Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
TEATRO CANTADO:
UM ESTUDO SOBRE O MUSICAL
FORTALEZA - CEARÁ
2012
1
FORTALEZA-CEARÁ
2012
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho
Bibliotecário(a) Responsável – Giordana Nascimento de Freitas CRB-3 / 1070
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe Isabelle e ao meu pai Carlinhos, de quem herdei a paixão
pelo teatro e pela música, respectivamente;
À minha orientadora Luciana Gifoni, pela ajuda incondicional e por acreditar em
mim e neste trabalho, dos estágios iniciais até os momentos mais críticos;
Ao amigo Rafael Nogueira, por me apresentar ao musical Sunday in the Park with
George;
À amiga Alene Botareli, pela ajuda com as traduções e revisões em inglês;
E a todas as pessoas que dedicam parte de suas vidas, como artistas ou
espectadores, a essa experiência única que é o Musical.
5
RESUMO
O Musical teve no teatro a sua origem e seu desenvolvimento, consagrando-se como gênero popular
nos palcos dos Estados Unidos, além de influenciar diversos países, entre eles, o Brasil. Sua
complexidade é pouco conhecida, sendo muitas vezes considerado gênero de menor importância ou
mero entretenimento. Não se trata apenas da junção de música, teatro e, muitas vezes, dança; mas de
uma combinação consciente de vários aspectos de cada uma dessas artes, de forma a ampliar suas
possibilidades expressivas. Por isso, o Teatro Musical pode ser considerado uma das formas de arte
mais completas. Além da sua presença no contexto teatral, o Musical também teve uma forte
expressão no Cinema e vem conquistando o seu espaço na TV. Este trabalho, além de discutir
questões acerca da definição de Teatro Cantado e de Musical, concentra-se na relação Música e
Discurso - em um contexto cênico-teatral - a partir de um levantamento histórico, com destaque
especial ao Teatro Musical norte-americano. Em seguida, serão tratadas questões a respeito da estética
e do processo criativo do Musical, a partir da análise de Sunday in the park with George, obra de
Stephen Sondheim, um dos compositores/letristas mais significativos da Broadway, atuante desde o
fim dos anos 50.
Palavras-chave: Musical; Música e Teatro; Música e Letra; Música e Discurso; Teatro Cantado;
Broadway; Sondheim; Sunday in the park with George.
6
ABSTRACT
The Musical has first begun and been developed as a theater form, becoming renowned as a popular
genre in USA stages, besides influencing several countries, as Brazil. Its complexity is not widely
known, and the Musical has been often considered a genre of less importance or mere entertainment.
However, the Musical is not just putting together music, theater and sometimes dance; but rather a
conscious combining of various aspects of these arts, in order to broaden its expressive possibilities.
Therefore, Musical Theatre can be considered one of the most comprehensive forms of art. Besides its
presence in the theatrical context, the Musical has also had a strong representation in Cinema and has
been getting space on TV. In this work, in addition to discussing the definition of Sung Theatre and
Musical, we will also focus on the relation between Music and Speech - in a stage theatrical context -
beginning with its historical background, especially featuring the American Musical Theatre. After
that, we will address issues regarding the aesthetic and the creative process of Musicals, beginning
with an analysis of Sunday in the park with George, a work by Stephen Sondheim, one of the most
significant composers and lyricists of Broadway, active since late 1950s.
Keywords: Musical; Music and Theatre; Music and Lyrics; Music and Speech; Sung Theatre;
Broadway; Sondheim; Sunday in the park with George.
7
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................. 8
LISTA DE TABELAS ............................................................................................................ 9
1 CAPÍTULO INTRODUTÓRIO ........................................................................................10
1.1 A importância de estudar o gênero ............................................................................... 10
1.2 Subvalorização do Musical ............................................................................................11
1.3 A escolha pelo Teatro Musical norte-americano .......................................................... 13
1.4 O teatro cantado .............................................................................................................14
1.4.1 O musical .............................................................................................................. 14
2 A MÚSICA CANTADA NO TEATRO ............................................................................ 18
2.1 Grécia antiga e Império Romano ...................................................................................18
2.2 Período pré-opera .......................................................................................................... 21
2.3 A ópera dos séculos XVII ao XIX ................................................................................ 22
2.4 O Musical Americano ................................................................................................... 24
2.4.1 Teatro de variedades (Variety) ............................................................................. 24
2.4.2 Opereta ................................................................................................................. 26
2.4.3 Jerome Kern e os Princess shows ........................................................................ 27
2.4.4 A consagração do gênero nos Estados Unidos e mudanças na forma ................. 28
2.4.5 O Musical Off-Broadway .................................................................................... 29
2.4.6 Stephen Sondheim ............................................................................................... 29
2.5 O teatro cantado fora dos EUA ...................................................................................... 30
2.5.1 Alguns comentários sobre a ópera alemã do século XX ....................................... 30
2.5.2 O musical no Brasil ............................................................................................... 31
2.6 Os gêneros cênicos-musicais: o musical e seus “parentes” .......................................... 32
2.6.1 Ópera ......................................................................................................................33
2.6.2 Teatro Musicado ................................................................................................... 34
2.6.3 Coro Cênico .......................................................................................................... 35
2.6.4 Show Musical ....................................................................................................... 35
2.6.5 Balé ....................................................................................................................... 36
2.5.6 Quadro comparativo ............................................................................................. 36
2.7 Subgêneros do Musical ................................................................................................ 38
3 PROCESSO CRIATIVO E ESTÉTICA DO MUSICAL, A PARTIR DA ANÁLISE
DE SUNDAY IN THE PARK WITH GEORGE ...................................................................39
3.1 A equipe criativa ........................................................................................................... 40
3.1.1 O compositor e letrista ......................................................................................... 40
3.1.2 O compositor e letrista em diálogo com os demais membros da equipe criativa. 40
3.2 A relação Música e Letra .............................................................................................. 43
3.2.1 Poesia versus Letra de música .............................................................................. 43
3.2.2 A letra de música .................................................................................................. 44
3.2.3 Rimas .................................................................................................................... 46
3.3 A canção no musical .................................................................................................... 48
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 53
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 54
ANEXOS ................................................................................................................................ 57
ANEXO A ............................................................................................................................... 58
ANEXO B ............................................................................................................................... 61
ANEXO C ............................................................................................................................... 66
ANEXO D ............................................................................................................................... 67
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Partitura da música “Color and Light” com algumas stage directions
Figura 2- Trecho da música Sunday.
Figura 3 - Semelhanças entre as canções Sunday in the park with George e It's hot up here
(HOROWITZ, 2010, p. 98)
Figura 4 - Trecho comparativo das canções Finishing the hat e Putting it together
(HOROWITZ, 2010, p. 99)
Figura 5 – Stephen Sondheim.
Figura 6 – Cena de Sunday in the Park with George.
Figura 7- Capa do CD do musical.
Figura 8 – Imagem da tela original, Uma tarde de domingo na ilha de La Grande Jatte, de
George Seurat.
Figura 9 – Cena em detalhe.
Figura 10 – Outra cena do musical.
Figura 11 – Imagem de divulgação do musical.
9
LISTA DE TABELAS
1 CAPÍTULO INTRODUTÓRIO
O presente trabalho tem como objeto de estudo o teatro cantado, tomando como
ponto de partida discussões acerca do conceito e da abrangência do termo musical, além de
justificar a sua relevância como tema e traçar algumas considerações a respeito da sua
subvalorização como arte. Esta primeira etapa se localiza neste capítulo introdutório.
No segundo capítulo, a relação música e discurso é explorada através do
levantamento histórico de algumas manifestações cênico-musicais que se utilizam do canto,
culminando para a formação do teatro musical norte-americano - forma de teatro cantado
mais popular no mundo. Alguns tópicos extras também serão abertos, referentes à presença do
musical fora dos EUA, o que inclui o Brasil; além da produção de um quadro comparativo
entre o musical e alguns do gêneros cênicos-musicais mais relevantes.
Em seguida, no terceiro capítulo serão discutidas algumas questões relacionadas
ao processo criativo e à estética do musical, tendo como fio condutor alguns aspectos da obra
Sunday in the park with George, de Stephen Sondheim, um dos mais importantes
compositores e letristas da atualidade.
Entre as razões para a escolha do tema teatro cantado, algumas são de cunho
pessoal da própria autora, que além de espectadora e amante do gênero musical - tanto no
teatro quanto no cinema -, teve a oportunidade de estar em cena, compondo o elenco de uma
opereta (A viúva alegre, de Franz Lehar); de uma burleta (O casamento da Peraldiana, do
autor cearense Carlos Câmara); de um musical nacional (Os saltimbancos, de Chico
Buarque); e de uma adaptação da Broadway (Hairspray, de Marc Shaiman & Scott Wittman);
além de outros trabalhos relacionados à música cantada e teatro.
