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Resumo
Abstract
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Lela Queiroz é pesquisadora da área de dança, com ênfase nos temas cognição e conscientização. Professora Adjunta do Programa de
Pós Graduação em Dança da UFBA, praticante BMC e formada em Educação Somática pelo Movimento, EUA e Alemanha 1999/2002-
2005/2006. É doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Integra a RedSul. Coreógrafa e artista performer em intervenções pú-
blicas, Prêmios Sesc Movimentos de Dança 1989/1993. Prêmio Dança Contemporânea SP/2003-2004 desenvolve Projetos de extensão
e pesquisa na UFBA 2009-2012 Interação cognitiva BMC - Dança - Escola. Lidera o grupo de Pesquisa DC-3 no CNPQ. Coordena os
grupos de pesquisa e estudos, Corpo, artes e Performance e Dança, comunicação e ciência. Contato: leladancai@gmail.com
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Tendo BMC –bodymindcentering- como são de que, se numa ponta, o trânsito das
referência de plataforma de conhecimentos informações no mundo ocorrem dinamiza-
para pesquisa em dança, a partir de suas das a partir de sua confabulação em carne
imbricações em processos criativos, en- e osso: “o conhecimento é enraizado no
contramos procedimentos especializados corpo” (Lakoff&Johnson, 1999), na outra
tecendo conexões entre organismo e vida. ponta reconhece-se que a operação da cog-
Compreendendo haver um continuum nição, isto é, a capacidade de construção do
complexo entre natureza e cultura (Ridley, conhecimento se dá a partir dos complexos
2003) entre o legado da evolução biológica sensorio-motores nos organismos, ou seja
e marcos civilizatórios, BMC caminha nas o corpo fazendo parte do domínio básico
duas margens; entre força dos instintos e da experiência (Llinás, 1996, 2001, Noe,
impacto emancipador das normas (Bau- 2004). Um ciclo intra-sentidos é promovi-
man, 1998), esbarra-se em origens distintas do primeiro para a sistematização motora,
do movimento fora do corpo e no corpo não podendo mais compreender esta como
em que propagam-se questões entre fora separada da via sensorial. A abordagem
e dentro, tema especialmente importante perceptuo-motora compõe aspecto chave
para a educação somática pelo movimento. do trabalho e permite encampar o fenôme-
Aqui interessa reparar na trama que monta no corporalização.
e desmonta redes de acontecimentos com o Rompendo com a estrutura do traba-
corpo na perspectiva da criação. lho de corpo em dança moderna, ordenada
Essa ligação organismo-vida tange o pela disposição e direcionamento do corpo
organismo ontológica-mente e epistemoló- alinhados através do espaço, BMC estru-
gica-mente, ou seja, o organismo enquanto tura-se em torno da arquitetura intra-extra
ser, sentido e sentimento e a arte da signi- corpo, investigando os sistemas corporais
ficação. Entrelaçam-se aí questões sistêmi- a fundo numa perspectiva de conhecimen-
cas e simbólicas, valendo-nos do conceito to em fluxo, valendo-se do diferencial de
corpo-ambiente duplamente: do organis- cada corpo em questão. O corpo não mais
mo em seu ambiente, e do organismo no disposto por sua verticalidade, para fren-
entorno, no ambiente mediado, e corpomi- te, num ponto fixo apoiado sobre os pés,
dia (Greiner & Katz, 2002): corpo com sua incidindo peso, gravidade e ponto fixo da
percepção - como modelo de comunicação visão apoiado para fora. Ao contrário, ca-
- , com o qual se dá o fenômeno de corpora- racterística, que de certo, pode ser encon-
lização (Thompson, Varella, 1991). trada por vias somáticas distintas e está
O artigo busca propor que o método presente em BMC, é o reencontro consigo
de exploração e improvisação de BMC pe- mesmo ligando-se o aspecto do chão e do
los sistemas corporais, funcionamento in- corpo dispostos aleatoriamente, em que,
tegrado no corpo e adoção dos princípios contato, espaço, peso, gravidade distribu-
de movimentos evolutivos operam direta- ídos na horizontalidade e tempo interno
mente ligados a questões de criação. do corpo levado em conta, boa parte das
BMC investe numa matriz de trabalhos vezes sem apoio da visão para iniciarem-se
que tange duplamente estrutura, forma e os processos de trabalhos de corpo, o que
função, instintos, motivação, afetos e cria- passa a identificar comumente um trabalho
ção. Meu livro “corpo, mente, percepção, de corpo em dança contemporânea.
