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MANUAL DE CURSO DE TREINADORES DE DESPORTO //


GRAU II

FISIOLOGIA

INSTITUTO PORTUGUÊS DO DESPORTO E JUVENTUDE //


PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES
DO EXERCÍCIO
José Gomes Pereira

1. NOÇÃO DE ADAPTAÇÃO FISIOLÓGICA

2. A
TRANSFORMAÇÃO DE ENERGIA QUÍMICA EM MECÂNICA
NO MÚSCULO ESQUELÉTICO

3. FISIOLOGIA CARDIORESPIRATÓRIA

IPDJ_2016_V1.0
MANUAL DE CURSO DE TREINADORES DE DESPORTO //
GRAU II

Índice
INSTITUTO DO DESPORTO DE PORTUGAL //
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES

1. NOÇÃO DE ADAPTAÇÃO FISIOLÓGICA 3


1.1 Relação estímulo-adaptação 4
1.2 Analogia entre estímulo e carga de treino 6
1.3 Noção de carga de treino numa perspetiva exclusivamente fisiológica 7
1.4 A carga de treino vista como um estímulo fisiológico, previsível e controlável, 10
perturbador do equilíbrio homeostático.
1.5 Noção de adaptação aguda e adaptação crónica 12
2. A TRANSFORMAÇÃO DE ENERGIA QUÍMICA EM MECÂNICA NO MÚSCULO ESQUELÉTICO 13
2.1 O processo anaeróbio aláctico, anaeróbio láctico e aeróbio 15
2.1.1 Vias metabólicas e substratos energéticos 16
2.1.2 Importância do conhecimento dos processos de produção de energia para a compreensão 20
dos diferentes tipos de esforço desportivo

3. FISIOLOGIA CARDIORRESPIRATÓRIA 21
3.1 Principais alterações genéricas da função cardiorrespiratória na resposta aguda ao esforço aeróbio 21
3.1.1 Componente central e periférica 25
3.1.2 Adaptações cardíacas, vasculares e hemodinâmicas, musculares 27

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 34

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OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Conhecimento e interpretação do funcionamento do or-
ganismo humano. Conhecimento da anatomia e fisiolo-
gia da estrutura e da função, bem como da forma como
se processa a resposta aos estímulos e correspondente
adaptação. Conhecimento de alguns conceitos básicos,
anatómicos e fisiológicos, que ajudam à compreensão
do processo de treino desportivo.

NOÇÃO DE ADAPTAÇÃO
1.

FISIOLÓGICA
O conhecimento e a interpretação do funcionamento do organismo
humano são um desafio à nossa compreensão e raciocínio. Trata-se, de
facto, de um estudo e de um desafio infindáveis, atendendo aos novos
conhecimentos que, diariamente, a investigação científica coloca ao nosso
dispor. O corpo humano é uma “máquina” prodigiosa, intrigante, bela e
sofisticada, alicerçada numa complexa interação entre sistemas que lhe
permitem manter o equilíbrio morfológico e funcional.
FISIOLOGIA DO
O estudo e o conhecimento da anatomia e fisiologia são elementos EXERCÍCIO

imprescindíveis na “bagagem” de um profissional do treino desportivo.


Permitem o conhecimento da estrutura e da função, bem como da forma
como se processa a resposta aos estímulos e correspondente adaptação. No
presente texto, procuraremos abordar alguns conceitos básicos, anatómicos
e fisiológicos, que ajudam à compreensão do processo de treino desportivo.

CONCEITOS TERMINOLÓGICOS BÁSICOS


Anatomia é a ciência que se ocupa do estudo uma perspetiva anatomofisiológica. Clarifican-
da estrutura, da forma e da morfologia dos diferen- do um pouco melhor a questão terminológica,
tes elementos constituintes do corpo humano. podemos referir que o estudo morfofuncional do
O estudo da anatomia não é dissociável do da organismo humano se pode fazer a vários níveis:
fisiologia. Esta estuda a função, o funcionamento o químico, o ultraestrutural celular, o celular, o dos
“normal” dos diferentes constituintes do corpo tecidos, o dos órgãos e o dos sistemas.
humano, entendidos como estruturas dinâmicas. A nível químico, consideram-se as diferentes
Decorrente dos dois parágrafos anteriores, reações e interações ao nível dos átomos e das
entende-se o facto de o presente texto sobrelevar moléculas. A estrutura química de uma molécula

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é determinante da sua função. Um pouco mais de células que contribuem no seu conjunto para a
adiante compreenderemos a importância da mesma função e que possuem identidade estru-
bioquímica no estudo da resposta adaptativa em tural. O tecido muscular é disso um exemplo. No
treino desportivo. nosso organismo existem vários tipos de tecidos. Os
O nível ultraestrutural celular (organelos), obje- básicos são o epitelial, o conjuntivo, o nervoso, além
to de estudo apenas com o auxílio de microscopia do já referido tecido muscular.
eletrónica, compreende os diferentes constituintes Um ou mais tipos de tecidos podem interagir
da célula. A célula é constituída por organelos. Por para a efetivação de uma função comum. Neste
exemplo, o núcleo é um organelo que contém a caso, estamos na presença de um órgão. Portan-
informação responsável pela hereditariedade. A to, órgão é um conjunto de um ou mais tipos de
mitocôndria é um organelo onde se processam as tecidos que atuam para um fim comum. O coração
reações aeróbias geradoras de energia. é um órgão, também o é o músculo cujos consti-
O nível celular compreende o estudo da célula tuintes são compostos maioritariamente por tecido
enquanto unidade básica estrutural e funcional. muscular e conjuntivo.
O conhecimento das caraterísticas das diferentes Ao conjunto de órgãos que apresentam funções
células é fundamental para a compreensão da fisio- comuns designa-se aparelho. Quando, para além de
logia dos tecidos, órgãos e sistemas. Por exemplo, apresentar funções comuns, associa a semelhança
a célula muscular (fibra muscular) possui carate- estrutural, estamos na presença de um sistema.
rísticas próprias que determinam as caraterísticas Organismo designa o ser vivo considerado
funcionais e adaptativas do tecido muscular. como um todo. Como facilmente se depreende, o
A um conjunto de células que possuem unida- organismo humano é complexo, possui uma orga-
de estrutural e que desempenham a mesma função nização funcional constituída por células, tecidos,
designa-se tecido. Logo, “tecido” é um conjunto órgãos, aparelhos e sistemas, interdependentes.

1.1 Relação estímulo-adaptação


O ser humano tem capacidade para reagir a estímulos. Quando estes possuem
determinadas caraterísticas, ocorrem fenómenos de adaptação. Por estímulo en-
tende-se um fator, interno ou externo ao organismo, que determina uma resposta
específica de um sistema, aparelho, órgão ou tecido excitável. Em biologia, são
inúmeros os estímulos capazes de provocar as mais diversas respostas orgânicas:
nervosas, endócrinas, metabólicas, entre outras. Os estímulos internos, regra geral,
concorrem para a unificação, integração e coordenação dos processos orgânicos.
Em suma, para a manutenção do equilíbrio do meio interno: homeostasia.
A importância da estabilidade do meio interno foi enfatizada pelo fisiologista
francês Claude Bernard (1813-1878) que já em 1859 havia postulado a neces-
sidade de manter dentro de limites estreitos a estabilidade do meio interno do
organismo. Referiu ainda que os animais superiores (complexos pluricelulares),
mercê dos mecanismos homeostáticos, poderiam manter-se vivos mesmo
perante significativas variações do meio (condições externas). A designação de

4
Noção de adaptação fisiológica

homeostasia, do grego homeo (mesmo) e stasis (estado), coube ao fisiologista


norte-americano Walter Cannon (1871-1945), distinto seguidor dos trabalhos de
Bernard. Neste contexto, entende-se por homeostasia a forma dinâmica como o
organismo humano mantém o seu equilíbrio interno em relação com o meio. No
âmbito da atividade física, e particularmente no do treino desportivo, a adaptação
ao esforço desenvolve-se mediante a utilização de estímulos de origem externa
que, quando administrados segundo critérios pré-estabelecidos, perturbam o
equilíbrio homeostático e podem proporcionar o acesso ao objetivo último do
treino, ou seja: um estado de adaptação conducente à obtenção de um elevado
nível de rendimento desportivo.
O processo de preparação desportiva, vulgarmente designado treino ou pro-
cesso de treino, tem como objetivo o desenvolvimento das adaptações orgânicas
necessárias à produção de trabalho adequado à especificidade de uma determi-
nada especialidade desportiva.

FISIOLOGIA DO
EXERCÍCIO

A adaptação é uma propriedade do ser humano, partilhada também


por outros seres vivos e que lhes permitem suportar a “dura tarefa“ de
se manterem vivos, ultrapassando as dificuldades que constantemente
o põem à prova, na sua relação com um meio em permanente mudança,
nomeadamente nas situações particulares de empenhamentos mais
intensos, como pode ser o caso da atividade desportiva e, neste caso
particular, o desempenho desportivo.

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PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES

Uma condição necessária ao estabelecimento de fenómenos adaptativos é a


existência de um estímulo. Este pode ser natural ou artificial, espontâneo ou progra-
mado, mas terá sempre de possuir caraterísticas que lhe permitam provocar uma
reação orgânica de magnitude suficiente para desencadear o processo adaptativo.
A administração do estímulo – entendida neste caso particular como
prescrição do exercício – baseia-se no conhecimento e domínio das cara-
terísticas mais determinantes do estímulo, tanto internas como externas,
objetivando a melhoria do desempenho desportivo.
Por prescrição do exercício, de acordo com os consensos do ACSM (Ame-
rican College of Sports Medicine), entende-se que é um processo através do
qual o estabelecimento de recomendações para um regime de atividade física é
concebido de forma sistemática e individualizada.

