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RESUMOS DE CLÁSSICOS PORTUGUÊS
111g1111olo Conceição Coelho e Fátima Santos
Roger Pimenta
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Ano/ ICllçlo / Tiragem
2011 / l' Edlç&o / 3~ Tiragem
IHN
978 1172 7119-424-3
Dtpó1lt0 Ltg•I
N1 ~22 815/17

EÇA DE QUEIRÓS

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indlce

1. Eça de Queirós e o seu tempo ........................ ................................................... 4


11. O homem e o escritor........................................................................................ 4
1.2. Contexto histórico-literário............................................................................ 5

2. Os Maias - resumo dos capítulos..................................................................... 8

3. Espaço e tempo.......................................................................................................... 30
3.1. A representação de espaços sociais e a crítica de cost umes............ 30
3.2. Os espaços e seu valor simbólico e emotivo............................................ 34

4. As personagens ........................................................................................................ 40
4.1. Representações do sentimento e da paixão: diversificação da
intriga amorosa (Pedro da Maia, Carlos da Maia e João da Ega) ..... 40
4.2. Características t rágicas dos protagonistas (Afonso da Maia,
Carlos da Maia e Maria Eduarda).................................................................. 43

5. Linguagem, estilo e estrutura............................................................................. 45


5.1. O romance: pluralidade de ações.. ... ...... ................................................... 45
5.2. Complexidade do tempo, do espaço e dos protagonistas................... 45
5.3. Visão global da obra e estruturação: título e subtítulo........................ 47
5.4. Recursos expressivos: a comparação, a ironia, a metáfora,
a personificação. a sinestesia e o uso expressivo do adjetivo
e do advérbio........................... ................................ ............................................. 49
5.5. Reprodução do discurso no discurso........................................................... 50
5.6. A descrição do real e o papel das sensações.......................................... 51

6. Análise de capítulos .......................... ................ ........ ........................................... 52


6.1. Capítulos li e Ili (excertos) ............................................................................... 52
6.2. Capítulos VI e X (excertos).............................................................................. 58

Referências...................................................................................... ,......... ,....................... 64


