Você está na página 1de 19

_.~ ....

/
r-'

c; WRIGHT MILL ~
.~"
~..•...
6~

BIBLIOTECA DE C:r:mNCIASSOCIAIS

*
~~~<~:
.. 30AS~
t~~:···
.
~.~:.:.
.
';::...-.:
".

A IMAGINAÇA-: I .-.,

S·OCIOLOG IC·.~'~-·

Tradução de
\VALTESSIll .UTR<\

.--I>

()ucrtG Eiiçi6.

'I

ZAHAR EDITORES
mo DE JANEIRO
·..

Titulo original:
The Sociological lmaginaticn

Publicado em 1959 pela Oxford Uriiversrty Press, Inc., Nova York

'301
~(y) h S~-1- .t :

i,
r

A Harvey e ,Bette

flOTARAa (LUB DE JOlNVILLf


capa de
ERlcO I

I
!
I
I

'iI
\
i
t. ' .
.~ CAMPANHA DE LIVROS
PARA A F U R J - GESTÃO' 75/76
1975

Direitos para a língua portuguesa adquiridos por


'ZAHAR EDITORES
CIl.L"<.a Postal 207, ZC-OO, Rio
que se reservam a propriedade desta versão

Impresso no Brasil
.- ''- ..
)

,.

~~~t~; "
C. Wfi':Jnt. ! rrn
acidentalmente e outras delíberadarnente pelos ínterêsses exís-
rzw de dCtn.e'ro
tentes. Esses valôres são, quase sempre, ·05 únicos que os
homens tiveram oportunidade de desenvolver. São antes há-
bitos inconscientemente adquiridos do q\i.~escolhas.
Se aceitarmos a opinião dogmática segundo a qual aquilo
. que é do ínterêsse dos homens, quer êles se interessemeu
não por isso, é que nos deve preocupar moralmente, então APENDICE
correremos o risco de violar os valôres democráticos. . ·1)6-
demos tornar-nos manipulatlores ou coatores, ou aro'boina
invés de persuasores, ·denlro de uma sociedade na,'qtial)s
homens estão tentando raciocinar juntos c J1a qual ~ "valor
da razão é tido em alta estima. ..
Do. Artesanato Intelectual
O que estou sugerindo éque, dirigindo~nos~~/q~lestões ".
: ; e preocupações, e formulando-as comoproblemh~:;jla çSêii-
; da social, temos a melhor oportunidade, rio )Juc·mh~~r.ebe
'. {
a única, de tornar a razão democràticamentereleVrfiite,pnra i:
as questões humanas numa SOciedade lívre.. e êbtn :I§sô .coín- I
!
preenderos valôres clássicos que sublinham a pr6Hlcssa de
nossos estudos.
i
I P AnA o cientista social individual, quc se sente parte d;, tra
dição clássica, a ciência social é corno'. um ofício,
i Come
homem que se'õ1:upa---d-e"1mõlemàs·TeSübstân'Ciã;"" está entri
I os que fàcilmente se impacíentarn pelas cansativas
complicadas discussões de método-e-teoria-em-geral, que lhe
I

interrompe, em grande parte, os estudos adequados, E ·muit(


melhor, acredita êle, ter uma exposição, feita por um estu
dioso, de como está realizando seutrabalho do que uma dúzí:
de "codífícações de procedimento" por conseqüência. Sêmen
te pela conversação na qual os pensadores experimentado
trocam. informações sôbre suas formas práticas de trabalhe
será possível transmitir. ao estudan te íniciante um ..senso úti
:-: de método e teoria, Creio, portanto, que devo expor, con
:: : algum detalhe, como realizo meu ofício, É uma declaraçã.
pessoal necessária, mas escrita cr ma esperança de que outro:
especialmente os que iniciam um trabalho independente, :
tornarão menos pessoal, pelo fato de SUl). própria experiência

1
E melhor começar, creio, -lembrando aos principiante
que os pensadores mais admiráveis' dentro da cornunidad:
intelectual que escolheram n110 separam seu trabalho de sua
vidas. Encaram ~ ambos demasiado a isérío para ~errniti

210 21.
~\.~~

tal .di~iação, e desejam usar cada uma dessas coisas para o .-


:1"fV "'"~ ~
e~nqueclm~nto da outra. 1t claro que tal divisão é a conven- .:~j Os leitores terão observado como os pensadores bem rea-
çao pn:dommante entre os homens em geral, oriunda, suponho, .'.) lizados tratam com cuidado a sua mente) como observam de
do vaZIO do trabalho, que os homens em geral hoje .executarn. ., perto seu desenvolvimento e como' organizam suas experíên-
Mas o est~dante tera reconhecido que, cama intelectual, tem '.4: cias. A razão pela qual valorizam' suas menores experiências
fi oportunidade excepcional de estabelecer um modo de vida . é que, no curso de uma vida, o homem moderno tem uma
que estimule os hábitos do bom trabalho. A erudição é uma ~ experiência pessoal tão teduzldn, embora fi experiência seja
esco~a de como viver e ao mesmo tempo uma escolha de '·':1 tão importante como fonte de trabalho. íritelectual original.
carreli~; q.uer o ~aiba ou não, o trabalhador intelectual forma ·1 Acredito que poder ser, ao mesmo tempo, confiante e cético,
seu propno eu a me.dida que se aproxima da perfeição de 1 em relação à sua experiência, é a marca i do trabalhador ma-
seu oíícío, para realizar sua potencialidade, e. as oportuni- duro. Essá confiança ambígua é indispensável para a orí-
dades que lhe surgem, êle constrói um caráter que tem ( ginalidade de qualquer empreendimento' 'íntelectual, e o ar-
c<;>moessência, as qualidades do bom' trabalhador. ', ' quivo é uma das formas pelas quaíspodemos desenvolver e
justificar' essa confiança,· . .
-.!:so significa que deve aprender a usar a:~xpe~iência de'
sua V1da nq seu trabalho comlnuarneme.
artesanato e o ce.ntro de si mesmo, e o~tudante
l~esse senbdo, o

soalmente· e~volY1ao em todo o produto intelectual de que


está pes- .'. , Mantendo um arquivoadequado;

muooowtenor desperto.
e 'com isso desenvolven-
do hábitos de auto-reflexão, aprendemos a manter nosso . ,.
Sempre' que experimentamos forte. i
se ocupe: D~er que pode "ter experiência" significa que seu sensação Sôbre acontecimen tos ..ou idéias, devemos procurar
passado mfluI'~' af~ta o presente, e que define a sua capaci- não deixá-Ias fugir, e ao invés disso formulá-Ias para nossos
dade de experiência futura. Como cientista social êle' terá. arquivos, e com isso estaremos elaborando suas implicações,
~ controlar essaJplerinfluênclá bastante complexa' saber o mostrando a nós mesmos como êsses sentimentos ou idéias são
)Y 9
. u;-e~n~n . t~ ~~~3!:..~
. I'} .~, dessa forma pode' esperar tolos, ou como poderão' Ser articulados de forma produtiva.
u 'usa-Ia como ~~.~ P!;>va. de suas reflexões, e no processo se O arquivo também nos .ajuda a formular o hábito de escrever.
~ I? . L!JJmte.tªL~_c2:f!l~_.~.rl.~~.'>._.ll1tele_~uãl.Ma.s como fazer 1SSõJr- Não podemos "manter desembaraçada fi mao" se nao .escre-
,> .
.:fil
j J
?
Uma resposta e: ceve-se. ?rganiz~r urn arquivo, o 'que supo-
nho. ser .a ~orma do 50ClOIogo dizer: mantenha um diário<
I \

f '\()
vemos alguma coisa pelo menos tôda semana. pesenvolvim-
do. o arquivo, odemo-Jios ex erimentar como escri or e as-
MUltO: e~ntor;s. criad.ores mantêm diái'i'õ'S; a necessidade'de
','" ~eflexao slstematIca eXige que o sociólogo o mantenha, /t,~
.'. ,/. sim como se iz, desenvo ver nossa· ca addade de expressão.
Manter um arqUIVOe empen ar-~e na expen nCla contro a a.
------
~ No arquivo que vou descrever unem-se a ex eríêncía '5' ,f
essoal e as atividades rofissionais os es u os ora-'
çao e qs estu os ~ aDeja ..~S'.' Nesse arquívoo estudioso,C9I?o ,.
Uma das piores coisas que ocorremnos cientistas sociais
é só sentirem a necessidade .de escrever seus "planos" numa
artesao Intelectuã, tentara Juntar o que. esta 'fazendo intelec-
ocasião: quando vão. pedir dinheiro para uma pesquisa espe-
tua!mente e o que está experimentando como .pessoa. Não
terá mêdo de usar sua experiência e relacioná-Ia diretamen- cífica, ou um "projeto". t como solicitação de fundos que a
te com os vários trabalhos em desenvolvimento, Servin- maioria' dos "planejamentos" é feita. ou pelo menos cuida-
do co:oo contrôle para evitar repetições de trabalho, o arquivo dosamente posta no papel. Por mais generalizado que. seja
tambem conservará suas energias, Estimulará a captura. dos o hábito, parece-me rnuito prejudicial: assemelha-se de certa
li ensamentos marginais": várias idéias que podem ser sub- forma aos processos do 'vendedor, e dentro das expectati-
prod~tos a Y1 a iana, trechos de conversa ouviJlos na rua vas existentes é quase, certo que resultará em pretensões
o~, ~l~da, s?nh~s, U,n~a vez anotados, .podernlevar a um-ra- dolorosas, O projeto provavelmente será «apresentado", for-
CI.OCI?lO. mais sistemático, bem COmo emprestam -urna rele- mulado de modo arbitrário muito antes do devido tempo,
vancia Intelectual com a experiência mais direta, Com freqüência,' éalgo de artificial, preparado com o obje-
tivo de conseguir dinheiro para finalidades posteriores, par
212
213
.
"

