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Maria do Rosário da Costa Ferreira

Nota 9,0
Turma 7

Atividade: Polo Salvador

Professora Dra. Jamile Borges

Questão 1: Com base no filme, elaborar um texto, de até cinco páginas,


argumentando sobre a ideia de colonialidade do saber e do poder do filósofo Aníbal
Quijano

A raça como vetor de manutenção da desigualdade

Nesse pequeno estudo, tentamos problematizar a violência colonial e seus


mecanismos, presentes na análise sobre a Colonialidade do Poder, do peruano Aníbal
Quijano, no filme Concerning Violence, do sueco Göran Olsson e na obra Os
Condenados da Terra, do martinicano Franz Fanon. Nesses trabalhos, afirma-se a ideia
de raça como central na constituição de um sistema mundo fundamentado nas violências
direta, estrutural e cultural, iniciado com o empreendimento colonial que, no encontro
com “o outro”, o “eu” negado pelo colonizador nos territórios conquistados, precisou se
engajar na produção de uma narrativa que legitimasse a dominação, através de um
binarismo racista superior/inferior que se projetava na perspectiva
colonizador/colonizado (Quijano, 2005).

Os trabalhos acima citados, constituem, para esse estudo, um marco decolonial


e, a partir deles, podemos entender a como a engrenagem colonial se perpetua nas
relações sociais até os dias atuais, assim como indica possibilidades de sua superação, a
partir da tomada de consciência sobre si e seu lugar no mundo, tarefa que torna
fundamental a desconstrução dos referenciais eurocêntricos, sobretudo a ideia de raça.
Essa ideia vai sustentar todo a estrutura de poder e saber nas relações metrópole/colônia,
se constituindo numa racionalidade específica, que vai orientar essas relações de forma
hierárquica.

A opressão colonial se baseia na força e no desprezo por aqueles a quem


domina, mas de quem dependem para produzir a riqueza que vai fortalecer o projeto
imperialista que se expande pelo mundo, forjando novas percepções acerca do que se
entende sobre identidade e pertencimento. Além de subverter toda a lógica produtiva
dos povos, que não se orientavam pelo viés capitalista de acumulação, era necessário
instalar um sistema de exploração que garantisse esse objetivo. Logo, a destruição
sistemática de tudo que que fosse importante para os oprimidos, não contemplava
apenas os bens materiais, mas, sobretudo os bens imateriais que constituíam sua cultura.
A desqualificação de formas de se vestir, de se relacionar com o sagrado, de produzir
artefatos e até mesmo de falar estava na agenda dos colonizadores. A inferiorização do
colonizado traz um forte traço de desumanização, em contraponto com a noção de
humanidade como humanidade europeia. Tudo fora desse referencial passa então a ser
interditado, criminalizado, com previsão de punições que incluíam severos castigos,
torturas e até mesmo a morte de maneira aterrorizante, de forma que funcionassem
como exemplo que inibisse novas manifestações de desobediência ou rebeldia, trazendo
consequências devastadoras à subjetividade dos colonizados, docilizando seus corpos e
sua psique, de forma que aceitassem sua condição de explorado.

A exploração era justificada porque, afinal, era o que cabia aos povos inferiores
na escala de valores eurocêntricos, colocando a raça branca abençoada pelas forças
políticas, econômicas, sociais e religiosas. A ciência, a filosofia e a literatura, por sua
vez também deram sua contribuição na construção de um imaginário que afirmava e
reafirmava essa condição de superioridade que detinha o poder de vida e de morte sobre
seus criados/servos/escravos.

Todo esse sistema de opressão, se abateu de maneira mais virulenta sobre os


africanos escravizados, que passam a ser o depositário de todos os medos e receios dos
colonizadores, que passam a atribuir os males do mundo a cor escura, as sombras, a
falta de luz, associados a cor da pele, conformando uma percepção dos negros a todo
esse imaginário sombrio e ameaçador. Esse imaginário também passou a povoar a
percepção dos colonizados sobre si mesmo e entre si, levando-os a negar e renegar sua
identidade e a adotar padrões europeus, com profundos prejuízos à sua autoestima.

Como sabemos, o sistema colonial ruiu, mas sua racionalidade, que separou a
população mundial através do parâmetro de raça, persiste e sustenta o atual sistema
capitalista de exploração e opressão, que atinge a população afrodescendente de forma
mais contundente.
Todas essas práticas fundamentadas na violência, por sua vez, também
subjetivaram os oprimidos que, a partir da tomada de consciência, principalmente
depois da Segunda Guerra, passaram a se organizar para reivindicar sua libertação da
condição de colonizados, passaram a rejeitar continuar vivendo em um país ocupado por
grupos que lhes impuseram toda sorte de sofrimentos.

