privados15 e estes problemas interferem muito mais
diretamente nas decisões dos investidores do que a política ambiental propriamente dita.

De acordo com estudos econométricos, a flexibilidade dos padrões ambientais em


um país tem impacto diminuto frente à chegada de investimentos estrangeiros e à alocação
de empresas multinacionais. Gastos mais relevantes, como com a mão de obra e capital,
são muito mais determinantes do que a regulação ambiental de determinado país receptor.

Há estudos que concluem, em realidade, que um determinado fluxo de


investimento, ao contrário de pollution heavens, acaba por criar “pollution halos”, ou
seja, locais em que os padrões ambientais são definidos em consonância com princípios
do Direito Ambiental e o desenvolvimento sustentável. Essa elevação do padrão
ambiental pode se dar pela transferência de tecnologia, por exemplo, e também códigos
de conduta e compliance voluntários.

Como visto, a discussão em torno da hipótese dos “paraísos de poluição” é intensa


e não é possível chegar a um consenso sobre o assunto. O que, todavia, a prática dos
investimentos internacionais tem indicado é que, de fato, há países que, por razões
internas, acabam por ser grandes receptores de indústrias altamente poluidoras,
principalmente no tocante à exploração de recursos minerais, como petróleo e minérios
de ferro. Fábio Morosini e Luísa Niencheski, em seu texto sobre a regulação do
investimento e suas relações com o meio ambiente16, identificam que a concentração de
empresas poluidoras se dá em países em desenvolvimento que carecem de um sistema

14
GUERRA, Sidney. Direito Internacional Ambiental. Rio de Janeiro: Maria Augusta Delgado, 2006, p. 96.
15
SMARZYNSKA, Beata K. e WEI, Shang-Jin. Pollution Heavens and Foreing Direct Investment: Dirty
Secret or Popular Myth. National Bureau of Economic Research, Cambridge, 2001. P. 4.
16
MOROSINI, Fábio e NIENCHESKI, Luísa. A Regulação do Investimento Estrangeiro Direito e suas Relações
com o Meio Ambiente. In: Direito Internacional dos Investimentos, Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 563.
educacional avançado e onde as desigualdades sociais são mais agudas, sendo, em
realidade, zonas de aglomeração de poluição.

No que toca ao Direito dos Investimentos e sua interface com o Direito


Internacional Ambiental, é essencial que o debate a respeito da inclusão de cláusulas
ambientais no âmbito dos tratados de investimentos se faça presente. Entendendo-se a
questão de estrutura social e educacional interna de cada país como sendo um problema
eminentemente interno, que os investimentos estrangeiros amenizam porém não
solucionam, é de suma importância que os países negociantes deixem aberta a
possibilidade de regulação de temas sensíveis à população, como é o caso do meio
ambiente. Somente desta forma, poderá a hipótese dos pollution heavens passar de meia
verdade para um mito total, deixando para o investimento estrangeiro o importante papel
de não só gerar renda e emprego, mas também elevar os padrões ambientais dos países
receptores.

5. Arbitragens de investimentos envolvendo a temática ambiental

No mundo todo, tem sido verificado um aumento vertiginoso na utilização da


arbitragem como meio de resolução de controvérsias. Contrapondo-se ao arcaísmo do
Judiciário, os procedimentos céleres, sigilosos, técnicos e flexíveis da arbitragem atraem
cada vez mais entes públicos e privados para os tribunais arbitrais que, diferentemente do
Poder Judiciário, não estão vinculados aos seus países de origem. Para investidores
estrangeiros, a resolução de litígios sem envolvimento de um Poder vinculado ao país
hospedeiro pode ser considerada a principal vantagem na utilização da arbitragem, já que
esta estaria imbuída de valores caros ao investimento, como a neutralidade e a
imparcialidade no julgamento das demandas.

Diante da opção cristalina pelo instituto da arbitragem, a Convenção de


Washington de 1965 determinou a criação do ICSID (Centro Internacional para a
Arbitragem de Disputas sobre Investimentos, sigla em inglês), sendo parte integrante do
Banco Mundial, com sede em Washington, nos Estados Unidos. O ICSID é uma
instituição autônoma, multilateral e especializada, cujos objetivos são encorajar o fluxo
internacional de investimentos e mitigar riscos não-comerciais.
Hoje, o ICISD é foco de boa parte das discussões a respeito das arbitragens de
investimentos e está em curso um processo significativo de atualização de sua atuação.
Quando foi criado, o Centro tinha como objetivo primordial proteger interesses privados
de investidores estrangeiros quando aportavam seus recursos nos países em
desenvolvimento, já que muitas vezes casos de nacionalização como o do Canal de Suez
prejudicavam as empresas transnacionais envolvidas. Com o passar dos anos e a maior
consolidação do sistema de investimentos estrangeiros, passou-se a discutir a respeito da
necessidade de se assegurar o direito ao Estado hospedeiro de regulamentar devidamente
temas nacionais como meio ambiente, direitos trabalhistas e aspectos tributários. Desde
então e até hoje, o mecanismo de solução de controvérsias entre investidor e Estado, sob
os auspícios do ICSID, tem buscado uma modernização a fim de atender de forma
equilibrada aos interesses envolvidos nas lides.

Abaixo, destacaremos dois casos emblemáticos envolvendo arbitragens de


investimentos sobre temas ambientais, a fim de que seja verificada, na prática, como os
tribunais arbitrais têm lidado com este tema, tão central no século XXI.

