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Introdução À Ciência, Tecnologia e Sociedade 4
Introdução À Ciência, Tecnologia e Sociedade 4
Tecnologia e Sociedade
Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
Revisão Textual:
Mateus Gonçalves Santos
Aspectos Didáticos e Metodológicos
da Educação CTS
OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Discutir a necessidade de professores e estudantes assumirem novos papeis frente aos pro-
cessos de ensino e aprendizagem, valorizando as interações na construção do conhecimento;
• Enfatizar que a Educação CTS não é prescritiva em termos didáticos e metodológicos, de
modo que os professores têm liberdade para escolher os recursos, estratégias e metodolo-
gias de ensino, tendo em vista a natureza e o alcance dos objetivos estabelecidos;
• Salientar a adequação das abordagens temáticas e da utilização de atividades investigativas
no estudo dos conteúdos científicos e tecnológicos em conexão com aspectos sociais e am-
bientais, contemplando aspectos de contextualização e interdisciplinaridade;
• Destacar a importância de se abordar aspectos da Natureza da Ciência como a construção
histórica e humana do conhecimento científico, sua não neutralidade, a distorção das visões
salvacionistas e o mito das verdades absolutas;
• Salientar que diferentes conhecimentos e saberes são fundamentais para a compreensão da
realidade que nos envolve e para a construção de diferentes visões de mundo;
• Caracterizar o aprimoramento da atividade docente como parte de um processo de transição
do ensino tradicional para a Educação CTS;
• Defender o uso de avaliações processuais e formativas como ferramenta para acompanhar o
desenvolvimento dos estudantes e o alcance dos objetivos da Educação CTS.
UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
Contextualização
Por meio do estudo dos conteúdos desta unidade, você terá a oportunidade de
conhecer alguns aspectos didáticos e metodológicos da Educação CTS, facilitando
sua implantação em diferentes níveis e ambientes escolares e, com isso, aperfeiço-
ando a sua atuação docente, alinhando-se com diversos apontamentos presentes na
atual BNCC.
Para que a Educação CTS seja efetivada nas escolas, é preciso que professores
e estudantes desempenhem novos papéis, pois as atividades exigem maior nível de
interação, envolvimento e autonomia de todos os envolvidos. Esta autonomia dos
docentes se verifica na liberdade de selecionar os recursos didáticos e metodológicos
que julgar adequados para promover o alcance dos objetivos estabelecidos, sendo
que frequentemente são empregadas abordagens temáticas e atividades investigati-
vas que demandam dos estudantes a realização de pesquisas acerca dos conteúdos
científicos e tecnológicos, bem como a apresentação de seminários e debates que
aprofundam as reflexões e conexões entre os conteúdos curriculares e aspectos so-
ciais e ambientais, de modo a valorizar a contextualização e a interdisciplinaridade.
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favorecendo pensamentos críticos e reflexivos além de tomadas de decisões coeren-
tes alinhadas com valores humanos e comportamentos éticos que podem auxiliar na
construção de um mundo mais justo e sustentável.
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UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
Com base nas ideias de Contreras (2012), Lacerda e Strieder (2019, p. 112) de-
fendem que três dimensões devem ser contempladas nos processos formativos rela-
cionados à Educação CTS e que visam a autonomia dos professores em uma pers-
pectiva crítico-transformadora, ou seja: a) princípios e valores; b) responsabilidade
social; c) exigências profissionais. Estas dimensões estão representadas na Figura 1.
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PRINCÍPIO E VALORES
No âmbito da Educação CTS, estão
associados a valorizar uma vida
participativa, uma sociedade solidária
e diferentes formas de conhecimento
EXIGÊNCIAS PROFISSIONAIS
RESPONSABILIDADE SOCIAL Conhecimento de metodologia e etratégias de
Constituição de uma sociedade justa e ensino, compreensões críticas sobre as relações CTS,
igualitária; capaz de tomar decisões responsáveis o respeito às individualidades, confiança,
sobre ciência e tecnologia e suas políticas, bom senso, intuição e capacidade de improvisação,
baseado em valores e preocupado com a a aceitação do novo e abertura para o diálogo.
preservação de recursos naturais. DIMENSÕES A SEREM
CONTEMPLADAS EM PROCESSOS
FORMATIVOS PAUTADOS PELA
OBRIGAÇÃO MORAL EDUCAÇÃO CTS
Ensino dirigido à emancipação
individual e social, guiada pelos
valores de racionalidade, justiça
e satisfação.