1.2 Analogia entre estímulo e carga de treino


Em treino desportivo, o estímulo designa-se carga de treino. Esta possui
caraterísticas particulares que, uma vez conhecidas e ponderadas, influenciam
os critérios utilizados na sua administração. As caraterísticas particulares da carga
de treino podem ser consideradas a dois níveis: as intrínsecas e as extrínsecas.

As intrínsecas não são modificáveis pelo treinador, importando ape-


nas conhecê-las. Consubstanciam as caraterísticas que toda e qualquer
carga de treino possui na sua estrutura e que não podem ser alteradas.
Os treinadores conhecem-nas por “leis da carga de treino”. Importa, isso
sim, através do conhecimento da sua existência utilizá-las na direção
desejada e assim influenciar favoravelmente o processo adaptativo.

As extrínsecas são modificáveis pelo treinador. Constituem a base fun-


damental do processo prescritivo e caracterizam-se por fatores de ordem
quantitativa e qualitativa. Os treinadores conhecem-nas por “componentes da
carga de treino”.

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Noção de adaptação fisiológica

1.3 Noção de carga de treino numa perspetiva


exclusivamente fisiológica
As caraterísticas intrínsecas e extrínsecas da carga de treino podem ser
vistas à luz de uma explicação eminentemente fisiológica. De uma forma
puramente didática, podemos referir que, no âmbito das caraterísticas intrín-
secas da carga de treino, reconhece-se a reversibilidade, a especificidade e
a retardabilidade.
Estas caraterísticas encontram perfeita semelhança e compreensão nos
já referidos estímulos fisiológicos na sua mais ampla aceção. Vejamos.

REVERSIBILIDADE
Ttodo e qualquer estímulo possui um efeito orgânico mais ou me-
nos duradouro. Estímulos há que provocam um estado de adaptação
irreversível, ainda que aplicados uma única vez. Damos como exemplo
algumas infeções virais que, perturbando temporariamente a homeosta-
sia, permitem um posterior estado de adaptação que se caracteriza pela
obtenção de uma imunidade “vitalícia”. Este é o princípio da vacinação.
O treino desportivo, ao invés, utiliza estímulos que se caracterizam por
possuírem uma significativa reversibilidade, razão pela qual os seus efei-
tos perduram pouco, sendo necessário reaplicá-los periodicamente. Toda
e qualquer carga utilizada em treino, embora de forma e com tempos
FISIOLOGIA DO
diferentes, comportam reversibilidade. EXERCÍCIO

ESPECIFICIDADE
A carga de treino apresenta caraterísticas próprias que lhe concedem
a possibilidade de estimularem níveis específicos de adaptação. Neste
âmbito, pode ser questionado se a especificidade é uma caraterística
própria, intrínseca à carga, ou se é algo que o prescritor da atividade
(treinador) modifica, direcionando desta forma o nível de adaptação
desejado. Estamos convictos de que a especificidade da carga é conferi-
da pela relação existente entre as suas diferentes componentes, concei-
tos que clarificaremos um pouco mais adiante. As componentes, bem
como os critérios com que são interrelacionadas e aplicadas, dependem
exclusivamente das opções metodológicas do treinador. Neste sentido,
podemos considerar a especificidade como caraterística modificável. No
entanto, uma vez estabelecido o estímulo e o critério de aplicação, a es-
pecificidade é algo que é estruturalmente intrínseco à carga ou estímulo.
Qualquer tipo de atividade motora, mesmo não programada, contém
especificidade intrínseca. Aliás, o mesmo ocorre com a reversibilidade, já
referida, e com a retardabilidade, que passaremos a referir.

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MANUAL DE CURSO DE TREINADORES DE DESPORTO //
GRAU II

RETARDABILIDADE
INSTITUTO DO DESPORTO DE PORTUGAL //
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES

Em treino desportivo, os efeitos da estimulação não se fazem sentir


de forma imediata. Ou seja, existem diferenças temporais, determi-
No âmbito nadas pela dinâmica (estruturação) da carga de treino, para que se
expressem no organismo os reais efeitos, benéficos ou maléficos, des-
das características sa estimulação. De facto, a periodicidade ótima de estimulação não
extrínsecas da carga de é a mesma para todo e qualquer estímulo. Esta questão prende-se
treino, consideraram-se com o conceito de adaptação aguda e adaptação crónica, abordado
um pouco mais adiante. Interessa agora realçar que todo e qualquer
as componentes que
estímulo utilizado no processo de treino, provoca alterações homeos-
se interinfluenciam táticas que se caracterizam por ajustamentos imediatos, resposta ime-
mutuamente: diata ao estímulo, e por efeitos retardados que, manifestando-se em
tempos diferentes para cargas também diferentes, constituem uma
caraterística intrínseca à própria carga que, para efeitos prescritivos,
l volume, importa conhecer.
l intensidade, No âmbito das caraterísticas extrínsecas da carga de treino, importa,
l complexidade, como já foi referido, considerar as suas componentes. Porque as dife-
rentes componentes da carga de treino se influenciam mutuamente,
l densidade.
a sua divisão e apresentação parcelar apenas se justifica no plano
meramente didático. Neste contexto, por componentes da carga de
treino entendem-se: o volume, a intensidade, a densidade e a com-
plexidade.

VOLUME
Traduz a componente quantitativa da carga de treino. Expressa-se, na
maior parte dos casos, através do tempo de permanência do estímu-
lo. Tomemos como exemplo um esforço de corrida contínua com a
duração de 30 minutos. Neste caso, o volume pode ser expresso pelo
tempo de atividade (30 minutos), mas também pode ser expresso
pelo número de metros percorridos. No entanto, se o expressarmos
pelo número de metros, não estamos a caraterizar apenas o volume,
mas também a intensidade a que esse volume foi cumprido. Neste
caso, uma maior intensidade de esforço no decurso dos 30 minutos
repercutir-se-á sempre num maior número de metros percorridos.

INTENSIDADE
Traduz a componente qualitativa da carga de treino. Pode ser ex-
pressa de várias formas. A velocidade a que se realiza determinado
exercício ou a magnitude da resistência a vencer (por exemplo, peso
de um haltere) para o caso específico do treino da força são apenas
dois exemplos possíveis, comummente utilizados pelo treinador.
Numa perspetiva fisiológica, identificável com a noção de carga

8
Noção de adaptação fisiológica

interna, conceito que abordaremos um pouco mais adiante, também


múltiplas são as possibilidades para a caraterização da intensidade,
materializada através da utilização de variadíssimos parâmetros
fisiológicos e bioquímicos, cuja seleção depende do que se pretende
caracterizar e que assumem maior ou menor sofisticação consoante
os meios tecnológicos disponíveis. Aqueles que mais se têm vulga-
rizado na vertente aplicativa do treino são a frequência cardíaca, a
lactatemia e o consumo de oxigénio. A perceção subjetiva de fadiga,
também designada de perceção subjetiva de esforço, da terminologia
anglo-saxónica perceived exertion, constitui um procedimento que,
quando convenientemente utilizado, pode fornecer importantes
indicações globais sobre o impacto fisiológico da carga de treino.
Mais adiante, abordaremos com algum detalhe as formas enunciadas
anteriormente para a caraterização da intensidade.

DENSIDADE
Podemos aceder a esta componente da carga de treino através do
quociente entre o tempo útil e o tempo total de treino. A densidade
fornece informações complementares ao volume e à intensidade,
uma vez que estabelece uma relação quantitativa entre os perío-
dos de atividade e as respetivas pausas. Em primeira análise, pode
apresentar-se como redundante às duas componentes referidas
anteriormente (volume e intensidade). No entanto, particularmente
FISIOLOGIA DO
no treino das diferentes formas de manifestação da resistência, trata- EXERCÍCIO

-se de uma abordagem possuidora de múltiplas potencialidades, pela


diversidade possível nas suas aplicações.

COMPLEXIDADE
Traduz o grau de dificuldade da tarefa de treino. Como é sabido,
o conhecimento do maior ou menor grau de dificuldade da tarefa
influencia a inter-relação entre as demais componentes da carga de
treino. Existem objetivos em treino onde é fundamental considerar a
complexidade da carga, como, por exemplo, em algumas variantes do
treino da velocidade. No caso particular dos jogos desportivos cole-
tivos, onde por variadíssimas vezes se torna necessário estabelecer e
estabilizar determinados automatismos, especificamente no âmbito
do treino tático, esta componente assume particular importância.
Importa ainda considerar, corroborando algo do que anteriormente
foi referido, que a carga de treino, entendida como estímulo ou carga
funcional, perturbadora potencial do equilíbrio hemostático, permite
dois âmbitos de abordagem, a carga externa e a carga interna, que
podem caracterizar-se da seguinte forma.

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CARGA EXTERNA: identifica-se com o ato prescritivo CARGA INTERNA: refere-se à repercussão biológica
em treino. Traduz a tarefa, a “receita” que o treinador resultante da administração de uma carga de treino
prescreve com o objetivo de desenvolver, por exem- (carga externa). Todo e qualquer estímulo provocam
plo, determinada forma de manifestação da ativi- uma reação orgânica que depende das caraterísticas
dade motora. Identifica-se fundamentalmente com dessa carga e do indivíduo sobre o qual a carga atua.
critérios de ordem metodológica e até pedagógica, As caraterísticas da carga são, como já vimos, estabe-
inerentes à prescrição da atividade. São o domínio lecidas ao nível da carga externa. A reação orgânica,
da especialidade do metodólogo, particularmente dependente do sujeito, pode ser equacionada à
o treinador, onde são estabelecidos os contornos da luz do conceito de carga interna. O seu domínio de
configuração externa da carga de treino, nomeada- especialidade pressupõe a quantificação e interpre-
mente a sua dinâmica, através da inter-relação entre tação, através de procedimentos científicos credíveis,
as suas diferentes componentes. das alterações biológicas, individualizadas, induzidas
pela carga externa.

