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IDENTIDADE COMO SINTOMA DE PERTENÇA

Caio Reis1

Falar de identidade a partir daqui, desta subjetivação que escreve, é muito menos
falar de colonização, de exploração do Brasil, de emaranhados disruptivo e corruptivos,
que uma identidade como alicerce para o alter-ego.

É muito menos, pois, se a dimensão for predominantemente histórica, não será


estoica, portanto, não poderá balizar a transferência da inquietação do que viria a ser
uma identidade.

A identidade é um complexo sistema unitário, mas, não sendo unívoco nem de


unidade. Unidade implicaria em jamais ser dividida, logo, a cisão estaria fechada
ecologicamente por um paradigma científico.

Sem chance de ser uma unidade, já não podemos adentrar ao mundo das
psicoses, nem interessa. Não menos também interessa uma equalização entre identidade
de gênero, de negros, de brancos, de amarelos, índios, fazendeiros, dentre outras
características genotípicas e fenotípicas. Nenhum biologicismo nisso.

Alguns autores como Cunha (2000) tendem a refletir sobre o que une as pessoas,
o que as fazem se aproximar de maneira que queiram entrar nas relações já com algo a
perder. Não existe paradigma que satisfaça a resolução desta equação. Para psicanálise,
o que circula e caminha por diversas vezes e em diversas direções, sempre em busca - e
por isso as pessoas se relacionam poliafetivamente umas com as outras, é o Sintoma.

Qualquer outra tentativa desesperada de definir universalmente e para sempre o


que seria identidade e como ela ocorre no meio social seria desconcertante, como
afirma Bauman (2005):

“...nos projeta num mundo em que tudo é ilusório, onde a angústia, a dor e a
insegurança causadas pela ‘vida em sociedade’ exigem uma análise paciente e
contínua da realidade e do modo como os indivíduos são nelas ‘inseridos’.
Qualquer tentativa de aplacar a inconstância e a precariedade dos planos que
homens e mulheres fazem para as suas vidas, e assim explicar essa sensação de
desorientação exibindo certezas passadas e textos consagrados, seria tão fútil
quanto tentar esvaziar o oceano com um balde. (Bauman, Z. 2005, pág. 8-9).

1
Psicólogo, Psicanalista, Membro da Associação de Psicanálise da Bahia. E-mail:
caiodogreis@hotmail.com
Para explorar como pode ocorrer no meio social um movimento projetivo x
introjetivo – apesar do termo, Calligaris (1991) nos traz:

Não existe uma psicanálise do individual e outra “aplicada” ao sintoma social.


Pois o sintoma é sempre social. Nesta afirmação, aliás, nenhum sociologismo:
pois o que chamamos de individual, a singularidade, é sempre o efeito de uma
rede discursiva, que é a rede mesma do coletivo. (Calligaris, 1991, p. 12).

Assim, começamos a deixar rastros, de letras, de palavras, de linguagem. Na

,
psicanálise não existe precisamente, nem imprecisamente o termo identidade, eis que o
desafio é rastrear como a psicanálise ocupa o lugar para tecer seus comentários e
reflexões. Penso que a psicanálise é um instrumento em que utilizo, para, a partir de
minha identidade confeccionar os trechos seguintes.

Se a psicanálise não remete logo a identidade, o que fala? Pode-se pensar que
caminha pela via da estruturação do sujeito, traços introjetados, relações de amor e ódio,
banho cultural, dentre outras expressões e frases que dimensionam o que pretendemos
trabalhar.

A palavra mais próxima da identidade que a psicanálise utiliza é a identificação,


que poderíamos colocar semelhante a uma hesitação entre o eu e o outro. Uma espécie
de negociação entre o que é oferecido e o que a própria pré-constituição deseja. Nesse
ponto é importante pensar que podemos, em certa, medida responsabilizar um ego
fragmentado. Já podem ser indícios ou denúncias de que a estruturação caminha em
alguma direção.

