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MINISTÉRIO DA SAÚDE

DIRECÇÃO NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA


DEPARTAMENTO DE SAÚDE MENTAL

Centro de Psicologia Aplicada e Exames Psicotécnicos

PROPOSTA DE LEI DE SAÚDE MENTAL

JULHO 2015

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FUNDAMENTAÇÃO

O Ministério da Saúde aprovou a Estratégia e Plano de Acção para a Saúde Mental em Março de
2006, constituindo-se como uma ferramenta essencial e orientadora para as futuras realizações
nesta área. Deste modo, a gestão da Saúde Mental implica, não só a gestão dos
estabelecimentos, mas principalmente a administração e gestão dos cuidados e serviços de
Saúde Mental a prestar à população.

A existência de uma Lei de Saúde Mental visa criar um instrumento legal e de referência com
finalidade de contribuir para a protecção, assistência e salvaguarda dos direitos do sujeito com
perturbação mental, suas famílias e à sociedade em geral e sobretudo, facilitar a integração da
saúde mental nos cuidados de saúde geral e na comunidade.

Pretende-se colmatar as lacunas existentes ao nível de gestão da Saúde Mental, intervenção e,


principalmente na protecção do sujeito com perturbação mental, regular o internamento
compulsivo do sujeito com perturbação mental e estabelecer os parâmetros de responsabilização
social, cultural e institucional. Espera-se que este seja um instrumento que permita a diminuição
do estigma e favoreça a integração e o acesso ao atendimento dos sujeitos portadores de
perturbação mental nos serviços de saúde em geral, e na comunidade.

A presente Lei visa também a criação de mecanismos legais para responder aos aspectos do
tratamento médico, assistência psicossocial do sujeito com perturbação mental, aspectos
essenciais se considerarmos os dados actuais e relevantes sobre a prevalência de tais
perturbações na população moçambicana.

Um estudo do PNSM, em 2003 demonstrou que a prevalência das perturbações mentais é


superior nas zonas rurais, onde os serviços são mais raros e mais precários e onde as famílias
são também mais vulneráveis do ponto de vista social e económico.

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Pretende-se melhorar e potenciar da melhor forma possível o acolhimento, atendimento
psiquiátrico, psicossocial à população que depende das nossas instituições para cuidar da sua
saúde mental, bem como proteger os direitos civis daqueles que sofrem de doença mental.

Pretende-se assegurar o respeito pelos Direitos Humanos e Civis do sujeito com perturbação
mental, promover estratégias de saúde mental que visam a reestruturação da assistência em
saúde mental, promoção da vigilância e defesa dos direitos humanos do sujeito com perturbação
mental, de acordo com as legislações nacionais e respectivos compromissos internacionais (carta
de princípios sobre a protecção de pessoas acometidas de Perturbação mental, da ONU, de 17 de
Dezembro de 1991).

No que se refere à implementação, a Lei será implementada de forma faseada. Numa primeira
fase em que se vai traçar as prioridades em termos de criação de condições para a implemntação
que devem passar necessariamente pela formação e capacitação do pessoal, divulgação nos
vários quadrantes (saúde e comunidade, entidades que participarão na sua implemntação).
Estas actividades vão correr paralelamente com as campanhas de sensibilização para os direitos
dos sujeitos com perturbação mental e outros aspectos relacionados com a doença mental e
tratamento de forma a melhorar a compreensão e diminuir o estigma na população em geral.
A outra actividade deverá ser a criação de capacidade em termos de unidades que possam
suportar a referida Lei (integração da saúde mental nos cuidados de saúde e nos cuidados de
saúde primários), criação de pequenas unidades de dia e outras especializadas (adolescentes,
jovens, idosos) o mais próximo das comunidades.

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CAPÍTULO I

ARTIGO 1
(Objectivos)

1. Estabelecer os princípios gerais da Política de Saúde Mental, garantir a protecção do


sujeito com perturbação mental, regular o internamento compulsivo, incrementar o
tratamento, reabilitação o mais próximo da comunidade, salvaguardando os direitos desta
população.
2. Contribuir para a alteração do actual quadro institucional no tratamento reabilitação e
reinserção psicossocial do sujeito com perturbação mental e promover uma saúde mais
humanizada e orientada ao atendimento de base comunitária sob estrito respeito dos
direitos humanos.