COPETÊNCIA PROFISSIONAL
COMPROMISSO COM A COMUNIDADE Autorreflexão sobre as distorções
Defesa de valores para o bem comum ideológicas e os condicionantes
(justiça, igualdade e outros). institucionais. Desenvolvimento da análise
Participação em movimentos sociais e da crítica social. Participação na
pela democratização. ação política transformadora.
Cabe ressaltar que para que a Educação CTS tome corpo nas escolas é preciso
que a atuação dos professores se modifique e avance em direção à realização de
ações educativas capazes de alterar a maneira como os estudantes lidam com a ci-
ência e a tecnologia, passando a compreender as implicações destas atividades para
suas vidas e o meio ambiente. Para que isto ocorra, é preciso que a formação escolar
enfatize o exercício da cidadania, conforme se verifica em documentos oficiais como
a atual Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017, 2018). Parte dessas mu-
danças envolve uma maior autonomia docente para selecionar os materiais, definir
as estratégias de ensino e buscar as metodologias mais adequadas para o alcance
dos objetivos da Educação CTS, configurando o ambiente de sala de aula como um
espaço de interação, de debates e de trocas de ideias e experiências que estimulem
a construção de novos conhecimentos.
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UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
Neste sentido, esta disciplina se coloca exatamente como uma oportunidade para
minimizar as carências presentes na formação docente, contribuindo para que os
professores reflitam sobre seu importante papel na sociedade, estimulando-os a pro-
mover a emancipação dos indivíduos, assumindo assim um compromisso com a co-
munidade e contribuindo para o bem comum, conforme assevera Contreras (2012).
Deste modo, cabe aos docentes que lecionam conteúdos das áreas de Ciências
Naturais (Física, Química e Biologia) valorizar abordagens que privilegiem a dimen-
sões social e ambiental, contemplando temas contemporâneos, como gases de efei-
to estufa, aquecimento global, poluição, degradação ambiental, consumismo, entre
outros, destacando aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais etc. ao salientar
as intrincadas relações entre as dimensões C – T – S – A (Ciência-Tecnologia-Socie-
dade-Ambiente), um dos principais objetivos do Movimento CTS.
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Pluralidade Didática e
Metodológica na Educação CTS
Considerando por um lado que a escola é a principal organização social capaz
de oferecer uma formação ampla, sistematizada e intencional à população e, por
outro lado, que a Educação CTS apresenta diversos e relevantes objetivos forma-
tivos aos seres humanos, muitos deles contemplados na BNCC, é preciso que as
atividades docentes sejam devidamente planejadas para atendam aos pressupostos
desta educação. Neste sentido, entendemos que a educação tradicional baseada em
aulas expositivas e na abordagem de conteúdos desconectados da realidade social e
ambiental do mundo se mostra inadequada aos propósitos que estamos discutindo.
Não estamos afirmando que as aulas expositivas não possam ser utilizadas, entre-
tanto, é esperado que a prática docente vá muito além disso, pois os objetivos forma-
tivos da Educação CTS e os apontamentos presentes em documentos norteadores
dos currículos demandam mais ousadia e um leque plural de atividades didáticas, me-
todológicas e de estratégias de ensino para que estes objetivos sejam alcançados. O
docente deve ocupar o espaço das aulas para organizar as aulas e atividades, fornecer
orientações, articular debates e estimular interações, entre outras ações necessárias
ao bom andamento das intervenções e do desenvolvimento das sequências didáticas.