Além disso, este trabalho tem importância para o curso de música da UECE por
abordar a inter-relação entre artes, relevante tanto para os performers que queiram se
aprofundar nas relações em que o canto estabelece com a cena, quanto para os compositores
que queiram se dedicar à escrita de canções para o musical; para não mencionar a conexão
que pode ser feita entre interdisciplinaridade e educação musical.
1
Tradução livre de: “the most ubiquitous and dominant cultural icon of our age.”
2
Tradução livre de: “The musical has now became a truly global phenomenon and is indeed one of the most
striking and sucessful examples of globalization.”
3
Disponível em: <<http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/2008/04/15/musicais_no_brasil.jhtm>> Acesso dia:
05 dez. 2012
4
Tradução livre de: “For their detractors, musicals are not an art form so much as a commercial product,
manufactured in a cynical an calculated way, ruthlessly hyped and marketed to make a particularly vulgar form
of mass entertainment. Ever more elaborated in their scenery and special effects, possesing what one critic has
12
Bradley (op. cit., p. 2) cita a opinião do dramaturgo David Hare, que “acusa os
musicais de emburrecer seriamente toda a natureza da performance teatral e modificar
fundamentalmente a relação da plateia com a arte dramática, ao tornar o espetáculo, a
acessibilidade e melodias assobiáveis a definição padrão do que o teatro deve ser6”. Além
disso, Bradley (id., ibid.) acrescenta:
Existe uma diferença muito significativa na atitude em relação aos musicais
dos dois lados do Atlântico. Nos Estados Unidos, eles são levados a sério
como uma forma de arte e celebrados como a contribuição característica do
país à cultura. Na livraria da Universidade de Yale os livros de teatro
musical ficam nas estantes próximas à obra de Shakespeare. No Reino
Unido, entretanto, a enorme popularidade e sucesso comercial do gênero o
condena aos olhos de grande parte das instituições culturais e artísticas.7
Outro fator que dificulta a aceitação do gênero fora dos EUA é o preconceito
existente em relação à cultura norte-americana. Isso acontece em especial nos países da
América Latina, inclusive o Brasil, alvos de uma espécie de colonização/dominação cultural
por parte dos Estados Unidos, gerando uma reação “anti-americanista”. Tais questões
políticas são importantes de serem mencionadas, porém não cabe a este trabalho discuti-las.
Diante dessas circunstâncias, este trabalho se mostra como uma resistência a essas
opiniões depreciativas e configura-se como uma tentativa de discutir o musical e assim
called 'that sense of scenic overkill wereby you leave humming the sets', they are castigated for depending for
their effect on technological gimmickry and careful packaging.”
5
Tradução livre de “Musicals were considered too 'frivolous', too 'lightweight'. They were beneath our
consideration."
6
Tradução livre de “accuses musicals of having seriously dumbed down the whole nature of theatrical
performance and fundamentally changed the audience's relationship with drama by making spectacle,
accessibilty and tunes to hum the standard definition of what theatre should be.”
7
Tradução livre de “There’s a very significant difference of attitude towards musicals on the two sides of the
Atlantic. In the United States they are taken seriously as an art form and lauded as the country's distinctive
contribuition to culture. In the Yale University book store musical theatre is shelved next to Shakespeare. In the
United Kingdom, by contrast, the huge popularity and commercial success of the genre damns it in the eyes of
much of the cultural and artistic estabilishment."
13
mostrar o seu valor artístico. Como conclui Feuer (1993, p. IX), “precisamos de uma chave
para abrir a porta de vidro cintilante que os musicais colocam entre si mesmos e qualquer
forma de questionamento intelectual8”.
8
Tradução livre de “We need a key to open the shimmering glass door musicals place between themselves and
any form of intellectual inquiry”
9
Tradução livre de: “Imagine a place where people gather to worship so fervently that they often clap their
hands together in eager anticipation. Imagine a place where people are confronted with the deep, perplexing
issues of what it means to be human. Imagine a place where people are helped to face up to issues within
themselves that they had long buried or ignored and find themselves brought to a point of healing. Imagine a
communal experience where people are lifted to the heights of joy and excitement and leave the building lighter,
happier, better able to face their lives and the questions they are daily confronted with. Where's is this church
that is doing everything right? Where is this tiny paradise on earth? At your local theatre."
10
Tradução livre de “the theatre […] is surely the one of the last bastions of the spoken word. In an increasingly
visual world, the theatre provides a place where people may gather and have a group experience induced
primarily by the power of words."
11
From Tokyo to Berlin, the most popular form of theatrical endeavor today is the American Musical.
14
Estados Unidos que o gênero se desenvolveu e se consagrou, tornando-se uma das maiores
escolas na arte de integrar música, texto e cena.
1.4.1 O Musical
Embora não seja o objetivo deste trabalho encontrar uma definição precisa de
musical, é importante traçar algumas noções sobre o conceito existente por trás do termo.
12
Tradução livre de “The term 'sung theatre' is our response to the absence of a generic term which embraces
[…] opera, operetta, musical theatre, vaudeville, cabaret and music theatre.”
13
Tradução livre de “The entire art and activity of the theatre in Western culture in which performers both sing
and act simultaneously.”
15
Everett (2004, s/p14) afirma que os “musicais desafiam categorizações simples (uma de suas
mais intrigantes qualidades) e o gênero envolve uma variedade de significados e subgêneros,
todos relacionados e interligados15”.
Consultando diferentes tipos de bibliografia, é possível encontrar níveis
diferenciados de abordagem e definição do termo musical. Um dicionário não-especializado,
define-o apenas como algo “relativo à música”16. No Dicionário de termos e expressões da
música, tem-se uma definição mais aprofundada, com fundamentos predominantemente
históricos:
Musical 1. Expressão inglesa que se tornou popular no EUA e na Inglaterra
a partir do início do século XX, refere-se ao teatro musical, e em especial à
música que surgiu da chamada comédia musical, à ópera cômica do século
XIX. Apesar de originar-se dos ambientes burlescos da Inglaterra, mantinha
fortes afinidades com a chamada Opereta, de estilo leve e palatável. O termo
consagrou-se no vocabulário dos amantes da música do mundo inteiro pelas
mãos de Cole Porter, Richard Rodgers (Sound of music) e Gershwin (Um
americano em Paris, Rhapsody in blue), chegando aos dias de hoje com
Andrew Lloyd Weber (Cats) e Leonard Bernstein, com sua memorável West
Side Story. Alguns musicais da Broadway, como Evita e Cats, chegam a
permanecer em cartaz por décadas, servindo como uns dos principais
atrativos turísticos de pólos culturais como Nova York. 2. Gênero de filme
em que a música tem papel predominante, como os norte-americanos A
noviça rebelde (Sound of music), Singin’ in the rain e Cabaret, no estilo dos
musicais da Broadway." (DOURADO, 2008, p. 218-219)
14
A obra foi consultada em formato .mobi, específico para leitores de livros digitais, que não apresenta
paginação convencional. O mesmo se aplicará as demais vezes que a indicação “s/p” aparecer.
15
Tradução livre de “Musicals defy easy categorization (one of their most intriguing qualities) and the genre
encompasses a variety of meanings and subgenres, all of which are related and intertwined.”
16
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.
17
Tradução livre de: “to combine the most basic of our human actions. Speech, music, song, dance, when
organized, became a multi-faceted artistic expression which, in any combination or society, is just the highest
form or story-telling.”
16
De forma geral, pode-se concluir com base no exposto que o musical ganhou
espaço no teatro e no cinema (e TV, embora não mencionada nas definições anteriores),
combinando fala, música, canção e dança. Porém, não fica claro como todos esses elementos
se relacionam.
Suassuna (2002, p. 256), ao falar sobre a hierarquia e a classificação das Artes,
afirma que "o Teatro, o Cinema, a Dança, a Ópera e o Balé não são associações de Artes, são
Artes independentes, peculiares, com vida própria”. E mais adiante (id., p. 305) complementa:
“o nome que conviria melhor às Artes do tipo do Cinema, do Teatro, da Ópera e do Balé seria
o de Artes do Espetáculo [grifo do autor]”. O autor acrescenta ainda:
Em todas elas [Artes do Espetáculo], está presente uma ação, a narrativa de
um acontecimento sucedido a personagens; e se isso acontece também com
o Romance, a Novela e o Conto, estes não possuem, porém, a presença de
figuras humanas atuando num cenário único ou variado, num conjunto de
espetáculo [...], com as variantes naturais convenientes à essência de cada
um deles" (id., ibid.)
Por ser vinculado ao teatro e ao cinema, o musical se insere nesses dois tipos de
artes do espetáculo, porém sem pertencer a apenas um deles. Essa vinculação, como já
antecipada pela definição de Dourado (op. cit.) é de gênero; mais especificamente trata-se de
um gênero “flutuante”, por poder se inserir em diversos contextos, como o teatral, o
cinematográfico e o televisivo, sem perder suas características essenciais.
