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ESCOLA SECUNDÁRIA DE CASQUILHOS – Turmas C, E e F – Prof. Carlos Coentro


6 AULAS – 11º ANO – FILOSOFIA – Da pág. 253 à pág. 268 do Manual adotado.
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3.3.3. Religião, Razão e Fé


As provas clássicas da existência de Deus
 
O problema da existência de Deus

Não é possível provar a existência nem a não existência de Deus - devido à própria natureza
metafísica de Deus - por meios empíricos. É por essa razão que a investigação dessa crença,
hipótese ou postulado pertence à filosofia e não há ciência.

Há várias respostas para a questão da existência de Deus... As mais comuns são:

I) Ateísmo: posição filosófica que nega a existência de Deus e, de uma forma geral, de qualquer
realidade que possa considerar-se de natureza divina. 0 ateísmo teórico poderá servir de
fundamento a uma ética e comportamentos vividos à margem de qualquer referência à esfera
religiosa ou à ideia de Deus (ateísmo prático).

II) Agnosticismo: posição filosófica segundo a qual não é possível ao ser humano saber se Deus
existe ou não, nem aceder ao conhecimento da sua essência. Limitada a capacidade cognitiva
humana ao mundo dos fenómenos (conhecimento científico), a esfera metafísica (Deus, alma,
imortalidade) é vista como incognoscível. 0 agnosticismo advoga a suspensão do juízo e da
crença relativamente àquilo a que a razão e os sentidos não têm acesso, negando o valor das
demonstrações racionais da existência de Deus.

III) Teísmo: doutrina que, em oposição ao ateísmo, afirma a existência de Deus. Deus é


encarado, pelos teístas, como uma Pessoa (o que significa que a sua relação com o ser humano
adquire um carácter pessoal). Trata-se de um Deus perfeito, único e transcendente, criador e
conservador do Universo. Aceitando a Providência e a revelação, o teísta admite que Deus
governa o mundo, considerando ser possível uma demonstração racional da sua existência.

Podem-se ainda considerar:

IV) Deísmo: posição filosófica que afirma a existência de Deus, mas à margem da revelação, da
graça, dos dogmas, dos milagres ou da relação pessoal com o ser humano. Trata-se de um Deus
concebido como ser supremo, princípio e causa do Universo, mas ao qual é negada a
Providência, isto é, a intervenção no mundo posteriormente à criação (neste sentido, assemelha-
se a um relojoeiro que construiu a máquina deixando que ela funcione por si mesma). É um Deus
de filósofos, da religião natural ou racional. 0 deísmo teve a sua máxima expressão no século do
Iluminismo (séc. XVIII).

V) Fideísmo: doutrina que sustenta a incapacidade da razão humana para atingir determinadas
verdades, as quais só são acessíveis mediante a fé. À existência e à essência de Deus só se pode
aceder através da fé, pelo que o fideísmo se opõe ao racionalismo.

VI) Panteísmo: posição filosófica segundo a qual Deus e o mundo são a mesma realidade. Deus
e o mundo identificam-se. Esta perspectiva nega a existência de qualquer realidade
transcendente, afirmando a imanência de tudo o que existe: Deus é a natureza, ou a natureza é
Deus.
 
Argumentos a favor da existência de Deus
 
Argumento cosmológico ou da causa primeira

Todas as coisas e acontecimentos têm uma causa, sendo causados por outros acontecimentos
anteriores. Não é possível uma série infinita de causas. Logo tem de haver uma causa primeira:
Deus.

Objeções
1. Qual a razão de Deus não ter uma causa se o Universo necessita dela para existir?
2. Por que razão terá de existir uma causa primeira e não uma série infinita de relações causais?
3. Que garantias temos de que Deus é a causa primeira?

Destas objeções decorrem:


a) Se o universo for eterno, não terá uma primeira causa;
b) Se tudo tem uma causa, qual é a causa de Deus;
c) A matéria demonstra que são possíveis séries infinitas;
d) Provaria apenas que cada série de causas tem uma causa primeira, mas não provaria que todas
as causas são parte de uma série única;
e) Provaria apenas que a primeira causa existe, mas não que fosse Deus.
 
