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Humboldt - Tema atual - Tópicos - Mediação artística - Goethe-Institut


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O artista, o cientista e o mágico

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Tanto uma declaração idiota como “a obra fala por si mesma” quanto o erro de pensar que basta
uma descrição literal e banal de uma obra artística são provas de um mal-entendido sobre o que
significa “explicar” a arte.

Uma esquematização favorável ao mercado

Quando discutimos problemas artísticos, as palavras arte, comunicação e público são muito
cômodas, porque envolvem muitos conceitos e situações dentro de simples palavras mínimas.
Estamos tão acostumados a estas palavras que não percebemos todas as coisas que essa
comodidade nos oculta.

O conceito “arte” tende a estar confinado nos “objetos de arte”, aqueles produtos que ficam como
o resultado e como a pegada de longos processos de investigação.

O conceito “comunicação” limita-se à aceitação da obra de arte. O objeto “é”, e então o artista
retira sua responsabilidade de comunicador e o receptor está ali para apreciar a obra e com isso
o assunto está encerrado. Daí a proliferação de cursos de história da arte e de apreciação da
arte.

O conceito “público” presume a existência de uma massa homogênea de apreciadores da arte,


todos os quais têm acesso às obras que se lhes apresenta e o dever de apreciá-las. Não há
diferenciação de classe, de educação ou de interesses.

Simplificando exageradamente as coisas, diria que esta esquematização é muito boa para o
comércio de arte, mas para nada mais. Reduzir a arte a uma mera série de objetos cria a
mercadoria. A formação de apreciadores da arte gera compradores. A homogeneização do público
permite o controle do mercado por meio da criação de modas e de necessidades artificiais.

Na realidade esquecida, o campo da arte não existe para produzir objetos. A arte é um campo do
conhecimento onde se colocam e resolvem problemas, é o lugar onde se pode especular sobre
temas e relações que não são possíveis noutras áreas do conhecimento. A comunicação é um ato
responsável, no qual o comunicador compartilha estes temas com outras pessoas. E o público
não é um só; há uma multiplicidade de públicos. Portanto, o artista tem que ser consciente de
qual é o público ao qual ele se dirige, para assim poder calibrar corretamente sua comunicação.

A diferença entre arte e ciência

Geralmente falamos da atividade artística como se fosse algo totalmente diferente da atividade
científica. Do cientista exigimos que seja responsável e que sirva ao bem comum, que seja
rigoroso em seus processos de especulação, de pesquisa e de experimentação, e que seja capaz
de prestar contas sobre o que faz, quando isso lhe for pedido.

Quanto ao artista, por sua parte, tolera-se que assuma algum grau de onipotência. Uma vez
declarada arte, a obra se torna praticamente indestrutível. O bem comum não é um fator
relevante, não importando se a obra é um sintoma de egomania, de sociopatia ou de ajuda ao
próximo. E o conceito de prestação de contas aqui não existe, ou quando existe, fica turvado com
os temas da censura e da liberdade de expressão individual.

Contudo, deixando de lado as deformações culturais, e se nos referimos a conceitos cognitivos, a

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única diferença entre arte e ciência está em que na arte podemos trabalhar sem ter que utilizar
como referência a lógica e podemos suspender a relação causa-efeito. Isso não significa que
afastar essas duas condições nos exime das exigências propostas ao cientista. O artista também
tem o dever de ser responsável, tem que servir ao bem comum, ser rigoroso, e ser capaz de
prestar contas.