ARTIGO 2
(Âmbito de aplicação)

A lei aplica-se no âmbito do Sistema Nacional de Saúde, unidades de tratamento privados e na


comunidade.

1. Os direitos e a protecção do sujeito com perturbação mental, devem ser assegurados sem
qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção
política, nacionalidade, idade, família, recursos económicos e ao nível de gravidade ou tempo de
evolução da sua perturbação, em um ou mais contextos abaixo:
a) Na comunidade,
b) Nas unidades sanitárias,
c) Nos locais de trabalho,
e) Nas escolas.

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ARTIGO 3
(Princípios gerais de política de Saúde Mental)
1. Sem prejuízo do disposto na nas leis de bases da saúde, devem observar-se os seguintes
princípios gerais:
a) A prestação de cuidados de saúde mental é promovida prioritariamente na comunidade, o
mais próximo do ambiente familiar de forma a facilitar a sua reabilitação e inserção social;
b) Os cuidados de Saúde mental são prestados no meio menos restritivo possível;
c) O tratamento de sujeitos com perturbação mental em regime de internamento ocorre
tendecialmente, em hospitais gerais;
d) No caso de sujeitos com perturbação mental que careçam de reabilitação psicossocial, a
prestação de cuidados é assegurada, de preferência em estruturas residenciais, centros
de dia e unidades de treino e reinserção profissional, inseridos o mais próximo da
comunidade e adaptados ao grau específico de autonomia dos doentes.
2. Nos casos previstos na alínea d) do número anterior, os encargos com os serviços
prestados noâmbvito da reabilitação social, apoio residencial, e reinserção profissional
são compartilhados em termos a definir pelos membros do governo que tutelam a saúde,
acção e segurança social, trabalho e educação.
3. A prestação de cuidados de saúde mental é assegurada por equipas multidisciplinares
habilitadas a responder, de forma coordenada, aos aspectos médicos, psicológicos,
sociais, de enfermagem e de reabilitação.

ARTIGO 4
(Determinação de uma perturbação mental)

a) A determinação de que um sujeito sofre de uma perturbação mental deve ser feita de acordo
com os padrões e critérios médicos aceites internacionalmente, nomeadamente: o CID-10 e
DSM-IV.

b)A deteminação de uma perturbação mental nunca deve ser feita com base no status económico,
político ou social, pertença a um grupo cultural, racial ou religioso, ou por qualquer outra razão,
não directamente relevante para o estado de saúde mental da pessoa.

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ARTIGO 5
(Padrões de assistência)

1. O exame médico
a) Na área da psiquiatria deve ser realizado pelo médico psiquiatra, técnico de psiquiatria ou
profissionais da área da saúde capacitados e nenhum sujeito será compelido a submeter-se a tal
exame com o objectivo de determinar se apresenta ou não perturbação mental, se não de acordo
com os procedimentos autorizados por lei.
b) Em casos excepcionais, poderão ser submetidos ao exame médico sujeitos que não têm
consciência ou crítica do seu estado, mas que por motivos clínicos e de diagnóstico seja
necessário obter-se informação clínica. Incluí-se o exame psiquiátrico de menores, sujeitos em
estado de descompensação psicótica e sem crítica.

e) A avaliação na área da Psiquiatria e Saúde Mental pode ser complementada através de outros
exames médicos e psicológicos, que contribuem para um diagnóstico mais preciso e conclusivo.

2. Assistência

a) Todo o paciente tem o direito de receber cuidados sociais e de saúde adequadas as suas
necessidades e deve-se proporcionar um tratamento e cuidados de acordo com os modelos de
intervenção de eficácia comprovada. Sempre que possível e necessário do ponto de vista clínico,
devem ser utilizados outros métodos e técnicas similares aos fornecidos a pessoas com outros
problemas de saúde;

b) Todo o paciente será protegido de danos e da medicação não justificada, de violência por parte
da equipa técnica, de funcionários e de outros pacientes;

3. Tratamento
a) Todo o sujeito tem o direito de receber assistência médica nos casos de perturbação e doença
mental, mesmo que o próprio não tenha crítica e consciência do seu problema; b) O sujeito com

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Perturbação Mental poderá ser submetido a internamento e tratamento compulsivo perante
situações evidentes de risco para si e para outrém;
c) O tratamento deverá ser realizado na comunidade sempre que possível, mas pode ser exercido
nas unidades especializadas, através de desenho de programas terapêuticos individualizados e
dirigidos às necessidades específicas dos sujeitos.