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UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
Convergente com nossa proposta, Santos e Mortimer (2002, p.13) defendem que
os professores abordem temáticas que envolvam problemas relevantes e, baseando-
-se em outros autores, indicam algumas possíveis atividades e estratégias didáticas:
Hofstein, Aikenhead e Riquarts (1988) apontam, entre outras, as seguintes
estratégias utilizadas em CTS: palestras, demonstrações, sessões de
discussão, solução de problemas, jogos de simulação e desempenho de
papéis, fóruns e debates, projetos individuais e de grupo, redação de cartas
a autoridades, pesquisa de campo e ação comunitária. Aikenhead (1994) e
Solomon (1993) relacionam as seguintes atividades geralmente adotadas no
ensino de CTS: pensamento divergente, solução de problema, simulações,
atividades de tomada de decisão, controvérsias, debates.
Trocando Ideias...
Afinal, você já deve ter ouvido diversas vezes frases célebres como essas:
– Mas professor, para que serve este conhecimento? Onde é que eu vou usar este conte-
údo que estamos estudando?
Portanto, é fundamental que a pluralidade de ações realizadas pelos docentes aproxime
o conhecimento escolar do mundo vivencial dos estudantes, apontando claramente co-
nexões entre estes conteúdos escolares e os contextos sociais e ambientais verificados
na sociedade. Esta conexão entre os mundos da escola e da vida estimula o envolvi-
mento e participação dos estudantes, favorecendo seu protagonismo na construção de
conhecimentos relevantes, como aponta a BNCC (BRASIL, 2017, 2018).
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Também enfatizando a necessidade de se considerar os diferentes estilos de apren-
dizagem dos estudantes, Laburú, Arruda e Nardi (2003, p. 251) apontam que “é
questionável uma ação educacional baseada num único estilo didático, que só daria
conta das necessidades de um tipo particular de aluno ou alunos e não de outros”,
salientando ainda que:
[...] em virtude da complexidade das variáveis envolvidas numa sala de
aula, o mecanismo de ensino-aprendizagem é capaz de ser convenien-
temente equacionado quando uma prática instrucional pluralista estiver
em jogo.
Você pode aprender um pouco mais acerca da importância de se utilizar uma pluralida-
de de recursos didáticos e metodológicos acessando o blog de Ana Lúcia Crisostimo.
Disponível em: https://bit.ly/3kcGvS6
Santos e Mortimer (2002) apontam que a abordagem dos temas pode ser feita
com base em problemas reais propostos para serem discutidos em sala de aula, de
modo que as possíveis soluções aventadas sejam decorrentes de discussões e debates
que levem em consideração os conteúdos científicos e tecnológicos necessários ao
entendimento do tema e, também, as consequências sociais e ambientais que podem
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UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
ser geradas pela C&T. No mesmo sentido, em outro trabalho, os mesmos autores
Santos e Mortimer (2001, p. 107) afirmam que:
A adoção de temas envolvendo questões sociais relativas à C&T, que
estejam diretamente vinculadas aos alunos, nos parece ser de primordial
importância para auxiliar na formação de atitudes e valores. Para isso,
parece ser essencial o desenvolvimento de atividades de ensino em que os
alunos possam discutir diferentes pontos de vista sobre problemas reais,
na busca da construção coletiva de possíveis alternativas de solução.
Firme e Amaral (2011, p. 384) são pesquisadores que também destacam a impor-
tância dos professores utilizarem a abordagem temática, afirmando que:
No que se refere aos aspectos pedagógicos para uma abordagem CTS
ao ensino, ou seja, para a implementação da orientação CTS na sala de
aula, os conteúdos das disciplinas científicas devem incluir temas sociais,
sendo esta uma questão central. Dessa forma, os problemas científicos
abordados nas aulas estão associados às necessidades sociais e aos pro-
cessos tecnológicos.