Além disso, o musical tem uma proximidade com o balé, já que é um gênero
cênico que tem a dança como um elemento bastante recorrente. Outro fato importante de
mencionar é que a ópera, outro tipo de arte do espetáculo, tem uma relação histórica com o
musical. Com base nessas constatações, o musical, além de ser um gênero de algumas das
artes do espetáculo, poderia também ser classificado como uma forma de arte? E mais: seria
esta uma forma de arte híbrida, por propor uma combinação e diálogo entre música, cena e,
muitas vezes, dança?
A classificação do musical como forma de arte possui divergências, evidenciadas
pela observação das variadas terminologias utilizadas na bibliografia sobre o tema, por vezes
usadas sem muitas explicações. Na necessidade de estabelecer um padrão para este trabalho,
ele será considerado forma de arte apenas quando estiver ligado a outras artes, como nos
termos teatro musical e/ou cinema musical.
Por fim, é importante enfatizar que este gênero vem se modificando e se
reinventando durante todo o seu processo histórico, além de possuir muitos desdobramentos,
linhas e vertentes, como já foi dito anteriormente. As diferenças entre o musical e outros
17
gêneros cênicos que se utilizam de música ficarão mais claras a partir da trajetória histórica
que será traçada mais adiante.
18
“Não há nada de novo sobre o Teatro Musical. Ele é muito antigo, tão antigo
quanto o próprio teatro.18” (JONES, op. cit., p. 21)
Desde que a voz cantada passou a ser tratada como um instrumento, compositores
e cantores se dedicam a explorar os limites da expressão vocal, a partir das diversas formas
em que a música pode se combinar com o poder expressivo das palavras (BURGUESS;
SKILBECK, op. cit., p. 8). As combinações possíveis entre música e discurso se
configurariam entre dois extremos: encaixar a música nos padrões naturais da fala (que além
de ritmo, possui algumas variações melódicas), ou conduzir a melodia sem a necessidade de
seguir estes moldes. Além disso, pode-se mencionar que não existem fronteiras nítidas entre
voz falada e voz cantada, o que tanto pode ser motivo de discussões e debates, como campo
para a exploração artística. Considerando a última possibilidade, foi no teatro que as relações
existente entre música e palavra, canto e fala foram mais exploradas.
Acredita-se que a relação música e teatro tenha raízes pré-históricas, já que “som
e ritmo seriam forças no processos de ritualização19” em culturas primitivas (id., ibid.). Esses
elementos musicais seriam capazes de “alterar nosso estado físico ou emocional, organizar
nossas ações e permitir que experiências comuns fossem sentidas e compartilhadas20” (id.,
ibid.). Além disso, a dança e o uso de máscaras seriam “meios poderosos de transcender nosso
ser e de representar outros planos de consciência21” (id., ibid.). Embora estes sejam aspectos
bastante relevantes e importantes de serem estudados mais a fundo, este trabalho tem como
ponto de partida histórico a Grécia antiga, considerada o berço da história da arte ocidental.
18
Tradução livre de “There’s nothing new about the musical theatre. It is very old, as old as the theatre itself."
19
Tradução livre de “Sound and rhythm are both forces within the process of ritualising”.
20
Tradução livre de “alter our physical and emotional state, they organize our actions, they allow common
experiences to be felt and shared”.
21
Tradução livre de “potent means of transcending our being and of representing other planes of consciousness”.
19
medievais e foram integradas na maior parte dos sistemas filosóficos.” (GROUT; PALISCA,
2007, p. 16-17). A partir desses materiais remanescentes, estudiosos puderam traçar algumas
das características sobre a música, a poesia e o teatro grego, artes que eram perfeitamente
integradas.
"A maior parte da música grega consiste em melodias cantadas, ou a solo, ou em
coro. […] Mesmo que se cante em coro nunca existe polifonia, pois é a linha melódica que se
pretende destacar” (PEREIRA, 2001, p. 219-220). Considerando que “os gregos não estavam
acostumados a ler poesia, mas, sim, a ouvi-la” (HELIODORA, op. cit., p. 19), a linha
melódica e o ritmo musical estavam totalmente subordinados à poesia, o que explica a
preocupação em dar destaque ao canto e torná-lo o mais perceptível possível.
Os instrumentos eram utilizados quase sempre como acompanhamento da voz
humana, e Aristóteles considerava que eles poderiam até obscurecer a parte cantada, emitindo
preferência pelo canto não acompanhado. Para ele, a voz reuniria em uma única emissão a
palavra e o som musical, dessa forma, a voz é “o instrumento que desenvolve a comunicação
mais expressivamente” (PEREIRA, op. cit., p. 222). Na Grécia, “a melopeia22 vocal só tem
[tinha] pleno valor estético quando associada à poesia, enquanto a melopeia instrumental é
[era] esteticamente completa em si mesma." (id., p. 221)
A voz, além de ter essa capacidade única de associação da música com a palavra,
“é versátil tanto melodicamente, como na variedade de movimentos (rápidos ou lentos) que
pode produzir, e na facilidade de cobrir um largo leque de graduações dinâmicas (do silêncio
ao grito)”, o que foi largamente explorado pelos tragediógrafos gregos (id., p. 222). Somado a
isso, “na tragédia, a vocalização foi explorada de forma a obter simultaneamente uma
impressão auditiva e, ao mesmo tempo, comunicar um sentido." (id., p .220). Dessa forma, os
gregos associavam esses diferentes elementos musicais e textuais a determinado clima
emocional ou intenção narrativa (HELIODORA, op. cit., p. 19).
Segundo Pereira (op. cit., p. 221), a tragédia, por ser uma forma específica de
expressão, deve veicular um tratamento também específico da voz, que por sua vez estará em
sintonia com a ação que se desenvolve. A voz seria adaptada aos diferentes momentos do
drama, como se verifica especialmente nas tragédias de Eurípides, que fez um trabalho de
estudo vocal, apresentando:
indicações de silêncio, de ruídos, de gritos, de murmúrios, de sons musicais;
[…] [de] dinâmica (do ff agudo ao pp silêncio), […] sobre diferenças de
som, de modificações na inflexão vocal através da própria frase, do sentido,
22
Segundo Dourado (op. cit., p. 201), melopeia referia-se à arte de criar música e ao conjunto de regras vigentes
para a elaboração de melodias, na Grécia antiga.
20
Um dos principais elementos da tragédia grega era o coro, que pode ser
considerado um dos primeiros exemplos de elos entre música e teatro no mundo ocidental.
Após o prólogo, que explicava a história prévia, o coro fazia a sua entrada e permanecia até o
fim da peça. Sua formação inicial era de doze membros, depois passando a quinze com
Sófocles. Sobre a atuação do coro, Brockett (1979, p. 11) comenta:
Geralmente o coro atuava em uníssono, mas às vezes ele era dividido em
dois semicoros de sete componentes, que poderia atuar em turnos ou poderia
trocar ou dividir falas. O líder do coro às vezes tinha falas solo, mas o coro
falava e cantava como grupo (embora algumas edições modernas de peça
dividam as falas e designem-as para membros individuais do coro)"23
Para o mesmo autor (id, ibid.), as funções do coro na peça seriam: expressar
opiniões (que pode ser a visão do autor), dar conselhos, como um ator no drama - geralmente
aliado ao protagonista; reagir aos eventos e personagens, sendo uma espécie de referência
para os espectadores; estabelecer a atmosfera da peça e elevar o seu efeito dramático; e definir
um ritmo à ação.
Tais breves considerações sobre a arte da Grécia Antiga são importantes por
configurarem um primeiro momento da história do Teatro cantado, que serviram como base
para muito do que foi feito posteriormente. Vale dar destaque à “ideia grega de que a música
se ligava indissociavelmente à palavra falada [que] ressurgiu, sob diversas formas, ao longo
de toda a história da música” (GROUT; PALISCA, op. cit., p. 20), seja através da criação do
recitativo, em torno de 1600; das teorias de Wagner e seu drama musical, no século XIX; ou
com o Teatro Musical Americano do século XX, como será explicitado mais adiante.
Assim como os Gregos, os romanos produziam peças com diálogo, canção
(embora sem a presença do coro), dança e acompanhamento instrumental, sendo Plauto um de
seus principais dramaturgos - que fez uma releitura e combinação de vários personagens e
temas gregos. Esses espetáculos, que, como na Grécia, também faziam parte de festivais em
homenagens aos deuses, eram apresentados em estruturas de madeira, que podiam ser
montadas e desmontadas dentro de um dia. Havia também a presença da cortina, que
levantada, indicava que a apresentação iria começar.