movimento em BMC e Dança” (Queiroz, Em BMC, procedimentos investigati-
2009), o artigo na Revista Conccinitas nº15 vos estão fundamentados pela anatomia
“Contato, a não execução” (Queiroz, 2010), e fisiologia experiencial, pelas implicações
“Neurológicas” (Queiroz, 2011) e “Espa- neuronais dos BNPs (basic neurological pat-
cialidade e Visualidade” (Queiroz, 2012), terns), padrões de movimentos evolutivos,
ajudam a compreender melhor o assunto reflexos, sobretudo pelo papel dos movi-
aqui tratado. mentos e contato entre sistemas. Isso in-
Corporalização passa pela compreen- dica uma mudança sensível de epigenesis
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para o trabalho em dança, assim, a visão paço por hora, que parece vital e tão caro
é estimulada, articulada e introduzida co- à dança e merece atenção noutra ocasião,
dependente do campo exploratório em nos propomos falar deste deslocamento,
curso. Do vir a ser e do existir, fenomeno- por procedimentos que abarcam investiga-
logicamente falando, situa-nos na esfera ções no corpo em seus aspectos estruturais,
do corpo como processo relacional e do funcionais e formais, como também detec-
movimento como percepção e informação. tam e exploram aspectos motivacionais,
Desse modo há uma mudança crucial; um instintivos, afetivos, criativos e comunica-
novo caminho que afetará os limites de al- cionais ao mesmo tempo. O enfoque, com
cance entre treinamento e criação. embasamento teórico-prático e reflexão
A corporalização que o BMC promove arte-ciência, reúne aspectos formativos,
se baseia numa compreensão que lembra entretanto proponho que, do mesmo modo
a metafórica de mundo (Lakoff&Johnson, que antes se entendeu estrutura e função,
1999), e corpomidia (Greiner&Katz, 2001). entendamos que sejam, sobretudo, funcio-
Dentro disso, significa dizer que a partir nais criativos.
dos trabalhos evolutivos mente-corpo que Essa perspectiva de corporalização
o BMC propõe surge uma lógica interna atravessa todo o BMC, perpassa todo o es-
dos processos, procedimentos e práticas copo de suas práticas, inaugurando uma
que realmente suplantam de vez a visão tríplice orquestração entre continuum cor-
analítica e uma compreensão psicológi- po/mente, princípios evolutivos ontoge-
ca dos fenômenos, propondo um olhar néticos e filogenéticos de desenvolvimento
psico-físico-eletro-químico sobre os acon- de movimentos e ação no ambiente. Dentro
tecimentos, gerando uma lógica cognitiva desta tríade, sistemas corporais, o desen-
a partir da evolução dos movimentos. As volvimento de padrões pelo movimento e
considerações lançadas seriam a possibili- a investigação exploratória integram o cor-
dade deste método de educação somática pus didático pedagógico da metodologia.
de dança como bastidor permanente para Como primordial tem-se movimentos in-
suas criações. trínsecos (Thelen, 1995) construtos dos sis-
Deixando de se valer do modo tradi- temas corporais, mas não qualquer tipo de
cional por comandos da ordem do controle movimento (Sheets JohnStone, 1998), neles
neuro-muscular para dançar, na Escola e estão a herança genética e possibilidades
Programa de Pós Graduação em Dança e de movimentos que trazemos ancestral-
da Universidade Federal da Bahia, minis- mente – evolutivamente: filogeneticamen-
tro módulos teórico práticos de processos te, assim, como base, está a investigação,
criativos na graduação, curso BMC e gru- mas não qualquer tipo de investigação, ex-
po de pesquisa Corpo Artes e Performan- ploratória dentro da lógica de percepção
ce em atividades de extensão, recorrendo ambiente cunhada por Gibson (1977, 1986).
a plataforma de procedimentos da meto- BMC trabalha de forma sistêmica entre
dologia BMC para criação em dança con- acaso e necessidade, a exploração dos seus
temporânea. Proponho uma abordagem princípios fundamentados com a fisiologia
processual que busca uma emancipação clínica e anatomia experiencial, em níveis
do corpo em relação à técnica, suplantan- e graus envolvendo esses compósitos num
do o entendimento da techné, atado a um campo improvisacional.