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enfoque mais tradicionalista de educação científica”. A ação social responsável se alia
ao desenvolvimento de valores e atitudes e aos processos de tomada de decisões,
dois objetivos da Educação CTS salientados por Santos e Mortimer (2001, p. 103)
ao afirmarem que “O ensino de ciências para ação social responsável implica, então,
considerar aspectos relacionados aos valores e às questões éticas. Uma decisão res-
ponsável é caracterizada por uma explícita consciência dos valores que a orientou”.
Por fim, cabe destacar uma outra possibilidade de abordagem temática e que en-
volve a utilização de questões polêmicas associadas a impactos sociais e ambientais,
podendo ser enfatizados temas como geração, distribuição e consumo de energia, uso
e efeitos de agrotóxicos na produção de alimentos, modais de transporte e poluição
sonora em centros urbanos, hábitos alimentares, produção agropecuária e seus efeitos
sobre o desmatamento de florestas, desenvolvimento de drogas e medicamentos e
seus efeitos sobre a saúde humana etc. Todos estes temas têm potencial para estimular
amplos debates e tomadas de decisões envolvendo conteúdos de Ciência e Tecnologia.
Importante!
Promover mudanças na prática docente de modo a alinhá-la aos preceitos e objetivos
da Educação CTS nem sempre é uma tarefa fácil, por isso, analisar algumas propostas já
implantadas pode ajudar a encontrar o “caminho das pedras”!
Assim, julgamos ser conveniente indicar alguns exemplos de abordagens temáticas
discutidas em artigos publicados em periódicos da área cuja leitura permitirá a você
identificar as possibilidades de aperfeiçoar a sua atividade docente e superar alguns dos
desafios associados à implantação da Educação CTS nas escolas.
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UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
As Atividades Investigativas
e o Educar pela Pesquisa
Vimos até aqui que docentes e discentes precisam desempenhar novos papéis
frente aos processos de ensino e aprendizagem associados à Educação CTS,
cabendo àqueles realizar suas atividades com base em um estratagema plural
em termos didáticos e metodológicos, utilizando abordagens temáticas que apro-
ximem os conhecimentos escolares da realidade vivenciada na sociedade e no
mundo do trabalho. Neste processo, espera-se que os docentes também atuem
de forma diferente, afastando-se da postura passiva que normalmente caracteriza
o ensino tradicional, com pouco envolvimento e sem o protagonismo e autoria
defendidos na BNCC.
Assim, para que o protagonismo discente seja facilitado e alguns objetivos da
Educação CTS sejam alcançados, é oportuno que os professores utilizem ativi-
dades investigativas, valorizando a perspectiva do Educar pela Pesquisa defen-
dido por autores como Paulo Freire, Pedro Demo e Maria do Carmo Galiazzi,
entre outros. Neste sentido, Freire (2000, p. 29) salienta que “não há ensino sem
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pesquisa e pesquisa sem ensino”, de modo que deve haver forte integração entre
as atividades de ensino e de pesquisa.
Por sua vez, Demo (2011) associa o Educar pela Pesquisa com a capacidade
de aprender a aprender, aspecto também presente no relatório de Delors (1999)
para a Unesco e que é capaz de estimular a autonomia e o envolvimento dos
estudantes, de modo que sua proposta contempla quatro pressupostos básicos
(DEMO, 2011, p. 5):
• A convicção de que a educação pela pesquisa é a especificidade mais própria da
educação escolar e acadêmica;
• O reconhecimento de que o questionamento reconstrutivo com qualidade formal
e política é o cerne do processo de pesquisa;
• A necessidade de fazer da pesquisa atitude cotidiana no professor e no aluno;
• A definição de educação como processo de formação da competência histó-
rica humana.
Neste sentido, Azevedo (2004) destaca que em uma verdadeira atividade de in-
vestigação a participação do aluno não pode estar restrita apenas à manipulação
ou observação, pois é preciso incorporar características típicas de um trabalho cien-
tífico, o que demanda do aluno a capacidade de refletir, discutir, explicar e relatar.
