Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Graduado em História pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Marketing e
Comunicação Social pela Fundação Cásper Líbero, e atualmente mestrando do Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), na área
de concentração História do Tempo Presente, e na linha de pesquisa Linguagens e
Identificações. Orientado pela Profa. Dra. Márcia Ramos de Oliveira (UDESC) e coorientado
pelo Prof. Dr. Artur Cesar Isaia (UFSC). Bolsista PROMOP/UDESC. E-mail para contato:
edumeinberg@gmail.com
Fronteiras: Revista Catarinense de História, Florianópolis, n.17, p.137-151, 2009.
Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho
2
RIOUX, Jean-Pierre. Pode-se fazer uma história do presente? In: CHAUVEAU, A.,
TÉTART, P. (orgs.). Questões para a história do presente. Bauru, SP: EDUSC, 1999.
p.39-50. A citação consta da p. 50.
3
Entendida como a geração que vivera os traumas relacionados à Segunda Guerra Mundial.
4
CHAUVEAU, Agnès; TÉTART, Philippe. Questões para a história do presente. In:
CHAUVEAU, TÉTART, op.cit., p. 7-37. A citação consta da p. 15.
5
Ibidem, p. 17.
6
Ibidem, p. 15.
7
LARROSA, Jorge. A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na
escrita e na vida. Educação & Realidade [dossiê Michel Foucault], Porto Alegre, v. 29, n.1,
p. 27-43, 2004.
138
Para uma História do Tempo Presente
8
Entendo ensaio aqui como o texto literário (inclusive o acadêmico) onde são expostas ideias
e reflexões sobre algum tema. É muitas vezes a defesa de um ponto de vista subjetivo e
autoral.
9
Declarando os ecos de Foucault sobre sua identidade, Larrosa comenta: “me deu vontade de
propor um balanço, só que não de Foucault, mas de nós mesmos, do que significa para cada
um o fato de que, marcados pela leitura juvenil de Foucault, nos tornamos maiores”.
LARROSA, A operação ensaio, op.cit. p.28.
10
Larrosa sublinha, citando Michel de Eyquem de Montaigne: “se minha alma pudesse dar
pé, eu não me ensaiaria, me resolveria; mas ela se encontra sempre em aprendizagem e à
prova”. Ibidem, p. 29.
139
Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho
como finalidade dar forma a uma experiência deste presente.11 Entendo que,
de maneira semelhante, através da mirada para o tempo passado, este
esquadrinhador do recente pode objetivar o entendimento da sua
própria realidade e entorno.12
Associado a isto, Serge Berstein e Pierre Milza comentam que, ao
se situar a emergência de fenômenos de longa duração no seio do presente,
se pode “modificar permanentemente o significado destes, mudando as
perspectivas segundo as quais os consideramos, procurando no passado
novos objetos de estudo em função das preocupações do presente.”13
Acontecimentos com diferentes origens e espessuras de duração se
presentificam e, lançando luz sobre o acontecido, nos estudamos como
indivíduos interessados no assunto, compreendendo melhor quem somos
hoje. Isso pode ser possibilitado, por exemplo, através de um esforço
comparativo, o que provavelmente encontraria ressonâncias na
simultaneidade de John Gaddis.14 Seria também o que Jean-Pierre Rioux
coloca a respeito da “ênfase da representação do passado como sendo
integrante do imediato”.15 Quando essa representação do passado contribui
na edificação do contemporâneo, automaticamente coloca a questão do
11
LARROSA, A operação ensaio, op.cit. p. 33. Larrosa complementa comentando que,
“quando o ensaísta adota a máscara do historiador, o tema de suas histórias não é o passado,
mas o presente”. Ibidem, p.34.
12
Tomo como exemplo a citação de André Chevitarese, durante o I Seminário Internacional
do Jesus Histórico, realizado entre os dias 16 e 18 de outubro de 2007, no IFCS, na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, em que ele comenta sobre a importância da
identificação histórica de Jesus para o indivíduo do presente: “pesquisar o Jesus Histórico é
estudar o tempo presente, o nosso tempo. É pensar Jesus, os seus discípulos mais próximos e
suas experiências comunitárias à luz da História, da Arqueologia, da Sociologia etc. É dizer,
por exemplo, que Jesus era judeu, de nascimento, de vida e de morte. É pensar em
Judaísmos, em Cristianismos, rompendo com a noção de unicidade desses movimentos
religiosos”.
