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Tanto uma declaração idiota como “a obra fala por si mesma” quanto o erro de pensar que basta
uma descrição literal e banal de uma obra artística são provas de um mal-entendido sobre o que
significa “explicar” a arte.
Quando discutimos problemas artísticos, as palavras arte, comunicação e público são muito
cômodas, porque envolvem muitos conceitos e situações dentro de simples palavras mínimas.
Estamos tão acostumados a estas palavras que não percebemos todas as coisas que essa
comodidade nos oculta.
O conceito “arte” tende a estar confinado nos “objetos de arte”, aqueles produtos que ficam como
o resultado e como a pegada de longos processos de investigação.
O conceito “comunicação” limita-se à aceitação da obra de arte. O objeto “é”, e então o artista
retira sua responsabilidade de comunicador e o receptor está ali para apreciar a obra e com isso
o assunto está encerrado. Daí a proliferação de cursos de história da arte e de apreciação da
arte.
Simplificando exageradamente as coisas, diria que esta esquematização é muito boa para o
comércio de arte, mas para nada mais. Reduzir a arte a uma mera série de objetos cria a
mercadoria. A formação de apreciadores da arte gera compradores. A homogeneização do público
permite o controle do mercado por meio da criação de modas e de necessidades artificiais.
Na realidade esquecida, o campo da arte não existe para produzir objetos. A arte é um campo do
conhecimento onde se colocam e resolvem problemas, é o lugar onde se pode especular sobre
temas e relações que não são possíveis noutras áreas do conhecimento. A comunicação é um ato
responsável, no qual o comunicador compartilha estes temas com outras pessoas. E o público
não é um só; há uma multiplicidade de públicos. Portanto, o artista tem que ser consciente de
qual é o público ao qual ele se dirige, para assim poder calibrar corretamente sua comunicação.
Geralmente falamos da atividade artística como se fosse algo totalmente diferente da atividade
científica. Do cientista exigimos que seja responsável e que sirva ao bem comum, que seja
rigoroso em seus processos de especulação, de pesquisa e de experimentação, e que seja capaz
de prestar contas sobre o que faz, quando isso lhe for pedido.
Quanto ao artista, por sua parte, tolera-se que assuma algum grau de onipotência. Uma vez
declarada arte, a obra se torna praticamente indestrutível. O bem comum não é um fator
relevante, não importando se a obra é um sintoma de egomania, de sociopatia ou de ajuda ao
próximo. E o conceito de prestação de contas aqui não existe, ou quando existe, fica turvado com
os temas da censura e da liberdade de expressão individual.
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única diferença entre arte e ciência está em que na arte podemos trabalhar sem ter que utilizar
como referência a lógica e podemos suspender a relação causa-efeito. Isso não significa que
afastar essas duas condições nos exime das exigências propostas ao cientista. O artista também
tem o dever de ser responsável, tem que servir ao bem comum, ser rigoroso, e ser capaz de
prestar contas.
Para entender melhor esta relação que existe entre o artista e o cientista com respeito à
responsabilidade social, convém introduzir uma terceira personagem: o mágico. É o mágico, não
o artista, quem está no extremo oposto ao cientista. Isto é assim porque a essência do ato
mágico está na habilidade de esconder o processo e de mantê-lo secreto. Sua relação com as
tarefas cognitivas não é a de expandir o conhecimento, como o faz o bom cientista ou o bom
artista, mas a de desafiar o conhecido com a finalidade de criar um espetáculo. Sua
responsabilidade social é a de criar um bom espetáculo e de se assegurar de que este não faça
dano a ninguém. A mulher que o mágico apresenta somente aparenta ser cortada ao meio, mas
não o é realmente. O cientista analisa o que aconteceria se a mulher fosse efetivamente cortada
ao meio, uma análise que permite decidir que normalmente é melhor não cortá-la. O artista
utiliza a imagem da mulher cortada ao meio como uma metáfora para gerar evocações, pelo qual
sua obra fica relativamente a salvo de um juízo ético.
As três personagens também se diferenciam em sua relação com a credulidade com a qual
operamos frente à realidade circundante. O cientista trata aqui de explicar o incrível. O mágico
trata de simular o incrível. O artista trata de apresentar o incrível para expandir o mundo do
crível. É aqui onde entra a função da explicação para cada uma destas personagens.
O papel da explicação
Para o cientista, a explicação é sua missão primária. Quer explicar o que até então não foi
explicado e confirmar que a explicação que encontra é a correta. Pode-se dizer que tudo o que o
cientista faz é uma explicação, mesmo que não utilize palavras.
Para o mágico, a explicação é anátema. Toda explicação destruiria a ilusão que ele tenta criar e,
por isso, sabotaria seu espetáculo. Daí o juramento da confraria de mágicos de nunca revelar os
seus truques.
Em termos de credulidade, o artista está em algum lugar entre o cientista e o mágico. De certo
modo, a obra de arte é um ato de magia explicado, ou pelo menos, explicado com certa
facilidade. Mas para o artista, o uso da palavra explicação cria uma situação um pouco mais
complexa, porque na arte a palavra explicação tem mais níveis que nos outros casos e é
necessário determinar em qual nível se explica.