Entendemos que as atividades investigativas podem estar associadas à busca de en-
tendimento e solução de um problema social e ambiental contemporâneo, sendo
oportuna a proposição de uma questão aberta, em linha com o que propõe Penha
(2006) que associa à questão ou problema aberto um aspecto fundamental para os
estudantes construírem novos conhecimentos. Neste sentido, cabe lembrarmos o
ensinamento do filósofo Bachelard (1996, p. 18): “Para o espírito científico, todo
conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver
conhecimento científico”.
Portanto, mais do que ensinar respostas prontas, é preciso que o educador CTS
seja capaz de estimular nos estudantes seu espírito questionador, de modo que diante
das situações e contextos investigados eles saibam elaborar questões relevantes e se
envolvam em atividades que lhes permitam identificar e apresentar possíveis solu-
ções. Abordando o papel dos docentes na condução de atividades investigativas que
envolvam questões e problemas abertos, Carvalho (2013, p. 2) salienta que:
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UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
Assim, fica claro que o ambiente escolar deve apresentar características bem dife-
rentes do ensino tradicional onde predomina a mera exposição de conteúdos pelos
professores, com os alunos mantendo uma postura passiva e de pouco envolvimen-
to. Neste sentido, Demo (2011) entende que a educação não se limita ao ensino,
instrução e treino, pois visa oferecer uma formação que proporcione a autonomia
crítica e criativa do sujeito de modo que ele possa enfrentar melhor os desafios ao
longo de sua vida.
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conhecimentos historicamente construídos” (Competência 1), “Exercitar a curiosidade
intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a
reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar
e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções” (Competência 2) e,
ainda, “Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular,
negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns” (Competência 7).
Você poderá aprofundar seus conhecimentos sobre o tema aqui abordado acessando o site
do Portal da Educação. Disponível em: https://bit.ly/3ldnbp9
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UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
Para estes autores, “o problema é que a atividade cientifica não é uma espécie de
receita infalível”, sendo que “transmitir ao aluno a ideia de que o método científico
é uma sequência rígida, lógica, de passos como esta pode reforçar ou gerar várias
concepções errôneas sobre ciências” (ibidem, p. 113). O que se verifica na realidade
é que há dúvidas, idas e vindas, acertos e incorreções, ajustes, descarte de ideias,
revisão de interpretações, entre outros passos dados pelos cientistas, atestando com
isso o caráter humano e dinâmico relacionado à produção do conhecimento.
Por sua vez, Auler (2002), citado por Rosa e Strieder (2018, p. 100), se coloca
contra a suposta neutralidade da C&T destacando que ela está associada a três mi-
tos: o determinismo tecnológico, o salvacionismo científico-tecnológico e o modelo
de decisões tecnocráticas:
O mito do determinismo é compreendido a partir de duas ideias centrais:
i) a mudança tecnológica causa linearmente uma mudança social; e, ii) a
tecnologia é autônoma, não opera por si mesma, sendo assim independente
das influências sociais. A perspectiva salvacionista da Ciência e Tecnologia
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está atrelada ao modelo tradicional/linear de progresso. Nessa, Ciência
e Tecnologia são criadas para solucionar os problemas da humanidade
levando linearmente ao bem-estar social. E, referente ao modelo de
decisões tecnocráticas, o autor destaca que a crença está na possibilidade
de neutralizar/eliminar a sociedade do processo de decisões técnico-
científicas. Nesse, apenas o especialista é capaz de solucionar todos os
problemas, inclusive os sociais, de maneira ideologicamente neutra.
Portanto, a não neutralidade da ciência deve ser abordada, pois os fatores externos
como demandas e interesses dos agentes políticos e econômicos podem afetar o dire-
cionamento destas atividades, assim como a existência ou não de financiamentos pú-
blicos e privados para que essas atividades se desenvolvam. As crenças e valores dos
cientistas também podem influenciar a produção do conhecimento, pois estes aspec-
tos podem ampliar ou limitar a esfera de suas atuações, valorizando alguns temas e
objetos de estudo em detrimento de outros considerados menos relevantes ou válidos.