mais elogíosas, bem como para a pesquisa planejada. O cien- J.e projetas... :E:, suponho, uma questão de hábito arbitrário,
11 1!sta social deve rever periàdicamente o "estado de meus mas 'creio que o estudioso vcrllícarú 1\ conveniência de iso-
N roblemas e lanos".' Um jovem, ao início de seu trabalho lar todos êsses itens num arquivo principal de "projetos", com
.índependente, eve refletir sôbre isso, mas não podemos es- muitas subdivisões. Os tópicos, decerto, se modlíícarn, e
.,L,.
perar que êle - que também não deve esperar :- vá muito por vêzescom bastante freqüência. Assim, por exemplo, o
longe, e certamente não se deve comprometer rigidamente estudante que se prepara para o exame preliminar, escreve
com o plano. Deve limitar-se quase que apenas a preparar uma tese, e ao mesmo tempo faz exercícios, deve organizar
sua tese, que infelizmente é considerada, com freqüência, seu seus arquivos segundo essas três áreas de atividade. Mas
primeiro trabalho independente de alguma extensão. É quan- depois de um ano, aproximadamente, de trabalho 'de forma-
do estam os a meio caminho do tempo que ternos à DOS- tura, começará a reorganizar todo o seu arquivo, em relação
sa frente para trabalhar, ou a um têrço dêle, que', essa revi- corn o principal projeto de sua tese. Então, à medida que
são provàvelmente será mais proveitosa '- e talvez mesmo prosseguir seu trabalho, observará que nenhum projeto jamais
deinterêsse para os outros: o domina, ou impõe as categorias principais na qual é orga-
Qualquer cientista' social que esteja, bem adiantado em nizado. 'Na verdade, o uso do' arquivo estimula a expansão "
seu caminho deve ter, a qualquer momento, tantos planos, ou
seja, idéias, que sua indagação será sempre: "a, qual dêles
' .. das categorias que usamos em nosso raciocínio. E a forma
pela qual essas categorias se modificam, desaparecendo algu-
me devo dedicar, em seguida?" E deverá manter um arqui- mas é surgindo outras - é um índice do, nosso progresso e •
vo especial para seu tema principal, que êle escreve e rees- , vigor intelectual. Finalmente, os arquivos serão dispostos de
creve para si mesmo, e talvez para debate com amigos, De acôrdo com vários projetos mais ambiciosos, tendo muitos
tempos em tempos, deve revê-I o cuidadosamente e com obje- subprojetos que se modificam de ano para ano.'
tivo, e por vêzes, também, quando está despreocupado. Tudo isso exige notas. -Terernos de adquirir o hábito de
Um processo semelhante é um dos meios indispensáveis tomar grande número delas, de qualquer livro interessante
pelo qual a realização intelectual é orientada e mantida sob que leiamos - embora, devo dizer, possamos obter coisas
contrôle. Um intercâmbio dífundído e informal dessas re- melhores de nós 'mesmos, quando lemos I livros, realmente
.visões do "estado de meus problemas" entre os cientistas
sociais é, creio eu, a única base para uma exposição adequada
dos "principais problemas da ciência social". É improvável
que em qualquer comunidade intelectual livre haja, e cer-
, tarnente não deve haver, uma série "monolítica" de proble-
maus. O primeiro passo' na tradução d~ experiência, seja a
dos escritos de outros homens, ou de nossa própria vida, na
esfera intelectual, é dar-lhe forma. Dar, simplesmente, nome
a uma experiência nos convida a explicá-Ia: a simples toma-
da de nota de um livro é quase sempre um' estímulo à re-
i ,'
mas. Nessa comunidade, se florescesse de modo' vigoroso, flexão. Ao mesmo tempo, essa nota é uma grande ajuda para
, haveria interlúdios 'de discussão, entre as pessoas, sôbre o
compreendermos o que lemos. ,
trabalho futuro. Três tipos de interlúdios sôbre problemas,
métodos, teoria - surgiram do trabalho dos cientistas so- Nossas notas poderão vir a ser de' dois tipos: ao ler
ciais, e levariam de volta, novamente, a êle; seriam modela- certos livros muito im ortantes tentamos a render a estru- ,
dos pelo trabalho em andamento e, até certo ponto, consti- rora a ar umentação do autor, e tomamos notas nesse sen-
tuir-se-iam em guias de tal trabalho. :E: nesses ínterlúdíos ti mais re u ,nc uns anos
que uma associação profissional encontra sua razão de, ser. r ~~U.r.ab~o independente, ao invés cleler livros inteiros, com
E para êles, também, é necessário o arquivo. freqüência lemos partes cle muitos dêles, ~o ponto de vista
de algum tema particular ou tópico em que estejamos Ulte-
- ressados, e para os qU31S temos planos em nosso arquiVo.
! Sob vários tópicos em nosso arquivo, há idéias, notas pes- AsmnTomaremos Dotas ue, nâo re resentam com 'usti a os
~OaiS, excertos de livros, itens bibliográficos e delineamentos }jyIos qUe ~mos. stamos usan o uma determina .ídéía, ,

214 215
'.

um determinado fato, para ª realização de nossos próprios no estudo da estratificação social, é difícil evitar ir além
projetos. do assunto imediato, porque a "realidade" de qualquer ca-
mada é, em grande parte, suas relações com o resto. Assim,
comecei a pensar num livro sôbre a elite.
2.
Não -obstante, não foi assim que o projeto' "realmente"
Mas como deve ser usado êsse arquivo - que até agora surgiu. O que aconteceu, na verdade, foi 1) que a idéia e'
estará parecendo ao leitor mais um tipo curioso de diário o plano saíram de meus arquivos, pois todos os projetos
"literário" - na produção intelectual? A sua manutenção' é comigo começam e terminam nêles, e os livros são simples- '
uma produção intelectual. :E: um armazenar crescente de mente resultado organizado do trabalho que nêles se proces-
fatos e idéias, desde os 'mais vagos até os mais preciosos. sa constantemente, 2) depois de algum tempo, todo o con-
A primeira coisa que eu fiz, por exemplo, depois de resolver junto de problemas em causa passou a me dominar.
preparar um estudo sôbre a elite, foi um rascunho tôsco, ba- Depois de preparar meu- esbôço rudimentar, examinei
seado numa lista" dos tipos de pessoas que eu ' desejav» todo o meu arquivo; não só nas partes que evidentemente
compreender. . ,tinham relação com o tópico, mas também nas divisões que
pareciam írrelevantes. A imaginação é levada, com freqüên-
Como e por que resolvi escrever êsse estudo mostra uma
das formas pelas quais as experiências da vida alimentam cia, a reunir itens até então isolados, descobrindo 'ligações
nosso trabalho intelectual. Não me lembro quando come- insuspeitadas. 'Abri novas unidades no arquivo para minhn
cei a me preocupar tôcnicnrnente com a "estraliíicação", mas nova série de problemas, o que certamente levou a 1l0\'aS
disposições de outras partes suas.
creio que deve ter sido ao ler Veblen pela primeira 'vez.
:ele sempre .. me, parecera muito frouxo, vago mesmo, sôhre Ao redistribuirrnos um sistema de arquivos, verificamos I

o sentido de "comércio", e "indústria", que são uma espécie que estarnos, por assim dizer, libertando nossa imaginação. ,
de tradução de' Marx para o público acadêmico americano, Evidentemente, isso ocorre devido à tentativa de combinar
De qualquer modo, escrevi um livro sôbre organizações e lí- várias idéias e notas sôbre diferentes tópicos. 1!: uma espé-
-deres trabalhistas, - uma tarefa politicamente motivada; da
cie de lógica combinação, e o "acaso" por vêzes desem-
em seguida, um livro sôbre a classe média - uma tarefa penha nela um papel curioso. De forma despreocupada, ten-
motivada principalmente pelo desejo de articular minhas ,pró- tamos empenhar nossos recursos intelectuais, como exemplí-
prias experiências na cidade de Nova' York;: desde 1945. ficado no arquivo, nesses novos temas.
Amigos sugeriram, então,' que eu, devia concluir uma trilo- Nó caso presente, .também comecei a usar minhas obser-
- gía, escrevendo um livro sôbre as classes superiores. Creio, vações e experiências diárias. Pensei, a príncípio, nas expe-
que já havia pensado na possibilidade, lera Balzac na década riências que tive em relação' aos problemas da elite, e,em"
,~.
de 1940 e me entusiasmara muito com a atribuição, que-êle seguida,conversei com pessoas que, na minha opinião, pode-
se dera, de "cobrir" tôdas as principais classes e tipos na so- 'riam ter tido .experíência com' tais. questões, ou poderiam,
ciedade da época em -que vivia:' 'Eu escrevera também' tê-Ias examinado. Na realidade, comecei a alterar o caráter,
sôbre U A Elite Econômica" ,e coligira e dispusera estatísticas de minha. rotina, .de forma a incluir 1) pessoas que estavam
sôbre a carreira dos principais homens da política americana entre as que eu desejava estudar, 2) pessoas em íntimo
desde a Constituição. Essas duas tarefas foram inspiradas contato com elas, e 'S) pessoas interessadas nelas, habitual-
principalmente por um trabalho de seminário sôbre a história mente de modo profissional. . ,
americana. T
Não conheço a t~talidade das condíções SOCIaIS,do tra-
Ao escrever êsses varios artigos e livros e Jao preparar balho intelectual, mas sem dúvida cercarjse de tim grupo de
, cursos sôbre estratífícação, houve, naturalmente, um resíduo pessoas que ouvem, li falam - e por vêzes têm de ser per-'
de idéias e fatos sôbre as classes superiores. Especialmente sonalídades imaginárias - é .uma delas. IDe qualquer modo,
"

216 217
'.