Para entender melhor esta relação que existe entre o artista e o cientista com respeito à
responsabilidade social, convém introduzir uma terceira personagem: o mágico. É o mágico, não
o artista, quem está no extremo oposto ao cientista. Isto é assim porque a essência do ato
mágico está na habilidade de esconder o processo e de mantê-lo secreto. Sua relação com as
tarefas cognitivas não é a de expandir o conhecimento, como o faz o bom cientista ou o bom
artista, mas a de desafiar o conhecido com a finalidade de criar um espetáculo. Sua
responsabilidade social é a de criar um bom espetáculo e de se assegurar de que este não faça
dano a ninguém. A mulher que o mágico apresenta somente aparenta ser cortada ao meio, mas
não o é realmente. O cientista analisa o que aconteceria se a mulher fosse efetivamente cortada
ao meio, uma análise que permite decidir que normalmente é melhor não cortá-la. O artista
utiliza a imagem da mulher cortada ao meio como uma metáfora para gerar evocações, pelo qual
sua obra fica relativamente a salvo de um juízo ético.

As três personagens também se diferenciam em sua relação com a credulidade com a qual
operamos frente à realidade circundante. O cientista trata aqui de explicar o incrível. O mágico
trata de simular o incrível. O artista trata de apresentar o incrível para expandir o mundo do
crível. É aqui onde entra a função da explicação para cada uma destas personagens.

O papel da explicação

Para o cientista, a explicação é sua missão primária. Quer explicar o que até então não foi
explicado e confirmar que a explicação que encontra é a correta. Pode-se dizer que tudo o que o
cientista faz é uma explicação, mesmo que não utilize palavras.

Para o mágico, a explicação é anátema. Toda explicação destruiria a ilusão que ele tenta criar e,
por isso, sabotaria seu espetáculo. Daí o juramento da confraria de mágicos de nunca revelar os
seus truques.

Em termos de credulidade, o artista está em algum lugar entre o cientista e o mágico. De certo
modo, a obra de arte é um ato de magia explicado, ou pelo menos, explicado com certa
facilidade. Mas para o artista, o uso da palavra explicação cria uma situação um pouco mais
complexa, porque na arte a palavra explicação tem mais níveis que nos outros casos e é
necessário determinar em qual nível se explica.

A explicação descritiva

Em primeiro lugar está a interpretação banal da palavra, que aplicada à arte equivale a explicar
uma piada. Este tipo de explicação estraga a piada e pretende esgotar a obra. É a interpretação
que leva à conclusão de que se a obra é explicável, não merece existir como obra de arte. É
verdade que a possibilidade de uma explicação total neste nível invalida a obra de arte. Mas isso
não é assim pelo fato de ela ser explicada, mas porque o esgotamento assinala um uso
equivocado do meio. Se a obra pode ser resolvida simplesmente com palavras, e se depois, em
seu meio original, não fica um resíduo inexplicável, há algo que não está bem. Significa que a
obra poderia ter sido realizada como uma peça literária e que, portanto, não era necessário
traduzi-la para a linguagem visual.

Mas há outros dois níveis nos quais se utiliza a palavra explicação. Um é o da problematização e
o outro é o da prestação de contas. O importante destes dois níveis é que não são explicações
meramente requeridas pelo público. São explicações que o artista necessita para si mesmo, se é
que ele quer manter um controle de qualidade e certificar-se de que sua intenção de
comunicação tem alguma possibilidade de se tornar realidade.

A explicação contextual

De uma ou de outra maneira, um objeto artístico é uma solução para um problema colocado pelo
artista. Não importa se o problema foi formulado antes de fazer a obra ou se foi atribuído depois
de ela ter sido feita. Importa que, uma vez identificados ambos, se estabeleça uma relação
indissolúvel, que permita ao artista decidir que a obra “está bem”, que merece sobreviver. “Está

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bem” é muito diferente de “parece estar bem”. “Está bem” requer uma certeza que vai além de
uma impressão. Uma obra que “parece estar bem” pode limitar-se a ser um reflexo do gosto do
artista. Pelo contrário, uma obra que “está bem” exprime sua conexão correta com o problema
com o qual estabeleceu uma relação simbiótica.

Enquanto “parece estar bem” é um juízo que pode dar-se ao luxo de ser intuitivo, “está bem”
necessita de mais fundamentação, necessita de uma explicação. Essa explicação contém
primariamente a formulação do problema (ou dos problemas) ao qual se aplica a obra. Pode
conter também a importância do problema, como o problema faz parte de uma pesquisa mais
ampla, e como tudo isso funciona dentro de uma ideologia que rege as motivações do artista.