1.4 A carga de treino vista como um estímulo


fisiológico, previsível e controlável,
perturbador do equilíbrio homeostático.
Conceito de treino desportivo
Estamos agora em condições de definir treino desportivo numa perspeti-
va biológica e à luz dos conceitos já enunciados. Neste contexto, a definição
de treino desportivo pode ser assim formulada:

Treino desportivo
Prescrição e aplicação de estímulos (cargas de treino) que respeitam os processos de adaptação psicobiológica do
organismo e que induzem, de forma programada, modificações funcionais e morfológicas, de caráter agudo ou crónico,
propiciadoras da obtenção de um adequado nível de rendimento desportivo.

De facto, o processo de adaptação do organismo ao esforço exigido no decur-


so da preparação de um atleta obtém-se quando o estímulo atinge um impacto
biológico compatível com os diferentes limiares de adaptabilidade do sujeito. Por
limiares de adaptabilidade, diferentes consoante os objetivos do treino e caraterís-
ticas do indivíduo, entendem-se as alterações homeostáticas que proporcionam
fenómenos de sobrecompensação.
Os fenómenos de sobrecompensação (overcompensation, na terminologia
anglo-saxónica) encontram a sua fundamentação e quadro explicativo nas mo-
dificações biológicas decorrentes da aplicação dos estímulos de treino, de caráter
quer físico quer mental, divisão eminentemente didática, uma vez que o processo

10
Noção de adaptação fisiológica

adaptativo decorrente do treino traduz sempre um processo integrado de âmbito


biopsicossocial. Neste contexto, deve a sobrecompensação ser considerada como
uma resposta desejável à “agressão” resultante do treino.
É de provecta idade o reconhecimento da existência de uma fase de sobre-
compensação, previsível e programada, mensurável e reversível no tempo. Desde
os trabalhos pioneiros de Yakovlev (1967) até aos nossos dias, tal constatação não
tem sido questionada nos seus pressupostos básicos. Apesar da antiguidade do
conceito, mantêm-se atuais as tentativas para identificar, medir e programar as
fases de sobrecompensação decorrentes do processo de treino. Constituem estes
procedimentos experimentais as verdadeiras bases científicas para o planeamento
e programação do treino. Em suma, para a procura do “estado de forma” do atleta,
assunto tão atual hoje como há cinquenta anos, quando a escola soviética de
treino desportivo difundiu aquele conceito.
Não nos debruçaremos em pormenor sobre as diferentes formas de mani-
festação e otimização do estado de sobrecompensação, assunto que ultrapassa
o presente nível de formação do treinador. No entanto, convém referir que tal
desiderato deverá estar presente em todos os procedimentos de treino e de
acordo com o objetivo desse mesmo treino. O leitor encontrará alguns meios e
métodos que concorrem para a sua identificação, distintos consoante os objetivos
do treino, no decurso do desenvolvimento programático das diferentes disciplinas
que compõem cada nível de formação.
Na figura seguinte procuraremos ilustrar e explicar de forma sucinta o conceito
de sobrecompensação, o qual apresenta diferentes formas e tempos de manifesta-
FISIOLOGIA DO
ção, mas sempre decorrentes do binómio estímulo/adaptação. EXERCÍCIO

FIGURA 1 - Na fase de treino que corresponde à aplicação do estímulo, verifica-se uma


diminuição da capacidade adaptativa por efeito da fadiga. É a fase catabólica (I). No
entanto, a fadiga controlada é desejável e constitui uma condição fundamental para que
ocorra o processo adaptativo. Neste caso, quando se interrompe o exercício, inicia-se a fase
de recuperação, assinalada em II (anabólica). No âmbito do processo adaptativo, é possível
que esta fase anabólica propicie um estado adaptativo a curto prazo e temporário em que
se ultrapassa a capacidade funcional pré-esforço. Quando isto ocorre, considera-se que se
atingiu a fase de sobrecompensação (III). Atendendo à reversibilidade que todo e qualquer
estímulo utilizado em treino comporta, esta fase de sobrecompensação não é estável e
tem tendência a desaparecer (IV) se não for aplicada nova estimulação ou carga de treino.

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1.5 Noção de adaptação aguda


e adaptação crónica
O denominador comum a toda e qualquer atividade física é a transfor-
mação de energia química em mecânica no tecido muscular esquelético. De
facto, sem ação muscular não há movimento. Sempre que ocorre transfor-
mação de energia química em mecânica no músculo, o estado homeostá-
tico do organismo tende a alterar-se. Mas o organismo adaptado, mesmo
perante estímulos perturbadores da homeostasia, tem capacidade para
manter o meio interno relativamente estável. É esta estabilidade que permite
a continuidade da atividade fisiológica dos diferentes tecidos, órgãos, apare-
lhos e sistemas, mesmo na presença de estímulos intensos, como é o caso do
exercício.

De facto, o exercício muscular obriga a um conjunto de ajustamentos


fisiológicos simultaneamente necessários ao fornecimento de energia
ao tecido muscular em hiperatividade e à manutenção da homeostasia.
Quando estes ajustamentos fisiológicos correspondem a uma resposta
imediata ao exercício e cessam pouco tempo após o termo desse mesmo
exercício, dizemos que se trata de uma adaptação aguda.

São disso exemplo o comportamento da frequência cardíaca em esforço, do


débito cardíaco ou do lactato sanguíneo. Ou seja, de todos os parâmetros que,
modificando-se no decurso do esforço, tendem a normalizar e readquirir os valo-
res de repouso após a cessação desse mesmo esforço.

As alterações fisiológicas que possuem um efeito retardado, que não


constituem uma resposta imediata ao exercício e perduram muito para além
do termo desse exercício, correspondem a adaptações crónicas.

São disso exemplo a diminuição da frequência cardíaca de repouso (bra-


dicardia), o aumento da massa muscular (hipertrofia), a hipertrofia cardíaca
fisiológica do atleta, entre outros. Ou seja, incluem todas as modificações
morfológicas e funcionais que configuram fenómenos adaptativos, perdu-
ram além do termo do exercício e são observáveis ou avaliáveis também em
situação de repouso.

12
A transformação de energia química em
mecânica no músculo esquelético

Os grupos musculares solicitados num determinado exercício necessitam


de um maior suprimento de oxigénio e nutrientes. Esta necessidade é satisfeita
através das modificações (adaptações agudas) de praticamente todos os
aparelhos e sistemas, com especial ênfase para o cardiovascular e respiratório.
Estas respostas imediatas, adaptações agudas do organismo ao exercício,
permitem a adequação da capacidade funcional, a sobrevivência do indivíduo
durante a permanência do estímulo, bem como uma recuperação rápida e
eficaz no pós-esforço imediato.
Após o termo do exercício, além das respostas agudas, importam também
as adaptações crónicas. Estas permitem uma adequada resposta perante uma
agressão do mesmo tipo no futuro e são responsáveis pela rápida e eficaz
regeneração do organismo no plano morfológico, funcional e metabólico.
Estas modificações ocorrem a vários níveis, tanto nos músculos solicitados no
exercício como nos vários aparelhos e sistemas de suporte a esse exercício.
Possuem efeito retardado, quer isto dizer que levam tempo a estabilizar-se. O
treino desportivo utiliza a noção de adaptação aguda para o controlo da carga
de treino e a noção de adaptação crónica para o controlo dos efeitos do treino.

A TRANSFORMAÇÃO DE
2.
ENERGIA QUÍMICA EM
FISIOLOGIA DO
EXERCÍCIO

MECÂNICA NO MÚSCULO
ESQUELÉTICO
Do ponto de vista físico, o sistema muscular pode ser considerado como uma
máquina capaz de produzir energia mecânica à custa de reações químicas. A
bioenergética estuda essas reações através da aplicação de princípios básicos da
termodinâmica aos sistemas biológicos.
Energia pode definir-se como a capacidade de um sistema para produzir
trabalho. Existem várias formas intertransformáveis de energia. Por exemplo, a
energia química contida nas macromoléculas alimentares é convertida em outros
tipos energéticos necessários a uma multiplicidade de tarefas biológicas, nomea-
damente à conversão de energia química em mecânica operada a nível muscular
esquelético.

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PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES

Avaliação do trabalho externo


Para a avaliação do trabalho mecânico, é comum utilizarem-se procedi-
mentos ergométricos. Etimologicamente, ergometria designa a área de estu-
do que se ocupa da “medição do trabalho” (ergos: trabalho; metria: medida).
Trabalho é fisicamente definido como o produto da força (F) pela distância
ou deslocamento: W = F x d, o que implica necessariamente o emprego de
energia. Deste modo, a avaliação da capacidade de trabalho pressupõe, além
da determinação de parâmetros fisiológicos e bioquímicos, a utilização de
instrumentos que quantifiquem o trabalho mecânico realizado. Tais instru-
mentos designam-se ergómetros.

Avaliação do trabalho interno


A avaliação do trabalho sob o ponto de vista físico não é completamente
satisfatória em termos fisiológicos e metabólicos. Na avaliação do trabalho
humano, além da medida do trabalho mecânico, deveremos também recolher
dados referentes ao “trabalho interno” (por exemplo, dispêndio energético).
Através de ergómetros podemos conhecer o trabalho mecânico reali-
zado em determinado desempenho motor. Se, simultaneamente, tivermos
acesso a dados que traduzam fielmente o dispêndio energético correspon-
dente a esse desempenho, poderemos relacionar o trabalho realizado com a
energia despendida para a sua realização. Tal relação fornece-nos, em primei-
ra análise, uma indicação referente à eficiência da atividade muscular.
Podemos então definir eficiência da atividade muscular como o quocien-
te entre o trabalho produzido (output) e energia utilizada para a realização
desse trabalho (input).

14
A transformação de energia química em
mecânica no músculo esquelético

O sistema muscular produz energia


mecânica à custa de reações químicas. A
bioenergética estuda essas reações através da
aplicação de princípios básicos da termodinâmica
aos sistemas biológicos.