Nessa denúncia, percebemos que, à medida como as experiências vão


acontecendo, como por exemplo: a forma de choro do bebe, a enurese noturna da
criança, a variação perceptível de comportamento a depender se está ao lado de pai ou
mãe, a formação de próprias regras, a súplica pela autoridade paterna, a resolução de
conflitos através da arte, da música, do sadismo; são experiências de rastros que
anunciam a composição de traços, que quando internalizados se fazem corpo no corpo
do sujeito. Apresenta-se como sutileza da identidade de cada um. Sutileza no real, do
inconsciente.

Não explanarei propositalmente, estrutura histérica, obsessiva ou perversão e


psicose. O lugar desse polo é no equador, bem onde a inibição representa a
representação.
Retomando a questão de unitário, unívoco e unidade, estabelecemos que esse
trinômio faz menção ao cerne do entendimento para antes e depois do desenvolvimento
da palavra identidade. Unitário diz respeito à unidade, porém unidade refere-se à
qualidade ou estado de ser único, de não poder ser dividido. E unívoco, que só apresenta
um significado.

Dissecando melhor esse trinômio, Unitário na língua do latim quer dizer “um”,
além de poder se colocar como adjetivo substantivo masculino. O termo Unidade na
língua do latim quer dizer o mesmo: unidade, além de ser substantivo feminino. O
mesmo vale para Unívoco no latim – aquilo que só apresenta um significado.

A língua se organiza em facetas. Uma palavra que faz alusão à uma outra, de
nada nos interessa para prosseguir, a não ser a primeira palavra mesmo, Unitário.
Assim, unitário sendo um, inclinamo-nos a pensar que o um pode existir desde que seja
sujeito, de preferência praticante da ação. Também pode ser “um sujeito” desde que seja
dividido.

Freud (1930, pág. 16) já comentava acerca deste eu que aparece como Unitário,
Autônomo. É este mesmo Eu autônomo que balizará a identidade do eu na neurose. Sem
essa identidade do eu jamais seria possível que as pessoas tivessem dúvidas do que
fazer, como fazer e por onde se referenciar. Essa identidade do eu que nada mais é que
uma aparência enganosa pelos menos enquanto fachada, pois, do Eu para dentro existe
uma entidade psíquica que Freud chama de inconsciente, sem limites claros, mas já do
Eu para fora, é justamente essa aparência de fachada que irá regular as relações. Sem
espaço nessa explicação para o patológico, pois a neurose é um caminho que negocia a
todo momento entre o eu e o outro, uma espécie de hesitação como já falamos, contudo
é na pausa dessa hesitação que ao capturar um significante e fazê-lo para si que pode
habitar o sujeito.

Aprofundando ainda mais, pensemos o porquê de retornar ao sentido da origem


da palavra, da língua do latim. Uma língua tida como morta para a maioria. Se é morta
em sua superfície é naturalmente simbólica em sua profundidade, por isso que dá
contorno a dimensão da différance, proposta por Derrida.

Ao propor o neografismo différance Derrida inaugura a invenção, a inserção da


letra a na palavra francesa (différence), que serve de suporte para as reflexões acerca da
desconstrução. Com esse novo neografismo é difícil de traduzir em sua complexa
extensão para o português. Segundo Haddock-Lobo (2008):

“Ao meu ver, todas as traduções propostas (diferença, diferência, diferença,


diferænça) não dão conta do movimento da différance, qual seja, o da diferença
como diferencialidade e ao mesmo tempo da diferença como diferimento”.
(Haddock-Lobo, R. 2008, pag. 28).

O movimento de mutação desta palavra nos leva em direção à duas questões:


primeiro que, a letra “a” pode ser observada como “a” de feminino, logo, posicionado
no lugar de possibilidades, de criação, e também observada como pequeno “a” causa de
desejo, que possibilita a conotação de movimento.