CAPÍTULO II

(PRINCÍPIOS GERAIS)

ARTIGO 6
(Liberdades fundamentais e direitos básicos)

a) Todos os sujeitos têm direito à melhor assistência disponível em saúde mental, que deverá ser
parte do sistema de cuidados de saúde e sociais;

b) Todos os sujeitos têm o direito a informação sobre a saúde mental;

c) Os sujeitos que sofrem de perturbação mental ou que estejam sendo tratados como tal, devem
ser tratados com humanidade e respeito pela sua dignidade humana;

d) Os sujeitos que sofrem de perturbação mental, têm o direito à protecção contra a exploração
económica, violência física, psicológica e sexual ou de qualquer outro tratamento desadequado;

e) Não serão consideradas discriminatórias, quaisquer outras medidas especiais com a única
finalidade de proteger os direitos ou garantias do desenvolvimento do sujeito sofrendo de uma
perturbação mental;

f) O sujeito com perturbação mental tem o direito de exercer todas as responsabilidades e direitos
civis, políticos, económicos, sociais e culturais, reconhecidos pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos, pela Convenção Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais,
bem como outros instrumentos relevantes tais como: a declaração de direitos de pessoas
incapacitadas, princípios para a protecção de todas as pessoas sob qualquer forma de detenção
ou aprisionamento;

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h) O sujeito cuja capacidade esteja afectada, não podendo por si próprio assumir suas
responsabilidades, terá o direito a um representante legal. Tal representação deverá estar isenta
de qualquer tipo de remuneração enquanto o paciente não dispor de meios.

i) Em caso de necessidade de um advogado, este não deverá ao mesmo tempo, representar o


sujeito e o estabelecimento de saúde mental onde este se encontra internado, nem os
funcionários deste estabelecimento, nem a algum membro da família do sujeito.

j) Nos casos em que o tribunal ou outras instâncias competentes decidirem sobre a incapacidade
do sujeito, para gerir os seus próprios assuntos, deve-se garantir a protecção dos seus interesses
e necessidades.

ARTIGO 7
(Atendimento aos sujeitos com perturbação mental)

1. No atendimento em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou


responsáveis serão formalmente informados sobre os direitos do sujeito com perturbação mental
postulados neste artigo, nomeadamente, direito a:

a) Acesso ao melhor tratamento do Serviço Nacional de Saúde e Privados, consentâneo às


suas necessidades;
b) Cuidados de saúde prestados no meio menos restritivo possível;
c) Tratamento em regime de internamento em serviços Gerais e Unidades Especializadas;
d) Tratamento com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde,
visando alcançar sua recuperação, inserção na família, no trabalho e na comunidade;
e) Protecção contra qualquer forma de violência e exploração;
f) Garantia de sigilo nas informações a respeito de sua doença, tratamento e outros dados
confidenciais, salvo se a quebra de sigilo seja em benefício do sujeito;
g) Direito à presença atendimento oportuno, para esclarecer a necessidade ou não de sua
hospitalização involuntária;
h) Tratamento em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

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i) Tratamento, preferencialmente, em Serviços Comunitários de Saúde Mental, de forma a
evitar o afastamento do seu meio habitual e a facilitar a sua reabilitação e inserção social;
j) No caso de sujeitos que fundamentalmente careçam de reabilitação psicossocial, estes
têm o direito a cuidados em estruturas residenciais, centros de dia e unidades de treino e
reinserção profissional, inseridos ou não na comunidade e adaptados ao grau específico
de autonomia dos sujeitos;

ARTIGO 8
(Das responsabilidades do Estado)

