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Caio Reis1
Falar de identidade a partir daqui, desta subjetivação que escreve, é muito menos
falar de colonização, de exploração do Brasil, de emaranhados disruptivo e corruptivos,
que uma identidade como alicerce para o alter-ego.
Sem chance de ser uma unidade, já não podemos adentrar ao mundo das
psicoses, nem interessa. Não menos também interessa uma equalização entre identidade
de gênero, de negros, de brancos, de amarelos, índios, fazendeiros, dentre outras
características genotípicas e fenotípicas. Nenhum biologicismo nisso.
Alguns autores como Cunha (2000) tendem a refletir sobre o que une as pessoas,
o que as fazem se aproximar de maneira que queiram entrar nas relações já com algo a
perder. Não existe paradigma que satisfaça a resolução desta equação. Para psicanálise,
o que circula e caminha por diversas vezes e em diversas direções, sempre em busca - e
por isso as pessoas se relacionam poliafetivamente umas com as outras, é o Sintoma.
“...nos projeta num mundo em que tudo é ilusório, onde a angústia, a dor e a
insegurança causadas pela ‘vida em sociedade’ exigem uma análise paciente e
contínua da realidade e do modo como os indivíduos são nelas ‘inseridos’.
Qualquer tentativa de aplacar a inconstância e a precariedade dos planos que
homens e mulheres fazem para as suas vidas, e assim explicar essa sensação de
desorientação exibindo certezas passadas e textos consagrados, seria tão fútil
quanto tentar esvaziar o oceano com um balde. (Bauman, Z. 2005, pág. 8-9).
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Psicólogo, Psicanalista, Membro da Associação de Psicanálise da Bahia. E-mail:
caiodogreis@hotmail.com
Para explorar como pode ocorrer no meio social um movimento projetivo x
introjetivo – apesar do termo, Calligaris (1991) nos traz:
,
psicanálise não existe precisamente, nem imprecisamente o termo identidade, eis que o
desafio é rastrear como a psicanálise ocupa o lugar para tecer seus comentários e
reflexões. Penso que a psicanálise é um instrumento em que utilizo, para, a partir de
minha identidade confeccionar os trechos seguintes.
Se a psicanálise não remete logo a identidade, o que fala? Pode-se pensar que
caminha pela via da estruturação do sujeito, traços introjetados, relações de amor e ódio,
banho cultural, dentre outras expressões e frases que dimensionam o que pretendemos
trabalhar.
Dissecando melhor esse trinômio, Unitário na língua do latim quer dizer “um”,
além de poder se colocar como adjetivo substantivo masculino. O termo Unidade na
língua do latim quer dizer o mesmo: unidade, além de ser substantivo feminino. O
mesmo vale para Unívoco no latim – aquilo que só apresenta um significado.
A língua se organiza em facetas. Uma palavra que faz alusão à uma outra, de
nada nos interessa para prosseguir, a não ser a primeira palavra mesmo, Unitário.
Assim, unitário sendo um, inclinamo-nos a pensar que o um pode existir desde que seja
sujeito, de preferência praticante da ação. Também pode ser “um sujeito” desde que seja
dividido.
Freud (1930, pág. 16) já comentava acerca deste eu que aparece como Unitário,
Autônomo. É este mesmo Eu autônomo que balizará a identidade do eu na neurose. Sem
essa identidade do eu jamais seria possível que as pessoas tivessem dúvidas do que
fazer, como fazer e por onde se referenciar. Essa identidade do eu que nada mais é que
uma aparência enganosa pelos menos enquanto fachada, pois, do Eu para dentro existe
uma entidade psíquica que Freud chama de inconsciente, sem limites claros, mas já do
Eu para fora, é justamente essa aparência de fachada que irá regular as relações. Sem
espaço nessa explicação para o patológico, pois a neurose é um caminho que negocia a
todo momento entre o eu e o outro, uma espécie de hesitação como já falamos, contudo
é na pausa dessa hesitação que ao capturar um significante e fazê-lo para si que pode
habitar o sujeito.
Com isso, é possível refletir que a différance é um mecanismo para poder pensar
formas gerais de uma economia. A dinâmica da desconstrução por exemplo. É possível
experimentar ainda em Haddock-Lobo (2008 pag. 34-35), que Derrida dentre algumas
palavras como: “grama”, “rastro”, “espaçamento”, “brisura”, “pharmakon”, “margem”,
afirma que são parte de uma lista interminável de quase-conceitos, onde não podem ser
lidos como átomos, ou seja, não podem ser lidos como unidade, e sim lidos como
“pontos focais de condensação econômica”, passando por locais como em cadeia.
Portanto, sinonímia de cadeia significante. Só existe possibilidade de metonímia se esta
articular o desejo, metonímia do desejo.
“...de fato, a ‘identidade’ só nos é revelada como algo a ser inventado, e não
descoberto; como alvo de um esforço, ‘um objetivo’; como uma coisa que
ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então
lutar por ela e protege-la lutando ainda mais – mesmo que, para que essa luta
seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária e eternamente inconclusa da
identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta”.
(Bauman, Z. 2005, pag. 21-22).