Com isso, é possível refletir que a différance é um mecanismo para poder pensar
formas gerais de uma economia. A dinâmica da desconstrução por exemplo. É possível
experimentar ainda em Haddock-Lobo (2008 pag. 34-35), que Derrida dentre algumas
palavras como: “grama”, “rastro”, “espaçamento”, “brisura”, “pharmakon”, “margem”,
afirma que são parte de uma lista interminável de quase-conceitos, onde não podem ser
lidos como átomos, ou seja, não podem ser lidos como unidade, e sim lidos como
“pontos focais de condensação econômica”, passando por locais como em cadeia.
Portanto, sinonímia de cadeia significante. Só existe possibilidade de metonímia se esta
articular o desejo, metonímia do desejo.

Essas ideias são formas de pensar sobre a desconstrução. O movimento duplo de


inversão e deslocamento é utilizado para dois momentos. Por um lado inverter a
hierarquia, e sem um mestre é possível não se prender que é preciso mostrar a
identidade a qualquer custo, e por outro lado, deslocar o olhar para pensar que o estilo e
identidade são formuladas a partir da diferença do plural.

De um outro ângulo Bauman (2005) nos cerca da seguinte afirmativa:

“...de fato, a ‘identidade’ só nos é revelada como algo a ser inventado, e não
descoberto; como alvo de um esforço, ‘um objetivo’; como uma coisa que
ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então
lutar por ela e protege-la lutando ainda mais – mesmo que, para que essa luta
seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária e eternamente inconclusa da
identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta”.
(Bauman, Z. 2005, pag. 21-22).

Essa invenção e reinvenção é muito semelhante ao objeto faltoso na psicanálise,


pois é algo que não precisa e nem há possibilidade de ser nomeado, porém, é o que nos
move em direção, inclusive de autorização diante da lei. Retomamos novamente a
dimensão simbólica que sustenta a assimilação da castração, moldando o sujeito em
direção às suas inquietações e indagações identitárias.

Não pode existir diferença entre o momento de nascimento e a ideia de nação.


Essa ficção limita a pessoa ao estado, que por sua vez tenta totalizar sua própria
identidade através de uma cartilha de características da nação X por exemplo, pois, de
um outro lado a nação Y já apresentou sua cartilha de características ideológico-
culturais.

Quem é você? Se você acredita que você é apenas você, ou seja, unívoco, único,
aí o perigo habita onde a certeza carrega o vazio de inquietações. O que os Outros
fizeram de você para além de “torcer” a linguagem até chegar ao enquadre “moderno”?

Segundo Bauman (2004) a ideia de identidade nasce da crise de pertencimento.


A grande questão que fica é se a palavra identidade está a serviço para criação de laços
de pertencimentos (redes de apoio afeto-ideológico) em uma tribo, ou se antes de ser
palavra, seja uma apropriação do sujeito em sua extensa incompletude.

Quando a identidade é referida ao quesito pertencimento, podemos pensar que a


identificação ou reflexo de reconhecimento, seja uma busca desesperada, justamente
quando a identidade perde a âncora social a qual regulamentava o movimento de
características identitárias. Não é de se assombrar que as imagens sejam o foco das
relações, o topo na cadeia de desejos e necessidades. A imagem antecipa o encontro do
sujeito com sua diferença. Não sendo capaz de modular essa frequência que chega de
forma ruidosa para um ego que está funcionando com a identidade à frente como
mecanismo de defesa; nesse momento podemos pensar no funcionamento das
manifestações de ódio, de superioridade, tendência a formação de grupos. Não seria
estranho se em algum momento surgissem UPAS – Unidade de Pertencimento Afetivo.

Essa reflexão aponta para uma análise do eu e do “nós”. Podemos tirar uma
radiografia de como está o espectro do ego atualmente. Após um ego iniciar seu
processo de constituição, integração ou reintegração, ele começa a perceber mais
nitidamente a diferença entre ele e os objetos.