13
BERSTEIN, Serge, MILZA, Pierre. Conclusão. In: CHAUVEAU, TÉTART (orgs.).
Questões para a história do presente, op.cit., p. 127-130. A citação consta da p.129.
14
A simultaneidade seria para Gaddis a comparação entre fenômenos históricos diferentes e
separados pela espessura da temporalidade. GADDIS, John Lewis. Paisagens da História:
como os historiadores mapeiam o passado. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
15
RIOUX, Pode-se fazer uma história do presente?, op.cit., p. 49. Para Rioux, a esta ênfase
da representação do passado como sendo integrante do imediato se associam o
“imbricamento constante, cruel e alimentador do passado com o presente” e o “trabalho do
luto como condição necessária para o apaziguamento ou hierarquização de um presente
invasivo”.
140
Para uma História do Tempo Presente
16
LE GOFF, Jacques. A visão dos outros: um medievalista diante do presente. In:
CHAUVEAU, TÉTART, Questões para a história do presente, op.cit., p. 93. Le Goff,
parafraseando Marc Bloch através deste esclarecimento do presente pelo passado e do
passado pelo presente, o faz associando duas inquietações suas: “houve na Idade Média
fenômenos históricos que esclarecem o presente imediato? O que se passa hoje me permite
melhor compreender o que aconteceu na Idade Média? Essas duas questões complementares
constituem para mim uma espécie de leitura instintiva da história imediata e de minha
reflexão sobre ela”.
17
RIOUX, Pode-se fazer uma história do presente?, op.cit. p. 40.
141
Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho
18
LARROSA, A operação ensaio, op.cit. p. 37.
19
Ibidem, p. 34.
20
FRANK, Robert. Questões para as fontes do presente. In: CHAUVEAU, TÉTART,
Questões para a história do presente, op.cit., p. 103-117. A citação consta da p.103.
21
SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007. p. 10.
142
Para uma História do Tempo Presente
22
HUFF JÚNIOR, Arnaldo Érico. Campo religioso brasileiro e História do Tempo Presente -
Anais do II Encontro Nacional do GT História das Religiões e das Religiosidades. Revista
Brasileira de História das Religiões. São Paulo, v. 1, n. 3, 2009. p. 20.
23
Para este, ainda, “mesmo que não haja uma unanimidade teórico-metodológica entre os
praticantes da história do tempo presente, uma saída frequente, e um tanto esquiva, diante
desse problema, tem sido a de privilegiar abordagens relativas às reconstruções da memória,
sem adentrar mais propriamente no aspecto fatual”. HUFF JÚNIOR, op.cit. p. 23.
24
FRANK, Questões para as fontes do presente, op.cit. p.107.
25
SARLO, Tempo passado, op.cit. p. 38.
143
Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho
26
Proust comentou que a melhor parte de nossa memória está fora de nós. Para ele, “está
numa brisa chuvosa, num cheiro de quarto fechado, ou no de um primeiro fogaréu, em toda
parte onde encontramos de nós mesmos o que nossa inteligência rejeitara, por julgá-lo inútil,
a última reserva do passado, a melhor, aquela que, quando todas as nossas lágrimas parecem
ter secado, sabe ainda fazer-nos chorar. Fora de nós? Em nós, para melhor dizer, mas
escondida a nossos próprios olhares, num esquecimento mais ou menos prolongado. É graças
a tal esquecimento que podemos, de vez em quando, reencontrar o ser que já fomos, colocar-
nos face a face às coisas como o era essa criatura, sofrer de novo, porque não somos mais nós
mas ele, é ele quem amava a pessoa que agora nos é indiferente”. PROUST, Marcel. Em
busca do tempo perdido – v.2: À sombra das raparigas em flor. Rio de Janeiro: Ediouro,
2002. p. 493.