MITOCONDRIA

O trabalho produzido é medido através de ergómetros. A energia necessária


à sua realização é avaliada através de diferentes procedimentos fisiológicos e
bioquímicos que permitem o acesso a parâmetros, selecionados de acordo com
os objetivos do teste. Para o cálculo da eficiência da atividade muscular, os pro-
cedimentos normalmente adotados inspiram-se na seguinte fundamentação:

O trabalho produzido por uma máquina na unidade de tempo designa-se po-
tência (W/t). No caso da “máquina muscular”, utilizam-se normalmente as seguintes
FISIOLOGIA DO
unidades: Kcal.Kg-1.h-1; Watt; Kg.m.min-1 e o MET (3.5ml.Kg-1.min-1 de consumo de O2). EXERCÍCIO

Quando o esforço é predominantemente aeróbio e é realizado em regime estável


(sem alterações significativas do quociente potência/ VO2), utiliza-se também o
consumo de oxigénio por unidade de tempo (lit.min-1. ou ml.kg-1.min-1), o qual nos
vai dar o valor do input, ou seja, a entrada de energia. Por este motivo, naquelas
circunstâncias, o consumo de oxigénio constitui o parâmetro de eleição nos estudos
da condição física ou da capacidade de produção de trabalho muscular.

2.1 O processo anaeróbio aláctico,


anaeróbio láctico e aeróbio.
Para o normal funcionamento do metabolismo, é necessária energia. Esta
encontra-se armazenada em todas as células humanas sob a forma de ATP
(trifosfato de adenosina). Logo, o ATP é a forma como o organismo armazena a
energia química nas células.
O ATP é um nucleótido de adenina composto por três radicais fosfato. A energia
gera-se por hidrólise da molécula de ATP, através da quebra de um radical fosfato.

15
MANUAL DE CURSO DE TREINADORES DE DESPORTO //
GRAU II

O músculo transforma energia química (ATP) em mecânica (tensão


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muscular decorrente do mecanismo fisiológico da contração muscular)


através de três vias possíveis: anaeróbia aláctica, anaeróbia láctica e aeróbia.

O músculo é um tecido especialmente adaptado para a transformação de


energia química (ATP) em mecânica (tensão muscular decorrente do meca-
nismo fisiológico da contração muscular). No processo de transformação de
energia química em mecânica consideram-se três vias possíveis: a via anaeró-
bia aláctica, a anaeróbia láctica e a aeróbia. Estas utilizam, respetivamente, os
sistemas de produção de energia ATP-CP, o glicolítico e o oxidativo.
Logo, para que a fibra muscular desempenhe cabalmente a sua função
mecânica, é fundamental que exista disponibilidade em ATP. Este, por ser es-
casso, não permite que a contração muscular se prolongue além de poucos
segundos. De facto, é necessário que o ATP seja continuamente ressintetiza-
do por forma a assegurar uma concentração muscular estável, sem quebras
energéticas significativas. A concentração média de ATP no tecido muscular
fresco é da ordem dos 6 mM.Kg –1. Com efeito, esta concentração pode ser
mantida dentro de variações fisiológicas através do recurso a processos ou
vias metabólicas de ressíntese desse mesmo ATP, também conhecidos em
linguagem comum de treino desportivo por fontes de energia. Estas são em
número de três: anaeróbia aláctica, anaeróbia láctica e aeróbia.

2.1.1 VIAS METABÓLICAS E SUBSTRATOS ENERGÉTICOS


SISTEMA ATP-CP OU VIA ANAERÓBIA ALÁCTICA
O sistema ATP-CP caracteriza-se por uma rápida regeneração de ATP. Possui,
porém, uma duração máxima bastante curta, isto porque as reservas de PCr (fosfo-
creatina ou creatina-fosfato) diminuem e a sua reposição é lenta. A diminuição das
reservas de PCr e consequentemente de ATP levam à fadiga, impossibilitando a
continuação do esforço ou implicando uma baixa da intensidade do mesmo.

16
A transformação de energia química em
mecânica no músculo esquelético

A via metabólica ATP-CP é o sistema energético mais simples e designa-se


anaeróbio aláctico por não utilizar oxigénio e não produzir ácido láctico. É pre-
dominante em esforços muito intensos e de duração breve (até 20 segundos
aproximadamente).
Para este tipo de esforços (anaeróbios alácticos), é necessário que os
músculos mantenham a disponibilidade (reservas) em adenosina trifosfato
(ATP) - adenosina ligada a três fosfatos inorgânicos e em creatina-fosfato (CPr). A
hidrólise do ATP, catalisada enzimaticamente pela ATPase, dá origem a ADP + P
com produção de energia necessária à contração muscular, resultante da quebra
da ligação fosfato. Uma vez que as reservas em ATP são escassas, é necessário as-
segurar a sua constante ressíntese. De facto, o ATP é comum a todos os sistemas
de produção de energia muscular, variando o processo de ressíntese desse ATP.
No sistema anaeróbio aláctico, a ressíntese do ATP depende da ação da
creatina-fosfato (fosfocreatina, PCr). As fibras musculares (células musculares)
possuem reservas de fosfocreatina, que também é geradora de energia. A
energia derivada da creatina-fosfato também provém da quebra da ligação
fosfato (creatina + fosfato + energia), catalisada pela enzima creatina-quinase
(CK). No entanto, ao contrário do que se verifica na energia que resulta da
hidrólise do ATP, neste caso, a proveniente da creatina-fosfato não serve para
assegurar a contração muscular mas sim para a contínua ressíntese de ATP
através da reação inversa (ADP + P + energia → ATP). Desta forma, o tecido
muscular assegura a manutenção de níveis metabolicamente adequados em
ATP. Por outro lado, enquanto existir disponibilidade metabólica das reservas
FISIOLOGIA DO
musculares locais em creatina-fosfato, o ATP é ressintetizado de forma rápida. EXERCÍCIO

Tal situação possibilita, em termos práticos, a realização de exercícios de


velocidade e potência. Ou seja, aqueles que exigem uma elevada produção de
trabalho muscular num curto espaço de tempo.
A figura 2 evidencia o processo anaeróbio aláctico de acordo com o que
foi anteriormente descrito. Podemos observar a variação da concentração de
ATP e PCr no decurso de um exercício de 15 segundos de duração, realizado a
uma intensidade máxima para esse tempo de duração. Verificamos que até aos
primeiros 10 segundos de esforço a concentração de ATP não se altera significa-
tivamente mercê do processo de ressíntese na dependência da creatina-fosfato
(CPr). Esta, também decresce, embora mais tarde (cerca dos 10 segundos), não
sendo por isso possível manter constantes os níveis de ATP. Tal facto explica o
limiar de fadiga muscular local em esforços anaeróbios alácticos. Quando as
reservas em ATP e PCr decrescem de forma muito significativa, sobrevém e
instala-se a fadiga que já se havia iniciado desde a fase inicial de decréscimo da
PCr. A partir desta fase, não mais é possível manter o mesmo nível de intensida-
de ou mesmo a continuidade do exercício, o mesmo será dizer, a continuidade
da velocidade de ressíntese ou produção de ATP, a qual passará a ser assegurada
por outro processo energético, a fim de se poder dar continuidade ao exercício.

17
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FIGURA 2 - Variação da concen-


tração de ATP e PCr no decurso de
um exercício de 15 segundos de
duração.

Concretizando o que foi referido, apesar das reservas em ATP serem escassas,
podem ser rápida e imediatamente ressintetizadas através de outro composto
fosforilado, também designado por fosfagénio, que se encontra armazenado
na célula muscular. Referimo-nos à creatina-fosfato ou fosfocreatina (CPr). A sua
concentração muscular é cerca de seis vezes superior ao ATP. A ressíntese do
ATP pela creatina-fosfato permite que o tecido muscular esquelético prolongue
a sua atividade voluntária em exercícios de intensidade muito elevada. Trata-se
de obter energia de forma direta, rápida e imediata por um período que, apesar
de curto, se pode prolongar em torno dos 20 segundos. Esta constitui a primeira
forma de obtenção de energia e utiliza diretamente os compostos fosfatados
musculares. Permite a realização de tarefas de treino muito intensas e de curta
duração, como é o caso do sprint.

O SISTEMA GLICOLÍTICO OU VIA ANAERÓBIA LÁCTICA


Constitui a segunda via de ressíntese de ATP, utilizando para tal a degra-
dação do glicogénio (forma como a glicose é armazenada nos músculos). O
glicogénio é um polissacarídeo formado por várias moléculas de glicose. Para a
obtenção da energia necessária à ressíntese do ATP, permitindo a continuidade
do esforço, o músculo degrada o glicogénio em glicose (glicogenólise) que, por
sua vez, através da glicólise se transforma em ácido pirúvico, gerando duas mo-
léculas de ATP. Desta forma, proporciona-se energia adicional para a continua-
ção do exercício e da atividade muscular. O ácido pirúvico assim formado tem
possibilidade de prosseguir uma via metabólica que lhe permite gerar novas
moléculas de ATP. Para isso, é necessária a presença de oxigénio, uma vez que
essa via é oxidativa ou aeróbia.
No entanto, o oxigénio pode não estar disponível, ou podem as fibras
musculares possuírem caraterísticas que não lhes permitem utilizar de forma
eficaz o oxigénio, como é o caso das fibras musculares brancas ou tipo II, também

18
A transformação de energia química em
mecânica no músculo esquelético

designadas fibras musculares de contração rápida. Nestas circunstâncias, o


ácido pirúvico transforma-se em ácido láctico. Por este motivo, designa-
-se via anaeróbia (sem oxigénio) láctica (com produção de ácido láctico).
Outra designação possível é a glicolítica, por utilizar como único substrato
energético a degradação da glicose de forma anaeróbia. Trata-se de um
processo metabólico que possibilita a obtenção de uma grande quantidade
de energia num período de tempo relativamente curto. Permite a realização
de atividade muscular por um tempo superior á anaeróbia aláctica, embora
com uma menor intensidade. A ressíntese do ATP por esta via é predominan-
te em esforços intensos de duração entre os 30 segundos e os três minutos,
aproximadamente.