11
procurei cercar-me de todo o ambiente relevante - social ! quer modo, no livro sôbre a elite, tenho de levar em conta
e intelectual - que julguei 'pudesse levar-me a pensar dentro I o trabalho de homens como Mosca, Schurnpeter, Veblen,
das' linhas de meu trabalho. :E: êsse o sen tido de minhas j Marx, Lasswell, Michel, Weber e Pareto.
observações acima, sôbre a fusão da vida pessoal e intelectual.
Examinando algumas das notas sôbre tais autores, vejo
que oferecem três tipos de formulação: a) de alguns, apren-
o bom trabalho na ciência social de hoje não é, e habi- demos diretamente pela reformulação sistemática do que o
tualmente não pode ser, feito de uma "pesquisa" empírica homem diz ou de determinados pontos ou de um todo; b)
claramente delineada. Compõe-se, antes, de muitos estudos alguns autores são aceitos ou refutados, dando razões e ar-
bons, que em pontos-chaves encerram observações gerais gumentos; c) outros são usados como fonte de sugestões
sôbre a forma e a tendência do assunto. Assim, a decisão - para nossas próprias elaborações e projetos. Isso envolve a
.~.
quais são êsses pontos?:~ não 'pode ser tomada enquanto o i
compreensão de um ponto.ve a índagação i. cqT)10posso colo-
material existente não {ôrretrabalhado e estabelecídas formu- car isso deformacomprovável.ie como ·possocomprová-Io?
lações .gerais hipotéticas. Como posso usá-lo como· centro do qual elaborar - como
uma perspectiva da qual. surgem detalhes descritivos COmo
Entre o "material existente", encontrei nos arquivos três .... relevantes? ~ nesse trato das idéias existentes, decerto, que
tipos relevantes para meu estudo da .elíte r várias teorias rela- n05 sentimos em continuidade com O trabalho anterior. Eis
cionadas com o tópico; material já utilizado por outros, como dois excertos de notas preliminares sôbre Mosca, que podem
comprovação dessas teorias; e material já reunido e em várias ilustrar o que estou procurando descrever:
fases de centralização acessível, mas ainda não transformado
.em material teoricamente relevante. Somente depois de con- Além de suas anedotas históricas, Mosca apóia sua tese com esta
cluir meu primeiro esbôço de uma teoria, com a ajuda do afirmação: é o poder de organização que permite à minoria governar
material existente, posso localizar com eficiência minhas afir- sempre. Há as minorias organizadas, e elas dominam as coisas e
os homens. 60 Mas: por que não considerar também 1) a minoria
mações e sugestões centrais, e planejar pesquisas para coníir- organizada. 2) a maioria organizada, 3) a minoria desorganizada.
má-Ias - e talvez não tenha de fazer isso, embora saiba, 4) a maioria desorganizada. Isso é digno de uma exploração em
naturalmente, que mais tarde terei de oscilar entre o material grande escala: A primeira coisa a ser esclarecida: qual é exala-
existente e a minha própria pesquisa. Qualquer exposição mente o sentido de "organizada"?· Creio que Mosca entende por
isso: capaz de polítfcas e ações mais ou menos continuas e coorde-
final deve não só "cobrir os dados", na medida em que êstes nadas. Se assim é, sua tese é certa por definição. ~le diria. tam-
existem e os conheço, mas deve também, de forma positiva bém, ao que me parece, que uma "maioria orgarilzada" é irnpossl-
-ou negativa, levar em conta as teorias existentes. Por vêzes vel, porque no final das contas ela se resumiria no :fato de que novos
êsse "levarem conta" uma idéia é feito fàcilmente, pelo lideres. novas elites, estariam no alto dessas organizações majoritárias, .
e éle estaria pronto a escolher ésses líderes em sua "A Classe Do-
simples confronto .dela com a. realidade que· a modifica ou minante". Dá-Ihes o nome de "minorias diretoras", o que não passa·
confirma; outras vêzes, é necessária uma análise ou qualifi- de tolice, frente à sua afirmação mais ampla. .
cação detalhada. Por vêzes, posso dispor das teorias existentes Uma coisa que me ocorre (creio ser a essência dos problemas
sistemàticamente, como uma série de escolhas, e com isso de definição que Mosca nos apresenta) é esta: do século XIX para
permitir que seu âmbito organize o próprio problema.'· o XX. testemunhamos uma passagem das sociedades organizadas como
1 e 4 para- uma sociedade estabeleclda mais ern :tênnos de 3 e 2.
Por vêzes permito que tais teorias só se disponham segundo Passamos de um Estado de elite para um Estado de organização. no
meu arranjo, em contextos totalmente diferentes. De qual- .j
qual a elite já não é tão organizada nem tão unilateralmente pode-

?
i . ao Há também em Mosca afirmações sôbre leis psicológicas que
so Ver, por exemplo, Mills, A Nova Classe Média (White Coliar) supostamente comprovam sua opinião. Observe-se seu uso da pala-
Zahar, 1969, capo 13. Fiz o mesmo, em minhas notas, com Lederer vra "natural". Mas não·é um ponto central e, além disso, não vale
e Casset os. "teoristas da elite", como duas reações à doutrina de- a pena conslderá-l0.· ,
mocrática dos séculos XVIII e XIX.

218 219
".
::.

rosa, e a massa é mais organizada e mais' poderosa. . Parte do poder tomadas. Uma elite vê a outra como constituida de pessoas que
se 'faz nas ruas, e em tôrno dêle a totalidade das estruturas sociais contam. Há êsse reconhecimento mútuo entre as elites, segundo o
e suas "elites" giraram. E que setor da classe dominante e
mais qual 'a . outra elite conta.
consideradas mutuamente
De uma forma ou de outra, são pessoas
importantes. Projeto: selecionar 3 ou 4
organizado do que o bloco airlcola? . Não se trata de uma pergunta
retórica: posso respondê-Ia de qualquer das duas formas, desta vez decisões da últírria década - lançar a bomba atômica, reduzir ou
- é uma questão da gradação. Tudo o que quero, no momento, é elevar à ',produção do aço, a greve da GM em 1945 - e traçar em
abrir a questão. . detalhe o pessoal que partícípoutde . cada uma delas. Poderia usar
as "decisões" e os responsáveis por elas como pretextos dei entre-
Mosca faz uma observação que me parece excelente e mere- vistas. .
cedora de desenvolvimento: segundo êle, há sempre na "classe domi-
nante" um grupo de cúpula, e há essa segunda camada, maior, com
a qual a) a cúpula está em contato contínuo e imediato, e com
a qual b) partilha das idéias e sentimentos, e portanto, segundo. 3.
acredita êle, também' as .polítícas (página 430). Conferir .l?ara 'Ver
. se nalguma outra parte do livro estabelece, outros pontos de ligação. Chega um momento, no curso de nosso trabalho, em que
É êsse grupo recrutado em grande parte do segundo nível? Será a nos cansamos dos outros livros. Tudo o que desejamos dêles
cúpula de alguma forma responsável pela segunda camada; ou pelo estão 'em nossas notas e resumos; e às margens dessas; notas, .
menos sensível a ela?
Esqueçamos, agora Mosca: em outro vocabulário,
elite por meio da qual entendemos,
temos a) a
aqui, o grupo de cúpula; b) os
,.
.
bem .corno num arquivo separado, estão as idéias para estu-
dos ernpiricos .
que têm importância, e c) todos os outros. A participação no se- Não gosto de trabalho empírico, se me fôr possível evi-
gundo e terceiro, neste esquema, é definida pelo primeiro, e o se- tá-Ia. Se 'não temos pessoal, é uma grande preocupação: se
gundo pode ser bastante variado cm seu volume e composição e
relações com a primeira e a terceira. (Qual é. íncídentalmente, o lemos, então a pessoa se transforma, com Ircqüôncia,' numa
alcance das variações 'das relações de a) com b) e c)? Examinar preocupação ainda maior.
Mosca para sugestões e ampliar êsse ponto, considerando-o sistema-
ticamente.) . Na condição intelectual das Ciências Sociais de hoje, há
tanto a fazer como "estruturamento " inicial (entendida a
&isc esquema pode-me permitir levar em conta. mais clara-
mente, as diferentes elites, que são elites segundo as várias dimen- palavra como o tipo de trabalho que venho descrevendo)
sões de estratificação. E, decerto, tomar de forma clara e signifi- que muita "pesquisa cmpíríca" acaba sendo frágil" e desin-
cativa a distinção de Pareto, entre elites governantes e nâo-gover- reressante, Grande parre dela, de fato, é um exercíCio formal
:~~' ~ nantes de um modo menos formal do que a dêle. Certamente, muitas para. estudantes que se miciam, e por vêzes uma em rêsa
t.1 I
pessoas de alto status estariam pelo menos na segunda. Os grandes
'., ~ u 1 p ra o o ca azes Ias
.' :j ricos, por exemplo. O Grupo ou a Elite se refere ao poder, ou à
autoridade conforme o caso .. A elite, nesse vocabulário, significaria su ~~~. Iceis ·da ciência social. Não há mais
'. :1.1 sempre a elite do poder. As outras pessoas na cúpula 'seriam as .vírtudes na pesquisa ernpírics 'do que na leitura, como "leitura.
": classes superiores, ou os altos círculos, .0 objetivo da pesquisa empinca é solucionar desacordos e
Assim. de certa. forma, talvez, possamos usar isso em relação . cI~vlaas sôbre fatos, e assIm tornar mais frutileras as discussôes,
; '11! . a dois grandes problemas: a estrutura da elite e as relações con- ª,ª-ndo a todos os lados maior base substantiva. Os fatos aiS-
ceptuaís - mais tarde talvez as substantivas - das teorias de estra-
-:;~ tificação e 'elite. (Desenvolver isto.)
~iplinãm a razão; mas. a razão é a guarda avançada de qual-
.' quer camp.o do conhecimento .
~ Do ponto de vista do poder. é mais fácil selecionar os que contam
do 'que os governantes. Quando tentamos fazer o primeiro, escolhe- Embora jamais consigamos o dinheiro para realizar muitos
mos os altos níveis como uma espécie de aglomerado frouxo, e so- dos estudos ernpírícos que planejamos, é preciso continuar a
mos guiados pela posição. Mas quando tentamos selecionar os segun-
. imaginá-los. Ouando planejamos um estudo empíríco, mesmo
dos, devemos indicar detalhadamente
estão relacionados com os instrumentos
como dispõem do poder e como
sociais atravég dos quaís o que não o realizemos, êle nos leva à pesquisa de novos dados,
"
poder é exercido
.
.. E tratamos mais com pessoas do qu~ l
posições, ou que com freqüência revelam relevância insuspeítada para nos-
pelo menos levamos as pessoas em conta. . sos problemas. Assim como é tolice imaginar um campo de
Ora, o poder nos Estados Unidos envolve mais do que' uma estudo se a resposta puder ser encontrada numa biblioteca,
elite. Como podemos julgar as. posições relativas dessas várias
elites?' Depende da questão e das decisões que estiverem sendo também é tolice pensar que exaurimos os livros antes de·

220 ~2L
. ".