1. Eça de Queirós e o seu tempo Concelho de Leiria. A partir de 1872, o escritor começou a viver no estran-
geiro, tendo sido nomeado cônsul em Cuba. De 1874 a 1878. desempenhou
1.1. O homem e o escritor funções diplomáticas em Inglaterra e, seguidamente, foi transferido para
Paris, concretizando o seu grande sonho no âmbito da diplomacia. Este
José Maria Eça de Queirós nasceu na Póvoa de Varzim, a 25 de novembro
afastamento físico de Portugal não o levou a desinteressar-se dos factos
1845. Filho do magistrado José Maria de Almeida Teixeira de Queirós e de
que ocorreram no seu país, mas permitiu-lhe a análise mais desapaixonada
D. Carolina Augusta Pereira de Eça, foi registado como filho de mãe incóg-
e rigorosa da pátria.
nita, situação que só foi regularizada após o casamento dos seus pais, quatro
anos depois do seu nascimento. Viveu os primeiros dez anos da sua infância Vítima de prolongada doença, Eça de Queirós fal eceu em Paris, no dia 16
em Verdemilho, em casa dos seus avós paternos. Em 1855, foi estudar para de agosto de 1900. Em setembro, o corpo foi transladado para Portugal,
o Colégio da Lapa, no Porto, instituição dirigida pelo pai de Ramalho Ortigão. realizando-se a cerimónia fúnebre para o cemitério do Alto de S. João, em
. Em 1861, concluída a escolaridade obrigatória, ingressou na Universidade Lisboa.
de Coimbra.
Da sua intensa criação lit erária destacam-se, entre outras publicações,
Em Coimbra, formou-se em Direito e contactou com o grupo académico O Crime do Padre Amaro (1875), O Primo Basílio (1878). O Mandarim (1880),
conhecido como Escola de Coimbra que. sob a liderança de Antero de Quen- A Relíquia (1887), Os Maias (1888) e, postumamente, A Correspondência de
tal e de Teófilo Braga, se notabilizou na «Questão Coimbrã». Em 1866, Eça Frodique Mendes (1900), A Ilustre Coso de Ramires (1900). A Cidade e as
de Queirós começou a viver em Lisboa, juntou-se a esta elite intelectual, Serras (1901) e Contos (1902).
que viria a constituir o «Cenáculo». grupo que promovia tertúlias literárias,
dando continuidade às atividades iniciadas em Coimbra. Nesse mesmo ano,
iniciara a publicação de artigos no jornal Gazeta de Portugal, onde conhe- 1.2. Contexto histórico-literário
ceu Jaime Batalha Reis. Seguidamente. partiu para Évora. onde fundou e
dirigiu o jornal Distrito de Évora . Em 1867, começou a sua atividade como O romance Os Maias, escrito entre 1880 e 1888, é uma das obras mais
advogado e regressou a Lisboa, retomando a publicação dos folhetins. no conhecidas da literatura portuguesa e um exemplo do Realismo e do Natura-
Gazeta de Portugal e integrando as reuniões do «Cenáculo>,, nas quais par- lismo, em Portugal, impondo-se, por isso, o conhecimento de aspetos gerais
ticiparam Jaime Batalha Reis, Antero de Quental, Ramalho Ort igão, Oliveira que o contextualizem histórica e literariamente.
Martins, José Fontana, entre outros.
Os grandes progressos materiais da Europa, na segunda metade do século
Em 1869, Eça de Queirós realizou uma viagem à Palestina, Síria e Egito. XIX, também se fizeram sentir em Portugal, através das políticas implementa-
espaços que o fascinavam. tendo também assistido à inauguração do Canal das por António_Maria Fontes Pereira de Melo, que mandou construir estradas,
do Suez, acontecimento relevante no contexto histórico-político e social da pontes e inaugurou o primeiro troço de caminhos de ferro portugueses, bem
época. Após ter regressado a Portugal, publicou os relatos da viagem. no como a rede oficial de telégrafo elétrico, em 1856, o que facilitou a comunica-
Oiório de Notícias. com o títul o «De Port-Said a Suez». ção e a propagação dos ventos da mudança.

Em 1871, veio a lume o primeiro número de As Farpas. folhetos publica- Assim, influenciados pelo progresso das ciências e pelas novas ideias que
dos em colaboração com Ramalho Ortigão. Nesse mesmo ano, realizaram-se se difundiam em outros países da Europa, um grupo de intelectuais portugue-
as «Conferências Democráticas do Casino Lisbonense», cujo programa foi ses manifestou o desejo de inovar, opondo-se aos velhos temas dominantes
proibido pelo Governo, após a quinta Conferência, f~cto que foi contestado no Romantismo. Em Coimbra, liderados por Antero de Quental, alguns estu-
publicamente pelo grupo do <<Cenáculo». Decidido a entrar na carreira dantes atacaram António Feliciano de Castilho, crit icando o que consideravam
diplomática, Eça de Queirós candidatou-se para o efeito, mas, para cumprir uma literatura sem originalidade, para defenderem uma literatura inovadora,
os requisitos do concurso. teve de passar pelo cargo de Administrador do de comprometimento social e de maior abertura à evolução científica daquel a
.
época. Esta geração que desde 1861 vinha manifestando a sua rebeldia à dis- Desta forma, o Realismo é apresentado contra o Romantismo, opondo-se
ciplina universitária, inconformada com os valores da sociedade em que vivia, ao egocentrismo e ao sentimentalismo piegas e defendendo o método ana-
desencadeou, em 1865, a chamada «Questão Coimbrã», polémica literária lítico da apreensão da realidade, para condenar e reformar os aspetos
que significou a dissolução do Romantismo em Portugal. negativos da sociedade.