1. É da responsabilidade do Estado:

a) O desenvolvimento da Política de Saúde Mental e a promoção da saúde mental;


b) A assistência aos sujeitos com perturbações mentais, com a devida participação
da sociedade e da família;
c) A integração laboral dos sujeitos com perturbação mental, conjuntamente com o
organismo que tutela o trabalho;
e) A educação e integração escolar dos sujeitos com perturbação
Mental nos casos de:
- Interrupção da frequência escolar por motivo de doença mental,
- Comportamento a margem do desejado na escola, resultante da doença mental.
e) O atendimento dos sujeitos com perturbação mental em situações de privação e
aprisionamento;
g) A presença de técnicos de psiquiatria e outros profissionais de saúde mental
(Psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, etc) nos centros de saúde e na
comunidade;

f) A prestação de cuidados de saúde mental por equipas multidisciplinares


habilitadas a responder, de forma coordenada, aos aspectos médicos,
psicológicos, sociais, de enfermagem e de reabilitação.

g) A comparticipação nos encargos dos serviços prestados no âmbito da reabilitação


e inserção social, apoio residencial e reinserção escolar e/ou profissional em

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termos a definir pelos órgãos do governo responsáveis pelas áreas da saúde,
segurança social, acção social e trabalho, educação e justiça;
h) A Integração do tratamento dos sujeitos com perturbação mental nos cuidados de
saúde em geral e nos cuidados de saúde primários especificamente;

i) A extensão igualitária dos serviços de saúde mental a toda a população,


promovendo a eficiência e qualidade dos serviços de saúde mental, articular os
serviços com a saúde geral num todo integrado;

j) A criação de estruturas residenciais, centros de dia e unidades de treino e


reinserção profissional;

ARTIGO 9
(Direitos e deveres do utente)
1. Direitos:

1.1. Sem prejuízo do previsto na Política Nacional de Saúde, os utentes dos serviços de saúde
mental tem o direito de:
a) Ser informados (paciente e família) de forma adequada, dos seus direitos, bem como do
plano terapêutico proposto e seus efeitos previsíveis;
b) Receber tratamento e protecção, no respeito pela sua individualidade e dignidade;
c) Decidir receber ou recusar as intervenções diagnósticas e terapêuticas propostas, salvo
quando for caso de internamento e tratamento compulsivo ou em situações de urgência
em que a não intervenção criaria riscos comprovados para o próprio e para terceiros;
d) Recusar o tratamento com a electroconvulsivoterapia sem o consentimento escrito do
próprio ou do responsável;

1.2. Direitos e Deveres dos Familiares e das equipas multidisciplinares;


Para além das situações previstas na lei da família, são concedidos os seguintes direitos e
deveres:
a) O direito de ser informados sobre o estado do seu parente sempre que necessário, sem
que se viole a confidencialidade de que este goza;

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b) Os familiares e as equipas multidisciplinares devem ser envolvidos no desenvolvimento da
política e legislação de saúde mental, bem como no planeamento dos serviços de saúde
mental;
c) Os familiares e as equipas multidisciplinares têm direito ao apoio e serviços de que
necessitam ao cuidar de uma pessoa com transtorno mental;
d) Os familiares e as equipas multidisciplinares devem contribuir para a formulação e
implementação de um plano de tratamento para o paciente, especialmente se o paciente
é incapaz de o fazer de forma autónoma;

ARTIGO 10
(Princípios sobre a protecção de menores)

1. São menores as pessoas de ambos os sexos enquanto não perfizerem dezoito anos de
idade1.
2. Nos casos de menores com perturbação mental, devem ser tomadas medidas adequadas
que possam garantir o tratamento, protecção e desenvolvimento social, psicomotor e
cognitivo em função da perturbação específica.
3. Deve-se garantir que os menores sejam colocados em lugares diferenciados dos adultos
e que o ambiente em estabelecimentos de saúde mental seja apropriado à idade e
necessidades dos menores (por exemplo, fornecimento de uma área de lazer, brinquedos
e actividades recreativas próprios para a idade, acesso a escolarização e educação).
4. Em Instituições de saúde mental que alberguem crianças, estas devem ter acesso aos
meios técnicos que possibilitem a sua socialização, estimulação e reabilitação,
5. As crianças devem usufruir de suporte de técnicos e profissionais especializados.