manifestação da imaginação sociológica; ~) a eliminação de


tê-los traduzido em estudos ernpírícos adequados, o que síg-
falsas opiniões, devidas a omissões de elementos hecessá-
nífíca simplesmente em questões de fato.
rios, definições. impróprias ou pouco cla'ras de têrrnos ou
Os projetos ernpíricos necessários ao meu tipo de trabalho ênfase índevida em alguma parte do processo e de suas ex-
devem prometer primeiro, ter relevância para o primeiro es- tensões lógicas; 4) formulação e reformulação das questões
bôço, e .sôbre o qual já escrevi linhas acima. Devemos con- de fato que perdurem. ..
Iírmá-Io em sua forma original ou provocar-lhe a modificação.
Ou para colocar isso de forma mais pretensiosa, devem ter _ fi. terceira fase, incídentalmente, é uma parte muito ne-
cessaria, ~embol'a negligenciada com Ireqüêncía, de qualquer
"implicações para as construções teóricas. Segundo, os pro··
formulação adequada de um problema. A consciência popu-
jetos devem ser eficientes e claros e, se possível, engenhosos.
Por isso entendo que devem prometer proporcionar um grande lar do problem~ - como uma questão e uma preocupação
volume de material em proporção 3.0 tempo e esíôrço que - deve ser cwda~qsa:nente le·~3.da em conta: isso é parte
dêle. As formulações intelectuais, decerto, devem ser cuida-
. exigem, dosamente examinadas ·e usadas na. reformulação que. se faz
"Mas como terá de ser feito isso? O modo mais econÔo· ou abandonadas. . .. .. '
mico de formular um problema para resolver o maior número .,.
de seus aspectos possível é um só: o raciocínio. Racioci-
nando, tentamos a) isolar cada questão de fato que perdura; , .
b) fazer as indagações de fato de tal modo que as respos-
Antes de decidir quais os estudos empíricos necessários
para a tarefa a ser feita, começo a delinear um plano mais

tas prometem ajudar-nos a resolver DOVOS problemas, através amplo,. den tro do qual vários estudos em pequena escala
de novos raciocínios. &1 com~çam a despontar .. Vejamos, novamente, um exemplo dos
arquivos:
Para dominar assim os problemas, temas 'de atentar para
quatro estágios; habitualmente, porém, é melhor atravessar . Ainda não estou em condições de estudar os altos círculos como
todos -os quatro várias vêzes do que demorar-se demasiado u.m. ~do, de modo sistemático e. empirico. Portanto, exponho de-
apenas num dêles. As fases são: 1) os elementos e defini- tl~IÇOes e processos que formam uma espécie de configuração ideal
ções que acreditamos ter de levar em conta, em função do desse estudo.. Posso, então, tentar, primeiro, reunir o material exis-
tente <l;ue se aproxime .dessa configuração; segundo, pensar Iormas
conhecimento geral do tópico, questão ou área de preocupa- . conve.rnentes de reunir mat7rial,· dentro dos .índíces existentes, que
ção, à nossa disposição; 2) as relações lógicas entre essas o satisfaça, em pontos crucíais; e terceiro, à medida que trabalho
definições e elementos; a construção dêsses pequenos rnode- . faz~r pesquisa;;. empiric~s mais especificas, de grande escala, qU~
los preliminares proporciona a melhor oportunidade para ·a serram necessarias no fim.
Os aÍtos círculos devem, decerto; ser definidos sistemàti~amente
e:n. têrmos de var~á.,:,:is específicas. Formalmente -:- essa é apro-
xII~ad.a,mente a opmrao de .Pareto .- são as pessoas que "têm" a
U Talvez eu deva dizer o mesmo numa linguagem mais preten- maior parte do que há. para ser possuído dentro de qualquer valor
siosa. a fiin de tornar evidente. aos que não o sabem, a .importân- ou conjunto de valôres, Assim, deve tomar duas decisões: quais
ela de tudo isso: . as variáveis que tomarei como critério, e ·que entendo por ~a maior
As situações problemáticas têm de ser fo=uladas com a de- parte".. Depois de ter decidido as variáveis, devo construir os me-
vida atenção às suas implicações teóricas e conceptuals, e tam- lhores índices que :puder;· se possível índíces quantificãveis a fim
bém aos paradígmas da pesquísa ' empírica ·e aos modelos de ve- de distribuir ~ população em têrmos dêles. Sàmente então' poderei
rificação adequados. Tais paradlgmas e modelos, por sua vez, devem começar a decídír o que entendo por "a maior parte", Isso deveria
ser construidos de modo a permitir outras implicações teóricas e em parte, ser. determinado pela inspeção empírica das várias dis-
conceptuais provoca das pelo seu uso. As ímplícações teóricas e con- trlbuíções, e seus pontos de contato .
.ceptuais das situações problemáticas devem, prim.~o, ser plena- . Minhas variáveis-chaves deveriam; a princípio, ser bastante ge-
mente exploradas. Isso exige que o cientista sbcial especifique rais para me proporcionar certa latitude na escolha de índices. em-
cada uma dessas implicações e a considere em relação com tôdas bora bastante especificas para convidar à pesquisa de Iridíces ernpí-
as demais, mas também de forma- que se harmonize com .os para- ricos. A medida que avançar, terei de oscilar entre as .concepções .
digrnas da pesquisa empírica e os modelos de verificação.

228
222~
'- ,
il
,I
e índices, guiado pelo desejo de não perder os sentidos pretendidos. I cessárlo para adquiri-Ias, e talvez isso deva bastar. embora eu espere
e não obstante ser bem específico quanto a êles.
variáveis weberíanas com as quais começarei:
Eis aqui quatro ! encontrar uma solução melhor. '
t ~stes são tipos de problemas que terei de resolver para definir
I. Classe refere-se às fontes e volume de renda. Necessito, por- I" analltlcamente e emplricamente os clrculos superiores, em têrmos
tanto, de distribuições de propriedade e de renda. O material ideal dessas quatro variáveis-chaves. Para finalidades de planificação,
no caso (e é muito escasso, e infelizmente com datas) é uma tabu- suponho tê-Ias resolvido satisfatoriamente e ter distribuído a popu-
Iação combinada da fonte e do volume da renda anual, Assim, sa- lação dentro dos têrmos de cada uma delas. Teria, então. quatro
bemos que X por cento da população recebe durante 1936 Y milhões grupos de pessoas: os que estão na cúpula em classe, stctus, poder
ou mais, e que Z por cento de todo esse dinheiro era oriundo da e hábilidade. Suponho ainda mais, que tenha isolado os 20/0 do alto
propriedade, W por cento das retiradas de' homens de negócios, de cada distribuição, como um circulo superior. Enfrentarei, então.
Q por cento de salários. Nessa dimensão de classe; posso definir esta pergunta emplrícamente respondível: qual a interpenetração
os círculos superiores - os que têm mais - seja como os que rece- entre essas quatro distribuições? Uma gama de possibilidades poder
bem determinados volumes de renda, durante determinado tempo ser localizada .dentro dêste diagrama simples (-I- ,= 20/0 da cúpula;
'":,, ou, corno os que constituem, os 20/0 superiores da pirâmide de - = os ~8% 'inferiores).
rendas, Examinar as registros do Tesouro e as relações de grandes
contribuintes. Ver se as tabelas da Comissão Econômica NacÍonàI'
Provisória sóbre' fontes e volume de renda podem ser atuallzadas, C I a s se
Il. Status refere-se à intensidade da deferência
isso não existem índices simples ou quailtificáveis.
recebida. Para
Os índices exis-
',. +
Stat'lis .Status
tentes exigem, para sua aplicação, entrevistas pessoais, e são limi-
tados, até agora, aos estudos -de comunidades locais, que em sua
+ + +1 +
I
maioria não têm grande valor. Há ainda o problema de .que, ao habilidade 2 i3 4
contrário da classe, o status envolve relações sociais: pelo menos P od e T 5 6 ,7 8
uma pessoa para receber e outra para prestar a deferência. habllidade + 9 10 11 12
É fácil confundir publicidade com deferência, - ou antes, não ,13 14 15 16
sabemos ainda 'SI! o volume de publicidade deve ou não ser usado
como um rndice de posição de status, embora seja o mais fácil de
obter. (Por exemplo: em um ou' dois dias sucessivos em meados de Se eu tivesse o material para encher êsse diagrama, êle encerra-
março de 1952, 115 seguintes categorias de pessoas foram mencionadas ria os principais dados ,e muitos problemas importantes para um
nominalmente no Neur YQrk Times - ou em páginas escolhidas -
estudo dos' altos círculos. Proporcionaria as chnves de muitas ques-
desenvolver ísto.) tões de definição e substâncía.: , ' ! ,
lH. Poder refere-se à, realização' da vontade, mesmo que outro~' , Não tenho os dados" e não poderia obtê-Ios - o que torna 'ainda
resistam.' Como o stctus, ainda não foi catalogado em índices. Não mais importante que especule sôbre éles, pois o curso dessa 'refle-
creio que possa mantê-lo numa dimensão única, mas terei de falar xão, , se tôr guiada pelo" desejo de aproximar-me das necessidades
a) da autoridade formal - definida pelos direitos e podêres de empírícas de uma configuração ideal, atingirei 'áreas importantes,
posições em várias instituições, especialmente militar, política e sôbre as quais talvez possa recolher material relevante, como ponto
econômica. E b)' podêres exercidos ínrormalmente, mas não íns- de contato e gula para novas reflexões. ,
tituídos formalmente ~ . lideres 'de grupos de pressão, propagan- I ,
distas com grande número de veículos à sua disposição etc. Há ainda dois pontos que devo acrescentar a êste modêlo geral,
a tiro de' torná-lo !ormabnente completo. As concepções gerais das ca-
IV. Ocupa.ção retere-se às atividades remuneradas. Novamente, madas superiores exigematenção para a duraçãc' e mobilidade. A ta-
devo escolher qual a característica da ocupação, que tomarei. a) Se refa, aqui, é, determinar posições 0-16) entre a~ quais há movimento
usar a renda média das várias ocupações, para classificá-Ias, estarei típico de, indivíduos 'e grupos - dentro da presente geração, e entre
naturalmente usando a ocupação como um índice, e como a base, da as duas ou três últimas gerações.
classe. Da mesma forma, b) se usar o status ou o poder tipica-
Isso introduz a dimensão temporal da biografia (ou linhas de
mente ligados às diterentes ocupações, então estarei usando as ocupa-
'ções como índíces e bases do poder, da habilidade 0)'- .~lento. Mas carreiras) e da história em meu esquema. Não são apenas novas
isso não'é de' forma alguma, um modo fácil de cl!fssificar pessoas. questões ernpírícas- são também relevantes para as definições. Pois
A habilidade- não mais que o status - não é uma coisa homogênea,' a) desejamos deixar aberto se ao classificar .ou M? as pessoas em ,
da qual exista mais ou exista .rnenos, TentativaS para tratá-Ia dessa têrrnos de .qUalquer de nossas variáveis-chaves, devemos definir
forma têm, habitualmnte, de ser feitas em têrroos do tempo ne- nossas categorias em têrmos do tempo que, elas, ou' suas famílias;
ocuparam a posição em questão. .Por. exemplo posso querer decidir

224
15 225
: :.. :.