Na origem da «Questão Coimbrã» esteve a publicação de Poema da Moci- Paralelamente, surge o Naturalismo. estética literária que se pode consi-
dade, da autoria de Pinheiro Chagas, jovem poeta ultrarromântico. A obra, derar como um Realismo mais científico, que procura analisar os factos com
apadrinhada por António Feliciano de Castilho, foi acompanhada de uma car- base em explicações científicas e filosóficas. Um exemplo disso é o Posi-
ta-posfácio, na qual Castilho tecia grandes elogios ao escritor, indigitando-o, tivismo de Taine, segundo o qual o comportamento do homem é determinado
também, para docente de uma cadeira de Literatura e ironizando a poesia de por fatores como o meio social. a raça/hereditariedade e pelo seu momento
Antero de Quental e de Teófilo Braga. Em resposta a esta afronta, Antero de histórico/educação.
Quental escreveu o opúsculo, «Bom-Senso e Bom-Gosto», atingindo sarcasti-
Os objetivos de crítica e de moralização da sociedade portuguesa da época,
camente o mestre Castilho.
através de uma caricatura do velho mundo, causaram um escândalo nacio-
Eça de Queirós, que se tinha mantido como espetador desta polémica. teve, nal, levando, inclusivamente, a que o Governo proibisse as «Conferências
posteriormente, um importante papel nas «Conferências Democráticas do do Casino».
Casino», realizadas em Lisboa, para onde a geração de académicos de Coimbra
se tinha deslocado, após a conclusão dos seus cursos. Privilegiando a leitura de
escritores como Michelet, Hegel, Vico, Proudhon, Balzac, Darwin, entre outros, e
influenciados pelas ideias que chegavam de França e da Alemanha, o grupo que
saíra da escola de Coimbra defendia a reforma do estilo de vida e da literatura do
país. É então que, em 1871, a chamada «Geração de 70», constituída por roman-
cistas, poetas, ensaístas, historiadores e até cientistas, nomeadamente, Eça de
Queirós, Teófilo Braga, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, e na qual Antero de
Quental continuava a ter um lugar de destaque, tentou difundir os novos ideais
literários e culturais, proferindo algumas conferências que afirmavam uma pers-
petiva crítica relativamente à vida social portuguesa. Nesse mesmo ano, Eça de
Queirós abraçou um proJeto literário com Ramalho Ortigão e ambos escreveram
vários folhetos mensais intitulados As Farpas, nos quais (arpearam, isto é, cri-
ticaram sarcasticamente vários aspetos da vida política e social, em Portugal.

A «411 Conferência» do Casino lisbonense, proferida por Eça de Queirós,


define o Realismo como:

«a negação da arte pela arte; a proscrição do enfático e do piegas, (...) uma


reação contra o romantismo: o romantismo era a apoteose do sentimento;
o realismo é a anatomia do carácter. É a crítica do homem. É a arte que nos
pinta a nossos próprios olhos - para nos conhecemos, para que saibamos se
somos verdadeiros ou falsos, para condenar o que houver de mau na nossa
sociedade.»
2. Os Maias - resumo dos capítulos Jnnelas e os portões até que, passado algum tempo, Afonso da Maia e a
sua família partiram para Inglaterra, onde viveram abastadamente. Meses
Capítulo 1 depois, a morte da mãe levou a lia Fanny a ir viver com Afonso, em Rich-
mond À exceção de Maria Eduarda, todos pareciam gostar daquele exílio
Os Maias eram uma antiga família pouco numerosa da Beira, reduzida a
dourado. Devido à sua saúde frágil e ao ódio à língua e à religião, a mulher
duas pessoas: o senhor da casa, um senhor idoso, chamado Afonso da Maia de Afonso da Maia não se adaptara nem ao clima inglês nem aos costumes.
e o seu neto Carlos, que estava a estudar medicina em Coimbra Nem sequer permitiu que Pedro fosse estudar num colégio inglês. mesmo
Afonso adorava o silêncio da quinta de Santa Olávia. e Vilaça, procurador sendo católico. Para prov·denciar a educação do filho, mandou vir de Lisboa