E se essas unidades de pertencimento afetivo a que me refiro forem do ponto de


vista Freudiano, um congelamento do momento de integração ou reintegração do ego?
Seguindo o fio lógico, a psicanálise ajuda a entender que os estímulos nos
tempos de hoje e aqui cabe propositalmente não indicar o ano, pois a temática passará
ainda por longos períodos para ser digerida e defecada. Ainda sobre os estímulos, é que,
nesses estímulos se encontram investidos, ou melhor, desinvestidos, acarretando um
excesso de sentido em que o Eu se vê impossibilitado de se enxergar, não assimilando o
que desses objetos são respostas aos seus desejos; por exemplo quando um bebe chora
para solicitar o seio materno. Logo, essas unidades de pertencimento afetivo parecem
ser o desespero em direção ao não desprazer externo.

Então, se as UPAs são as massas, é preciso algo para interditar. Segundo Freud
(1930), o que justamente incentiva o Eu para se desprender da massa de sensações
“internas” – analogia com a massa social – são as sensações de dor e desprazer:

“Um outro incentivo para que o Eu se desprenda da massa de sensações, para


que reconheça um ‘fora’, um mundo exterior, é dado pelas frequentes,
variadas, inevitáveis sensações de dor e desprazer que, em sua ilimitada
vigência, o princípio de prazer busca eliminar e evitar. Surge a tendência a
isolar do Eu tudo o que pode se tornar fonte de tal desprazer, a jogar isso para
fora, formando um puro Eu-de-prazer, ao qual se opõe um desconhecido,
ameaçador ‘fora’. (Freud, S. 1930, pag. 18) ”.

Quando Freud nos traz que o Eu precisa reconhecer o fora e por isso distinguir o
que está no interior e o que advém do exterior, a saber, ele coloca o princípio de prazer
como mecanismo de defesa para a integração do ego enquanto reconhecimento
“interior”, pois:

“O fato de o Eu, na defesa contra determinadas excitações desprazerosas


vindas do seu interior, utilizar os mesmos métodos de que se vale contra o
desprazer vindo de fora, torna-se o ponto de partida de significativos distúrbios
patológicos. (Freud, S. 1930, pag. 19) ”.

Ocorre uma inversão quando os portadores de “eu” utilizam o mesmo


mecanismo de integração interna do ego para a integração externa. Mais uma vez
podemos questionar. Que sujeito humano sou eu? Em complemento à questão do
pertencimento, podemos rabiscar sobre a questão ética, ou melhor, sobre o
rebaixamento da ética, de quando um país é assimilado “apenas pela multiplicidade de
costumes e crenças” (Sodré, M. 1999. Pag. 14). E com isso estaríamos certos de que
existiria a confortável realidade de que todos saberiam cuidar uns dos outros, que a não-
diferença seria o “bem supremo”.

Seria esse um mecanismo de defesa contra os desprazeres, os infortúnios


sociais? É razoável pensar que o bem supremo assemelhasse à ideia de que possa existir
um país em que ninguém morra. Nem de suicídio, nem de morte morrida, nem matada,
nem nada, nem palavra de nada. Curioso é que nesse mesmo país em que ninguém
morre, os representantes das capitais não dão um sinal de vida!

Será que a questão então não está na diferença e sim no não reconhecimento da
diferença? Pois, isso aponta para uma falha cabal, esdrúxula e com poucas
possibilidades de enxergar o sujeito não como indivíduo, pessoa ou alguém concreto e
sim como uma instância. (Sodré, M. 1999. Pag. 15).

Sem o não reconhecimento da differánce o que nos resta é a prática do


Gesichtskontrolle2, uma vez que a differánce proposta por Derrida faria um buraco do
tamanho da alienação da massa. Por hora, a prática do controle de rostos nos leva em
direção a perceber que o coletivo está ausente de ausência, de falta. (Sodré, M. 1999.
Pág. 17). Pois, nesse mesmo coletivo a todo momento existem dispositivos capazes de
alertar que o sofrimento pode ser momentâneo, como uma brisa leve, como um tapa de
uma mulher apaixonada, pois a paixão acaba, e no só depois que a relação dita que
sentimento fica e que sentimento sai. Se não existe espaço para lidar com seu próprio
abismo, só resta pensar que esse coletivo é uma piada da Itália com o Brasil. O queijo é
tipo parmesão, tipo gorgonzola, tipo prato, tipo muçarela e assim por diante. O coletivo
é tipo um Outro perverso; disponibiliza um carrega/dor e cada indivíduo que pense que
é sujeito dentro das redes de apoio de pertencimento.