que os 20/0 superiores do status - ou pelo menos um importante ;;..~
t;; 4) Atualizar o tipo' de informação contido em livros como
tipo de status ~ consistem dos qUe ali estão pelo menos há duas
.gerações," Também b) desejo deixar aberta a questão de se devo
~.rf:····
""1' ;"
America's 'Sb::t;y Familie.s, de Lundberg,
pagos 'em 1923.
que se baseou nos impostos

ou não construir "uma. camada", não s6 em têrmos de interseção • #~ ••••••

'. 5) Reunir e sistematizar, dos registros do Tesouro e outras


de múltiplas variáveis, mas também em linha com li definição de
Weber, da classe social como composta das posições entre as quais
'~~ ,:'{ . fontes governamentais, a distribuição dos vários tipos de prppríe-
dade privada, pelas quantias. .
há "mo.bilidade típica e fácU", Assim, as ocupações burocrática, infe-
riores e os trabalhadores assalariados médios e superiores em certas 6) Estudar à carreira dos Presidentes, todos os membros do
indústrias parecem formar, nesse sentido, uma camada, Gabinete e todos os membros do Supremo Tribunal. Já tenho isso
em cartões IBM, desde o período constitucional até o segundo irnan-
dato de .Truman, mas desejo ampliar os itens usados e analísá-Ios
No curso da leitura e da análise das teorias de outros, de nôvo.
planejando a pesquisa. ídeal e manuseando os arquivos, co- ! :
meçamos a organizar,' Uma lista de estudos. especificas.' Al- Há outros "projetos' (35,-aproximadamente) dêsse tipo
guns dêles são demasiado" amplos para serem postos .em .prá- (por exemplo, a comparação do volume de dinheiro gasto
nas eleições presidencaís de 1896 e 1952, comparação deta-
tica, e com o tempo serão abandonados, lamentàvelmente.
Outros acabarão constituindo material para um parágrafo,
lima seção, uma frase, um capítulo; outros, ainda, se trans-
.,
. lhada do Morgan de 1910 e Kaiser de 1950, é algo de con-
creto sôbre as carreiras 'de "almirantes e generais"), Mas, à
formarão em temas que permearão todo um livro. Eis, no- medida que avançamos, devemos, decerto, ajustar nosso
objetivo ao que é acessível. '.
vamente, algumas notas iniciais para vários dêsses projetos:
Depois de tomadas essas notas, comecei a ler trabalhos
1) Uma anállse tempo-orçamentária de um dia de .trabalho históricos sôbre os grupos de cúpula, tomando notas oca-
típico de dez altos diretores de grandes ernprêsas, e o mesmo para sionais (e não arquivadas) e interpretando a leitura. Não
dez administradores federais. ESS3S observações serão combinadas temos, realmente, de estudar um tópico no qual estejamos
eom entrevistas "biográficas" detalhadas. A (in~lid:Jde é descrever trabalhando, pois como já disse, quando estamos no assunto,
as rotinas e decisões mais importantes, pelo menos em parte, em
têrrnos do tempo a elas dedicado, c obter uma visão dos tatôrcs rele-
êle é encontrado por tõda parte. Tornamo-nos sensíveis aos
vantes para as decisões tomadas. O processo variará naturalmente seus temas, vemos 'e ouvimos referências fi: êles em tôda a
com o grau de cooperação obtido, mas 'idealmente envolverá, pri- nossa experiência; especialmente, acredito, em áreas aparen-
meiro, uma entrevista na qual a história da vida e situação presente temente não-correlatas. Até mesmo os meios de comunica-
do homem são esclarecidas: segundo, observações do dia, permane-
ção em massa, em particular os maus Iílrnes e os romances
cendo, realmente, a um canto do escritório do entrevistado, e se-
g~lndo.o a tõda parte; terceiro, uma entrevista mais prolongada na-' baratos, as revistas de fotonovelas e os' programas noturnos
quela noite, ou no dia seguinte, na qual examinaremos a totalidade de rádio, adquirem nova importância para nós,
do dia e analisaremos os processos subjetivos envolvidos no compor-
',;:~.;~f.;i tamento externo que observamos .
.•::; ~~ -Ó. ~
2) Uma análise dos fins de semana ela classe superior, nos 4,
"~':~ ••••~j,~~
quais. as rotinas serão observadas de perto, seguindo-se entrevistas
de análises com o homem .e outros' membros de sua tamflia, na Mas o . leitor pode indagar: como ocorrem as idéias?
segunda-feira seguinte. Como é a imaginação estimulada a colocar juntos tôdas as
Para ambas as tarefas, tenho bons contatos e, naturalmente, os imagens e fatos, a torná-Ias relevantes e dar sentido a êles?
bons contatos, se devidamente tratados, levam a outros ainda melhores Não creio' que tenha, realmente, uma resposta, Posso apenas
(acrescentado em 1957: isso mostrou-se um engano). . falar das condições gerais e de algumas técnicas simples que,
3) Um estudo da verba de representação de outrosrprivilegios acredito, aumentaram minhas possibilidades de ·chegar a al-
que, juntamente com os salários e outras rendas, formam Jo padrão c guma coisa de nôvo.
estilo de vida nos altos níveis. A idéia, aqui, é ubter a)go de concreto
sóbre a • burocrat izaçâo do consumo", li transferência das despesas A imaginação sociológica, permitam-me lembrar, consiste
privadas para as contas correntes comerciais. em grande partena capacidade de passar de Uma perspecti-

'226 227
'.
va a outra,. e no processo estabelecer 'uma visão adequada
d; u~a socled~d.e total de' seus componentes. ~ essa .ima-
I 2) Uma atitude lúcida em relação às frases e palavras
gma~o .que dlstmgue o cientista social do simples técnico 1,
I
com que as várias questões são definidas libera, com fre-
qüência, a imaginação. Procuremos sinônimos para cada: um
Os tecmc.os a?eq~ados. p<:dem ser treinados nuns pouco~
a;lOsdift imagmação socíológíej, também pode ser cultivada; de nossos têrmos-chaves nos dicionários e nos livros técnicos,
ea Cllment.~, oC:Jrf: sem um grande volume de trabalho, a fim de conhecer tôda a extensão de suas conotaçôes, Esse
que com' frequencla e de rotina.·2 Não obstante h' hábito simples nos levará a aperfeiçoar os têrmos do proble-
qualíd d' d ' a uma ma; e portanto defíni-los com menor número de palavras e
, ~ e :nespera a em relação a ela, talvez porque sua
essencia s~J~ u~a c0';lbinação de idéias que não supúnha- maior precisão. Sàmente conhecendo os vários sentidos dados
mf.s comb:.navels - digamos, uma mistura de idéias da Filo- a cada palavra,' podemos escolher exatamente aquelas com
so Ia al,e~a e da Ecor;omia britânica. Há um certo estado as quais desejamos trabalhar. Mas êsse interêsse nas palavras
.• ?e 'e~pmto .alegre atras dessa' combÜ1ação, bem 'COmo um vai mais longe;, Em .todo trabalho" especialmente na .análise
mteresse realme~te. muito grande em ver o sentido do ~undo. das afirmações 'teóricas, tentaremos manter a 'atenção' sôbre
qu~ falta ao~ técnicos. Talvez êstes sejam demasiado bem o nível de generalidades de cada palavra, e com freqüência
treinados, tre~nados Com demasiada precisão. Como ninguém verificaremos ser útil decompor. uma afirmação de alto nível
pode ser trel~ado. apenas no que já é conhecido, o treina: ',., em sentidos mais concretos. Quando isso é feito,a afirma-
lento por vezes IDcapacita-nos de aprender novos modos: ção frequentemente se desdobra em dois ou três componen- '
eva-nos a rebelar-nos contra o que deveria ser a princípio' tes, cada qual com dimensões diferentes. Também tentare-
espontâneo e desorganizado mesmo. Mas lcmo~de nos ape: mos elevar o nível de generalidade, afastar os qualificadores
gar a Imagens e .noções vagas, se forem nossas; e devemos de-. específicos e examinar a- afirmação ou dedução reformulada
senvolvê-Ia~, P?IS quase sempre as idéias originais se apre- mais abstratamente, para ver se a podemos ampliar ou de-
sentam assim, ,micialmente .. senvolver. Assim; de cima e de baixo, procuramos conhecer,
em busca de um sentido mais 'cláro, todos os aspectos e im-'
plicações da idéia.
. Há formas definidas creio, de estimular a imaginação 3) Muitas das noções gerais que encontramos .se elas-
sociológica: .' . '
sífícam em tipos, quando sôbre elas refletimos. Uma nova
1)., N.o nív,el mais conéreto, a .redisposição do arquivo .. classificação é o início habitual de urna evolução proveitosa.
como ja disse, e uma forma de convidar a imaginação. Sim:' A capacidade de estabelecer tipos e em seguida procurar as
plesrnente esvaziamos pastas ate então desligadas entre .si condições. e conseqüências de cada tipo se tornará, em suma,
mtsturarnos s.eu conteúdo, e lhe damos nova disposição. Pro~ um procedimento automático. Ao invés de nos contentarmos.
curam~.s. f~ze-lo de forma mais ou menos despreocupada com as classificações existentes; em particular as ditadas pelo
A fr~quencla e a. extensão dessa nova arrumação variam com bom senso devemos buscar os denominadores comuns e Iatô-
os 1iferentes problem:s. que temos, e com a forma pela qual res de dif~renciação dentro e 'entre elas. Os bons tipos exi-
evo uern. Mas a mecanica do processo é apenas essa. Deve-' gem que. os critérios de classificação sejam explicitos e sis-
mos. ter em mente, decerto, os vários problemas sôbre os temáticos, Para isso, temos de desenvolver o hábito da clas--
quais estamos trabalhando ativamente, mas também. pro- sificação cruzada.·
cura:emos ~r passivamente receptivos a qualquer ligação im- A técnica dessa classificação não é, decerto, limitada ao
prevista e nao-planificada. . material quantitativo; na verdade, é a melhor fOrma de ima-
~' ginar e obter novos tipos, bem como criticar e' esclarecer'
i .outros, mais antigos. 'Cartas, quadros e diagramas i de tipo
82 Ver "os excelentes t'
criadora" de Hutch' ar ~goS sõbre ·percepção" e "realização qualitativo não são apenas formas de, evidenciar o trabalho
nízado nor Patríck lnMsoln,1hem tudy of lnternational, RelCltions, orga- já realizado -:- são, com freqüência" Instrumentos autênticos
'" 1 U a Y. N. York, .1949.
da produção. ' Esclarecem as "dimensões" dos tipos,que tam-
228
229
·..
..::"