A explicação descritiva
Em primeiro lugar está a interpretação banal da palavra, que aplicada à arte equivale a explicar
uma piada. Este tipo de explicação estraga a piada e pretende esgotar a obra. É a interpretação
que leva à conclusão de que se a obra é explicável, não merece existir como obra de arte. É
verdade que a possibilidade de uma explicação total neste nível invalida a obra de arte. Mas isso
não é assim pelo fato de ela ser explicada, mas porque o esgotamento assinala um uso
equivocado do meio. Se a obra pode ser resolvida simplesmente com palavras, e se depois, em
seu meio original, não fica um resíduo inexplicável, há algo que não está bem. Significa que a
obra poderia ter sido realizada como uma peça literária e que, portanto, não era necessário
traduzi-la para a linguagem visual.
Mas há outros dois níveis nos quais se utiliza a palavra explicação. Um é o da problematização e
o outro é o da prestação de contas. O importante destes dois níveis é que não são explicações
meramente requeridas pelo público. São explicações que o artista necessita para si mesmo, se é
que ele quer manter um controle de qualidade e certificar-se de que sua intenção de
comunicação tem alguma possibilidade de se tornar realidade.
A explicação contextual
De uma ou de outra maneira, um objeto artístico é uma solução para um problema colocado pelo
artista. Não importa se o problema foi formulado antes de fazer a obra ou se foi atribuído depois
de ela ter sido feita. Importa que, uma vez identificados ambos, se estabeleça uma relação
indissolúvel, que permita ao artista decidir que a obra “está bem”, que merece sobreviver. “Está
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bem” é muito diferente de “parece estar bem”. “Está bem” requer uma certeza que vai além de
uma impressão. Uma obra que “parece estar bem” pode limitar-se a ser um reflexo do gosto do
artista. Pelo contrário, uma obra que “está bem” exprime sua conexão correta com o problema
com o qual estabeleceu uma relação simbiótica.
Enquanto “parece estar bem” é um juízo que pode dar-se ao luxo de ser intuitivo, “está bem”
necessita de mais fundamentação, necessita de uma explicação. Essa explicação contém
primariamente a formulação do problema (ou dos problemas) ao qual se aplica a obra. Pode
conter também a importância do problema, como o problema faz parte de uma pesquisa mais
ampla, e como tudo isso funciona dentro de uma ideologia que rege as motivações do artista.
Temos logo o terceiro nível de explicação, aquele exigido pela prestação de contas. É este o nível
que, ao misturar-se com o primeiro nível da explicação banal, cria tanta confusão e tanta
polêmica. Quem pede uma explicação da obra espera a explicação literária e banal. O faz
pensando que está pedindo uma prestação de contas. Quem tem que oferecê-la nega-se a dar
uma explicação que considera irrelevante, mas, também confuso, nega-se a prestar contas. Isto
gera declarações idiotas como “a obra fala por si mesma” ou acusações elitistas e gratuitas sobre
um presumível filisteísmo do público.
Em primeiro lugar, temos que as obras não falam por si mesmas, que somente são um veículo de
comunicação entre o artista e o público. Funcionam como um corredor pelo qual circula a
informação, e a informação se sustenta e amplifica com subentendidos compartilhados por
ambos, artista e público. Não importa se o “corredor” é agradável ou desagradável. Importa que
seja o melhor corredor possível para que a informação circule sem sofrer erosão. Se a
comunicação não funciona bem, isso se deve a que o “corredor” está mal projetado ou mal feito,
ou a que está sendo recebido por um público que não entende os subentendidos e que não é o
destinatário. Falso destinatário e filisteu não são sinônimos. Portanto, o artista tem que
reconsiderar a obra ou reconsiderar o público.
Eu, por exemplo, confesso que quando leio a Teoria da Relatividade, não a entendo. Pode muito
bem ser porque sou um idiota. Mas é mais provável que não a entenda porque não pertenço ao
público para o qual Einstein estava escrevendo. Portanto, nem ele pode me acusar de filisteu,
nem eu posso fazer com que ele me preste contas nem exigir-lhe explicações. Mas se eu fizesse
parte de seu público destinatário, a coisa mudaria de cara. No caso de Einstein, sua teoria é a
explicação, são a mesma coisa. O corredor é o livro no qual a teoria está publicada. No caso da
arte, excetuando as obras conceitualistas que trabalham com a tautologia, a explicação não é
parte integral da obra. A obra possivelmente tem chaves e referências a subentendidos que me
permitem adjudicar-lhe uma explicação através da qual chego ao problema colocado pelo artista,
para depois decidir se ele me oferece ou não a melhor solução possível. Se as chaves são claras,
não necessito de mais explicações. Se não o são, o artista me dar a sua formulação do problema
que está resolvendo seria algo muito útil. Na realidade, tudo o que ajuda a uma boa
comunicação inteligente é útil. Os elitismos e os paternalismos é que acabam sendo inúteis.
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