É essa realidade que podemos verificar no filme Concerning Violence, sobre


movimentos de libertação na África, nos anos setenta, mas sobretudo sobre as violências
perpetradas ainda dentro do padrão colonial. Violência física, que se abate sobre os
povos, violência verbal, que nasce da mentalidade dos colonizadores e afeta a mente dos
colonizados, violência policial, violência simbólica e várias outras que perduram a
séculos sobre as nações africanas.

Inspirado no capítulo Sobra a Violência, do livro Os Condenados da Terra,


podemos acompanhar, em seus nove quadros, a ilustração do pensamento de Franz
Fanon, que se comportava subjetiva e intelectualmente como um branco, mas que a
partir de um choque ao se ver revelado como “um preto”, por uma criança, numa rua de
Paris, passa a pensar e refletir sobre a condição do ser negro num mundo profundamente
racializado e dividido, segundo esse paradigma colonial. Sua formação em psiquiatria,
permitiu que ele identificasse as sequelas psíquicas diante da longa exposição as
violências sobre as mentalidades dos povos, trabalhando também no cuidado dessas
pessoas. Pôde observar que essa exposição reduziu as capacidades cognitivas das
pessoas, que passaram a reproduzir as práticas de extrema violência, passaram a invejar
seus opressores, passaram a se ver e reconhecer apenas na possibilidade de ter o que
seus opressores tinham, usando os mesmos métodos, adotando as mesmas posturas.

Nos processos de libertação dos quais participou pôde observar também que os
líderes que conduziam as guerras, seguiam os mesmos referenciais eurocêntricos e
percebeu que essa prática os conduziria ao fracasso e que, portanto, o melhor a fazer era
se distanciar desse modelo predatório que encantou o mundo, mas só trouxe destruição e
muito sofrimento. Predatório porque o objetivo central da empresa colonial era extrair
os recursos naturais dos territórios ocupados, atividade que degradou o meio ambiente e
dizimou populações inteiras em muito lugares, muitas vezes por serem obrigadas a
trabalhar até morrer.
Diante dos horrores do projeto colonial colocado em curso pela Europa,
verificáveis nos resultados trágicos que podia observar e acompanhar, Fanon sugere a
necessidade de um afastamento desse modelo nas nações que então se libertavam, sob
pena de não haver uma libertação efetiva das cadeias físicas, morais, psíquicas,
intelectuais e até mesmo espirituais construídas pela razão colonial, profundamente
desumana. Entretanto, reconhece que, atravessados por séculos de violências, e
animados pelo desejo de se libertar do jugo colonial, a insurreição violenta se mostrava
um recurso válido, pois diante da fúria colonial em manter seus territórios subjugados
não deixava outra alternativa. Mas, sempre alertando para a necessidade de trabalhar
pela sua superação, sob pena de apenas reproduzir o que outra colônia europeia se
tornou, “um monstro”, em referência aos Estados Unidos.

Por fim, no prefácio da professora Gayatri Chackravort Spivack, onde ela nos
apresenta Franz Fanon, e acrescenta sua observação sobre as questões de gênero, que
afetam as mulheres que participaram ativamente das guerras de libertação ou de
inúmeras outras lutas, mas que seguem sofrendo as mesmas violências no momento de
reconstrução nas nações pós-coloniais, ou que se decidem sobre os rumos da política.

Aqui, além da “classificação social da população mundial de acordo com a ideia


de raça”, temos a classificação, ou desqualificação, de pessoas de acordo com o gênero,
com a classe social, todas sustentadas pela noção superior/inferior, tão bem
sedimentadas por séculos de construção de um edifício que precisamos demolir e como
os estudos decoloniais podem contribuir na construção de novas mentalidades.

Referências

Filme: Concerning Violence, 2014, de Göram Olsson, Suécia, com narração de


Lauryn Hill, que na época se encontrava na prisão, onde estava lendo Os Condenados da
Terra

Fanon, Franz. Os Condenados da Terra: tradução Enilce Albergaria Rocha e


Lucy Magalhães – Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2005. 374 p.

Quijano, Aníbal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina.


CLACSO, 2005 Disponível em
http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pdf

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