Considerem a seguinte afirmação: O heterogêneo é subtraído de sua diferença


quando a unidade manifesta o todo, tornando-se homogêneo. Que indivíduos sãos esses
que ao se soldarem às massas, apropriam-se de sentimentos e atos que talvez estivessem
de difícil resgate? Ou impedidos frente à uma censura do social. A massa presenteia a
cada um com um Vouche?

Se as aquisições de determinado indivíduo fossem seu mundo particular, o que


poderia acionar pensamentos ou interesses segregados com segredo? O vouche
funcionaria como desvanecimento do sujeito e assim assumiria uma co-identidade, pois
aquele indivíduo saberia que não poderia ser identificado. Esse pseudo sentimento de
pertencimento é extremamente violento no mínimo em dois pontos. Primeiro pela

2
A estética negativa do estrangeiro lastrea sempre os julgamentos na prática do Gesichtskontrolle
(controle de rostos), ou seja, a decisão cotidiana sobre quem pode entrar em clubes, boates, restaurantes
de luxo ou mesmo ser aceito para seguros de automóveis. O nome da prática é alemão, mas sua incidência
é transnacional. (Sodré, M. 1999. Pag. 17).
violência estrutural própria consigo e segundo pela violência que a massa pode
a/ssumir.

O desvanecimento do sujeito ocorre justamente com o “esvanecimento da


personalidade consciente, predominância da personalidade inconsciente, orientação por
via de sugestão e de contágios de sentimentos e ideias de mesmo sentido”. (Le Bon,
1895, pag. 14).

Esse a sumir é algo que existe de particular nas massas, pois os indivíduos
podem encontrar endereço fixo no grupo e tender a evitar sua vida enquanto sujeito.
Seria um mecanismo de defesa onde o grupo teria voz para os indivíduos. Células
autônomas a serviço da unidade.

Nesse sentido de massa, grupo, comunidade, todos seriam unidade e sem


possibilidade de identificar a ação de cada indivíduo? Pois, quando acrescentamos as
massas virtuais por exemplo, Facebook, Grupos de Whatsapp, até pouco tempo o
próprio Orkut, o Instagram (que seria uma investigação mais em direção ao grão de
gozo 3 que análise de massas), como podemos analisar essas massas virtuais, ou melhor,
seriam elas realmente massas?

É razoável pensar que ambas apontam para um mal-estar. Tanto as massas ditas
reais, como as massas denominadas virtuais. Nas massas reais, a unidade prevalece e o
anonimato também, o que já difere da massa virtual, pois, um pensamento, uma frase,
independente do perfil fake ou genuíno, ali, o sujeito é posto para se responsabilizar. E
ainda pode existir complemento se o “outro” inserir suas impressões acerca daquele
indivíduo em específico.

Se por um lado, cada vez mais, grupos vão ganhando força, variedade, voz,
vaidade, impulsividade, denunciando assim uma falha constitutiva onde o indivíduo
busca a não identificação, portanto a não-diferença como também o não reconhecimento
de seus atos; o mérito é da massa, por outro lado, no mundo virtual, parece existir
populações que agrupam-se por temática, interesses, muitas vezes emitindo opiniões
antecipatórias em função que re-conheçam sua identidade, precipitando assim um
looping semelhante ao ligar e pagar de luzes. Como reconhecer alguém a partir de fora e
não a partir do conhecimento próprio que aquele indivíduo porta e abre em semblante?
3
Grão de gozo refere-se à uma possibilidade de que a escrita seja análoga ao da história pessoal ou escrita
real, onde o escritor autoriza a se des/subjetivar para que o autor possa surgir. Corresponde ao pedaço de
real de Lacan e que pode conduzir o jogo para escanção do sujeito ou evaporação.
Após essas reflexões é possível pensar na aglutinação de pessoas no virtual
como massa, pois também tendem de forma expansiva e perspicaz ao desmoronamento
do consciente em prevalência da antecipação da pseudo identidade, munida de intenções
e atos inconscientes.