Argumento teleológico ou do desígnio (argumento por analogia)

Se tal como num relógio tudo na natureza funciona de uma maneira perfeita e se ao observar um
relógio, podemos ver que foi concebido por um relojoeiro, também ao observar a natureza,
podemos ver que também foi concebido por um 'relojoeiro divino'. O Universo teria um
desígnio, assim como os artefactos que o homem concebe têm um desígnio. A ordem e a
finalidade do Universo teriam sido imprimidas por Deus.

Objeções
1. De que forma o raciocínio por analogia é suficientemente consistente para provar a existência
de algo?
2. Que garantias temos de que a complexidade da natureza e dos seres vivos se deve a um criador
e não a uma adaptação dos mesmos?
3. Se Deus é o criador e a finalidade absoluta do Universo, como explicar o sofrimento e todos os
dramas que assolam a existência dos seres humanos?

Destas objeções decorrem:


a) A semelhança entre as coisas comparadas é fraca, por isso quaisquer conclusões baseadas
nessa analogia serão vagas;
b) Ignora a Teoria da Evolução das Espécies de Charles Darwin (1809-1882), que explica os
mesmos efeitos sem necessitar de Deus;
c) Não justifica a existência do mal no mundo, pois o mal não é compatível com as qualidades
atribuídas ao criador.
 
Argumento ontológico

Se os argumentos anteriores implicam os dados da experiência, o argumento expressa a tentativa


de demonstrar a existência de Deus de um modo inteiramente a priori, sem o recurso aos dados
da experiência. Segundo este argumento, a existência de Deus pode ser demonstrada com base na
definição da essência divina.
Assim, se Deus é um ser perfeito e infinito, ou, como escreveu Santo Anselmo, “algo maior do
que o qual nada se pode pensar”, então existe necessariamente, uma vez que, se não existisse,
não seria “algo maior do que o qual nada se pode pensar” (perfeito e infinito): a existência é uma
das suas perfeições.

Objeções
1. Será que basta termos a ideia de algo sumamente perfeito para provar a sua existência?
2. Poderá deduzir-se a existência de algo a partir, somente, do pensamento puro?

Destas objeções decorre:


a) O argumento implica uma identidade entre pensar (pensamento puro) e existir (existência).
Posição que Kant crítica com grande eficácia.
 
Kant e o problema da existência de Deus

Ao examinar a ideia de Deus, Kant (1724-1804) verificou que os argumentos tradicionais não
apresentavam provas lógicas conclusivas sobre a sua existência, propondo-se investigar se, de
facto, temos capacidade para conhecer a existência de Deus.

A existência de Deus é uma consequência da moralidade.

Os seres humanos não são apenas sujeitos cognitivos (dimensão teórica), mas também pessoas
morais (dimensão prática). A lei moral é o único princípio determinante da vontade, sendo a
autonomia a condição para tornar a vontade humana, dividida e imperfeita, numa vontade
absolutamente boa.
Ora:
a) Esta perfeição da vontade tem de ser possível, pois é uma condição da própria moralidade;
b) Contudo não é possível alcançar esta perfeição neste mundo sensível.

Por isso Kant foi levado a concluir que o aperfeiçoamento da vontade implica que o ser racional
perdure indefinidamente, isto é, que exista como alma imortal, e que exista Deus, pois a
existência de Deus é condição de possibilidade da harmonia entre moralidade e felicidade, a que
Kant chama soberano bem; do mesmo modo que a santidade da vontade pressupõe a
imortalidade da alma, também o soberano bem exige a existência de Deus como sua condição de
possibilidade.
A felicidade seria uma consequência necessária da moralidade e pressuporia a existência de um
ser supremo - Deus - como causalidade livre.

Kant chama postulados às ideias pensadas como condições de possibilidade do soberano bem;
em vez de justificar a moralidade com base num princípio exterior ao ser racional (Deus),
apresenta-a como exigência da razão. Assim, a autonomia e a liberdade são o fundamento da
existência de Deus.