bém nos ajudam a imaginar e construir. Na verdade nos úl~ móvel colhendo luz de tantos ângulos quanto possível.
times quinze anos não creio ter escrito mais de uma dúzia de Quant'o a isso; escrever diálogos é muito útil.
páginas de esboços sem usar a classificação cruzada - embora
decerto, não se revelem tais diagramas. A maioria dêles Muitas vêzes nos descobriremos pensando contra algu-
n~o revela qualquer utilidade, mas ainda assim teremos apren- ma coisa, e ao procurar compreender um, nôvo campo ~t~
dído alguma coisa, Quando funcionam, ajudam-nos a pensar lectual, uma das primeiras coisas a Jazer é expor os pnnci-
com mais clareza e escrever com mais objetividade. Permi- pais argumentos. Um dos sentidos da expressão "estar a par
tem-nos descobrir o pleno alcance e as relações dos têrrnos da literatura" é ser capaz de localizar os adversários e ami-
mesmos com os quaís pensamos e os fatos de que nos ocupamos. gos de todo ponto de vista existente. Incídentalrnente, não
é muito aconselhável nos impregnarmos demasiado da lite-
Para o sociólogo, a classificação cruzada é o que a dia- ratura - podemos afogar-nos nela, como Mortímer. Adler.
grarnação de uma sentença é para o grarnático. Sob muitos 'TalveZ o importante seja saber quando devemos e, quan-
aspectos,a classificação cruzada é a gramática mesma da ima- do não devemos.
ginação sociológica. Como' tôda gramática, deve ser con-
trolada, não se lhe permitindo escapar aos seus objetivos. 5) O fato de que, em favor da simplicidade, na elas-
sííicação cruzada, devemos trabalhar primeiro em têrmos de
4) Freqüentemente, temos a melhor percepção consi- sim-ou-não, estimula-nos a pensar nos extremos opostos. Isso
derando os. extremos - pensando o oposto daquilo que nos é geralmente bom, pois a análise qualitativa, ná? pode proIX?r- •
preocupa diretamente, Se refletimos sôbre o desespêro, pen- cíonar as 'freqüências ou grandezas. Sua técnica e seu obje-
samos também, então, na tranqüilidade; se estudamos o ava- tivo e dar a variedade dos tipos. Para muitas finalidades, não
rento, lembramo-nos do perdulário. A coisa mais difícil no precisamos de -mais do que isso, embora para outra, decerto,
m,~do ~ estudar um objeto: quando procuramos contrastar precisemos de obter' uma idéia mais precisa das proporções
vanos d~les, ternos melhor percepção dos materiais c pode- em jôgo.' .
n~os e~lluo estabelecer as dimensões em que as comparações
A imaginação pode ser libertada, .às vêzes, invertendo-se
sao feitas. Veremos que oscilar entre a atenção e essas di- delíberadarnente o senso de proporção. OJ Se alguma coisa nos
mensões e os tipos. concretos é bastante esclarecedor. Essa parece .muíto pequena, imaginar que é simplesmente enorme,
t~cnica é também làgicamente sólida, pois sem uma amostra, e indaguemos: 'que diferença faria isso? E vice-versa, p~ra
s? .podemos formular' suposições sôbre , as 'freqüências esta- os fenômenos gigantescos. Que aspectos teriam as aldeias
t:stlCas: o que pode~os fazer é dar o alcance e os principais analfabetas, COm populações de 30 milhões? Hoje, pelo me-
tipos de alguns fenômenos, e para isso é mais' econômico 'nos) não penso, nunca, em contar realmente, ou medir,
é~n:eça~mos c~onstruindo "tipos polares" que se oponham em nada antes de ter jogado com cada um de seus elementos
varias dimensoes. Isso não quer dizer) naturalmente, que não e condiçôes e conseqüências, num mundo imaginário no' qual
lutare~os 'para ganhar e manter um senso de proporção _ controle a escala de tudo. É, isso que- 'os estatísticos -deve-
que nao busquemos uma chave para as freqüências de deter- riam entender mas não entendem, com sua horrível [rasezí-
~inados tipos. Na verdade, estarnos sempre tentando COm- nha "conhece; o' universo de fazer a amostragem".
bm?r essa busca com a procura de índices para os quais po-
denamos encontrar ou colhér estatísticas. G) 'Qualquer que. seja o problema de qu: nos ocupa-
mos veremos ser útil tentar obter uma percepçao comparada
Devemos USar vários pontos de vista ~ essa a minha idéia do material. A busca de casos comparáveis, seja numa ci-
c,e~tral. Perguntaremos, por exemplo, como um cientista po- vilização e período histórico, ou em vários, nos dá as chaves.
Iítioc que .lemos rec~n,temente abordaria tal pontol ou como
o abordanam tal psícólogj, experírnen tal, ou tal histOriador?
Pr~curan:os pensar em têrmos de vários pontos de vista, e es Kenneth Burke, an~lisando Nletzsc:he, deu a isso o nome de
, assim deixamos que nossa mente se transforme num prisma "perspectiva pela incongruência". Ver' Burke, Permanence, and
Change, N. York, 1936.
230
231
".
J am~i~ deved~mos pensar em descrever uma, instituição na conhecermos êsses temas porque insistem em serem arras-
Amenca do século XX, sem ter em mente instituições seme- tados para todos os tipos de tópicos e talvez julguemos que
lhantes em outros tipos de estruturas e períodos. Isso ocor- se trata de simples repetições. E por vêzes o são! É quase
re mesmo que não façamos comparações explícitas. Com certo que estarão, sempre, nos parágrafos mais .densos e con-
o, t:mpo, chegaremos quase automàticamente a orientar bis- 'fusos, mal escritos, 'de nosso manuscrito.
toncament~ a nossa reflexão. Uma, razão disso é que por O que devemos fazer é isolá-Ias e .formulá-los de modo
vêzes o objeto de nosso exame é limitado em número: para geral, com a maior clareza e brevidade possível. Então, bem
têrmos dêle uma percepção comparada, temos de colocá-Ia sístemàtícamente, devemos estabelecer uma classificação cru_O
dentro de, uma moldura histórica. Ou, em outras palavras, zada dêles, dentro do âmbito total de nossos tópicos. Isso
a abordagem pelo contraste exige o exame do material his- e , significa que indagaremos de cada tópico: corno é afetado
'. por êsses ternas? r:: ainda: qual o sentido, se houver, de cada
tórico. Isso por vêzesresulta em aspectos úteis para uma aná- 1..
líse de k>Jdfincias, ou leva a uma tipología de fases. O um dêsses temas e dêsses tópicos?
material histórico, ,portanto; será usado devido ao desejo de O tema pode exigir um capítulo ou uma seção, talvez
se obter um alcance 'maior, ou um ·alcance mais adequado ao ser introduzido inicialmente, ou talvez num sumário final.
de algum fenômeno - e por isso entendo uma perspectiva .,. . Em geral, creio que a maioria dos autores - bem como dos
que inclua as variações de dimensões conhecidas. Certo co- pensadores mais sistemáticos - concordarão que 'em deter-
nhecimento da história é indispensável ao sociólogo; nem tal minada altura todos os temas devem aparecer juntos, em
conhecimento, não importando o que mais saiba, estará sim- relação mútua. Com freqüência, embora nem sempre, é pos-
plesmente inválido. sível fazer isso no início de um livro. Habitualmente, em
7) Há, finalmente, um ponto que tem mais relação qualquer livro bem construído, deverá ser feito mais ou me-
com o ofício de preparar um livro do que com a liberação nos no fim. E, evidentemente, em todo o livro devemos
da imaginação. Esses dois aspectos são, porém, com fre- pelo menos relacionar' os temas com cada tópico. É mais
qüência, um mesmo: a forma pela qual dispomos o material fácil escrever sôbre isso do que fazê-Ia, pois a questão nem
para apresentação sempre afeta o conteúdo de nosso traba- sempre é tão mecânica. quanto aparenta. Mas por vêzes é
lho,'. Adquiri tal. idéia com um grande compilador, Lambert - pelo menos, se os temas estão devidamente isolados e es-
Da~J.S, que d.epols de ver como a usei, creio que não a acei- clarecidos. Mas aí está a questão. Pois aquilo que no con-
~ -..I texto do' artesanato literário tem o nome de tema, no COn-
tana como filha sua. Essa idéia é a distinção entre o tema
e o tópico. I j.... texto do trabalho. i~telectual recebe o nome .de idé!as.

. O tópico é um assunto, como "a carreira dos diretores


o-, ~"~ Podemos verificar, por vêzes, que um livro nao tem, na
>vIr (;J' realidade, temas. É apenas uma fileira de tópicos,' cercados
de emprês~" ou "o crescente poder dos oficiais militares", .~ ir: r( por introduções metodológicas à' metodologia, introduções
ouvo declínío das matronas na sociedade". Habitualmente, j' : [' IÍ teóricas à teoria. Elas são; na verdade, indispensáveis ao
a maior parte do que temos a dizer sôbre um tópico pode ~ J' ~ preparo de livros por homens sem idéias. .E indispensável
ser fàcilmente colocada num capítulo ou parte de capítulo.' '(j'~ \/{ \ também é a .falta de inteligibilidade.
Mas a ordem na qual todos os nossos tópicos é disposta nos ,y.
leva, com freqüência, ao reino dos temas. 'J~'
(I 5.
O tema é uma idéia, habitualmente de alguma tendên-
cia .significativa, um conceito importante, uma distinção-cha- .,
- -)J
Todos concordarão em que Os trabalhos devem ser apre-
ve, com a racionalidade e razão, por exemplo. Ao trfballiar- sentados em linguagem clara e simples" na medida em que
mos na construção de um livro, quando chegamos a com- o assunto e os pensamentos o permitam. Mas como podere-
preender os. dois. ou três ou, segundo o caso" os seis ou sete mos notar, uma prosa empolada e políssílábíca não predo-
ternas, então saberemos que estamos no' alto da tarefa. Re- mina Das Ciências Sociais .. Os que a empregam julgam, creio
.