ARTIGO 11
(Vida em comunidade)

1. Todos os sujeitos com perturbação mental, tem o direito de trabalhar tanto quanto possível na
comunidade ou em condições semelhantes, salvo indicações clínicas e/ou legais (o trabalho deve
ser competitivo ou protegido);
2. Todo o sujeito tem o direito de ser tratado e cuidado tanto quanto possível na comunidade onde
vive;
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Nos termos do artigo 122 do Código Civil vigente na República de Moçambique

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3. Nos casos em que o tratamento for realizado em um estabelecimento de saúde, o sujeito tem o
direito, sempre que possível de ser tratado próximo da sua residência ou de seus parentes para
permitir um retorno a comunidade o mais breve possível.

ARTIGO 12
(Papel da cultura)

Todos os sujeitos têm o direito a receber tratamento adequado à sua tradição cultural, sem que
este aspecto prejudique o processo de tratamento.

ARTIGO 13
(O Internamento nos Serviços de Saúde Mental)

1. O internamento, em qualquer das suas modalidades, só será admissível quando os recursos


para o tratamento em ambulatórios disponíveis na rede assistencial se mostrarem insuficientes ou
esgotados;
a) O tratamento ou reabilitação em regime de internamento será estruturado de forma a
oferecer assistência integral ao sujeito com perturbação mental, incluindo serviços
médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros;
b) O tratamento terá, como finalidade a melhoria do estado de saúde com vista a sua
reinserção social;
c) O internamento do sujeito com perturbação mental é fortemente desencorajado, caso seja
realizado em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos
serviços mencionados na alínea a).
d) O sujeito há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave
dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte
social, será objecto de política específica de alta planeada e reabilitação psicossocial
assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de
instância a ser definida pelo MISAU, assegurando a continuidade do tratamento, quando
necessário.
e) O internamento Psiquiátrico deve ser feito consoante a realização do relatório médico
circunstanciado que caracterize os seus motivos.

2. Os pressupostos para o internamento:

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a) O sujeito com perturbação mental grave que crie, por força dela, uma situação de perigo
para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal e recuse
submeter-se ao necessário tratamento médico pode ser internado em estabelecimento
adequado.
b) Pode ainda ser internado o sujeito com perturbação mental que não possua o
discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento, quando a
ausência de tratamento deteriore de forma acentuada o seu estado.

3. A evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão comunicados


pela direcção do estabelecimento de saúde aos familiares, ou ao representante legal do paciente,
bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de 24 horas da data da
ocorrência.

ARTIGO 14
(Modalidades de internamento)

1. Internamento Voluntário: internamento que se dá por solicitação do sujeito com


perturbação mental. Quando menor através do seu representante legal, portanto, é um
internamento que se dá com o consentimento expresso do sujeito;

a) A pessoa que solicita voluntariamente o seu internamento, ou que o consente, deve


assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de
tratamento;
b) O término do internamento voluntário dar-se-á por determinação do médico assistente;

2. Internamento Involuntário realiza-se sem o consentimento expresso do paciente, e a


pedido de terceiros, familiares quando, pelas características do seu quadro clínico se
considere que existe risco e ameaça física e de saúde para o própio ou para outrém;

a) O internamento involuntário deverá ser comunicado as entidades afins (polícia, acção


social, etc) pelo responsável técnico ou entidade clínica e administrativa do
estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser
adoptado aquando da respectiva alta;

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b) O término do internamento involuntário dar-se-á por determinação do médico assistente.