O SISTEMA OXIDATIVO OU VIA AERÓBIA


Abordaremos agora, em terceiro lugar, o processo energético baseado
no metabolismo aeróbio. Trata-se de um processo de ressíntese de ATP tam-
bém designado de oxidativo. Comporta uma série de reações bioquímicas
em cadeia - ciclo de Krebs - em que os substratos energéticos são completa-
mente oxidados, dando como produtos finais o dióxido de carbono (CO2) e a
água (H2O).
O processo oxidativo pode utilizar diferentes substratos energéticos,
nomeadamente os glúcidos (açúcares ou hidratos de carbono) e os lípidos
(gorduras). Esta constitui uma das particularidades que diferencia esta fonte
energética das duas descritas anteriormente, onde nunca são utilizados os
FISIOLOGIA DO
lípidos (gorduras) como substrato energético. O processo aeróbio de ressín- EXERCÍCIO

tese do ATP assegura o suprimento energético em esforços prolongados e


de baixa intensidade, em regime de resistência, mas também em esforços
intermitentes e/ou alternados, particularmente nos períodos de recuperação
ou de menor intensidade.

19
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Como vimos, os exercícios aeróbios estão relacionados com os mecanismos de


transporte e utilização do oxigénio. O processo bioquímico subjacente ao esforço ae-
róbio intenso no desportista é glicólise aeróbia (metabolização oxidativa da glucose
processada nas mitocôndrias). A glicólise tem duas fases: uma citoplasmática onde
se formam dois ATP e ácido pirúvico e outra mitocondrial, onde tem lugar o ciclo
de Krebs, formando-se 38 ATP. Este processo permite a obtenção de maior quanti-
dade de energia do que a conseguida no metabolismo energético anaeróbio. Não
provoca uma baixa tão pronunciada do pH pela menor produção de ácido láctico e
os produtos finais são a água e o COVVV que é eliminado pela expiração.

FIGURA 3 - Glicólise é a metaboliza-


ção da glicólise (glico + lise). Esta me-
tabolização pode ser anaeróbia (no
citoplasma ou haloplasma) e aeróbia
(nas mitocôndrias). A glicólise tem
duas fases: uma citoplasmática, onde
se formam dois ATP e ácido pirúvico e
outra mitocondrial, onde tem lugar o
ciclo de Krebs, formando-se 38 ATP.

No esforço aeróbio também é possível utilizarem-se as gorduras (lípidos)


como substrato energético. Os ácidos gordos são metabolizados aerobicamente
na mitocôndria através de um processo bioquímico designado beta-oxidação.

2.1.2 IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO DOS PROCESSOS DE PRODUÇÃO


DE ENERGIA PARA A COMPREENSÃO DOS DIFERENTES TIPOS DE ESFORÇO
DESPORTIVO
É importante salientar que a descrição de forma separada dos três siste-
mas energéticos ou vias metabólicas não traduz independência entre elas.
Justifica-se por motivos meramente didáticos. De facto, existe interdepen-
dência e interação entre os diferentes processos de ressíntese do ATP.

20
Fisiologia cardiorrespiratória

A predominância de um em relação aos outros é uma realidade, mas nunca


operam em exclusividade. A predominância de um em relação aos outros
depende das caraterísticas do exercício, nomeadamente dos aspetos qualitati-
vos - INTENSIDADE - e quantitativos - VOLUME.

FIGURA 4 - Exercício de intensidade


máxima para o tempo considerado
em cada processo energético. O
pico de cada curva corresponde à
potência desse processo energético.
A área que cada curva define em
relação aos dois eixos corresponde à
capacidade. Logo, a fonte ener-
gética mais potente é a anaeróbia
aláctica (esforços de potência do tipo
explosivo) e a de maior capacidade
é a aeróbia (esforços de resistência
aeróbia). O exemplo representado
no gráfico corresponde a um esforço
de corrida.

FISIOLOGIA
FISIOLOGIA DO
EXERCÍCIO

3.
CARDIORRESPIRATÓRIA
3.1 Principais alterações genéricas da função
cardiorrespiratória na resposta aguda ao
esforço aeróbio.
Tomando como base as explanações anteriores sobre bioenergética
muscular, facilmente se depreende que o Homem utiliza, por via de regra, o
sistema aeróbio e, em circunstâncias excecionais, e por tempo muito limita-
do, o processo anaeróbio de ressíntese do ATP. Os bons atletas conseguem
manter exercícios intensos na dependência da ressíntese aeróbia de ATP.
Para isso, deverão possuir um elevado nível de consumo de oxigénio, sem
recurso significativo aos processos anaeróbios, tolerando desta forma exercí-
cios intensos durante mais tempo (maior volume ou duração). Compreende-
-se então o motivo pelo qual o consumo máximo de oxigénio (VO2 max.) é

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um bom indicador da condição física de um atleta. Por outro lado, se o atleta


possuir um bom nível adaptativo cardiovascular e respiratório, consegue fa-
zer chegar ao músculo maior quantidade de oxigénio via circulação sanguí-
nea, prolongando desta forma o funcionamento do processo aeróbio.
A resistência aeróbia, também designada de resistência cardiorrespiratória,
depende da capacidade do organismo em captar, fixar, transportar e utilizar o
oxigénio. Estas funções, no seu conjunto, constituem o sistema de transporte
e utilização de oxigénio. O parâmetro fisiológico que melhor traduz a poten-
cialidade deste sistema é o consumo máximo de oxigénio. Na resposta aguda
e crónica ao treino desportivo, ocorrem várias adaptações cardiorrespiratórias.
Daqui a importância do estudo destas adaptações aplicadas ao treino e, muito
particularmente, na avaliação do desportista.

Com base no que foi referido, passaremos a identificar as funções fisioló-


gicas responsáveis por cada passo do sistema de transporte e utilização de
oxigénio. Porque, como já foi referido, o sistema cardiorrespiratório depende
da atividade integrada de várias funções fisiológicas.

Ventilação pulmonar - ↘︎ Através desta, capta-se o oxigénio do ar ambiente, criando condições para
captação a renovação do ar alveolar.

Hematose - ↘︎ Corresponde às trocas gasosas alvéolo-capilares (nos pulmões), sendo


fixação o sangue oxigenado através da fixação do oxigénio à hemoglobina contida
no sangue capilar perialveolar e a concomitante libertação de dióxido
de carbono para o espaço alveolar que, por seu turno, será expulso pela
expiração.

Cardiovascular - ↘︎ Corresponde à componente central do VO2. Comporta o coração e os


transporte vasos sanguíneos. O primeiro, através dos movimentos cíclicos de contra-
ção (sístole) e descontração (diástole), bombeia o sangue para as diferentes
partes do corpo. O sangue, bombeado pelo coração, atinge as diferentes
partes do corpo circulando dentro dos vasos sanguíneos, retornando
posteriormente ao coração. De facto, a circulação sanguínea constitui um
circuito fechado, contínuo, utilizando como propulsor uma bomba, o cora-
ção, que funciona desde uma fase muito precoce da nossa vida, anterior ao
nascimento, até à morte.

Tissular - ↘︎ Corresponde à componente periférica do VO2. É constituída pelos diferen-


utilização tes tecidos que utilizam oxigénio para o seu funcionamento. O tecido muscular
é disso um exemplo. Quando a atividade muscular é muito intensa, o músculo
aumenta muito a sua taxa metabólica, sendo necessário um grande aumento
no suprimento em oxigénio.

22
Fisiologia cardiorrespiratória

O consumo de oxigénio constitui assim um parâmetro fisiológico global, in-


tegrador do funcionamento das quatro etapas referidas anteriormente, pelo que
fornece indicações importantes sobre a condição cardiorrespiratória do atleta.

VENTILAÇÃO PULMONAR
Corresponde à fase de captação do oxigénio do ar ambiente. Por ventilação
pulmonar entende-se a quantidade de ar mobilizada durante um minuto, atra-
vés da inspiração e expiração. O número de inspirações e expirações realizadas
durante um minuto designa-se frequência respiratória. A quantidade de ar mobi-
lizada em cada ciclo inspiratório/expiratório designa-se volume corrente. Logo:

O mesmo será dizer que a ventilação pulmonar é a quantidade de ar mo-


bilizada durante um minuto e resulta do produto entre o volume corrente e a
frequência respiratória. O seu valor é dado em litros por minuto (l.min. -1).
Obviamente que a ventilação pulmonar se modifica consoante a intensi-
dade do exercício. O seu valor em repouso é da ordem 4 a 6 litros.min. -1.
Em esforço máximo, a ventilação pulmonar por minuto pode atingir valo-
res superiores a 150 litros.min. -1. Este grande aumento faz-se tanto à custa do
volume corrente como da frequência respiratória.
FIGURA 5 - A ventilação pulmonar
FISIOLOGIA DO
(VE) aumenta de forma proporcional
EXERCÍCIO
à intensidade do exercício. Na figura,
apresentamos as fases de esforço
e pós-esforço. Como foi referido
no texto, podemos observar que a
VE parte de uma situação basal da
ordem dos 10 lit.min-1 para atingir
valores superiores a 140 lit.min-1 em
intensidades próximo do máximo. O
aumento da VE deve-se a uma maior
necessidade de ventilação alveolar
a fim se aumentar o transporte de
oxigénio ao músculo e também
da necessidade de expelir maiores
quantidades de CO2 resultantes do
metabolismo do esforço.