eu, estar imitando a "ciência física", e não' têm consciência não aprendê-lo. Tomou-se uma. convenção - os que não o
de que tal prosa não é totalmente necessária. Já
disse, na empregam, estão sujeitos à desaprovação. l~ode ser resultado
verdade e com autoridade, que há "uma crise seria na alfa- de um cerrar fileiras acadê-micas dos medíocres, que compre-
betização" - crise de que participam os cientistas sociais. &. '·1 enslvelments -excluem aquêles ..que despertam a atenção das
Será essa linguagem peculiar provocada pelo fato de estarem J
i pessoas inteligentes, acadêmicas ou não. .
sendo debatidos questões, conceitos, métodos sutis e pro- .,\
fundos? Se não, quais então as razões daquilo que Malcolm \
Cowley chamou, apropriadamente, de "soclíngua"? es Será \. . Escrever é pretender a atenção dos leitbres. Isso é parte
ela realmente necessária para um trabalho adequado? Se de qualqu.er. estilo .. Escrever' é também pretender para si um
fôr,nada se poderá fazer; mas se não Iôr, então COmo staius pelo menos bastante para ser lido .. O jovem acadê-
evitá-Ia? .., I
mico participa muito de arribas as pretensões, e porque sente
Acredito que essa falta de inteligíbilídade fácil habitual- I que lhe falta uma posição pública, com freqüência coloca o
mente nada tem a ver com a complexidade do assunto, nem l1 staius acima da atenção do leitor a que se dirige. Na verda-
de, na América, até mesmo .os mais realizados homens de
com a profundidade do pensamento. Relaciona-se quase to-
.,. conhecimento não gozam de' muito prestígio entre amplos
talmente com certas confusões do autor acadêmico sôbre seu
próprio staius. I
I
círculos e públicos. Sob êsse aspecto, o caso da Sociologia é
um exemplo extremo: em grande parte, os hábitos socioló-
Em muitos círculos acadêmicos, hoje, quem tentar es- gicos de estilo nasceram na época em que os sociólogos tinham
crever de forma simplesmente inteligível é condenado como reduzido staius, até mesmo entre outros intelectuais. O
"simples literato" ou, pior ainda, como "simples jornalista". desejo de prestígio é uma das razões pelas quais os acadê-
Talvez o leitor já saiba que tais frases, tal como habitual-
. mente usadas, indicam apenas uma dedução espúria: super-
I
I
micos escorregam, com tanta facilidade, para o ininteligível.
E esta é, por sua vez, a razão pela qual não alcançam 6
ficial, porque compreensível. O homem acadêmico na Amé- I
siaius desejado. Um círculo verdadeiramente vicioso - mas
rica está procurando levar uma vida intelectual sériaynum do qual qualquer intelectual pode sair fàcilmente,
contexto social que, com freqüência, parece contrário a ela.
Seu prestígio deve compensar muitos dos valôres predomi- I Para superar a prosa acadêmica, temos. de superar pri-
meiro a: pose acadêmica. É muito menos importante estudar
nantes que sacrificou ao escolher a. carreira acadêmica. Seu
desejo de prestígio toma-se dependente de sua auto-imagem
. como' "cientista". Ser chamado de "mero jornalista" faz com
.que se sinta indigno e superficial. É esta situação, creio, a
I
f
!
a gramática e ·as raizes da língua do que esclarecer nossas
respostas a estas três perguntas: 1) Quais, no final das con-
tas, a dificuldade e a complexidade de meu assunto?' 2) Quan-
do escrevo, que' staius estou pretendendo para mim mesmo?
razão do vocabulário complicado e da forma prolixa de es- i
.i 3) Para quem procuro escrever? . ' .
crever e falar. É menos difícil aprender tal estilo do que
1) A resposta habitual à primeira pergunta é: nã; é
tão difícil e complexo quanto a forma adotada para apresen-
et Foi Edmund Wilson' considerado de modo geral como "o t~-lo. A prova disso está em tôda parte: revela-se' pela faci-
melhor critico no mundo de 'Ungua inglêsa", que escreveu: "Quanto
à minha experiência com artigos de especialistas em Antropologia e lidade Com que 95% dos livros de ciência social podem ser .
Sociologia, levou-me a concluir que a exigência. em minha univer- traduzidos em linguagem ao alcance de qualquer pessoa
sidade ideal, de. ter os trabalhos de todos os departamento"s subme- medianamente culta. ee
tidos a um professor de Iíngua, poderia resultar nó revãluclcnamento
dêsses assuntos ~ se é que o segundo dêles conseguíése, realmente,
sobreviver." A Piece of MV Mind, N. York, 195{). p. 164.
ao . Para alguns exemplos dessa tradução, ver o capitulo 2. Inci-
e; Malcolrn Cowley, "Sociological Habit Patlerns in Linguistic:' dentahnente, o melhor livro que conheço sôbre o problema de reda-
Transmogrification", The Repórter, 20'de setembro de 1956, pp. 41 e 55. ção é o dé Robert Graves e Alan Hcdges, The ·Re-ader Ouer YOUT

234 235
Mas, indagará o leitor, não precisamos, por vêzes, de têr- A habilidade do autor está em fazer que o círculo de sen-
mos técnicos?·07 ~ claro que sim, mas "técnico" não signi- tido do leitor coincida exatamente com o seu, escrever de tal
fica necessàriamente "difícil", e sem dúvida, não significa um modo que ambos fiquem no mesmo círculo de. sentido con-
mero jargão. Se os têrmos técnicos são realmente necessá- trolado.
rios, e também seu sentido é explicado ..clara e precisamente,
não será difícil usá-los num contexto simples, que os apre-
Meu primeiro ponto, portanto, é o de que a maioria da
· "soclíngua". não tem relação com qualquer complexidade de
sente Significativamente para o leitor. assunto ou pensamento. :E:. usada..:.. creio que quase i total-
Há talvez uma objeção: as palavras da linguagem comum mente -' para as pretensões acadêmicas. Escrever. dessa
estão quase sempre "carregadas" de sentimentos e valôres e ..i,. forma é dizer para o 'leitor (quase sempre íriconscientemente,
por isso seria melhor evitá-Ias em favor de novas palavras .!
r tenho a certeza): "Sei de alguma coisa. tão difícil que você
ou têrmos t'::I:riicos. Eis' minl:ia respcsta·:: é' certo "que ,as pa-' só poderá' compreendê-Ia se aprender primeiro' minha 'lingua-
lavras comuns estão por vêzes "carregadas". Mas muitos
têrrnos técnicos em uso na ciência social também estão car-
"regados. Escrever com clareza é controlar tais "cargas", dizer
II
gem difícil. Enquanto isso, você é' um mero jornalista;' um
leigo, ou algum outro tipo subdesenvolvido,"

exatamente o que queremos, e' de forma que somente êsse


sentido, e apenas êle, será entendido pelos outros.
nhamos que DOSSO sentido pretendido esta limitado por um
Supo-
2) Para responder à segunda pergunta, devemos dis-
tinguir duas formas de apresentar o trabalho de' ciência so-
cial, segundo a idéia que o autor faz de si mesmo, e a voz

círculo de um metro e meio, no' centro do qual ficamos nós; com a qual fala. Uma forma nasce da idéia de que êle é um
suponhamos que '0 sentido compreendido pelo nosso leitor · homem que pode gritar, murmurar ou rir. entre dentes -
é outro círculo semelhante, no qual está êle, Os círculos, mas será sempre entendido.. É também evidente o tipo de
esperemos, se confundem. As proporções em que êles se homem que é: confiante ou neurótico, direto ou complicado,
confundem retratam o êxito com que nos comunicamos. No é o centro de experiência e. pensamento. Descobriu alguma
círculo do leitor, a parte que não se confunde - 'é a área coisa, e nos está falando dela, explicando como a descobriu.
do sentido não-controlado; êle lhe deu o sentido que quis. É 'essa a voz existente atrás das melhores exposições.
Em nosso círculo, a parte que não se confunde - é outra
mostra de nosso fracasso: não conseguimos transmiti-Ia. A outra forma de apresentar o trabalho' é a de não usar
qualquer voz humana. Essa forma de escrever não é, absolu-
· tamente, uma "voz". É um som autônomo, 'uma prosa Iabrí-
~h01.Lder, N. York, 1944. Ver também o excelente debate por Barzun cada por uma máquina. O fato de estar cheia de [argão não
e Grat!, The ModeTn Resea.TcMT, op. cit.; G. E. Montague, A. Wri- é tão digna de nota .quanto seu rnaneírísmo extremado; rião
ter'3 Nous on His Tra.de, Londres, '19W-1949, e Bonamy Dobrée, é apenas impessoal, é pretensiosamente' impessoal. Os bo-
Modem. 'Prose Style, Oxford, 1934-1950. ..
letins governamen·tais· são, por vêzes, escritos nesse 'estilo .
.6r Os que compreendem B. linguagem matemática muito melhor As cartas comerciais também. E grande parte da cíêncía
do que eu dizem. ser ela precisa, econômíca.. clara. É .por isso que
descon!lo de tantos cientistas sociais que pretendem para a Mate- social. Qualquer escrito - com exceção talvez de alguns
mática um lugar central entre os métodos de estudo social, e não grandes estílístas -' que não seja imagínável como discurso
obstante escrevem prosa Imprecisamente, antieconómlcamente e humano é um mau escrito. .
obscuramente. Deveriam tomar uma lição com Paul Lazarsfeld, que.
acredita multo na Matemática e cuja prosa sempre revela, até mesmo'
rium primeiro esbôço, as qualidades matemáticas indicadfs. Quando 3) Mas finalmente há a questão dos que devem ouvir
não posso compreender sua Matemática, sei que isso é flnseqüência a voz - e refletir nisso também nos leva a pensar nas ca-
de minha ignorância; como discordo do que êle escreve em lingua- racterísticas' do estilo. É muito importante para. qualquer
gem não-matemática, sei que é porque êle está enganado, pois sem-
pre entendemos precisamente o que .êle está dizendo, e portanto ·autor ter em mente exatamente quais os públicos a que se
exatamente onde se enganou. dirige - e também o que realmente pensa dêles, Não são

236 23.7.
II
"

Há ainda outro ponto relacionado com a influência mútua


questões fáceis: para respondô-Ias bem são necessárias de_O entre' a escrita e o pensamento. Se escrevermos apenas com
cisôes sôbre si mesmo bem corno sôbre o conhecimento elo "1
referência ao que Hans Reíchenbach chamou' de "contexto
público leitor. Escrever é 'pretender ser lido, mas por quem? da descoberta", seremos compreendidos por muito pouca
Uma resposta foi sugerida por meu colega, Lionel Tríl-
1 gente; além disso, tenderíamos a ser bem subjetivos em nos- '
líng, que me autorizou a reproduzi-Ia. Devemos supor que'
nos pediram uma conferência sôbre um assunto que conhe- I sa formulação. Para tornar mais objetivo o nosso pensa-
mente, qualquer que seja, devemos trabalhar no contexto da
cemos bem, perante um público de professôres e alunos de
todos os departamentos de uma importante universidade, bem
!i apresentação. Finalmente, apresentamos nosso pensamento
a nós mesmos, o que tem, com freqüência, o nome de "pen-
como várias pessoas interessadas, vindas da cidade próxima.
Suponhamos que êsse público está à nossa frente, e que tem
I
\I
sar claramente". Então, quando sentirmos que o temos em
forma, o apresentamos a outros - e verificamos que não. o
o Aireilo de sa ber; suponhamos que estamos dispostos' a deixamos claro. Estarnos, agora, no "contexto da apresen-
transmitir-lhe êsse conhecimento. E, escrevamos, i
tação". Por vêzes observamos que. ao .tentar apresentar nos-
so pensamento, o modificamos - não só em suas formas,
Há quatro possibilidades simples à disposição' do cien-
tista social como autor, Se êle se reconhecer C0ll10 uma voz
e supor que fala para um público como o que descrevi, ten-
I .,
I
i,
mas também em seu conteúdo. Surgirão novas idéias à me-
dida que trabalharmos no contexto da apre.sentação. Em .s~ma,
será um nôvo contexto de descoberta, diferente do original,
tará escrever lima prosa legível. Se considerar-se como uma
voz, mas não tiver CJI1:llCJuer r-onsciôncia elo público, poderá 1
em nível mais alto, creio, porque mais socialmente objelivo.
cair Iàcilmcute em elucubraçôes ininteligíveis. Deveria ter E novamente não podemos divorciar o que pensamos do que
mais cautela. Se considerar-se menos uma voz do que um escrevemos. .Ternos de nos movimentar entre êsses dois con-
agente de algum som impessoal, então - se encontrar pú- textos, e sempre que nOS movimentamos é bom saber para
blico - mais provàvclmcute será um culto, Se, sem conhe- onde estarnos indo,
cer sua própria voz, não encontrar nenhum público, mas
falar apenas para um registro que ninguém faz, então supo- 6,
nho que teremos ele admitir que se trata ele um verdadeiro
fabricante de prosa padronizada: um som anônimo num gran- Do que eu disse, poderemos compreender que na prá-
de salão vazio,' É um espetáculo aterrorizador, como na tica jamais "começamos a trabalhar num projeto": já esta-
'nove.!a de Kaíka, e realmente deve' ser: estarnos falando do mos "trabalhando", seja num veio pessoal, nos arquivos, nas
,..~irriite da, razão, "