Outro aspecto interessante de mencionar é que os romanos, para tornar seus
passos de dança audíveis, costumavam anexar pequenas placa de metal aos seus sapatos - um
23
As traduções utilizadas dessa obra foram feitas por Marcelo Farias Costa, para o curso de Teatro do IFCE
(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará).
21
parente antigo dos que hoje são usados no sapateado. Com a queda do império romano, e
conseqüente declínio artístico, esse tipo de teatro que se guiava pelo mote político do “pão e
circo” (BERTHOLD, 2001, p. 139) foi condenado pela igreja e permaneceu vários séculos
inexistente (KENRICK, 2008, s/p).
a fim de escapar das restrições da lei, apareceram várias salas em que eram apresentados
apenas espetáculos de números de dança ou canto, chamados de music hall” (HELIODORA,
op. cit., p. 143).
Embora a canção e o teatro tenham convivido durante muitos séculos em vários
tipos de manifestações artísticas, não existiram mudanças significativas no tratamento da
relação música e discurso. Foi preciso que os dramas gregos fossem redescobertos para que
esta configuração começasse a mudar. Este acontecimento se deu na Itália, ainda no período
Renascentista.
Observando o extensivo uso de versos em coro, os italianos presumiram que os
dramas gregos se tratavam de peças inteiramente cantadas. Esse mal-entendido fez com que
Monteverdi e a Camerata Fiorentina24 usassem a arte da Grécia antiga como modelo para a
forma de arte que seria em breve desenvolvida. Assim, para Kenrick (id., ibid.), ao contrário
do que se costuma afirmar, o Teatro Musical não seria descendente da ópera, mas o contrário:
a ópera seria, de forma acidental, descendente do Teatro Musical.
24
Grupo de artistas plásticos, músicos e poetas, que se reuniam em Florença sob a liderança de Giovanni de
Bardi.
23
Segundo Jones (op. cit.), embora o Musical Americano seja o resultado de muitas
influências e cruzamentos, seriam três as principais correntes responsáveis pela sua formação:
o Teatro de Variedades, a Opereta e os espetáculos apresentados no Teatro Princess.
25
No ensaio A ambição sincrética da ópera ou ópera vista como forma literária tanto quanto musical.
26
Tradução livre de “A hundred years ago, musical theater consisted largely of revues, collections of popular
songs, and comedy skits, as well as variations of operettas from Europe. The theater, along with vaudeville, was
not yet faced with competition from radio, television, and motion pictures, as it is today."
25
27
Tradução livre de “A place where you could bring the wife and kids.”
28
Tradução livre de “much the same format as the minstrel, with one major diference: women were part of the
cast."
29
Skits, em inglês.
30
Tradução livre de “the theme of the Ziegfeld Follies was to 'glorify the American girl'. The theme of Leonard
Sillman's many revues was to introduce ‘new faces’”.
26
2.4.2 Opereta
Opereta, que ao pé da letra significa ‘pequena ópera’, possui ingredientes
similares à ópera cômica francesa, porém de estilo mais leve, alegre, simples, e de curta
duração, como comenta Dourado (op. cit., p. 243). Heliodora (op. cit., p. 144) complementa,
afirmando que elas eram “repletas de incidentes mais sentimentais que sérios e enriquecidas
com canções integradas na ação”.
O gênero, de acordo com Dourado (op. cit, p. 143), popularizou-se na Viena do
final do século XIX, consagrou-se na Inglaterra de Gilbert & Sullivan e abriu caminho para o
musical no século XX. Embora existisse uma corrente de compositores influenciados
diretamente pela opereta do centro europeu, foi aquela feita pelos ingleses Gilbert & Sullivan
que teve uma relação mais forte na formação do musical americano (BRADLEY, op. cit., p.
44).
Para o mesmo autor (id., p. 43), entre as inovações feitas pela dupla inglesa,
estariam a preocupação com o visual, dando proeminência ao figurino, cenário e adereços; o
papel social dado ao coro, que passou a ter uma dimensão comunitária (aspecto
posteriormente explorado pelos musicais de Rodgers & Hammerstein); além da a importância
dada às palavras e às canções, escritas exclusivamente para o teatro (id., p. 41; 46).
Heliodora (op. cit., p. 143) comenta sobre a popularidade de Gilbert & Sullivan,
afirmando que é “difícil chegar à Inglaterra e não constatar que pelo menos uma delas [obras
da dupla] está sendo montada em algum lugar”. O seu sucesso nos Estados Unidos se deve
principalmente ao fato de que elas “eram tão cômicas quanto [a opéra bouffe francesa], os
finais eram felizes, e [acima de tudo] elas eram em inglês. E não eram em qualquer inglês,
mas no melhor e mais perspicaz inglês já escrito em forma de letras31” (JONES, op. cit., p.
41). Essa popularidade se refletiu em várias produções americanas não-autorizadas das obras
dos ingleses, que decidiram estrear The pirates of Penszance (1879) nas Américas, ao menos
assim poderiam controlar melhor seus direitos como autores (id., p. 32).
Seguindo o modelo europeu, os americanos também começaram a criar as suas
próprias operetas. Ao contrário das vienenses, com histórias localizadas na Europa central, as
americanas, em sua maioria, se passavam em alguma localidade exótica (id., p. 33). E foram
três os primeiros homens responsáveis pelo sucesso da opereta americana: Victor Herbert,
com suas obras The Wizard of the Nile (1895) e Naughty Marietta (1910); Rudolf Friml, em
parceria com o libretista Otto Harbach, em Rose-Marie (1924) e Sigmund Romberg, em
31
Tradução livre de “were just as comic, the endings as happy, and there were in English. And not just in any
English, but the best and wittiest English ever written in lyric form."
27
Maytime (1917). Apesar de terem feito carreira nos Estados Unidos, todos nasceram e foram
treinados na Europa (id., p. 33; 36-37).
Como na opereta o libreto e as letras estavam a serviço da música, é de se esperar
que os três principais representantes dos Estados Unidos fossem compositores. Porém,
Romberg, ao contrário do que lhe foi ensinado na tradição europeia, se recusava a escrever
uma nota musical antes do libreto estar terminado, pois buscava por inspiração na história
(id., p. 37-38).
principais inovações desse musical foi seu caráter sério, tratando de temas inimagináveis para
a época, como a miscigenação.
“Nós prometemos que cada canção teria um propósito e que ninguém ficaria
parado como um morto, no centro do palco, para cantar algo que não tivesse
um propósito na história.34”
34
Tradução livre de “We promises ourselves that every song would make a point and that no one would stop
dead, center stage, in order to sing a song that had no purpose in the story.”, palavras do libretista Abe Burrows
citadas por Chase (1992, p. 538).
29
fato, muitas mudanças ocorreram com essa obra, que também contribuiu de forma original
com o uso da dança como elemento integrante da narrativa, como ação em movimento
(KANTOR, 2005).
Outras mudanças significativas para o musical americano vieram através de
musicais como: Hair (1968), de Gerome Ragni e James Rado, que levou para os palcos o
estilo de vida hippie através de uma narrativa não-linear, além de abrir caminho para uma
série de outros musicais de rock; Company (1970), realizado a partir da parceria entre o
compositor Stephen Sondheim e o produtor/diretor Harold Prince, que também propôs uma
desconstrução do roteiro, focando a narrativa em um determinado evento ou conceito, daí a
denominação de concept musical. Embora este tipo de musical conceitual tenha
representantes anteriores a Company, a obra foi especialmente marcante por quebrar todas as
regras da comédia musical, como afirma Hischak (2008, p. 166).
35
O capítulo seguinte se construirá a partir da análise de Sunday in the park with George, musical de sua autoria.
30
de escrever letras de música para o teatro, da mesma forma que Oscar Hammerstein II, seu
mentor, o fez (SONDHEIM, 2010, p. XXII).
Vale a pena considerar também o comentário de Bradley (op. cit., p. 24), que
considera o autor como a única personalidade do teatro musical contemporâneo cuja obra é
levada a sério pelos acadêmicos e pelas instituições culturais, talvez porque, nas palavras de
Mark Steyn, 'ele faz musicais para quem não gosta de musicais’.36” Block (2009, s/p), por sua
vez, reflete sobre uma das características mais louváveis do compositor: a despeito da
fidelidade aos princípios inovadores, porém tradicionais, aprendidos com Hammerstein,
Sondheim está constantemente disposto a repensar seu legado teatral a fim de dizer algo novo.
36
Tradução livre de “the one figure in contemporary musical theatre whose work is taken seriously by
academics and the cultural establishment, peharps because, in Mark Steyn's words, 'he makes musicals for
people who don't like musicals’.”
31
Brecht lançará [lança] mão de formas conhecidas, de palavras e histórias familiares a esse
público - mas devolverá ao espectador uma imagem modificada; [...] um reflexo crítico."