HEMATOSE
Corresponde à segunda fase da cadeia de transporte de oxigénio – fixação do
oxigénio à hemoglobina do sangue capilar perialveolar. Quando entre o ar venti-
lado no momento da inspiração e que atinge os alvéolos (ar alveolar), e o sangue
contido nos capilares peri-alveolares, existe um gradiente de pressão, estão criadas
as condições para existirem trocas de gases. As trocas de gases entre os alvéolos

23
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e capilares, através da membrana respiratória, ocorrem por difusão e sempre que


a pressão parcial de gases, O2 e CO2, de um lado e de outro da membrana não se
encontrem em equilíbrio. Como é sabido, no decurso do exercício, as diferenças
nas pressões parciais de O2 e CO2 acentuam-se. Logo, o gradiente de pressão de
cada lado da membrana favorece uma maior riqueza de trocas. Este processo de
trocas gasosas alvéolo-capilares (nos pulmões) designa-se hematose. Sabemos
que, nos indivíduos saudáveis, a saturação da hemoglobina em oxigénio por efeito
do esforço varia de forma discreta e influenciada pela alterações da temperatura
do sangue e pH (curva de dissociação da oxiemoglobina). Mais significativo é o
aumento da ventilação alveolar associado à maior pressão com que o sangue
atinge os capilares perialveolares (perfusão sanguínea perialveolar), que permite
uma melhor oxigenação e rejeição de CO2. Este tipo de adaptação ao nível da
hematose explica-se pelo facto de se melhorar a relação ventilação/perfusão e de
se aumentar a superfície de trocas alvéolo-capilares.

FIGURA 6 - A membrana respiratória.


As trocas de gases entre os alvéolos
e capilares, através da membrana
respiratória, ocorrem por difusão e
sempre que a pressão parcial de ga-
ses, O2 e CO2, de um lado e de outro
da membrana não se encontrem
em equilíbrio. O exercício acentua o
desequilíbrio sendo a maior trans-
ferência do O2 do ar alveolar para a
circulação uma adaptação favorável
ao esforço. Para além de depender
da alteração dos gradientes de
pressão de cada lado da membrana,
depende também da melhoria da
relação ventilação/perfusão e do
aumento da superfície de trocas
alvéolo-capilares.

CARDIOVASCULAR
Corresponde à componente central do VO2. Comporta o coração e os
vasos sanguíneos. Depende das adaptações cardíacas agudas que permitem
bombear maior quantidade de sangue por minuto e por sístole com também
mais elevada pressão sistólica. Depende também das adaptações vasculares
seletivas que permitem que o sangue atinja as zonas mais carenciadas em
oxigénio que se encontram vasodilatadas. Por seu turno, as zonas inativas
recebem menor quantidade de sangue por se encontrarem sob efeito vaso-
constritor. A circulação sanguínea constitui um circuito fechado, contínuo, que
utiliza como propulsor uma bomba – o coração. A circulação do sangue e as
adaptações dos vasos sanguíneos de modo a permitirem uma eficaz distribui-
ção desse mesmo sangue pelas diferentes partes do corpo humano designam-
-se alterações ou adaptações hemodinâmicas.

24
Fisiologia cardiorrespiratória

A adaptação do coração pode ser avaliada pelas variações do débito cardía-


co e das suas componentes. O débito cardíaco resulta do produto da frequência
cardíaca (FC) pelo volume sistólico (VS). A frequência cardíaca corresponde ao
número de sístoles (contrações cardíacas) por minuto. O volume sistólico corres-
ponde ao volume de sangue expulso em cada sístole. O valor do débito cardíaco
é proporcional à intensidade do exercício. Em repouso apresenta um valor próxi-
mo dos 5 lit.min-1 e em esforço máximo aumenta cerca de 5 a 6 vezes.
A adaptação vascular pode ser avaliada através do comportamento da
pressão arterial em esforço. A pressão arterial sistólica aumenta por via de
regra de forma proporcional ao consumo de oxigénio, débito cardíaco e inten-
sidade do exercício. Define-se como a força que o sangue exerce, no momento
da sístole, sobre a superfície da parede arterial à saída do ventrículo esquer-
do (artéria aorta). Neste momento, a pressão é máxima. A onda de pressão
propaga-se por todo o território arterial. Por esta razão, sentimos a atividade
pulsátil em todas as artérias e podemos medir a pressão arterial nas artérias
periféricas (umeral ou radial, por exemplo) com o auxílio de um esfigmomanó-
metro. No momento da diástole (fase de relaxamento do coração), a pressão é
mínima, por isso se designa diastólica e na prática dá-nos informação sobre as
resistências vasculares periféricas.

TISSULAR
Corresponde à componente periférica do VO2 e é constituída por todos
os tecidos que utilizam oxigénio para o seu funcionamento. Em esforço
FISIOLOGIA DO
intenso de caraterísticas gerais, o tecido muscular ativo recebe 80% e 90% do EXERCÍCIO

débito cardíaco. O aumento da taxa metabólica, acompanhada de um maior


suprimento de sangue ao músculo e consumo (utilização) de oxigénio local,
tem implicações nas concentrações de O2 e CO2 no sangue. O contributo da
componente periférica no VO2 é expresso pela quantificação das variações da
diferença arteriovenosa em oxigénio entre o repouso e o esforço.

3.1.1 COMPONENTES CENTRAL E PERIFÉRICA


No sistema de transporte e utilização de oxigénio, a componente cardio-
vascular e a componente muscular constituem os passos mais importante
e treináveis em todo o processo aeróbio de produção de energia. A com-
O sistema cardio-
ponente cardiovascular, responsável pelo transporte de oxigénio ao tecido vascular, responsável
muscular esquelético corresponde à componente central do VO2. Comporta pelo transporte de
o coração e os vasos sanguíneos. Para a sua melhoria, o desportista deverá
oxigénio ao tecido
seguir um regime de treino aeróbio designado de cardiovascular ou treino da
resistência geral, onde se utilizam exercícios que solicitem uma percenta- muscular esquelético, o
gem significativa da massa muscular ativa, realizados com elevado volume corresponde à compo-
e densidade, a uma intensidade submáxima. São disso exemplo a corrida, a nente central do VO2.
natação, o ciclismo, o remo, entre outros.

25
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A componente periférica do VO2 é constituída pelos diferentes tecidos que


utilizam oxigénio para o seu funcionamento. No decurso do exercício, o tecido
muscular é preponderante na utilização do oxigénio distribuído aos diferentes
tecidos. De facto, com o aumento da intensidade do exercício, o músculo aumenta
muito a sua taxa metabólica, sendo necessário um significativo aumento do
suprimento em oxigénio local com as correspondentes adaptações vasculares.
Estas adaptações locais (vasculares e metabólicas tissulares) dependem não só da
intensidade do exercício, mas também do tipo de exercício (local ou geral). A com-
ponente periférica pode ser mas convenientemente treinada através de exercícios
de caraterísticas locais, restringindo-se e controlando-se a percentagem de massa
muscular solicitada. Para a sua melhoria, o desportista deverá ser submetido a um
tipo de estimulação designada de resistência muscular local em regime aeróbio.

FIGURA 7 - A componente
cardiovascular, responsável pelo
transporte de oxigénio ao tecido
muscular esquelético, corresponde
à componente central do VO2. Com-
porta o coração e os vasos sanguí-
neos. A componente periférica do
VO2 é constituída pelos diferentes
tecidos que utilizam oxigénio para
o seu funcionamento. No decurso
do exercício, o tecido muscular é
preponderante na utilização do
oxigénio distribuído aos diferentes
tecidos.

A componente periférica do VO2 é constituída


pelos diferentes tecidos que utilizam oxigénio para
o seu funcionamento. No esforço geral e intenso, o
tecido muscular é preponderante na utilização do
oxigénio distribuído aos diferentes tecidos.

26
Fisiologia cardiorrespiratória

Segundo a fórmula de Fick, o VO2 resulta do produto entre o débito


cardíaco (Q) – componente central – e a diferença arteriovenosa em
oxigénio (dif. a-v O2) – componente periférica.
No âmbito da componente central consideram-se os parâmetros fisiológi-
cos débito cardíaco (Q), frequência cardíaca (FC) e volume sistólico (VS).
FISIOLOGIA DO
EXERCÍCIO

A diferença arteriovenosa de oxigénio, que é a diferença entre o conteúdo


em oxigénio do sangue arterial e o conteúdo de oxigénio do sangue venoso,
traduz a utilização de oxigénio pelos tecidos. Se atentarmos na equação de
Fick, podemos considerar que esta diferença traduz a componente periférica.

Aorta
3.1.2 ADAPTAÇÕES CARDÍACAS, VASCULARES E HEMODINÂMICAS, Veia cava superior

MUSCULARES Artéria pulmonar


(pulmão direito)
Artéria pulmonar
(pulmão esquerdo)

ADAPTAÇÕES CARDÍACAS Veias pulmonares esquerdas


(do pulmão esquerdo)
Para a compreensão das adaptações cardíacas ao esforço, é fundamental Veias pulmonares direitas
(do pulmão direito para
a auricula esquerda)

uma breve e sucinta revisão da fisiologia cardíaca. Válvula semilunar aórtica

O coração localiza-se na cavidade torácica entre os pulmões e possui quatro Válvula tricúspide Válvula bicúspide (Mitral)

cavidades, duas aurículas e dois ventrículos. A parte muscular do coração Veia cava inferior

designa-se miocárdio e é constituída por células musculares cardíacas excitáveis Septo

eletricamente. É um músculo involuntário que possui automatismo e ritmo. Circulação arterial (com O2)
Circulação venosa (com CO2)
Em termos funcionais, o coração pode ser entendido como duas bombas
separadas, o coração direito e o coração esquerdo. Em cada lado do coração, po- AMPLIAR

27
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demos considerar as aurículas como bombas de enchimento e os ventrículos


como bombas de expulsão ou potencia. O funcionamento das aurículas visa
o enchimento dos ventrículos com sangue. O funcionamento dos ventrículos
tem como objetivo a expulsão do sangue para os territórios arteriais, originan-
do a circulação pulmonar (ventrículo direito) e circulação sistémica (ventrículo
esquerdo). O processo de bombeamento do sangue tem caráter repetitivo e
sistemático. Faz-se por ciclos. Por ciclo cardíaco entende-se o processo repeti-
tivo de bombeamento do sangue e que tem início numa contração muscular
cardíaca e termina no início da contração seguinte. Como o sangue se desloca
das altas para as baixas pressões, as variações de pressão produzidas dentro
das câmaras cardíacas e originadas pela contração e relaxamento do miocár-
dio são responsáveis pelo movimento do sangue.
A duração de um ciclo cardíaco é variável. É influenciado por vários fatores
e o exercício é um deles. No cidadão comum saudável e não treinado, a duração
de um ciclo cardíaco em repouso oscila entre os 0,7 e 0,8 segundos. Depende da
capacidade contráctil do miocárdio e da integridade do sistema de condução
do estímulo cardíaco intrínseco. No atleta treinado, o tempo de duração do ciclo
cardíaco em repouso pode ser superior a um segundo (bradicardia).