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UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
Assim, sendo a ciência e a tecnologia frutos da atividade humana é natural que se-
jam influenciadas por fatores sociais, políticos e econômicos, o que elimina o caráter
de neutralidade muitas vezes associado a elas. Neste sentido, Bazzo (2011, p. 103)
chama a atenção para o fato de que “As notícias do dia a diaa exacerbam as virtudes
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da ciência e da tecnologia; os produtos são vendidos calcados nas suas qualidades
embasadas em depoimentos ‘científicos’”, apontando ainda que:
a sociedade vive, mais do que nunca, sob os auspícios e domínios da ci-
ência e da tecnologia, e isso ocorre de modo tão intenso e marcante que
é comum muitos confiarem nelas como se confia numa divindade. Este
comportamento ficou de tal forma arraigado na vida contemporânea que
fomos levados a pensar desta maneira durante toda nossa permanência
nos bancos escolares.
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UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
Considerando que diversas mudanças precisam ser feitas na prática docente para
que ele implante com sucesso em suas aulas elementos da Educação CTS, sugerimos
a realização de uma gradativa transição, avançando de uma prática mais tradicional
para uma atuação mais adequada aos preceitos da Educação CTS. Neste percurso
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os professores vão amadurecendo e ampliando o seu conhecimento acerca das
possibilidades proporcionadas por esta nova vertente educacional, adquirindo cada
vez mais autonomia para planejar as sequências didáticas e identificar os recursos e
estratégias mais adequados para a abordagem dos temas selecionados, afastando-se
paulatinamente do ensino tradicional e adentrando o campo da Educação CTS.
Deste modo, com a maturidade adquirida pela vivência deste processo de tran-
sição os docentes perceberão com o tempo que esta nova maneira de atuar frente
aos conhecimentos e conteúdos disciplinares favorece uma maior interação com os
alunos e vai se tornando algo natural e menos desafiador. Esta maneira diferencia-
da de exercer a docência irá proporcionar uma percepção de realização pessoal e
profissional, pois permitirá constatar pelos resultados alcançados que a formação
oferecida aos estudantes apresenta melhor qualidade. Com isso o professor poderá
ressignificar o valor da profissão docente, compreendendo a relevância do seu papel
político e social e passando a atuar como disseminador de conhecimentos, saberes,
valores e comportamentos éticos capazes de favorecer as desejadas transformações
da sociedade contemporânea, imersa em amplos problemas sociais e ambientais.
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UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
Categorias Descrição
CTS organiza o conteúdo e sua sequência. O conteúdo de ciências é mul-
Ciências por meio do tidisciplinar, sendo ditado pelo conteúdo de CTS. A lista de tópicos cien-
conteúdo de CTS tíficos puros assemelha-se à listagem de tópicos importantes a partir
de uma variedade de cursos de ensino tradicional de ciências.
Ciências com conteúdo O conteúdo de CTS é o foco do ensino. O conteúdo relevante de ciências
de CTS enriquece a aprendizagem.
O conteúdo de CTS é o foco do currículo. O conteúdo relevante de ci-
Incorporação das ciên-
ências é mencionado, mas não é ensinado sistematicamente. Pode ser
cias ao conteúdo de CTS
dada ênfase aos princípios gerais da ciência.
Estudo de uma questão tecnológica ou social importante. O conteúdo
Conteúdo de CTS de ciências é mencionado somente para indicar uma vinculação com
as ciências.
Fonte: AIKENHEAD, 2001, p. 55-56, citado por SANTOS; MORTIMER, 2002, p. 15-16
Por fim, nas categorias 7 e 8, há predomínio dos conteúdos CTS, de modo que os
conteúdos científicos e tecnológicos específicos são apenas mencionados, sem maio-
res preocupações com o seu ensino sistemático, o que se mostra inadequado para
situações em que há necessidade de se atender ementas e currículos que envolvam
estes conhecimentos. Esta inadequação se verifica em parte na Educação Básica,
pois a BNCC mostra claramente, por meio das competências gerais, que a formação
deve contemplar a aprendizagem dos conhecimentos científicos, embora seja preciso
ir muito além disso. A inadequação com as categorias 7 e 8 é mais acentuada ainda
em cursos técnicos, tecnológicos e superiores de formação profissional, pois neles é
imprescindível que também seja dada ênfase para os conteúdos científicos e tecnoló-
gicos necessários ao adequado exercício profissional.