27
LARROSA, A operação ensaio, op.cit. p. 42.
144
Para uma História do Tempo Presente
entre um enunciado e uma realidade, mas sim como a relação “entre cada
um de nós e sua escrita, seu pensamento e sua vida, uma relação que não
seja de domínio, mas de compromisso, que não seja de apropriação, mas de
transformação.”28 Apreendo que a percepção de verdade deva ser vista
como algo relativo a cada um: seriam assim, verdades,29 e é provável que
este entendimento deva fazer parte da metodologia de qualquer história,
inclusive da história presente. A plasticidade que se embute neste termo
provavelmente seja reflexo das identificações múltiplas que se fragmentam
e moldam em uma sociedade potencialmente plástica, e o historiador do
recente deve estar atento a isto, pois se isso fizer parte de nossos dias, deve
fazer parte da escrita e da construção desta modalidade histórica. A História
do Tempo Presente seria, assim como o ensaio, uma escrita de um tempo à
deriva, se inserindo nos discursos sobre a modernidade contemporânea. Esta
subjetividade, segundo Larrosa, não se expressa, mas se vivencia,30 e esta
experiência do sujeito é em relação à sua própria contingência e
transformação. Para Larrosa,
28
E comenta ainda que Foucault deixara como herança uma lição de cunho tácito,
relacionada a algo que tivesse “a ver com a verdade de um exercício constante na escrita, no
pensamento, na vida. Algo que tem a ver com a honestidade e a generosidade. Algo que tem
a ver com o ensaio”. LARROSA, A operação ensaio, op.cit. p. 42.
29
Creio ser também conveniente utilizar o artigo indefinido feminino ao se tratar deste
termo. Assim, conviria chamar de uma verdade, ou como usei acima, e através do plural,
verdades.
30
Para Larrosa, esta seria uma das operações de Foucault sobre o ensaio: pensar o sujeito do
ponto de vista da experiência do autor e do viés de sua transformação, ficando patente a
importância da atenção à subjetividade deste. Ele refere que “por isso, para nós, velhos
leitores de Foucault, a primeira pessoa do singular, que diz ‘eu’ quando pensa, escreve ou
vive, já é, talvez para sempre, um problema, e já se fez para nós, talvez para sempre, o mais
difícil.” LARROSA, op.cit., p. 37.
31
Ibidem, p. 37.
145
Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho
mais a indagação e a crítica que o saber em si, e assim, sua crítica seria
moldada com a autocrítica, com um desprendimento que se relaciona com a
dessujeição dos jogos de verdade e de poder, sendo esta crítica um exercício
ascético de liberdade, de emancipação.32 Jorge Larrosa também comenta
que o ensaio seria o resultante da experiência simultânea entre a escrita e o
pensamento. Assim, ao mesmo tempo, decidiria o que nos é ofertado em
escrita e em pensamento, no tempo do presente e em primeira pessoa.33
Entendo, portanto que o cuidado com a subjetividade, que conforme Le
Goff aparece como inevitável,34 com o amenizar da parcialidade, é uma das
grandezas metodológicas desta história do recente.
Outra medida metodológica relevante para o pesquisador do tempo
próximo (e para os que se debruçam sobre outros tempos) me parece ser a
atenção aos detalhes, o cuidado com os pequenos sinais. Larrosa reforça a
ideia de que, para que o presente nos diga algo, deve-se buscar nele dados
signos que, por menores que sejam, o identificam e o esclarecem:
32
E aqui se apresentaria, segundo Larrosa, outra operação de Foucault sobre o ensaio, a de
pensar a crítica ou o pensamento, “como um exercício de liberdade, mais afirmativo que
negativo, mais criativo do que militante, mais de exposição que de oposição. Por isso, [...] a
crítica já é, talvez para sempre, um problema; e se tornou, para nós, o mais difícil”.
LARROSA, A operação ensaio, op.cit. p. 38.