Sístole significa
contração do miocárdio
e diástole relaxamento.

SÍSTOLE DIÁSTOLE
No ciclo cardíaco, temos de considerar sístoles e diástoles tanto no miocárdio
auricular como no ventricular. No início da diástole ventricular, a pressão dentro
do ventrículo passa a ser inferior à pressão dentro da aurícula do mesmo lado – o
sangue flui das aurículas para os ventrículos, abrindo as válvulas auriculoventricu-
lares e a sístole auricular completa o enchimento ventricular. A sístole provoca um
aumento rápido da pressão ventricular, fechando as válvulas auriculoventriculares
e abrindo as válvulas pulmonares e aórticas, iniciando-se a circulação pulmonar e
a circulação sistémica. O tempo durante o qual o sangue sai dos ventrículos para
as artérias pulmonares e aórtica designa-se tempo de ejeção. Durante o período
de ejeção, o volume ventricular vai diminuindo com a expulsão do sangue e o
relaxamento (diástole) ventricular inicia-se subitamente no fim da sístole, fazendo
baixar a pressão intraventricular de forma súbita e criando condições para nova
passagem de sangue das aurículas para os ventrículos, iniciando-se novo ciclo car-
díaco. O volume de sangue bombeado em cada ciclo cardíaco chama-se volume

28
Fisiologia cardiorrespiratória

de ejeção e corresponde ao volume sistólico. Depende da função contráctil do mio-


cárdio e está aumentada em esforço. Designam-se adaptações agudas inotrópicas,
têm a ver com força contráctil do miocárdio e provocam aumento do volume
sistólico (VS). As durações menores dos ciclos cardíacos verificadas no decurso
do esforço, em que são realizados mais ciclos cardíacos por minuto, designam-se
adaptações agudas cronotrópicas. Têm a ver com o ritmo e provocam um aumento
da frequência cardíaca (FC).
A adaptação aguda cardíaca engloba a possibilidade de aumento do débito
cardíaco na resposta ao exercício através sístoles ventriculares mais potentes
(aumento do VS) e ciclos cardíacos mais curtos (aumento da FC).
A adaptação crónica do coração ao esforço caracteriza-se por um coração
morfologicamente maior, onde a hipertrofia ventricular esquerda fisiológica é
vulgar em atletas de resistência aeróbia, com ciclos cardíacos mais longos em
repouso (bradicardia). Esta adaptação hipertrófica é reversível, pelo que tem
tendência a desaparecer, com o tempo, com a interrupção do processo de treino.

Adaptações vasculares e hemodinâmicas


O débito cardíaco resulta do produto da frequência cardíaca pelo volume
de ejeção sistólica ou volume sistólico. Em esforço, o débito cardíaco aumen-
ta de forma proporcional à intensidade do esforço. Simultaneamente a este
aumento, verifica-se também um aumento do retorno venoso, isto é, maior
chegada de sangue ao coração direito. Este aumento do retorno venoso está
na dependência das alterações vasculares (hemodinâmicas) decorrentes do
FISIOLOGIA DO
exercício, onde a vasodilatação dos territórios musculares ativos, a vasoconstri- EXERCÍCIO

ção dos territórios inativos, determinam uma redistribuição do débito cardíaco


relativamente à situação de repouso.

FIGURA 8 - Distribuição do débito


cardíaco. Comparação entre o
repouso e o exercício máximo de
características gerais.

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Ainda no âmbito dos mecanismos fisiológicos responsáveis pelo aumento


do retorno venoso em esforço, deve ser considerada a ação cíclica da inspira-
ção/expiração, associada à maior atividade contráctil muscular (intermitência
entre contração/descontração muscular), as quais ajudam a propulsionar uma
maior quantidade de sangue pelo território venoso em direção ao coração
direito. Este ultima mecanismo, designado bomba muscular, está prejudicado
ou mesmo inibido nos exercícios isométricos, por se tratar de uma contração
estática, onde a intermitência contração/descontração não existe.
CORAÇÃO

©2006 JOHN WILEY & SONS


FIGURA 9 - Funcionamento da
bomba muscular. A atividade con-
VÁLVULA ABERTA
tráctil muscular (intermitência entre
contração/descontração muscular)
ajuda a propulsionar uma maior MÚSCULOS VÁLVULA
quantidade de sangue pelo territó- ESQUELÉTICOS PROXIMAL
rio venoso em direção ao coração CONTAÍDOS
direito. Se a contração muscular se VÁLVULA VÁLVULA
mantém por um período de tempo FECHADA DISTAL
considerável, caso da contração
isométrica, o vaso é parcialmente
colapsado, prejudicando o retorno
venoso. VEIA

Durante a fase inspiratória, o diafragma baixa, reduzindo-se a pressão intra-


torácica, o que favorece o enchimento cardíaco, uma vez que o sangue flui das
altas para as baixas pressões. Este mecanismo fisiológico de facilitação do retorno
venoso designa-se bomba respiratória ou bomba toracoabdominal atendendo às
variações intermitentes das pressões entre a cavidade torácica e abdominal por
efeito da subida e descida do diafragma aquando das fases expiratória e inspirató-
ria. Este mecanismo está prejudicado ou mesmo inibido nos exercícios realizados
em apneia pela inexistência de ciclicidade entre inspiração/expiração.

FIGURA 10 - Funcionamento da REPOUSO INSPIRAÇÃO EXPIRAÇÃO


Torax está expandido. Costelas e externo descem, diafragma
bomba respiratória ou toracoabdo- relaxa e é empurrado para cima, e, o
tecido pulmonar recolhe.
minal. Durante a fase inspiratória,
o diafragma baixa, reduzindo-se a ESTERNO

pressão intratorácica, o que favorece COSTELAS


o enchimento cardíaco, uma vez que
DIAFRAGMA
o sangue flui das altas para as baixas
pressões. As variações intermitentes
das pressões entre a cavidade toráci-
ca e abdominal, por efeito da subida
Pressão em repouso: Contracção muscular, Inspiração: o ar entra Depois da inspiração, Tórax regressa à dimen- Expiração: o ar sai
e descida do diafragma aquando pressão pulmonar pulmões expandem: nos pulmões para o tórax expande-se: são de repouso: pressão dos pulmões para
das fases expiratória e inspiratória, é igual à pressão pressão pulmonar inferior equilibrar a pressão. pressão pulmonar é igual pulmonar superior à equilibrar a pressão.
facilitam o retorno venoso do sangue atmosférica. à pressão atmosférica. à pressão atmosférica. pressão atmosférica.
que se encontra na região abdominal
e membros inferiores, mecanismo de
significativa importância no exercício
dinâmico de caraterísticas gerais. Nos
exercícios realizados em apneia, este
mecanismo encontra-se inibido.

30
Fisiologia cardiorrespiratória

Durante o exercício, a pressão arterial aumenta. Este aumento apresenta


uma relação direta com intensidade do exercício e com o débito cardíaco. Aliás, o
débito cardíaco é o principal fator explicativo para o aumento da pressão arterial
em esforço. Este aumento é proporcional à intensidade do exercício, principalmen-
te para a pressão arterial máxima ou sistólica. A pressão mínima ou diastólica tem
tendência para não se alterar, elevar-se pouco ou mesmo diminuir ligeiramente
em virtude da redução das resistências vasculares periféricas por efeito da vasodi-
latação na adaptação aguda aos exercícios dinâmicos de caraterísticas gerais.
Os exercícios estáticos ou isométricos e que solicitam uma percentagem
significativa da massa muscular ativa provocam um aumento das resistências vas-
culares periféricas globais com repercussão na pressão arterial sistólica e diastólica.
O estudo da variação da pressão arterial para diferentes tipos de esforço, máximos,
submáximos, supramáximos, de caraterísticas locais ou gerais, constitui um impor-
tante indicador hemodinâmico na resposta adaptativa ao esforço. FIGURA 11 - O aumento da pressão
arterial (PA) é proporcional à inten-
sidade do exercício, principalmente
para a pressão arterial sistólica (PAS).
A pressão arterial diastólica (PAD) tem
tendência para não se alterar, elevar-se
pouco ou mesmo diminuir ligeiramen-
te em virtude da redução das resistên-
cias vasculares periféricas por efeito da
vasodilatação na adaptação aguda aos
exercícios dinâmicos de caraterísticas
gerais. Nos exercícios estáticos e que
solicitam uma percentagem significati-
va da massa muscular ativa, o aumento
das resistências vasculares periféricas FISIOLOGIA DO

faz aumentar também a pressão EXERCÍCIO

arterial diastólica.