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Assim, nas categorias 7 e 8, estão cursos ou disciplinas com natureza CTS, como
esta disciplina que você está estudando e que enfatiza justamente a Educação CTS,
seus objetivos e características, bem como outras disciplinas semelhantes que com-
põem cursos de Mestrado e Doutorado voltados às áreas de Ensino e Educação
espalhados pelo Brasil.
Portanto, considerando que até a categoria 4 a ênfase é dada ao ensino dos con-
ceitos e formalismo das ciências e que, a partir da categoria 5, a ênfase passa a ser
a compreensão dos aspectos contextuais, interdisciplinares e das inter-relações CTS,
resultando em ampliação dos objetivos formativos e aproximando-se do que defende
a BNCC, acreditamos que os docentes devem modificar a sua prática ao perceberem
a importância de se envolverem com a Educação CTS, avançando gradativamente
em direção às categorias 4 e 5 e, quando possível, alcançando a categoria 6.
Avaliação Processual,
Formativa ou Contínua
Neste tópico que encerra esta unidade, iremos tratar de um tema bastante im-
portante na educação, ou seja, os processos de avaliação. Quando consideramos as
características da Educação CTS, é natural que a atividade avaliativa também tenha
que ser modificada para atender às peculiaridades e os objetivos desta vertente edu-
cacional que envolvem a formação cidadã, o desenvolvimento de valores, atitudes e
comportamentos éticos, a ampliação da conscientização, a compreensão das rela-
ções entre as dimensões C-T-S, entre outros.
Deste modo, a Educação CTS exigirá dos docentes a utilização de diversos recur-
sos e instrumentos de avaliação para identificar adequadamente o desenvolvimento
dos estudantes quanto aos aspectos cognitivos e socioemocionais, capacidade de
argumentação, de expressão oral e escrita, de autonomia e envolvimento nas ativi-
dades propostas, na capacidade de realizar investigações individuais e em grupo, re-
latar os resultados e defender suas ideias e pontos de vista etc. Assim, a preocupação
que havia nos estudantes em ter um bom rendimento nas provas aplicadas em finais
de períodos deixa de existir, pois o processo avaliativo se torna mais complexo.
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UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
No site Nova Escola, Bruna Nicolielo defende que “a combinação de vários recur-
sos para mensurar o aprendizado é a principal garantia do ensino eficiente”, escla-
recendo ainda que a avaliação processual é entendida como “sinônimo de avaliação
formativa ou contínua, ela indica a prática de examinar a aprendizagem ao longo
das atividades realizadas em sala de aula: produções, comentários, apresentações,
criações e trabalhos em grupos”. Por sua vez, Camila Cecílio e Naiara Albuquerque
também buscam caracterizar a avaliação processual, apontando que:
A avaliação processual: também conhecida como avaliação formativa
ou contínua – vai além de uma série de perguntas reunidas em uma prova
bimestral. Combinando diferentes instrumentos avaliativos para mensurar
de forma mais assertiva diferentes aspectos do aprendizado, ela pode ser
usada também como um diagnóstico da aprendizagem. A avaliação for-
mativa ajuda a identificar se o aluno realmente está conseguindo aprender
a partir do processo metodológico praticado e de base para feedbacks.
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Os docentes também podem identificar nos estudantes manifestações que indi-
quem compreensões sobre relações entre conhecimentos escolares e os contextos
sociais e ambientais reais vivenciados por eles e a defesa de valores e atitudes
coerentes com os defendidos pela Educação CTS. Também é possível utilizar ou-
tros recursos e, entre eles, as provas escritas, que podem ser aperfeiçoadas pela
inclusão de questões abertas e da solicitação de justificativas e explicações sobre os
conceitos que compõem as disciplinas do currículo escolar e suas relações com os
contextos estudados.