Para o artista, esta explicação é fundamental. Permite assegurar o interesse do problema,


identificar a necessidade ou não de mais pesquisa (própria ou com ajuda de terceiros), decidir se
a obra é uma primeira aproximação ou se ela é a versão definitiva, verificar se a obra não
constitui uma contradição com outras obras e se corresponde ao discurso ao qual se propõe. É
uma explicação que não pretende esgotar, nem pode esgotar a obra, porque com relação à obra,
é uma explicação contextual e não meramente descritiva de um objeto.

A explicação de uma obra entendida como corredor de informação

Temos logo o terceiro nível de explicação, aquele exigido pela prestação de contas. É este o nível
que, ao misturar-se com o primeiro nível da explicação banal, cria tanta confusão e tanta
polêmica. Quem pede uma explicação da obra espera a explicação literária e banal. O faz
pensando que está pedindo uma prestação de contas. Quem tem que oferecê-la nega-se a dar
uma explicação que considera irrelevante, mas, também confuso, nega-se a prestar contas. Isto
gera declarações idiotas como “a obra fala por si mesma” ou acusações elitistas e gratuitas sobre
um presumível filisteísmo do público.

Em primeiro lugar, temos que as obras não falam por si mesmas, que somente são um veículo de
comunicação entre o artista e o público. Funcionam como um corredor pelo qual circula a
informação, e a informação se sustenta e amplifica com subentendidos compartilhados por
ambos, artista e público. Não importa se o “corredor” é agradável ou desagradável. Importa que
seja o melhor corredor possível para que a informação circule sem sofrer erosão. Se a
comunicação não funciona bem, isso se deve a que o “corredor” está mal projetado ou mal feito,
ou a que está sendo recebido por um público que não entende os subentendidos e que não é o
destinatário. Falso destinatário e filisteu não são sinônimos. Portanto, o artista tem que
reconsiderar a obra ou reconsiderar o público.

Eu, por exemplo, confesso que quando leio a Teoria da Relatividade, não a entendo. Pode muito
bem ser porque sou um idiota. Mas é mais provável que não a entenda porque não pertenço ao
público para o qual Einstein estava escrevendo. Portanto, nem ele pode me acusar de filisteu,
nem eu posso fazer com que ele me preste contas nem exigir-lhe explicações. Mas se eu fizesse
parte de seu público destinatário, a coisa mudaria de cara. No caso de Einstein, sua teoria é a
explicação, são a mesma coisa. O corredor é o livro no qual a teoria está publicada. No caso da
arte, excetuando as obras conceitualistas que trabalham com a tautologia, a explicação não é
parte integral da obra. A obra possivelmente tem chaves e referências a subentendidos que me
permitem adjudicar-lhe uma explicação através da qual chego ao problema colocado pelo artista,
para depois decidir se ele me oferece ou não a melhor solução possível. Se as chaves são claras,
não necessito de mais explicações. Se não o são, o artista me dar a sua formulação do problema
que está resolvendo seria algo muito útil. Na realidade, tudo o que ajuda a uma boa
comunicação inteligente é útil. Os elitismos e os paternalismos é que acabam sendo inúteis.

Luis Camnitzer (1937, Lübeck, Alemanha; cresceu no Uruguai)


estudou Arte e Arquitetura. Desde 1964 radicado nos EUA, onde é professor emérito da State
University of New York e assessor pedagógico da Fundación Cisneros. Como artista, representou
o Uruguai na Bienal de Veneza (1988), expôs na Whitney Biennial de 2000, na Documenta 11
(2002) e em mostras ao redor do mundo, incluindo a Tate Modern e o Centre Pompidou. Em
2011, recebeu o prêmio Frank Jewett Mather da College Art Association por seus escritos.

Tradução do espanhol: George Bernard Sperber


Copyright: Goethe-Institut e. V., Humboldt Redaktion
Dezembro 2011

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