Adaptações musculares
O músculo esquelético possui quatro caraterísticas funcionais fundamentais.
São elas a contractibilidade, a excitabilidade, a extensibilidade e a elasticidade.
O tecido muscular esquelético é contráctil porque tem capacidade para
transformar energia química (ATP) em energia mecânica (tensão muscular).
Fá-lo, consumindo energia e contraindo-se voluntariamente, o que por sua vez
gera movimento. Esta é uma propriedade fisiológica do músculo esquelético
ou voluntário (contractibilidade).
O tecido muscular esquelético é excitável porque responde à estimulação
mediada pelo sistema nervoso na regulação da sua atividade. Esta é uma pro-
priedade fisiológica do músculo esquelético ou voluntário (excitabilidade).
O tecido muscular esquelético é extensível ou distensível porque é estirável
para além do seu comprimento de repouso. Esta propriedade está na base dos
efeitos do treino de flexibilidade (“alongamentos”). Esta é uma propriedade
fisiológica do músculo esquelético ou voluntário (distensibilidade).

31
MANUAL DE CURSO DE TREINADORES DE DESPORTO //
GRAU II
INSTITUTO DO DESPORTO DE PORTUGAL //
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES

As fibras musculares
não se contraem
de forma isolada e
individualmente, mas
fazem-no em grupo
(unidades motoras).

O tecido muscular esquelético é elástico porque após o estiramento re-


toma o seu comprimento inicial (estado fisiológico de repouso). Esta é uma
propriedade fisiológica do músculo esquelético ou voluntário (elasticidade).
A adaptação aguda do tecido muscular esquelético engloba um conjun-
to de modificações locais determinadas, em primeira análise, pela frequência
e intensidade do impulso motor, estímulo com origem no sistema nervoso
que, por seu turno, determina o número e tipo de fibras musculares solici-
tadas. As fibras musculares não se contraem de forma isolada e individual-
mente, mas fazem-no em grupo (unidades motoras). Uma unidade motora é
constituída por um motoneurónio alfa, pelo axónio, pela junção neuromus-
cular ou placa motora e pelo conjunto de fibras musculares inervadas pelo
conjunto neurónio/axónio. A unidade motora é, de facto, uma unidade fun-
cional porque as fibras musculares não se contraem isoladamente. Fazem-no
em grupo e segundo a “lei do tudo ou nada”. Quer isto dizer que quando a
frequência e intensidade do impulso motor atingem o limiar de excitabili-
dade de determinada unidade motora, esta contrai-se completamente. Se a
frequência e intensidade do impulso motor não atingem o limiar de excitabi-
lidade da unidade motora, esta não se contrai (lei do tudo ou nada). Quando
se aumenta o número de unidades motoras recrutadas simultaneamente,
produz-se uma maior tensão muscular com uma também maior produção
de trabalho mecânico ou força muscular. Logo, o tecido muscular esquelé-
tico desenvolve maiores ou menores tensões, mercê da solicitação de um
número maior ou menor de unidades motoras em simultâneo, de acordo
com o estado de excitação/inibição do motoneurónio α a que aquelas
unidades motoras correspondem.
De facto, a adaptação muscular aguda acompanha-se de alterações
na frequência, no número e no tipo de fibras musculares recrutadas. Mas
este recrutamento faz-se sob determinadas regras e de forma sequencial.

32
Fisiologia cardiorrespiratória

Os primeiros motoneurónios a serem recrutados são aqueles que necessitam


de um estímulo menor para atingir um potencial de ação. Esta situação
traduz-se pela ativação das fibras musculares do tipo I em primeiro lugar.
Posteriormente, as do tipo IIa e IIb de modo sequencial, provocando uma
somação (progressão) da força gerada até ao limite muscular voluntário
máximo.
O recrutamento faseado de fibras musculares explica o facto de, para es-
forços musculares de baixa intensidade, serem as unidades motoras de limiar
mais baixo e constituídas por fibras do tipo I a assegurar o trabalho muscular
prolongado sem a interferência significativa dos mecanismos responsáveis
pela fadiga muscular.
Outra adaptação aguda do tecido musculosquelético ao esforço diz
respeito ao fluxo sanguíneo local, o qual aumenta. A rede vascular muscular
é extensa e mercê da vasodilatação. Influencia também os valores da pressão
arterial (adaptações hemodinâmicas locais). Com efeito, o fluxo sanguíneo
muscular pode aumentar vinte vezes comparativamente aos valores de
repouso, com implicações no transporte de oxigénio e nutrientes, bem como
na remoção de CO2 e metabolitos. Estes ajustamentos ou adaptações agudas
apresentam efeitos favoráveis na diferença arteriovenosa em oxigénio, con-
sequência da sua maior extração e utilização periférica.
As adaptações musculares crónicas devem ser analisadas a nível estru-
tural e histoquímico. Permitem que o músculo treinado ou adaptado tolere
maior carga mecânica (resistência mecânica do material) e que aumente
FISIOLOGIA DO
também a sua capacidade de resposta funcional. Sob efeito de um stress me- EXERCÍCIO

cânico, como é o exercício, a capacidade funcional do músculo vai diminuin-


do por agressão à sua arquitetura miofibrilhar, com lesões ultraestruturais
várias, nomeadamente nos sarcómeros (banda Z, com implicações na capa-
cidade contráctil). As microlesões provocadas pelo exercício podem também
afetar a membrana celular que, alterando a sua permeabilidade, induzem
alterações responsáveis pelos desequilíbrios eletrolíticos e metabólicos. Estas
lesões configuram uma entidade clínica designada miopatia pós-esforço que
se acompanhada de uma resposta inflamatória local e libertação de media-
dores químicos da inflamação e da dor.
A hipertrofia muscular corresponde a uma adaptação crónica resul-
tante do processo sistemático e repetitivo de agressão muscular (treino).
A hipertrofia muscular no atleta treinado é o resultado do aumento do
volume das células musculares, mas também do tecido conjuntivo, o que
permite distribuir a carga por uma maior área de secção transversa do
músculo. Por isso se diz que a capacidade para o músculo produzir força
é proporcional à sua área em corte transversal. Tal constatação é verda-
deira e inequívoca para os casos em que a hipertrofia se faz à custa dos
elementos proteicos contrácteis (actina e miosina).

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INSTITUTO DO DESPORTO DE PORTUGAL //
PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES

A hipótese que postula um aumento do número de células por efeito do


treino tem defensores e são várias as investigações que o provam, embora para
certas correntes científicas da investigação sobre o tecido muscular esquelético,
a hipótese da hiperplasia (aumento do número de células) ainda não foi inequi-
vocamente provada, ficando como segura a hipótese da hipertrofia. Este tipo de
adaptação hipertrófica é mais evidente nas fibras tipo II.

Fibra Muscular Retículo


Sarcoplasmático

FIGURA 13 - As fibras tipo I exibem


como adaptação crónica, uma maior Miosina
densidade mitocondrial, uma rede
capilar mais extensa, um maior
conteúdo em mioglobina e enzimas Miofibrila
oxidativos, o que lhes permite
aumentar a sua resposta e resistência
funcional oxidativa. Não são, no Actina
entanto, tão hipertrofiáveis como as Sarcómero
fibras tipo II.

As fibras musculares tipo I exibem como adaptação crónica uma maior


densidade mitocondrial, uma rede capilar mais extensa, um maior conteúdo
em mioglobina e enzimas oxidativos, o que lhes permite aumentarem a sua res-
posta e resistência funcional oxidativa. No entanto, estas fibras não apresentam
treinabilidade ao nível do equipamento metabólico anaeróbio e não desenvol-
vem adaptações tão hipertróficas como as verificadas para as fibras tipo II.
REFERÊNCIAS A “lesão” muscular provocada pelo treino, além do processo inflamatório transi-
BIBLIOGRÁFICAS tório que provoca, estimula a libertação de fatores de crescimento responsáveis pela
reparação dos tecidos lesados e pela síntese das proteínas contrácteis que assim são
Jack H. Wilmore, David Costill, W.Larry
Kenney (2007). Physiology of Sport and repostas, não raras vezes por excesso, mas transitório (sobrecompensação).
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Per-Olof Astrand, Kaare Rodahl, Hans


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William D. McArdle, Frank I. Katch e Vic-


tor L. Katch (2009). Exercise Physiology:
Nutrition, Energy, and Human Performance.
Lippincott Williams & Wilkins

34
Fisiologia cardiorrespiratória

Aorta

Veia cava superior

Artéria pulmonar Artéria pulmonar


(pulmão direito) (pulmão esquerdo)

Veias pulmonares esquerdas


Veias pulmonares direitas (do pulmão esquerdo)
(do pulmão direito para
a auricula esquerda)

Válvula semilunar aórtica

Válvula tricúspide Válvula bicúspide (Mitral)


FISIOLOGIA DO
EXERCÍCIO

Veia cava inferior

Septo

Circulação arterial (com O2)


Circulação venosa (com CO2)

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FICHA TÉCNICA
PLANO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE TREINADORES
MANUAIS DE FORMAÇÃO - GRAU II

EDIÇÃO
INSTITUTO PORTUGUÊS DO DESPORTO E JUVENTUDE, I.P.
Rua Rodrigo da Fonseca nº55
1250-190 Lisboa
E-mail: geral@ipdj.pt

AUTORES
CLÁUDIA MINDERICO
NUTRIÇÃO, TREINO E COMPETIÇÃO
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE DESPORTO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
DESPORTO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
JOÃO PAULO VILAS-BOAS
BIOMECÂNICA DO DESPORTO
JOSÉ GOMES PEREIRA
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO
LUÍS HORTA
LUTA CONTRA A DOPAGEM
OLÍMPIO COELHO
PEDAGOGIA DO DESPORTO
PAULO CUNHA
TEORIA E METODOLOGIA DO TREINO DESPOTIVO - MODALIDADES COLETIVAS
RAÚL OLIVEIRA
TRAUMATOLOGIA DO DESPORTO
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PSICOLOGIA DO DESPORTO
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COORDENAÇÃO DA EDIÇÃO
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