Quando Brecht deixou a Alemanha por motivos políticos, o mesmo aconteceu a
Kurt Weill. Porém o músico, quando chegou aos Estados Unidos, integrou-se totalmente em
seu teatro, e se tornou um dos mais bem-sucedidos compositores dos musicais americanos"
(HELIODORA, op. cit., p. 110).
As letras da montagem brasileira de Jesus Christ Superstar (com música de Andrew Lloyd
Webber), na década de 70, por exemplo, foram versionadas para o português por Vinícius de
Moraes. Outro musical de Webber, Cats, em adaptação mais recente, contou com letras
escritas por Toquinho. Já o O Rei Leão, de Elton John em parceria com o letrista original Tim
Rice, tem estreia prevista no Brasil para 2013, com versões de Gilberto Gil.
Porém, o principal versionista de musicais da atualidade é Claudio Botelho, que
possui no seu currículo de adaptações obras como: Os miseráveis, O fantasma da ópera, A
noviça rebelde, Gypsy, Hair, Company, West Side Story, O Mágico de Oz, dentre outras.
“O que faz de um musical um musical, e não uma ópera ou uma peça com
música? E quanto aos seus subgêneros - às vezes vistos como sinônimos -
como comédia musical, peça musical e opereta? Esses são termos para os
quais é impossível encontrar significados coerentes. As mesmas perguntas
podem ser feitas a respeito de filmes musicais. No gênero cinematográfico,
quando um filme que inclui canções deixa de ser um filme com música e se
torna um filme musical? Existe uma percentagem específica de música que
distingue filmes musicais de outros tipos de cinema?"37 (EVERETT, op. cit.,
s/p)
Entender o Musical como uma forma de arte ou gênero cênico que se utiliza de
Música e Dança é algo simples, comparado à dificuldade de demarcar os limites dessa
definição tão abrangente. Na tentativa de esclarecer possíveis dúvidas e ambiguidades, serão
feitas comparações com alguns gêneros e formas de arte mais relevantes que compartilham
características semelhantes ao Musical. São eles: ópera, teatro musicado, coro cênico, show
musical e balé.
37
Tradução livre de “What makes a musical a musical, and not an opera or a play with music? And what about
its subgenres - sometimes viewed as synonyms - such as musical comedy, musical play, and operetta? These are
terms for which is impossible to find consistent meanings. The same questions can be asked regarding film
musicals. In the film genre, when does a film that includes songs stop being a film with music and become a film
musical? Is there a specific percentage of music that distinguishes movie musicals from other types of cinema?”
33
2.6.1 Ópera
“A linha que separa a ópera do musical, em qualquer situação, não é uma fronteira
fixa, mas uma membrana permeável38, como comenta Everett (op. cit., s/p). As semelhanças e
diferenças entre os gêneros se relacionam num processo em que, “cruzar fronteiras genéricas
é tão comum quanto mantê-las39” (id., ibid.).
A proximidade entre ópera e musical pode ser exemplificada, entre outras formas,
pelo fato de muitos compositores, como Frank Loesser, Kurt Weill e Andrew Lloyd Webber,
terem atuado nos dois gêneros. Webber, além disso, foi compositor de um musical com traços
operísticos: O fantasma da ópera, o que indica um possível diálogo existente entre os dois
gêneros, sem que as características próprias de cada um sejam perdidas.
Entre diferenças entre os gêneros, segundo o mesmo autor, “o estilo vocal, a
forma e o estilo musical, e o espaço onde ocorrem são algumas das mais significativas.40” (id.,
ibid.) Já para Burgess e Skilbeck (op. cit, p. 12), essa diferença de nomenclatura, refletiria
também o status de cada gênero na cultura. A isto pode-se acrescentar que a ópera possui uma
maior preocupação formal com a música do que o musical.
Além disso, outro ponto crucial nesta comparação é a importância dada à letra em
relação à música. No musical, a compreensão do texto, tanto falado quanto cantado, é
essencial, pois a canção está diretamente relacionada com a ação dramática; já na ópera, em
especial na escola italiana, a letra de música muitas vezes é obliterada pelos arroubos da arte
musical, como comenta Matos (op. cit., p. 90): “o estilo vocal do bel canto contribui para a
secundarização do texto, exacerbando a demanda por virtuosismo vocal e deixando em
segundo plano a fruição e até mesmo a inteligibilidade das palavras."
Sobre a relação Música e Cena na Ópera, Suassuna (op. cit., p. 306) escreve:
A Ópera [...] seria resultado da fusão do Teatro com a Música. Por isso, no
seu campo, teríamos uma linhagem mais teatral e dionisíaca, e outra mais
musical, apolínea e pura. Uma ópera como o 'Otelo', de Verdi, pertence ao
primeiro grupo: nela, a ação teatral e a violência das paixões recebem um
tratamento especial, possuem um relevo quase tão importante quanto o da
peça original. Já nas óperas de Mozart, a música é mais importante do que o
desenrolar da ação, que nós quase esquecemos, podendo ouvi-las, somente,
sem grande perda para a fruição. Wagner tentou um desenvolvimento
paralelo e uma atenção igual dispensados à parte musical e à teatral da
Ópera.
38
Tradução livre de “A linha que separa a ópera do musical, em qualquer situação, não é uma fronteira fixa, mas
sim uma membrana permeável.”
39
Tradução livre de “Cruzar fronteiras genéricas é tão comum quanto mantê-las."
40
Tradução livre de “Vocal style, musical form and style, and venue are some of the most substantive.”
34
41
Tradução livre de “The realm of musical theater voices, like those in opera, is broad, and different voices types
emphasize different types of characters.”
42
Tradução livre de “"From Monteverdi, Gluck and Mozart, through to Gershwin, Rodgers and Hart, Rodgers
and Hammerstein, Bernstein and Sondheim, the only unbroken tradition has been a conscious commitment to
unite music and drama."
35
2.6.5 Balé
Balé, resultado da síntese efetuada entre a Música, a Dança e a narrativa, a
ação do Teatro: num balé como "O Lago dos Cisnes", por exemplo, a
importância da ação teatral e dionisíaca é muito grande; já no Balé mais
moderno, esboça-se uma preferência pela linhagem mais musical e plástica,
isto é, uma busca maior da pureza rítmica e do equilíbrio apolíneo da Dança
(SUASSUNA, op. cit., P. 307).
Com as considerações feitas por Suassuna, o balé estabelece relações tanto com a
ação dramática quanto com a música. A sua diferença em relação ao musical está no uso
limitado (ou do não-uso) da música cantada como parte integrante da narrativa. O balé mais
tradicional é predominantemente formado por música instrumental e, quando há a presença da
música cantada, esta configura-se como trilha sonora. Além disso, no musical a cena se
desenvolve a partir do som; já no balé, é o movimento ou não-movimento do corpo que se
torna o elemento central.
Há avanço
Importância
Integração da
cênica da Outras
Gêneros Música Cena Música e narrativa
letra de considerações
Cena com a
Música
Música?
Musical Essencial Essencial Forte Sim Grande -
A inteligibilidade
da letra é
Dispensável
Ópera Essencial Média Às vezes Média prejudicada em
em parte43
detrimento do
virtuosismo vocal.
Música cantada
como trilha sonora
Teatro Dispensá
Essencial Média Às vezes Pequena ou através de
Musicado vel
números musicais
inseridos no roteiro.
Quando a letra
Predominante aparece na música,
Dispensável A música é
Balé Essencial Média mente sem esta tende a
em parte narrativa
letra configurar-se como
trilha sonora.
*Podendo variar de
Show de Sem acordo com a
Essencial Dispensável Fraca* Pequena
Música narrativa proposta cênica do
show
Tabela 1- Quadro comparativo dos gêneros de teatro cantado.
Para finalizar esta seção comparativa, Green (1980, s/p) faz uma lista de todos os
gêneros que não devem ser confundidos com musicais:
Embora existam exceções, o objetivo [do Musical] tem sido manter distância
do vaudeville (ou teatro de variedades), de Gilbert e Sullivan [e suas
operetas] […], entretenimentos de cabaré, peças com um ou duas canções,
musicais em línguas estrangeiras [quando não há traduções], apresentações
com apenas um artista, shows de menestréis, concertos […], musicais
infantis, pantomima, shows no gelo, espetáculos amadores, shows
beneficentes, revistas de retrospectiva em homenagem à carreira de um
compositor, e revistas que não sejam realmente musicais.44
43
Ver Suassuna (2002)
44
Tradução livre de: “Though there are exceptions, the aim [of Musical] has been to steer clear of vaudeville (or
variety), Gilbert and Sullivan […], cabaret entertainments, plays with one or two songs, foreign-language
musicals, one-man or one-woman shows, minstrel shows, concert parties […], children’s musicals, pantomime,
ice shows, amateur shows, benefit shows, retrospective revues devoted to one composer’s career, and revues that
aren’t really musical.”
38
45
Neste contexto não se refere aos dramas musicais de Wagner.