3. Internamento Compulsivo: aquele determinado pela justiça, por decisão judicial.


a) O internamento compulsivo é determinado, de acordo com a legislação vigente em
Moçambique, pelo juiz competente.
b) O internamento compulsivo só pode ser determinado quando for a única forma de garantir
a submissão a tratamento do internado e finda logo que cessem os fundamentos que lhe
deram causa.
c) Sempre que possível o internamento é substituído por tratamento compulsivo em regime
ambulatório.
d) Têm legitimidade para requerer o internamento compulsivo o representande legal do
sujeito portador de perturbação mental, qualquer pessoa com legitimidade para requerer a
sua interdição, as autoridades de saúde pública e o ministério público, Nos casos omissos
aplica-se, devidamente adaptado, o disposto no código de processo penal;

4. Internamento de urgência: o sujeito que sofre de uma perturbação mental pode ser internado
de urgência, sempre que, verificando-se os pressupostos dos números 2 e 3 do presente artigo,
exista perigo eminente para os bens jurídicos aí referidos, nomeadamente, por deterioração aguda
do seu estado.

ARTIGO 15
(Direitos e deveres do internado)

1. O Sujeito internado com perturbação mental mantém os mesmos direitos e deveres que os
outros pacientes com outras perturbações em qualquer unidade sanitária ou outro
estabelecimento de saúde;
2. O internado goza, em especial de:
a) Ser informado e, sempre que necessário, esclarecido sobre os direitos que lhe assistem;
b) Ser esclarecido sobre os motivos do internamento;
c) Ser assistido pelo seu representante legal constituído ou nomeado, podendo comunicar em
privado com este;
d) Recorrer da decisão de internamento e da decisão que o mantenha internado;
e) Votar nos termos da lei eleitoral vigente;
f) Enviar e receber correspondência, salvo se estiver contra-indicado;
g) Ser tratado com dignidade humana;

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h) Solicitar e receber visitas de colegas, familiares, amigos e outros, salvo se estiver contra-
indicado pela equipa médica;

O internado tem o dever de:


a)Solicitar a informação necessária sobre o seu internamento, doença ou tratamento;
b)Informar a equipa assistente, de preferência o médico ou o técnico de qualquer situação
inesperada ou indesejada ou ainda qualquer efeito adverso que considere relevante para a boa
continuação do seu internamento, ou tratamento;
c) Respeitar toda a equipa que o assiste, assim como todos os outros funcionários da instituição
em que se encontra internado;
d) Respeitar e tratar dignamente todos os outros internados, assim como as suas visitas;
e) Cumprir com a as regras e normas da instituição;
f) Cumprir com os programas terapêuticos propostos;

ARTIGO 16
(Substituição do Internamento)

O internamento é substituído por tratamento em regime ambulatório sempre que seja possível
manter esse tratamento em liberdade, sem prejuízo do disposto na lei.

ARTIGO 17
(Dos Estabelecimentos de Saúde Mental)

1. Os estabelecimentos públicos de saúde devem criar condições para o atendimento de sujeitos


padecendo de doença mental, quer em, regime ambulatório, quer para internamento nas suas
variadas formas;

2. Os estabelecimentos públicos especializados no atendimento, tratamento e reabilitação de


sujeitos com perturbação mental, ficam sob a direcção e supervisão do Ministério da Saúde.

3. Qualquer estabelecimento privado de saúde poderá receber sujeitos com perturbação mental,
desde que reúnam condições estipuladas para esse fim.

3.1. Das Condições

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- Serviço de psiquiatria e saúde mental com pessoal formado e qualificado na área (psiquiatra ou
técnico de psiquiatria, Psicólogo Clínico, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e outros
profissionais);
- Equipamento adequado para diagnóstico, assistência e reabilitação;
- Condições físicas adequadas.

4. Os estabelecimentos privados especializados no atendimento, tratamento e reabilitação de


sujeitos com perturbação mental devem ser autorizados pelo Ministério da Saúde desde que
reúnam os requisitos estipulados na presente lei e o consagrado na lei do exercício da prática
clínica privada;

5. Os centros de reabilitação psicossocial e unidades de acompanhamento comunitário devem ser


autorizados, inspeccionados e supervisionados pelo Ministério da Saúde.

CAPÍTULO III
DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

ARTIGO 18
(Responsabilidades para a Implementação)

1. Os Ministérios da Saúde, da Mulher e Acção Social, da Educação e Cultura, do Trabalho, da


Justiça, das Finanças, dos Transportes e Comunicações e do Interior serão os principais
responsáveis pela implementação desta Lei, incentivar a Integração da saúde mental nos vários
planos estratégicos destinados ao desenvolvimento dos recursos do sector da saúde em geral;

Caberá aos Ministros da Saúde, da Mulher e Acção Social, da Educação e Cultura, do Trabalho,
da Justiça, das Finanças, Transporte e Comunicações e do Interior, regular a implementação
desta Lei.