notas tomadas aos rascunhos, ou nos, empreendimentos dirí-


A linha entre a profundidade
freqüência, delicada; perigosa mesmo.
e a verborragia é, com
Ninguém negará o
I
\
gídos, Seguindo êsse modo de vida e trabalho, haverá sem-
pre muitos tópicos que desejaremos ampliar! Depois de nos
encanto curioso' daqueles que '--:- como, no .pequeno poema decidirmos quais são êles, tentaremos usar topo o nosso ar-
de Whítrnan - ao início de seus estudos, ficam tão conten- quivo, nossas notas de leitura, nossa conversação, nossa sele-
tes e atemorizados, ao mesmo tempo, com o primeiro pas- <'.ãode -pessoas - tudo, para êsse tópico' ou tema, Estamos
so, que não desejam mais ir além. Em si, a língua constitui :ocurando construir um pequeno mundo encerrando' todos
um mundo maravilhoso, mas, envolvidos nesse mundo, não os elementos-chaves que participam Ido trab~lho.a ser exe-
devemos tomar a confusão do início com a profundidade dos cutado colocar cada um dêles em seu lugar;' de modo sís-
resultados acabados. Como membros da comunidade ,aca- temátíco, reajustar continuamente essa estrutura em relação
dêmíca, devemos ver-nos como representantes de tuma lín-
aos' fatos que ocorrem em cada uma de suas partes. Viver
guagem realmente grande, e esperar e exigir de nós mes-
simplesmente nesse mundo construido é 'saber o que é ne-
mos que, ao falar ou escrever, estejamos dando, prossegui.
mento ao discurso do homem civilizado. cessário: idéias, fatos, idéias, números, idéi,s.

239
'1' _

. Assim, descobriremos e descreveremos, fixando os tipos 2) Evitemos a síngularídade bízantína dos Conceitos
para a ordenação do que descobrimos. focalizando e organi- associados e dissociados, .0 rnaneírismo da verborragia. Im-
zando a experiência, distinguindo os itens por nome. Essa ponhamos a nós mesmos, e aos. outros, a simplicidade das
busca de ordem nos levará a procurar padrões e tendências afirmações claras. Só usemos os têrmos complicados quando
encontrar 'relações que possam ser típicas e causais. Pro- acreditarmos firmemente que sua utilização amplia o âmbito
curarer,n0s, em suma, os sentidos das coisas que encontramos, de nossas sensibilidades, a precisão de nossas referências, a
das COIsas que possam ser interpretadas como mostra visível profundidade de nosso raciocínio. Evitemos usar a inínteligí-
de algo invisí~el. Faremos um inventário de tudo o que bilidade como meio de fugir aos julgamentos sôbre a socie-
parece envolvído no que estnmos procurando compreender, dade - c como meio de Iugír aos julgamentos cios leitores
Buscaremos o essencial, e cuídadr».. .'.,sisternàticamente rela- sôbre nosso l.,.d~:lll:c.
ci?~<lrc;:n0:: êsses itens com outros.. a LUl de formar uma es-
'. 3) Façamos as construções trans-hístóricas que julgar-
pecie de rncdêlo funcional. E então relacionaremos êsse mo-
mos necessárias, mas pratiquemos- também as rninúcias sub-
dêlo COm o que estivermos procurando explicar. Por vêzes -históricas. Estabeleçamos uma teoria bastante formal e mo-
é dífícíl, mas com freqüência, não o conseguiremos. '
delos do melhor modo possível. Examinemos' em detalhe os
. Mas sempre, entre todos os detalhes estaremos buscan- pequenos fatos e suas relações, e os grandes acontecimentos
do incUcadC?res que possam mostrar a pri~cipal tendência, 'as ímpares também, Mas não sejamos fanáticos: relacionemos
formas subjacenres e as tendências do 'âmbito da sociedade todo êsse trabalho, continuamente e de perto, com O nível
em meio do século XX. Pois, no fim, é isso - a variedade da realidade histórica. Não suponhamos que alguma outra
humana - que constitui sempre o objeto de nossos escritos: pessoa fará isso para nós, algum dia, nalgum. lugar. Torne-
Pensar é lutar para impor ordem, e ao mesmo tempo mos nossa tarefa como deíínídora dessa realidade; formule-
abarcar o maior número possível de aspectos. Não deve- mos nossos problemas em seus têrrnos; em seu nível tente-
mos parar de pensar dcmusiado cedo - ou deixaremos de llIOS resolver tais problemas c assim solucionar as questões e
con~ecer tudo o que devemos. Não podemos permitir que preocupações que envolvem. E jamais ·escrevam.os mais de
contínua para sempre, ou nós mesmos explodiremos. É êsse três .páginas sem ler em mente pelo menos um .exemplo
~ile~a, creio, que torna a reflexão, nas raras ocasiões em que sólido. .
I
e mais ou menos bem sucedida, a emprêsa mais apaixonante
de que o ser humano é capaz. 4) Não estudemos apenas um ambiente pequeno de-
pois' de outro: estudemos as· estruturas sociais nas quaís os
ambientes estão organizados. Em têrrnos dêsses estudos de
. - Talvez eu pOSSa resumir melhor o que venh~ procurando . estruturas mais' amplas, escolhamos os ambientes que precisa-
dizer, .na forma de alguns preceitos e avisos: mos estudar detalhadamentee os examinemos de' modo a com-
preender a. influência mútua entre êles e a estrutura. Pro-
1) . Sejamos um bom artesão: evitemos qualquer nor-i. . cedamos de modo semelhante no que se relaciona com o pe-
ma de procedimento rígída .. Acima de tudo, busquemos de- ríodo de tempo. Não sejamos apenas jornalistas, por' mais
senvolver e usar a imaginação sociológica. Evitemos o fetí- I precisos. O jornalismo pode ser uma grande realização Inte-
chísmo do método e da técnica. É imperiosa a reabilitação I lectual, mas a nossa é maior! Não ·nos limitemos, portanto,
d? artesão intelectual despretensioso, e devemos tentar ser, i a relatar pesquisas insignificantes em limitados momentos de
DOSmesm~s, êsse artesão. Que cada homem seja seu próprio I tempo. Tomemos como nosso âmbito temporal o curso da
metodologísta, que, cada homem seja seu própri~ técnico; I 'história e localizemos nêle as semanas, anos, épocas que exa-
. ~ue a teona e o metodo Se tornem novamente parte da prá- minamos.
tíca de um artesanato. Defendemos. o primado do intelec-
tual individual; sejamos a mente que enfrenta, por si mes- 5) Devemos compreender que nosso pbjetívo é o en-
ma, os problemas do homem e sociedade. tendimento comparado e pleno das estruturas sociais que sur- .

240 Ml
:'.
, .. ,-.
~ ..

giram e hoje existem na história mundial. Para realizar êsse d~ nossa autonomia moral e ~oütica, aceitando, pelas condi-
çoes de alguma outra pessoa, o praticalismo iliberal do ethos
objetivo, devemos evitar a .especialização arbitrária dos de-
burocrático, ou o pratícalísmo liberal do díspersívo. Muitos
partamentos acadêmicos existentes. Especializaremos' varia-
problemas pessoais não podem ser resolvidos simplesmente
damente nosso trabalho, segundo o tópico e, acima de tudo,
como preocupações, mas devem ser compreendidos em têr-
segundo o problema significativo. Ao formular e tentar re-
m~s _de questões públicas - em têrmos dos problemas de
~olver tais problemas, não hesitemos, na verdade procure-
mos, de forma permanente e imaginativa, valer-nos das pers- c~açao, d? processo histórico. O sentido humano das ques-
pectivas e material, idéias e métodos, de qualquer e de to- toes públicas pode ser revelado relacionando-se tais questões
dos os estudos sensíveis do homem e da sociedade. São nossos com as preocupações pessoais - e com os problemas da vida
estudos; .são parte do .tiLle somos parte; não deixemos' que nos individual. Os 'problemas da ciência social; quando forrnu-
sejam tírados por aquêles que os encerrariam num jargão lados adequadamente, devem incluir tanto as preocupações
estéril e nas pretensões de especialização como as questões, a biografia e a história, e o âmbito de suas
relações complexas. Dentro dêsse âmbito, a vida do indiví-
6) Mantenhamos sempre os olhos abertos para a ima- duo e a evolução das sociedades ocorrem; e dentro dêsse
gem do homem - a noção genérica de sua natureza humana âmbito a imaginação sociológica tem sua possibilidade de
- que pelo nosso trabalho, estamos supondo e considerando influir na qualidade da vida humana de nossa época.
implícita. E também para a imagem da história - nossa
noção de corno a história está sendo feita. Numa palavra,
devemos desenvolver e rever continuamente nossas opiniões
sôbre os problemas de história, de biografia e de estrutura
social, nos quais a biografia e a história se cruzam. Mante-
nhamos nossos olhos abertos para as variedades da indivi-
dualidade, e para os modelos de transformações de épocas.
Devemos usar o que vemos e o que imaginamos como chaves
para nosso estudo da variedade humana.
7) Devemos saber que herdamos e estamos levando
à frente a tradição da análise social clássica; por isso, bus-
quemos compreender o homem não como um fragmento iso-'
lado, não como um campo ou sistema inteligível, em si mes-
mo. Procuremos cornpreendê-lo como agente histórico e'
social, e as formas pelas quais sua variedade é complexa-
mente selecionada e íntríncadamente formada' pelas varie-
dades de sociedades humanas. Antes de concluirmos qual-
quer trabalho, por mais ocasional, orientemos êsse trabalho
. para a tarefa central e permanente de compreender a estru-
tura e a 'tendência, o condícíonarnentoe os sentidos, de DOSSO
próprio período, o terrível e magnífico mundo da sociedade
humana na segunda metade do século XX.
8) Não devemos permitir. que as questões públicas, tais
como oficialmente formuladas, nem as preocupações, tais
como experimentadas privada mente, determinem os proble-
mas que estudamos. Acima de tudo, não devemos abrir mão

242 248

Você também pode gostar