39
A escolha do musical Sunday in the park with George como elemento central
deste capítulo se deu por três motivos: a importância de Stephen Sondheim, um dos principais
nomes do teatro musical da atualidade; a temática do musical, que trata exatamente do
processo de criação da arte; além das características particulares do musical, um dos trabalhos
mais significativos de Sondheim. Dessa obra, será feita uma análise não-formal, que
funcionará como fio condutor para a discussão de alguns temas relativos ao processo de
criação e à estética do musical, em especial ao que diz respeito à música cantada.
Tais discussões se concentrarão nos seguintes temas: a equipe criativa, tratando
das parcerias existentes entre compositor, letrista e demais membros da equipe; relação
música e letra, abordando as semelhanças e diferenças entre poesia e letra de música, além de
dar destaque ao papel das rimas; finalizando com os tipos de canções e algumas de suas
funções no musical. Todos estes tópicos serão guiados e exemplificados pelo musical
escolhido.
Sunday in the park with George se divide em dois atos: um centrado na vida do
pintor neo-impressionista Georges Seurat, por volta de 1880, em Paris; e o outro, em seu
bisneto George, um artista moderno conceitual, cem anos depois, em Chicago. O primeiro ato
mostra o processo criativo de Georges, em suas visitas ao parque - buscando inspiração e
desenhando alguns esboços -, e em seu estúdio - trabalhando arduamente em sua técnica de
pintura pontilhista46. Sua dedicação ao trabalho era tamanha, que Dot, sua amante, já não
tinha mais espaço na vida do pintor. Tanta indiferença faz com que ela decida ir para a
América com outro homem, ainda que grávida de Georges. No segundo ato, o bisneto de
Seurat, também de nome George, tenta conseguir fundos para seus projetos de arte com
esculturas modernistas. Desiludido com seu talento, ele decide ir até Paris conhecer o parque
imortalizado pela obra de seu bisavô. Lá, o fantasma de Dot aparece para ele e o incentiva a
continuar com seu trabalho, como Seurat fez. Em ambos os atos, os artistas enfrentam a
desaprovação da crítica, e refletem sobre as dificuldades de se fazer arte.
O musical teve sua primeira apresentação em 1984, num teatro off-Broadway de
150 lugares chamado Playwrights Horizons, em um formato de workshop47, sem ainda estar
46
Técnica neo-impressionista, baseada na lei das cores complementares, em que pontos ou pinceladas de cores
diferentes se justapõem nos olhos do observador, causando o efeito desejado pelo pintor.
47
Termo que pode ser traduzido para o português como “oficina”.
40
completamente finalizado. Esta estreia fora do eixo comercial da Broadway permitiu aos
autores um trabalho mais autoral, sem as pressões e exigências de uma produção com grandes
responsabilidades financeiras. Apesar desse contexto inicial, o potencial de Sunday in the
park with George foi logo percebido, e a sua transferência para a Broadway se deu antes
mesmo do segundo ato estar pronto (KANTOR, op. cit.).
terceira pessoa (no caso da função compositor-letrista também ser dividida), a relação
existente entre esses profissionais costuma se dar de forma muito próxima, também em
formato de parcerias.
Em Sunday in the park with George, Sondheim teve como parceiro o libretista
James Lapine, com quem compartilhou todo o seu processo criativo. Ainda nos estágios
iniciais de formação do musical, o compositor, junto com Lapine, foi visitar a obra original
Un dimanche après-midi à l'Île de la Grande Jatte48, em Chicago, para uma espécie de
pesquisa de campo, observando a reação das pessoas diante da obra, além de conversar com
alguns guias do museu. Muitas dessas observações serviram de material para a construção do
roteiro e das canções (HOROWITZ, 2010). Lapine, em entrevista (KANTOR, op. cit.),
comentou que o processo de criação de Sunday in the park with George foi semelhante à
criação de uma pintura: à medida que as músicas e letras iam surgindo, a pintura se tornava
mais focada e a narrativa mais clara.
A vida do pintor Georges Seurat também foi estudada pelos autores, porém do
pintor neo-impressionista francês pouco se sabe. Hoje seu trabalho é reconhecido em especial
pelos inúmeros estudos que ele desenvolveu acerca da natureza das cores, que culminaram em
sua técnica pontilhista de pintura; porém Georges morreu de pneumonia, após dedicar sua
curta vida ao trabalho, sem vender nenhuma obra (GORDON, 1993, p. 263).
Ainda sobre a multifuncionalidade do compositor, Sondheim afirmou, também em
entrevista49, que ele se considerava uma extensão do autor textual, e esta ideia é explorada
mais a fundo em seu livro (2010, p. XVII), quando ele se define como “um dramaturgo por
natureza, mas sem a habilidade básica necessária: a de contar uma história que prenda a
atenção da plateia por mais do que alguns minutos. […] Eu gosto de pensar que posso manter
o interesse dela [plateia] com […] pequenas peças, que são chamadas de canções50”.
Tragtenberg (1991, p. 75-76), refletindo sobre a formação e preparo do
compositor de teatro musical, acrescenta que:
são necessários [para o compositor] conhecimentos nas áreas de estrutura
textual, de encenação (que se desdobra em diferentes campos como a
cenografia, figurinos, iluminação etc.), de movimento, de dança e de
técnicas específicas relacionadas ao performer, seja ele cantor, ator,
instrumentista, dançarino, ou a combinação de todas essas linguagens.
48
“Uma tarde de domingo na ilha de La Grande Jatte”. Localizada no Art Institute of Chicago, foi finalizada
pelo pintor George Seurat em 1886. Trata-se de uma tela de 207,6 ! 308 cm.
49
Contida nos extras do versão “Cinema Reserve” do DVD do filme “West side story”, ou “Amor, sublime,
amor” em português.
50
Tradução livre de: “[I’m] by nature a playwright, but without the necessary basic skill: the ability to tell a
story that holds an aundience’s attention for more than a few minutes. […] I like to think I can hold their interest
with short […] playlets which are called songs.”
42
Figura 3- partitura da música “Color and Light” com algumas stage directions.
51
Termo que pode ser entendido como algumas orientações a respeito da encenação, direções sobre o que
acontece no palco.
43
52
Citação extraída do documentário Palavra (En)cantada, 2008.
53
Tradução livre de “Lyrics, even poetic one, are not poems. Poems are written to be read, silently or aloud, not
sung.”
44
situações também específicas. Tirá-las desse contexto, seria torna-las tão incompletas como
são as letras de música sem a parte musical (id., p. XXI).
Outro fator abordado pelo autor é que, na poesia, o ritmo, a acentuação e o tom
seriam ditados bem mais pelo leitor do que pela intenção do poeta (id., p. XVII), o que não
acontece na letra de música, onde esses aspectos se tornam fixos através da música a qual ela
está atrelada.
Isso não quer dizer que poesia não possa ser transformada em letra de música;
esta prática foi bastante explorada por Franz Schubert em seus lieder, porém neste caso, a
música acaba sendo guiada pela estrutura do poema, e grandes modificações nessa estrutura
podem distorcer “não só a fraseologia do poeta, mas também a linguagem em si, unindo
sílabas curtas ou prolongando-as a ponto de prejudicar sua inteligibilidade54” (id., ibid.).
Outro exemplo bastante conhecido desse tipo de adaptação aconteceu no Brasil, com Morte e
vida Severina (1965), de João Cabral de Mello Neto, musicada por Chico Buarque para o
teatro. Dessa forma, embora essas duas artes possam estar associadas, como nos exemplos
acima, a poesia não precisa da música para existir; enquanto que a letra de música, como
mostra a própria expressão em português, é inteiramente dependente da música.
(SONDHEIM, 2010, p. XVII).
54
Tradução livre de “not only the poet’s phrasing but also the language itself, clipping syllables short or
extending them into near-unintelligibility.”
55
É importante mencionar que nem sempre os dois tipos de frases serão coincidentes.
45
São inúmeras as formas que a letra de música pode ser configurada ritmicamente.
No que diz respeito à duração de cada sílaba do texto falado, uma das formas comuns de
associação seria atribuir uma nota a cada uma delas, deixando as notas longas para aquelas
mais importantes. Também é possível que uma mesma sílaba seja associada a várias notas - o
melisma, muito comum na opereta e na música pop (BRADLEY, op. cit., p. 42)
O contorno melódico pode também se ligar a aspectos relacionados aos
personagens. Tragtenberg (2008, p. 114) comenta sobre isso através da diferença entre
melodia do tipo masculino e feminino, “que busca definir certos estados ‘psicológicos’ do
material melódico". O primeiro tipo, masculino, “faz uso de um material melódico mais
simples e de alta definição. Ou seja, usa sons pertencentes ao material harmônico básico nos
tempos fortes ou acentuados do metro”. Esse tipo de contorno melódico estaria ligado,
56
Tradução livre de “music is abstract and its function in song is to fulfill what it accompanies; poems are
fulfilled all by themselves. Under spoken text, music is background, atmosphere and mood and nothing more.”