GLOSSÁRIO

a) Perturbação mental

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É um síndrome ou padrões comportamentais ou psicológicos clinicamente significativos que
ocorrem num sujeito, e que estão associados a ansiedade actual (por exemplo um sintoma
doloroso) ou uma incapacidade em uma ou várias áreas importantes de funcionamento, ou com
um risco significativamente aumentado de sofrer, morte, dôr, incapacidade ou perda importante de
liberdade.
A pesar desta definição, o conceito de perturbação mental, tal como muitos outros conceitos na
medicina e nas outras ciências, carece de uma definicão operacional sólida que englobe todas as
situações. Segundo o CID-10 (Classificação Internacional das Doenças mentais), o termo
«transtorno» ou «perturbação» é usado de forma a evitar problemas ainda maiores inerentes ao
uso de termos tais como «doença» ou «enfermidade».
Transtorno ou perturbação são sinónimos em termos de uso na clínica e apesar de não serem
termos exactos, são usados para indicar um “conjunto de sintomas ou comportamentos
clinicamente reconhecíveis associados, na maior parte das vezes, a sofrimento e interferência
com funções pessoais”.

b) Deficiência mental;

A característica essencial da deficiência mental é um funcionamento intelectual global inferior à


média (Critério A) que é acompanhado por limitações no funcionamento adaptativo em pelo
menos 2 áreas seguintes: comunicação, autocontrolo, competências académicas funcionais,
trabalho, tempos livres, saúde e segurança, sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários,
vida doméstica (critérios B). O início deve ocorrer antes dos 18 anos (Critério C). A deficiência
mental pode ter etiologias diferentes e ser considerada uma via final comum de vários processos
psicológicos que afectam o funcionamento do sistema nervoso central. (DSM-IV-TR, 2002, p.41)

c) Transtornos Mentais e do comportamento (TMC);


Designação para um conjunto de estados psicopatológicos ou de alterações do comportamento,
agrupados em categorias clínicas específicas.

d) Problemas de Saúde Mental;

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Qualquer das múltiplas alterações adversas do estado de equilíbrio bio-psico-social e que
provocam no indivíduo comprometimento psicológico associado, na maioria das vezes, a
sofrimento e interferência com as funções pessoais.

e) Desgaste Emocional;
Termo que designa uma síndrome caracterizada por exaustão física e emocional,
despersonalização, percepção (real ou imaginária) de diminuição da capacidade laboral, sensação
de fracasso pessoal e insónia. Pode-se encontrar associada a depressão, e a uma
susceptibilidade aumentada para doenças físicas, consumo de substâncias e suicídio; reacção de
stresse frente a exigências inexoráveis, exigèncias emocionais, associadas ou não ao trabalho.

f) Perturbação da personalidade;
Personalidade refere-ase ao modo e características de funcionamento psicológico. Quando as
características da personalidade são inflexíveis e inadaptadas, causando comprometimento
funcional significativo e por vezes também sofrimento subjectivo, estamos em presença de
perturbações da personalidade

g) Abuso de substâncias,
A característica essencial do Abuso de Substâncias é um padrão mal-adaptativo de uso de
substâncias, manifestado por conseqüências adversas recorrentes e significativas relacionadas ao
uso repetido da substância. Pode haver um fracasso repetido em cumprir obrigações importantes
relativas a seu papel, uso repetido em situações nas quais isto apresenta perigo físico, múltiplos
problemas legais e problemas sociais e interpessoais recorrentes (Critério A). Esses problemas
devem acontecer de maneira recorrente, durante o mesmo período de 12 meses. À diferença dos
critérios para Dependência de Substância, os critérios para Abuso de Substância não incluem
tolerância, abstinência ou um padrão de uso compulsivo, incluindo, ao invés disso, apenas as
conseqüências prejudiciais do uso repetido. Um diagnóstico de Abuso de Substância é cancelado
pelo diagnóstico de Dependência de Substância, se o padrão de uso da substância pelo indivíduo
alguma vez já satisfez os critérios para Dependência para esta classe de substâncias (Critério B).
Embora um diagnóstico de Abuso de Substância seja mais provável em indivíduos que apenas
recentemente começaram a consumi-la, alguns indivíduos continuam por um longo período de