O anseio por alguma coisa que lhes digam o que fazer ou quem ser, são
invariavelmente o que há de mais assustador que acontece e do que virá a se
desenvolver. É assustador pois, a dimensão não é apenas política, social, cultural,
econômica ou biológica. Torna-se assustador na medida em que o desejo não é mais
visto como investimento libidinal, portanto, pessoal, particular, como uma espécie de
reconhecimento de si diante da equalizam entre suas escolhas e seus pensamentos, e sim
visto como apenas algo:

“...do desejo de segurança, ele próprio um sentimento ambíguo. Embora possa


parecer estimulante no curto prazo, cheio de promessas e premonições vagas de
uma experiência ainda não vivenciada, flutuar sem apoio num espaço pouco
definido, num lugar teimosamente, perturbadoramente, ‘nem-um-nem-outro’,
torna-se a longo prazo uma condição enervante e produtora de ansiedade”.
(Bauman, Z. 2004, pag. 35)

Nos aproximamos então, após o cruel detalhamento da identidade e articulações


com a psicanálise, filosofia e sociologia, de que o ego e sua pluralidade, ou seja, o “eu”
e suas formações chamadas de massa, são efêmeras e obscuras.

Penso, onde habitar a possibilidade de aguardar outras considerações e reflexões


que não as aqui adjetivadas? Não sei responder, porém é sabido ou pelo menos
desejável de que em cada indivíduo ou em cada gozo possa existir uma reserva de
subjetividade. Uma reserva com passagem marcada para um encontro consigo, onde não
exista uma outra possibilidade a não ser duvidar de suas inquietações.

Nesse sentido, nós psicanalistas, podemos contribuir para que alguém tenha
interesse em reservar uma passagem para um encontro consigo. Pois, até para essa
reserva é preciso desejo. Diametralmente oposto do vouche, a reserva de si carrega um
grão de subjetividade, um grão de desejo, que, se bem articulado, possa iniciar a
diminuição de danos, se é assim que podemos traduzir.

E quando me refiro a nós psicanalistas, não se engane, há psicanalistas mais fora


que dentro. Mais precisamente, é o mesmo que dizer, não pode só ajudar a incentivar o
desejo de reserva consigo quem é Psicanalista, e sim muito mais quem consegue de
alguma forma articular a transferência com o outro. E para isso o que menos interessa é
a teoria.

Algumas pessoas têm a sensibilidade de ceder seu corpo para a partir de um


lugar, situar uma conexão onde o eu e o outro possam se comunicar de várias formas e
em várias posições. Um estilo de cópula intersubjetiva.

Por isso que lidar consigo e com o (s) outros (s) é uma prática que desenvolve o
saber de si possibilitando enxergar quais posições você ocupa e quais posições que te
colocam a ocupar.

A questão da identidade está longe de ser apenas uma herança histórica, pois
antes de ser herança e antes de ser explorada, na terra, existiam seres com e sem reserva
de subjetividade. A cultura parece modular os meandros de como esses sujeitos vão se
apresentar, mas a garantia habita exatamente no oco do vento.

REFERÊNCIAS

FREUD, S. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e


outros textos (1930-1936). São Paulo, Companhia das Letras, 2010.

ARAGÃO, L. T [et al]. Clínica do Social: ensaios. São Paulo, Escuta, 1991.

HADDOCK-LOBO, R. Derrida e o labirinto de inscrições. Porto Alegre, Zouk, 2008.

WILLEMART, P. psicanálise e teoria literária: o tempo lógico e as rodas da escritura e


da leitura. São Paulo, Perspectiva, 2014.

SODRÉ, M. Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis, Vozes,


1999.

LE BON, G. Psicologia das Multidões. França, Delraux, 1980.

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