entendimento de corpo como instrumento, Encontram-se entremeados operado-
daquilo que seria fabricado com o corpo res de auto-organização (Thelen, 1995)
no espaço, daquilo que ela garantiria uni- e de construção metafórica da realidade
formemente para o corpo, valendo-se de (Lakoff&Johnson, 1999) em que “ há um
uma concepção geométrica de espaço e cruzamento de questões de ordem práti-
linear de tempo, assunto já explorado em ca e simbólica” (Greiner, 2005). Além dis-
meu artigo “Subversão do Balé” (Queiroz, so, essa visão sobre movimentos ajuda a
2001). Sem nos determos no assunto do es- repensá-los como protagonistas, forças
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indicou percepção tratar-se de uma ação, corpo e ambiente, ligados aos seus diver-
pois, receptores sensoriais, na operação de sos sistemas com respiração celular. Aden-
estímulos, ativam-se como nociceptores, tra escuta e atenção no qual movimento é
interoceptores, proprioceptores, e outros, percepção. Através de um desenvolvimen-
interferindo e auto-organizando categorias to gradual dos padrões, escuta e atenção se
perceptivas, seguindo-se a varreduras tá- traduzem em intenção em que movimento
teis e buscas que o organismo realiza en- é informação em ação, reconhecendo rela-
quanto se move no ambiente (Johnstone, ções entre anatomia e fisiologia experien-
1998). cial e funcional, num conjunto amplo e
Segundo BMC, o movimento orga- complexo de movimentos evolutivos mul-
niza os demais sentidos, o tátil, o paladar e tifacetados. Implicado o ambiente, BMC
o olfativo via o auditivo para a convergên- trabalha contato, projeta-se no espaço no
cia da visão, que emerge no pico de maior espectro criativo simbólico que irriga pro-
complexidade com o entorno; movimentos cedimentos artísticos.
integram os sentidos em ação. Esther The- Maxine Sheets-Johnstone, filósofa
len (1995), cientista dinamicista, apresenta que estuda o aparecimento biológico da
uma teoria da ação em que movimentos consciência nas espécies, pesquisou-a a par-
intrínsecos se fazem centrais para rotinas tir da questão da propriocepção e do senti-
cognitivas - como também Alain Berthoz do cinestésico, ambos do campo do movi-
(2003), cientista cognitivo - que corrobo- mento. Em seu artigo “A natural history”2
ra para o BMC em relação ao aspecto do (1998), demonstra que movimentos de
movimento: é ele que informa os demais deslizar, empurrar, desviar, girar e saltar
sentidos. Assim, a visão tem sua auto-or- nos contam como são os corpos e contam o
ganização em curso pela sinalização dos que eles fazem no meio em que vivem. As
movimentos em andamento. soluções adaptativas que os corpos vão en-
Bainbridge Cohen, do BMC, a partir contrando ficam disponibilizadas em rede
dos princípios evolutivos de movimento de e organizam níveis mais complexos de in-
herança filogenética, relacionou a forma- teratividade para a sua ação no mundo e,
ção ontogenética do organismo, os padrões assim, conseguem mais sustentação, pro-
neurológicos basais, os padrões de desen- teção e melhores condições para garantir a
volvimento de movimentos no organismo, sua vida em permanência (Johnstone, 1998,
as suas transições em novos padrões e clas- p.260-294).
sificou a organização desses padrões. Além A hipótese evolutiva do movimen-
disso, inter-relacionou toda essa gama re- to como um dos modos de organização da
pertorial de movimentos com os diversos informação e da comunicação entre siste-
sistemas do corpo e suas implicações neuro- mas corpo adentro e afora, constitui a di-
endócrinas, tratando do organismo em toda ferença para a sobrevivência e convive, na
a sua complexidade. Como resultado, BMC mesma direção, com as assertivas do mo-
propõe o campo da somática – pelo movi- vimento como categoria perceptiva defen-
mento - dentro de uma concepção de fluxo dida pela dinamicista e cientista cognitiva
de explorações, soluções adaptativas e ar- Esther Thelen, que se dedica a explicar os
ranjos provisórios de improvisação, pelo ca- processos de desenvolvimento pelos mo-
minho de investigação no organismo, pela vimentos. Em seu trabalho, fala dos movi-
percepção dos sentidos, pelos caminhos de mentos intrínsecos como processo cognitivo
movimentos evolutivos em ação na criação. do organismo. Os domínios são de início
Enfatiza Bonnie que “cada um dos sistemas conflados, (não separados) e fabricam as
apóia, sustenta e modifica o outro a toda relações de causalidade entremeados, e
hora num amplo continuum de atenção, in- novas habilidades sensório motoras mu-
tenção e função” (Cohen, 1993).
O domínio básico da experiência em 2
Publicado no periódico JCS- Journal sobre os estudos sobre a Consciência, numa
BMC se dá encampando processos entre edição dedicada ao papel da propriocepção na ciência.
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