Quem é você? Se você acredita que você é apenas você, ou seja, unívoco, único,
aí o perigo habita onde a certeza carrega o vazio de inquietações. O que os Outros
fizeram de você para além de “torcer” a linguagem até chegar ao enquadre “moderno”?
Essa reflexão aponta para uma análise do eu e do “nós”. Podemos tirar uma
radiografia de como está o espectro do ego atualmente. Após um ego iniciar seu
processo de constituição, integração ou reintegração, ele começa a perceber mais
nitidamente a diferença entre ele e os objetos.
Então, se as UPAs são as massas, é preciso algo para interditar. Segundo Freud
(1930), o que justamente incentiva o Eu para se desprender da massa de sensações
“internas” – analogia com a massa social – são as sensações de dor e desprazer:
Quando Freud nos traz que o Eu precisa reconhecer o fora e por isso distinguir o
que está no interior e o que advém do exterior, a saber, ele coloca o princípio de prazer
como mecanismo de defesa para a integração do ego enquanto reconhecimento
“interior”, pois:
Será que a questão então não está na diferença e sim no não reconhecimento da
diferença? Pois, isso aponta para uma falha cabal, esdrúxula e com poucas
possibilidades de enxergar o sujeito não como indivíduo, pessoa ou alguém concreto e
sim como uma instância. (Sodré, M. 1999. Pag. 15).
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A estética negativa do estrangeiro lastrea sempre os julgamentos na prática do Gesichtskontrolle
(controle de rostos), ou seja, a decisão cotidiana sobre quem pode entrar em clubes, boates, restaurantes
de luxo ou mesmo ser aceito para seguros de automóveis. O nome da prática é alemão, mas sua incidência
é transnacional. (Sodré, M. 1999. Pag. 17).
violência estrutural própria consigo e segundo pela violência que a massa pode
a/ssumir.
Esse a sumir é algo que existe de particular nas massas, pois os indivíduos
podem encontrar endereço fixo no grupo e tender a evitar sua vida enquanto sujeito.
Seria um mecanismo de defesa onde o grupo teria voz para os indivíduos. Células
autônomas a serviço da unidade.
É razoável pensar que ambas apontam para um mal-estar. Tanto as massas ditas
reais, como as massas denominadas virtuais. Nas massas reais, a unidade prevalece e o
anonimato também, o que já difere da massa virtual, pois, um pensamento, uma frase,
independente do perfil fake ou genuíno, ali, o sujeito é posto para se responsabilizar. E
ainda pode existir complemento se o “outro” inserir suas impressões acerca daquele
indivíduo em específico.
Se por um lado, cada vez mais, grupos vão ganhando força, variedade, voz,
vaidade, impulsividade, denunciando assim uma falha constitutiva onde o indivíduo
busca a não identificação, portanto a não-diferença como também o não reconhecimento
de seus atos; o mérito é da massa, por outro lado, no mundo virtual, parece existir
populações que agrupam-se por temática, interesses, muitas vezes emitindo opiniões
antecipatórias em função que re-conheçam sua identidade, precipitando assim um
looping semelhante ao ligar e pagar de luzes. Como reconhecer alguém a partir de fora e
não a partir do conhecimento próprio que aquele indivíduo porta e abre em semblante?
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Grão de gozo refere-se à uma possibilidade de que a escrita seja análoga ao da história pessoal ou escrita
real, onde o escritor autoriza a se des/subjetivar para que o autor possa surgir. Corresponde ao pedaço de
real de Lacan e que pode conduzir o jogo para escanção do sujeito ou evaporação.
Após essas reflexões é possível pensar na aglutinação de pessoas no virtual
como massa, pois também tendem de forma expansiva e perspicaz ao desmoronamento
do consciente em prevalência da antecipação da pseudo identidade, munida de intenções
e atos inconscientes.
O anseio por alguma coisa que lhes digam o que fazer ou quem ser, são
invariavelmente o que há de mais assustador que acontece e do que virá a se
desenvolver. É assustador pois, a dimensão não é apenas política, social, cultural,
econômica ou biológica. Torna-se assustador na medida em que o desejo não é mais
visto como investimento libidinal, portanto, pessoal, particular, como uma espécie de
reconhecimento de si diante da equalizam entre suas escolhas e seus pensamentos, e sim
visto como apenas algo:
Nesse sentido, nós psicanalistas, podemos contribuir para que alguém tenha
interesse em reservar uma passagem para um encontro consigo. Pois, até para essa
reserva é preciso desejo. Diametralmente oposto do vouche, a reserva de si carrega um
grão de subjetividade, um grão de desejo, que, se bem articulado, possa iniciar a
diminuição de danos, se é assim que podemos traduzir.
Por isso que lidar consigo e com o (s) outros (s) é uma prática que desenvolve o
saber de si possibilitando enxergar quais posições você ocupa e quais posições que te
colocam a ocupar.
A questão da identidade está longe de ser apenas uma herança histórica, pois
antes de ser herança e antes de ser explorada, na terra, existiam seres com e sem reserva
de subjetividade. A cultura parece modular os meandros de como esses sujeitos vão se
apresentar, mas a garantia habita exatamente no oco do vento.
REFERÊNCIAS
ARAGÃO, L. T [et al]. Clínica do Social: ensaios. São Paulo, Escuta, 1991.