33
Para ele, aqui se encontraria outra operação de Foucault sobre o ensaio: transformar em
problema a relação entre pensamento e escrita. E complementa: “Por isso, para nós, leitores
já velhos de Foucault, a escrita já é, talvez para sempre, um problema, e a escrita se fez para
nós o mais difícil”. Ibidem, p. 34.
34
Segundo Le Goff, há uma “inevitável subjetividade que se impõe na história imediata. O
historiador preso entre seu engajamento pessoal e o dever profissional da objetividade tem
muita dificuldade em conciliá-los honestamente. Mesmo se o passado desencadeia suas
paixões, para ele é mais fácil tomar distância, pois a distância do tempo está objetivamente
presente”. LE GOFF, A visão dos outros, op.cit. p. 100.
35
LARROSA, op.cit. p. 35.
146
Para uma História do Tempo Presente
36
LARROSA, A operação ensaio, op.cit. p. 35.
37
LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter. A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992. p. 133-161.
38
LEVI, Giovanni. O microscópio infinito - entrevista com Giovanni Levi. Revista de
História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, n. 41, fev. 2009.
39
LARROSA, op.cit. p. 35.
40
GADDIS, Paisagens da História, op.cit. Para John Gaddis, na escala o historiador
circularia entre as realidades ou dimensões macro e micro, assim podendo construir sua
representação com a maior ou menor aproximação possível. Mas o autor faz um aviso, uma
crítica a como se utiliza a micro-história comumente: não se deve cair na falácia da holística,
pois a ideia de que nos detalhes (micro) está representado o geral (macro) é enganosa.
147
Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho
Ainda que este tipo de preocupação seja válida, creio ser possível
estabelecer cuidados que desapaixonem a escrita deste tempo. A construção
desta mediação passa justamente pela reflexão crítica sobre o tempo e pela
colocação do depoimento na perspectiva da espessura da duração, do
passado próximo ao mais longínquo. Larrosa sinaliza isto: para ele, o
ensaísta “abre e ajusta uma distância”44 que tem como alvo a separação do
mundo, da realidade, do presente e de nós mesmos. Ilustro aqui o recuo do
historiador através de dois exemplos. O primeiro está em Paisagens da
História, de John Gaddis, onde ele comenta sobre o quadro “Viajante sobre
41
LEPETIT, Bernard. Sobre a escala na história. In: REVEL, Jacques (org.). Jogo de
escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV. 1988. p. 77-102. O jogo de
escalas seria a relação estabelecida entre a microanálise de particularidades históricas como
texto e um âmbito maior como contexto. Assim, a micro-história seria signatária do jogo de
escalas, pois ela depende também do contexto.
42
A meu ver, dentre outras, uma dificuldade estaria na suposta falta de fontes e de
documentos completos.
43
RIOUX, Pode-se fazer uma história do presente?, op.cit., p. 41.
44
LARROSA, A operação ensaio, op.cit. p. 38.
148
Para uma História do Tempo Presente
45
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas - v.1, Magia e técnica, arte e política: ensaios
sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987.
46
LARROSA, op.cit. p. 34.
47
RIOUX, Pode-se fazer uma história do presente?, op.cit. p. 46-47.
149
Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho
48
Apud MORAES, José Geraldo Vinci. História e música: canção popular e conhecimento
histórico. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, 2000. p. 212.
49
LE GOFF, A visão dos outros, op.cit., p. 94.
50
Ibidem, p. 94.
51
Ibidem, p. 96.
52
Ibidem, p. 101-102.
150
Para uma História do Tempo Presente
53
LE GOFF, A visão dos outros, op.cit. p. 101-102.
54
BERSTEIN, MILZA, Conclusão, op.cit. p. 128.
55
Ibidem, p. 128.
56
Dedico este artigo à Profa. Dra. Maria Teresa Santos Cunha, que durante suas aulas de
Teoria e Metodologia da História do Tempo Presente do Programa de Pós-Graduação em
História da UDESC, em 2008, muito nos auxiliou na identificação de um trilhar conceitual e
metodológico da história próxima, nos ofertando generosamente sua cortesia e brilhantismo.
151