5.1.Metalclad Corporation x México

Neste caso, a empresa Metalclad Corporation, dos Estados Unidos, construiu


estruturas de confinamento para resíduos tóxicos no município de Guadalcázar, no estado
de San Luís Potosi, no México. Após o despejo de cerca de 20 mil toneladas de resíduos,
a Prefeitura de Guadalcázar proibiu novas operações de confinamento e o estado de San
Luís Potosi decretou a região onde havia as estruturas como reserva ecológica. A empresa
norte americana, sentindo-se prejudicada, acionou o ICSID demandando o pagamento de
90 milhões de dólares pelos prejuízos sofridos com a interrupção de sua operação.

Em discussão estavam, de um lado, o poder regulatório dos entes federativos em


matéria ambiental; de outro lado, a segurança jurídica violada pelo Estado hospedeiro ao
regulamentar o tema posteriormente à realização de um investimento gerando, assim,
prejuízos ao investidor. O Tribunal, ao julgar o caso, não levou em consideração os
interesses estatais decorrentes da edição do decreto ecológico pelo estado ou da proibição
da atividade pela prefeitura. Aplicou-se um conceito amplo de desapropriação, que
abrangeria como tal qualquer tipo de interferência sobre a propriedade que possa privar o
proprietário de seu uso econômico17.

O laudo emitido em agosto de 2000, concluiu que o México havia violado suas
obrigações perante o NAFTA por não ter concedido tratamento justo e equitativo ao
investimento da empresa Metalcad e por ter adotado medidas equivalentes a uma
expropriação. Isso porque, os funcionários federais teriam induzido a empresa a acreditar
que a permissão de construção não seria necessária, havia falta de transparência no
tocante às medidas ambientais adotadas e que a proibição somente poderia se dar em caso
de falhas na prestação dos serviços, o que não teria ocorrido. Assim, o estado mexicano
foi condenado a pagar mais de 16 milhões de dólares à empresa investidora.

5.2.Methanex Corporation x Estados Unidos

Já neste segundo caso, a empresa canadense Methanex acionou o tribunal arbitral


no âmbito do ICSID pois entendeu que sofreu uma expropriação indireta após o governo
da Califórnia proibir a produção do produto metanol, presente na gasolina aditivada sob
argumentos ambientais. O caso se iniciou em 2001 e teve fim no ano de 2005.

Pela primeira vez na arbitragem do ICSID, organizações não-governamentais


foram requeridas no procedimento no papel de amicus curiae18, o que representa um
avanço no sentido de pluralizar os atores envolvidos em arbitragens, trazendo à discussão
argumentos técnicos de terceiros não envolvidos diretamente com o caso.

Diferentemente do primeiro caso, neste julgamento, o tribunal arbitral entendeu


que o governo californiano tinha o direito de regular livremente sua política ambiental e
que nenhum tipo de expropriação teria ocorrido. Afirmou o tribunal que para frustrar
expectativa factível do investidor seria relevante a existência de alguma forma de
promessa de que o status quo regulatório não seria alterado, o que não ocorreu no caso
concreto. Desta forma, o tribunal julgou o caso favoravelmente aos Estados Unidos e à

17
GUTERRES, Orlando. Proteção a Investimentos Internacionais e Direitos Humanos: possibilidade de
diálogo. P. 5.
18
MOROSINI, Fábio & NIENCHESKI, Luísa. A Regulação do Investimento Estrangeiro Direto e suas
Relações com o Meio Ambiente. In: Direito Internacional dos Investimentos, Rio de Janeiro: Renovar,
2014. P. 583.
possibilidade de alteração de padrões ambientais mesmo após assinatura de acordos de
livre comércio e início da operação do investidor estrangeiro em seu território.

Como pode ser visto, estes dois casos representam, ainda que de forma
incompleta, o dilema envolvendo a arbitragem de investimentos e o meio ambiente.
Enquanto parte dos laudos arbitrais ainda se calcam na antiga ideia de que uma alteração
do padrão ambiental de determinado Estado pode ser considerado fundamento para sua
condenação, outra parte, mais atualizada, já compreende a importância do meio ambiente
e a necessidade de constante atualização das políticas públicas a respeito, ainda que desse
processo investidores estrangeiros sejam prejudicados.

Conclusão

Da análise de toda a problemática envolvendo a matéria ambiental e a regulação


dos investimentos internacionais, pode-se extrair que o mundo vive hoje um processo
irreversível de conscientização a respeito da importância de se promover o
desenvolvimento sustentável em seus três níveis: social, econômico e ambiental. Hoje,
empresas importadoras de diversos países exigem que as empresas exportadoras adotem
padrões ambientais mais elevados sob pena de perda do negócio. Países incluem em seus
tratados de investimentos cláusulas ambientais a fim de estabelecer um padrão mínimo
aceitável de preservação da fauna e da flora. Órgãos de solução de controvérsias, judiciais
ou não, já destacam o papel central no deslinde das causas, sendo a preservação do meio
ambiente verdadeiro vetor de interpretação na tomada das decisões.

Esse cenário apontado também tem seus efeitos na regulação dos investimentos
estrangeiros, sendo certo que é crescente o número de tratados bilaterais de investimentos
que têm adotado cláusulas ambientais efetivas em seus textos, fato este que não ocorria
até a década de 1990, por exemplo. No lugar de previsões genéricas e de pouco valor
prático, provisões claras a respeito de expropriação indireta são cada vez mais adotadas a
fim de evitar que Estados se sintam coibidos de implementar políticas públicas ambientais
mais rígidas. Aliado à proteção do investimento estrangeiro – indispensável a qualquer
país em um mundo globalizado -, é cada vez mais urgente a proteção ao meio ambiente e
a promoção do desenvolvimento sustentável.

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