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tempo sofrendo as conseqüências sociais adversas relacionadas à substância, sem
desenvolverem evidências de Dependência de Substância. A categoria Abuso de Substância não
se aplica à nicotina e à cafeína.

h)Cuidados sociais;
Cuidados sociais são uma variedade de serviços que podem ser providenciados para apoiar as
pessoas que precisam. Podem englobar habitação e actividades de lazer, diárias e apoio social;
alimentação e vestuário; educação, etc

i) Serviços comunitários;
Os Serviços de Cuidados Comunitários (Community care services) podem criar estruturas na
comunidade para oferecer apoio nas seguintes áreas: habitação com apoio ou independente,
cuidados num lar de idosos (residential care) ou serviços de descanso por curtos períodos de
tempo, (também conhecido como serviço de descanso para o assistente de cuidados (respite care
services); Cuidados de saúde – ajuda com cuidados de saúde ou necessidades a nível da saúde
mental; Cuidado pessoal – ajuda para alimentar-se, lavar-se e vestir-se; Necessidades sociais –
através de actividades de lazer, actividades diárias e trabalho de apoio social; Emprego – ajuda
para a pessoa se preparar para o mercado de trabalho ou emprego com apoio; Educação – ajuda
a nível da educação complementar (further education) ou educação para adultos; Finanças –
ajuda com bolsas e financiamento.

j) Centro de dia - Instituição que presta um conjunto de serviços desenvolvidos com condições
que contribuem para manter os sujeitos com perturbação mental na sua comunidade, recebendo
tratamento clínico, apoio psicológico, assistência social e terapia ocupacional;

b) Centro de actividades ocupacionais - Instituição de pequena dimensão inserida,


preferencialmente na comunidade que visa a valorização pessoal, integração social de sujeitos
com perturbação mental , permitindo o desenvolvimento possível das suas capacidades sem
vinculação a exigências de rendimento profissional ou de enquadramento normativo de natureza
jurídico-laboral.

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l) Lar – Instituição que consiste no alojamento colectivo, de utilização temporária ou permanente,
para sujeitos com perturbação mental em situação de maior risco de perda de independência e
autonomia quando não existem condições para o acolhimento familiar.

m) Residência protegida – Instituição destinada a alojar sujeitos com perturbação mental com
certa autonomia e independência quando não existem condições para o acolhimento familiar.
Podem-se criar outras estruturas clínicas e de suporte sempre que as condições o permitirem.
n) CAP - Centros de passagem para doentes compensados e sem apoio familiar/social;

Referências:

1. CID-10 (1997). Classificação de transtornos mentais e de comportamento. World Health


Organization Geneva: Artemed editora.
2. ONU: Apromoção de pessoas com problemas mentais e melhorias da assistência a saúde
mental. Princípios.
3. Lei de 30 de junho de 1838 sobre os alienados. Brasil.
4. Lei No 10.216, de 6 de Abril de 2001. Brazil.
5. Proposta de Lei para controlo do consumo do álcool. MISAU: Moçambique.
6. MISAU (2006).Estratégia e plano de acção para a saúde mental.MISAU: Moçambique.
7. Leis de Saúde Mental República Portugyuesa
8. Lei de Saúde Mental – República da Africa do Sul.
9. Declaração de caracas.
10. Boletim da República, série I, número 21, 2º suplemento, terça-feira, 26 de Maio de 1992.
11. OMS (1997). A saúde mental dos refugiados. Maputo: Joop TVM de Lucy Clarke.
12. WHO Checklist on Mental Health Legislation. Mental Health policy and services development
Team, Department of Mental Health e Substance Dependece, WHO; Geneva.
13. United Nations: Convention on The Rights of Persons with Disabilities and optional protocol.

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