3.3.3. Religião, Razão e Fé


Tarefas e desafios da tolerância (atualizado em relação ao Manual)

Razão e fé

A razão é a faculdade humana que nos permite investigar e explicar os fenómenos através do uso
dos sistemas lógicos e experimentais que a cultura humana criou e a fé é a atitude de aceitação
dos dogmas e mistérios religiosos. A fé é expressão da certeza e confiança em Deus, mas exige
esclarecimento racional. A razão e a fé não são necessariamente duas dimensões incompatíveis.
Contudo, sempre que se quer colocar a razão ao serviço da fé produzem-se erros científicos -
caso do sistema geocêntrico - e o livre pensamento é impedido.
Momentos fundamentais das relações entre razão e fé

I) A difusão do cristianismo levou à gradual integração e harmonização da razão e da fé,


acentuada na Idade Média com a adaptação do pensamento filosófico aos dogmas religiosos. A
filosofia seria 'serva' da teologia e foi colocada ao seu serviço (Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino);

II) O desenvolvimento científico e filosófico do Renascimento veio pôr em causa a harmonia


entre razão e fé, levando a uma progressiva emancipação da razão face à religião. O teocentrismo
cede lugar ao antropocentrismo;

III) No positivismo de Augusto Comte, a religião corresponde a uma fase infantil do


desenvolvimento da humanidade (ao estádio teológico), em que se procura explicar os
fenómenos através de seres sobrenaturais.

IV) No século XIX e XX, alguns filósofos criticaram a religião e defenderam o ateísmo
(Nietzsche, Marx, Freud, Russell e Sartre).

Situação contemporânea

O Papa João Paulo II, na Encíclica 'A fé e a Razão', apresenta o ponto de vista da religião sobre
as relações entre razão e fé. Afirmando:

a) Que o ateísmo contemporâneo (oposição entre razão e fé) levou a uma crise de valores -
niilismo;

b) Que a superação do niilismo implica o restabelecimento do diálogo entre razão e fé,


reconhecendo a autonomia mútua, para haver entendimento entre crentes e não crentes.

Os filósofos dividiram-se, e dividem-se, nas críticas:

1. O filósofo ateu Fernando Savater refuta a perspectiva defendida pelo Papa na Encíclica 'A fé e
a Razão', dizendo que o Papa sobrevaloriza a fé, reconhecendo à razão somente a função de
confirmar as verdades da fé.

2. O filósofo agnóstico João Carlos Espada reconhece as consequências do niilismo e aceita o


apelo do Papa no sentido de restabelecer o diálogo entre razão e fé, pois somente esta atitude
permitiria recuperar os valores universais que dão sentido à existência humana.

Tarefas e desafios da tolerância

A história da humanidade está cheia de guerras religiosas (na França do século XVI), de guerras
santas (cruzadas, jihad), de ódios originados por aqueles que se julgam eleitos contra os hereges
e os infiéis (a Inquisição, o fundamentalismo islâmico).

A tolerância não é só necessária entre diferentes confissões religiosas (o que já Locke defendera),
como também em relação àqueles que, em consciência, não professam qualquer religião. Apesar
disso, se for analisada a fundo esta problemática, deparamo-nos com aquilo a que Karl Popper
chamou o paradoxo da tolerância, se for ilimitada, ela desaparece. Com efeito, em tal caso ter-se-
ia de tolerar a intolerância. Ora, em nome da tolerância, deve-se reclamar o direito de não tolerar
movimentos, grupos ou pessoas intolerantes? Isto significa que a tolerância se situa para lá do
relativismo e da indiferença? A tolerância baseia-se no carácter universal dos direitos humanos e
deve, tanto quanto possível, fazer-se acompanhar do diálogo, do respeito pelo outro, do
pluralismo e da racionalidade. Porém, a tolerância não pode tolerar os intolerantes, nem aceitar o
que a nega e impede.

Face à intolerância e os conflitos religiosos, Hans Küng (cristão), na sua obra Projecto Para
Uma Ética Mundial, declara que:

a) Não é possível a vida humana em sociedade se não existir uma ética mundial;

b) É impossível existir a paz entre as nações se não se verificar a paz entre as religiões;

c) É igualmente impossível que haja paz entre as religiões, se estas não dialogarem entre si.

De facto, o mundo só poderá sobreviver se não houver divisões e rivalidades ao nível da ética.
A responsabilidade pela paz no mundo passa, em grande medida, pela actuação das religiões,
cuja credibilidade dependerá, segundo Küng, «do facto de passarem a acentuar, prioritariamente,
aquilo que as une e menos aquilo que as separa umas das outras». Ora, aquilo em que as religiões
denotam maior afinidade situa-se muito mais no domínio da ética do que no âmbito dos dogmas.
Por isso, é urgente o reconhecimento de valores e normas susceptíveis de assumirem um carácter
vinculativo, tendo em vista um entendimento universal entre as civilizações.

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