É evidente que migrar da educação tradicional para CTS envolve desafios tanto
do ponto de vista das mudanças nas atividades didáticas e metodológicas como tam-
bém no processo avaliativo. Este desafio é reportado por Galiazzi, Moraes e Ramos
(2003, p. 238-239) ao destacarem dificuldades na avaliação das pesquisas feitas
pelos estudantes:
outro aspecto a considerar quando se pensa em aula com pesquisa é a
avaliação, ponto no qual os professores e alunos mais resistem à apro-
priação de novos significados. Mesmo considerando que o rigor seja a
essência da pesquisa e mereça atenção sempre cuidadosa, e que a impor-
tância com a qualidade do produto não pode ser desmerecida, é preciso
considerar também as dificuldades dos alunos na formação inicial em
executar os procedimentos inerentes à pesquisa como ler, escrever, rees-
crever, analisar, categorizar, fundamentar teoricamente.
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UNIDADE Aspectos Didáticos e Metodológicos da Educação CTS
Também assistindo ao vídeo, que aborda aspectos da Avaliação Formativa e sua função.
Disponível em: https://youtu.be/Xg4ag-z9xVc
Com isso, finalizamos nossos estudos acerca dos aspectos didáticos e metodológi-
cos envolvidos com a Educação CTS, apresentando a você um caminho alternativo
bastante promissor para que a educação possa ser aperfeiçoada, favorecendo ao
mesmo tempo o seu desenvolvimento profissional docente. Esperamos, assim, ter
despertado o seu interesse por esta modalidade de educação que envolve aspectos
formativos amplos, relevantes, sintonizados com as demandas da sociedade contem-
porânea e alinhados às premissas dos documentos norteadores das diretrizes curricu-
lares atuais da educação brasileira, particularmente a BNCC (BRASIL, 2017, 2018).
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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Livros
Abordagem de Temas no Ensino Médio: Compreensões de Professores de Física
STRIEDER, R. B.; WATANABE-CARAMELLO, GEHLE, G. S. T. Abordagem de
Temas no Ensino Médio: Compreensões de Professores de Física. Revista Ensaio,
Belo Horizonte, v. 14, n. 2, p. 153-169, 2012.
Possibilidades de um Caso Simulado CTS na Discussão da Poluição Ambiental
FLOR, C. C. Possibilidades de um caso simulado CTS na discussão da poluição
ambiental. Ciência & Ensino, v. 1, número especial, novembro de 2007.
Desenvolvimento de um Caso Simulado CTS Através do uso da Técnica de Controvérsia
no Ensino de Química Orgânica
KUCHLA, M.; SOUZA, L. de B. P. Desenvolvimento de um Caso Simulado CTS
Através do uso da Técnica de Controvérsia no Ensino de Química Orgânica.
Experiências em Ensino de Ciências, v. 12, n. 5, p. 68-81, 2017.
Temas Sociocientíficos (Cachaça e Cerveja) em Aulas Práticas de Química na
Educação Profissional: uma abordagem CTS
SANTOS, M. S., AMARAL, C. L. C., MACIEL, M. D. Temas sociocientíficos
(Cachaça e Cerveja) em aulas práticas de Química na educação profissional: uma
abordagem CTS. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, v. 3, n. 2,
p. 98-116, 2010.
Vídeos
Oficina SocioCientífica
https://youtu.be/f7VcQIsBfNw
Educar pela Pesquisa – Pedro Demo
https://youtu.be/Qjb2BPUt1n4
Pedro Demo fala sobre Educação pela Pesquisa
https://youtu.be/Vra4hclt7kw
O Ensino por Investigação
https://bit.ly/3nbOpNr
Avaliação Formativa – Pedagogia para Concurso
https://youtu.be/Xg4ag-z9xVc
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