57
Não se conhece o ano desta obra.
58
Padrões ritmicos onde dois compassos ternários funcionam como três compassos binários.
46
segundo o autor (id., ibid), a personagens que costumam ser identificados de forma imediata,
como heróis, vilões, palhaços etc; bem como a personagens que expressam um tipo social
mais genérico.
Já no segundo tipo, feminino, ou melodia não-harmônica, “se caracteriza pela
utilização de sons estranhos à harmonia nos tempos acentuados e por síncopas rítmicas que
geram suspensão e ausência de clareza na direcionalidade da curva melódica” (id., p. 116).
Assim sendo, o contorno do tipo feminino seria capaz de expressar variações mais sutis,
estando associado “a personagens complexas, ambíguas ou em constante modificação […],
como um apaixonado, um assassino psicopata, um ditador sanguinário […] ou ainda um
personagem com alguma característica física marcante, como um cego, um manco etc” (id.,
ibid.).
3.2.3 Rimas
São muitos os tipos de rimas existentes, tantas quantas a nomenclatura acadêmica
permitir, mas, para as canções escritas para o teatro, segundo Sondheim (2010, p. XXV),
existiria uma rima mais efetiva do que as demais: a rima perfeita59 (true rhyme), que o quadro
abaixo procura exemplificar:
59
A nomenclatura para os tipos de rima pode diferir de acordo com as características específicas do inglês e do
português. Porém, de forma a facilitar a compreensão do ponto de vista do autor, sempre que possível serão
dados exemplos similares e correspondentes em português.
47
Esse tipo de rima perfeita sofre um certo tipo de preconceito, pois sua pureza
estaria associada à aspectos tradicionalistas, e também porque, com o rock e a música pop, o
ouvinte se acostumou com rimas guiadas muito mais por aspectos emocionais do que por
padrões sonoros. A rima imperfeita se tornou não só mais aceitável como também mais
preferível (id., ibid.) Somado a isso, a ideia da composição de letras de música ainda estaria
muito associada a um fluxo de inspiração, que seria quebrado na presença de um dicionário de
rimas. Usar tal ferramenta, para muitos, seria como trapacear, mas o fato é que, sem usar este
apoio, o letrista está optando por limitar suas possibilidades.
Portanto, o problema não estaria em usar rimas imperfeitas, e sim no seu uso não-
consciente. A rima, por mais fraca que seja, direciona a atenção para a palavra rimada. Por
isso, se não é a intenção do letrista dar destaque a ela, é melhor não rimá-la (ib., p. XXVII). O
uso de identities (ver quadro) torna a palavra clara, mas não teria a mesma força de uma rima
perfeita pois o som acentuado não é novo. Porém, cada tipo de rima pode assumir funções
específicas na música. Por exemplo: “piadas funcionam melhor com rimas perfeitas.
Declarações emocionais às vezes são eficazes com o uso de identities, pois a repetição do som
corresponde à intensidade do sentimento60” (id., ibid.)
Na música Putting it together, do musical Sunday in the park with George, existe
uma passagem que explora em grande escala as identities, combinadas com algumas rimas
imperfeitas:
Lining up a prominent commission
And an exhibition in addition
Here a little tab of politician
The a little touch of publication
’Til you have a balanced composition
Everything depends on preparation
Even if you do have the suspicion
That it’s taking all your concentration
Sondheim explica que essa repetição crescente de rimas tinha como objetivo
espelhar a tensão, também crescente, do personagem George (2011, p. 43).
60
Tradução livre de “jokes work best with perfect rhymes. Emotional statements are sometimes effective using
identities, because the repetition of the sound parallels the intensity of the feeling.”
48
A relação da palavra com a rima, pode também ser uma das tênues linhas que
separam canto e fala, refletindo a partir da afirmação de Sondheim (id., 2010, p. XXV) que
aponta o uso consciente das rimas como a diferença imediata entre letra de música e diálogo.
Além das considerações feitas por Sondheim a respeito do uso consciente da rima,
Jakobson (2010, p. 184-185) comenta sobre mais uma relação existente entre as palavras
rimadas que transcende o ponto de vista sonoro:
conquanto a rima, por definição, se baseie na recorrência regular de fonemas ou
grupos de fonemas equivalentes, seria uma simplificação abusiva tratar a rima
meramente do ponto de vista do som. A rima implica necessariamente uma relação
semântica entre unidades rítmicas.
61
Tradução livre de: “ Since conflict makes drama, it will be show music that will raise its pressures or
discharge them. Musical theater suits the action to the music, and the music to the action."
62
Tradução livre de “Songs can cover more ground more quickly. Here is something fundamental: a song that
works in a musical compresses and expands at the same time. The book for a musical needs actions high enough
to break into songs.”
63
Para mais detalhes, ver glossário em anexo.
49
64
HOROWITZ, 2010, p. 99
65
SONDHEIM, 2011, p. 52
50
Figura 3 - Semelhanças entre as canções Sunday in the park with George e It's hot up here (HOROWITZ,
2010, p. 98)
Figura 4 - Trecho comparativo das canções Finishing the hat e Putting it together (HOROWITZ, 2010, p.
99)
Georges Seurat. Já em It’s hot up here, os mesmos personagens estão em outro contexto,
cantando linhas independentes, que se unem em poucos momentos, em especial no refrão.
Em outros exemplos, quando grupos de pessoas cantam linhas diferentes ao
mesmo tempo, prejudicando a compreensão, o autor comenta que, de forma geral, quando se
deseja que algo seja ouvido, deve-se dar preferência por um solo ou um tutti, pois para a
plateia não é possível distinguir duas linhas melódicas ao mesmo tempo. Em caso de linhas
contrapontísticas, é comum que cada melodia e letra seja apresentada separadamente num
primeiro momento, para só depois serem combinadas. Dessa forma, são escolhas do
compositor, ou do arranjador, eleger qual será a linha principal (tanto melódica quanto
textual) e o que será apenas textura (id., p. 111)
Na música It’s hot up here, a partir do compasso 44 (ver partitura em anexo) há
uma sobreposição do canto dos personagens, o que não é prejudicial para a compreensão, já
que trata-se de um material já exposto anteriormente. Além disso, em alguns casos, mais
importante do que entender todos os detalhes, a plateia precisa entender o contexto do que
está acontecendo. Se o compositor opta por criar uma situação de tumulto em uma sala, por
exemplo, “não é necessário que se escute cada linha individual; tudo que eles [plateia] têm
que escutar são todos os diferentes tipos de raiva e histeria66” (id., ibid.).
Em muitos musicais, antes de quase toda canção existe um verso que serve como
transição entre o canto e o diálogo, porém o uso deste recurso faz com que essa passagem se
dê de forma abrupta. Ele é um lembrete à plateia de que se trata de um musical e que a partir
dali os personagens começarão a cantar. Até mesmo a anacruse dada pelo maestro já poderia
tornar a entrada da canção previsível (SONDHEIM, 2011, p. XXIII). Para o autor, uma forma
de fazer essa transição de forma mais suave, e até mais aceitável para a plateia, seria o uso de
outro recurso, chamado underscoring67, uma espécie de fundo musical para os diálogos,
muito utilizado em filmes.
Para além do caráter inquestionável de entretenimento do musical, sua estética
envolve elementos de maior complexidade, que podem ser explorados em maior ou em menor
grau pelos compositores. Feuer (1993, p. X), traçou um paralelo entre características do
musicais e algumas obras modernistas, ainda que os musicais não façam referências diretas a
nenhuma delas:
"Como pinturas cubistas, os musicais fragmentam o espaço, multiplicando e
dividindo a forma humana ao meio, em duplos, alter egos. Como a dança pós-
66
Tradução livre de: “it’s not necessary that they hear every individual line; all they have to hear is all the
different kinds of anger and the different kinds of hysteria.”
67
Talvez “música incidental” seja o termo em português que mais se aproxima de underscoring.
52
68
Tradução livre de “Like Cubist paintings, musicals fragment space, multiplying and dividing the human figure
into splits, doubles, alter egos. Like post-modern dance, musicals place a premium on a impression of
spontaneity, group choreography and a naturalization of technique. Like Godard, musicals employ direct
address, multiple and divided characters. Like Fellini, musicals insist on multiple levels of reality and on the
continuity between dream images and waking life. Yet the Hollywood musical resembles none of these
modernist works. Formally bold, it is culturally the most conservative of genres.”
53
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
BENNETT, Roy. Uma breve história da música. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
BLOCK, Geoffrey Holden Block. Enchanted Evenings: The Broadway Musical from Show
Boat to Sondheim. Oxford: Oxford University Press, 2004.
BRADLEY, Ian. You've got to have a dream. Louisville: Westminster John Knox Press:
2004.
BROCKETT, Oscar G. The Theater, an introduction. 4a ed. New York: Holt, Rinehart, and
Winston, 1979.
BURGESS, Thomas de Mallet; SKILBECK, Nicholas. The Singing and Acting Handbook.
London, New York: Routledge, 2000.
CANDÉ, Roland de. História universal da música: volume I. São Paulo, Martins Fontes,
2001.
CHASE, Gilbert. America's Music: from the Pilgrims to the present. 3. ed. Chicago:
University of Illinois Press, 1992.
EVERETT, A. William. The Musical: A research and information guide. 2. ed. New York
and London: Routledge, 2004.
FEUER, Jane. The Hollywood Musical. 2. ed. Boomington and Indianapolis: Indiana
University Press, 1993.
FRANKEL, Aaron. Writing the Broadway Musical. New York: Da Capo Press Edition,
2000.
GORDON, Joanne. Art isn't easy: the theater of Stephen Sondheim. New York: Da Capo
Press Edition, 1992.
GREEN, Stanley. Encyclopedia of the musical theatre. New York: Da Capo, 1980.
55
GROUT, Donald J.; PALISCA, Claude V. História da Música Ocidental. 5. ed. Lisboa:
Gradiva, 2007.
_________. The Oxford Companion to the American Musical: Theatre, Film, and
Television. Oxford; New York: Oxford University Press, 2008.
HELIODORA, Barbara. O teatro explicado aos meus filhos. Rio de Janeiro, Agir: 2008.
HOROWITZ, Mark Eden. Sondheim on music: minor details and major decisions. 2. ed.
Lanham; Plymouth; Toronto: The Scarecrow Press, 2010.
JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. 22. ed. São Paulo: Cultrix, 2010.
KENRICK, John. Musical Theatre: A History. London, New York: Continuum, 2008.
KRASILOVSKY, M. William; SHEMEL, Sidney et al. This Business of Music. 10. ed. New
York: Billboard Books, 2007.
LEON, Ruth. The sound of musicals. 2. ed. London: Oberon Books Ltd., 2012.
MATOS, Claudia Neiva. Poesia e Música: laços de parentesco e parceria. In: MATOS,
Cláudia Neiva; TRAVASSOS, Elizabeth; TEIXEIRA, Fernanda (orgs.). Palavra cantada:
ensaios sobre poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.
PEREIRA, Aires Manuel Rodeia do Reis. A Mousiké: das origens ao drama de Eurípides.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
SANT'ANNA, Afonso Romano de. Canto e palavra. In: MATOS, Cláudia Neiva;
TRAVASSOS, Elizabeth; TEIXEIRA, Fernanda (orgs.). Ao encontro da palavra cantada:
poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7Letras, 2001.
SONDHEIM, Stephen. Finishing the hat: collected lyrics (1954-1981) with attendant
comments, principles, heresies, grudges, whines and anecdotes. New York: Alfred A. Knopf,
2010.
SONDHEIM, Stephen. Look, I made a hat: collected lyrics (1981-2011) with attendant
comments, amplifications, dogmas, harangues, digressions, anecdotes and miscellany. New
York: Alfred A. Knopf, 2011.
SPEAKE, Jennifer. Oxford Dictionary of Proverbs. 5. ed. New York: Oxford University
Press, 2008.
SUASSUNA, Ariano. Iniciação à Estética. 5. ed. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2002.
TRAGTENBERG, Livio. Artigos Musicais. São Paulo: Perspectiva, 1991 (Coleção Debates,
v. 239)
ULHÔA, Martha Tupinambá de. Parlar cantando - a relação texto-música em Monteverdi. In:
MATOS, Cláudia Neiva; TRAVASSOS, Elizabeth; TEIXEIRA, Fernanda (orgs.). Ao
encontro da palavra cantada: poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7Letras, 2001.
57
ANEXOS
58
Extraído de: HISCHAK, Tomas S. The American musical theatre song encyclopedia.
Westport: Greenwood Press, 1995.
Ballad. A term with too many meanings in music and literature. In modern popular music it is
any sentimental or romantic song, usually with the same melody for each stanza. Ballads are
often the big sellers in a musical, the songs that can move listeners without benefit of
character or plot. Most ballads written since World War Two have a froxtrot (4/4) base. A
narrative ballad is more like poetry’s definition of the term: a song that tells a story.
Character song. Any musical number that is concerned with revealing a character’s
personality or reaction to the events of the plot. A person’s first character song in a show is
often gis or her “I am” song. Character songs tend not to travel as well outside the context of
the musical as ballads often do.
Charm song A musical number that is less about character development than it is about
utilizing the characters’ warmth and/or comic entertainment value. Charm songs are often
expendable plotwise but are usually audience favorites.
Chorus A group of characters that sing or dance together; hence, a vocal chorus made up of
singers or a chorus line made up of dancers. In today’s musical theatre these two groups are
usually the same. The chorus is sometimes called the ensemble or the company in the list of
who sings what in a musical show. Chorus is also another term for the refrain of a song,
although that definition is not used in this book.
Eleven o’clock number. A special, show-stopping song that comes late in the second act of a
two-act musical show. The actual time at which the number occurs is not as important as its
powerful impact in bringing the show to life before the climax or finale. A ballad, comic
number, torch song or any other type of song may turn into an eleven o’clock song number,
either by intention or not.
‘I am’ song. Often a solo, but any song that introduces a character or group of characters
early in a musical show by revealing their wishes, dreams, confusions and so on. Sometimes
called an ‘I wish’ song as well. ‘I am’ songs became requisite with the advent of the
integrated music play, but many musicals before Oklahoma! (1943) have ‘I am’ songs that
function in the same way.
Interpolation. A song added to a show, either before or after opening, that is usually not
written by the same songwriters that wrote the rest of the score. Songs may be interpolated
into a musical for a variety of reasons: to improve a weak score, to please a star, to take
advantage of a hit Tin Pan Alley song and so on.
59
List song. Any song, serious or comic, that is structured as a list of examples or a series of
items. Sometimes called a ‘laundry list’ song, although the result, hopefully, is much more
interesting than that.
Lyric. A line from a song or the entire set of lines written for a song. A lyric is written by a
lyricist, as opposes to a librettist who writes the book or dialogue for a musical. The plural
from lyrics refers to the words to all the songs a lyricist has written for a score; one writes the
lyric for a song and the lyrics for a score. In this book, when a songwriter is not referred to
specifically as a lyricist or a composer, it can be assumed that he or she wrote both music and
lyric for the song.
Pastiche song. Any musical number that echoes the style, either musically or lyrically, of an
earlier era. Such songs are written to spoof the past or to recapture the period for the setting of
the new work.
Refrain. The main body of a song; that is, the section that follows the verse and repeats itself
with the same melody and/or lyric. The most familiar part of a popular song is usually the
refrain section. The refrain is also called chorus, but the latter term is too often confused with
that group of singers, so it is not used in this book.
Release. A section of the refrain that departs from the repeated melody and explores a new
musical line that may or may not have been suggested in the main melody. The release helps
keep a song from being too predictable or monotonous.
Reprise The repeating of all or part of a song later in the show, either by the same or different
characters. Reprises differ from encores in that the latter are repeats that are sung immediately
after a song is first sung. While reprises are still common, the extended use of encores
waned[diminuiu] with the coming of the integrated musical.
Soliloquy. A solo in which the character is alone and reveals his or her thoughts, confusions,
concerns and so on. The most effective soliloquies are songs that show a character debating
two sides of an issue or trying to come to a decision.
Specialty number. A song that highlights a performer’s unique talents rather than the
character or plot. Not all songs written for a particular star are specialty numbers, but in
revues and pre-Oklahoma! shows they often were.
Torch songs In popular music a torch song is usually a sentimental song involving unrequited
love, but musical theatre torch songs may be comic or sarcastic as well. Often in musical
comedy a ballad that follows and disagreement between the lovers might be considered a
torch song even thought the situation is hardly weighty and the two get back together soon
after.
Verse. The introductory section of a song. The melody is usually distinct from that of the
refrain that follows, and verses tend to be shorter. Most songs written in this century are more
known for their refrains than for their verses, so songwriters tend to lavish less attention or
verses. On the other hand, many songs gain their full potency from an effective verse that sets
up the song’s main ideas or images. During the nineteenth century, the verses to popular
songs were usually quite lengthy and often contained the main body of the piece. Around the
time of World War Once, verses became more like introductions with the refrains becoming
60
the focal point of the number. In the last thirty years verses, which were once considered a
required section of every popular song, have been written less and less for theatre songs.
61
Remontagem de Londres
Natasha Chivers
Best Lighting Design and Mike Ganho
Robertson
Best Director Sam Buntrock Indicado
Remontagem da Broadway