e amigo de longa data dos Maias, aprovara a venda da Tojeira, mas não o padre Vasques. que lhe dava uma educação tradicional e muito religiosa.
da casa de Benfica, pois, para ele, quando Carlos terminasse o seu curso, Afonso, por vezes, interrompia a doutrina. levava Pedro a passear. apesar
de grande alvoroço da mãe, que tinha medo que se constipasse. Tal era a
deveria exercer medicina e certamente não iria querer ficar nas margens
proteção da mãe e das criadas que Pedrinho tinha medo do vento e das
do Douro, em Santa Olávia. Como tal, meses antes de Carl os terminar o
árvores Afonso acabou por desistir de libertar Pedro dos braços maternos.
seu curso, Afonso anunciou que queria habitar o Ramalhete. A casa de Lis-
pois a sua mãe ficava com acessos de febre. Após a morte da tia Fanny, a
boa estava inabitável e, para que tal fosse possível, necessitava de muitas
melancolia de Maria Eduarda aumentou ainda mais. Para a distrair, Afonso
obras. Para além disso, const ava que as paredes do Ramalhete traziam
levou-a para Itália, onde havia sol e o Papa, mas Maria Eduarda choramin-
desgraças para a família. Contudo, Afonso manteve a decisão e solicitou
gava pelos ares de Lisboa e, para a acalmar, voltaram a Benfica.
que se realizassem as obras.
Em Portugal. Maria Eduarda na□ melhorou. Definhava, imóvel. sentada
Um ano mais t arde, o Ramalhete estava pronto, mas continuou vazio até
num canapé e recebia a visita do Padre Vasques e de outros clérigos que
Carlos regressar da viagem pel a Europa que fez depois de terminar o seu
controlavam aquela alma aterrada, ao mesmo tempo que comiam. bebiam
curso de medicina. Assim, apenas no Outono de 1875 Afonso e o seu neto
e recebiam chorudas mesadas. Pedro crescia pequenino e nervoso como
Carlos da Maia foram habitar o Ramalhete.
a mãe, sofrendo crises de melancolia que o traziam murcho, com gran-
Havia vinte e cinco anos que Afonso não via Lisboa e não passaram des olheiras e fraco. A única coisa que o animava era a paixão pela mãe.
muitos dias até suspirar pelas sombras de Santa Olávia. Mas nem admitiu Quando a mãe, por fim, morreu, Pedro ficou muito abalado. quase louco,
sequer viver separado do neto e este tiriha intenções de fazer carreira ativa caindo numa angústia. num luto pesado que o levava a visitar, todos os
na capital. dias, a sua sepultura. Seguiu-se, depois, um período de vida dissipada e
turbulenta. Após um ano a voltar a casa de madrugada, exausto e bêbado,
Outrora, Afonso, filho de Caetano da Maia um português absolutista Pedro retomou a vida melancólica até que. um dia, estando Ped ro no Mar-
e fiel -, havia sido expulso pelo pai devido às suas ideias liberais, sem rare, viu, parar uma caleche azul, onde seguia uma jovem loura e de olhos
mesada e renegado como um bastardo. Contudo, amolecido pelas lágrimas maravilhosos - Maria Monforte. O seu amigo Alencar, testemunhando o
da mulher, limitou-se a desterrá-lo para a Quinta de Santa Olávia. Alguns int eresse de Pedro nessa mulher, contou-l he quem era: vinha dos Açores.
meses depois, Afonso voltou a casa do pai, em Benfica. pedir-lhe a bênção tinha chegado havia dois anos com seu pai Manuel, pois este havia morto
e algum dinheiro para poder ir para Inglaterra. O pai, que viu tal ato como um homem. Andara pelos Estados Unidos e carregara cargas de negros
um milagre divino, aceitou e Afonso partiu, tendo apenas regressado a Lis- para o Brasil. Havana e Nova Orleães. Fizera fortuna e era proprietário. No
boa por altura da morte do pai. Foi nessa altura, em Portugal, que conhe- entanto, quando em Lisboa se soubera desse passado de tráfico de negros,
ceu D. Maria Eduarda de Runa, com quem veio a casar e a t er um filho. foram apelidados de negreiros. Tal, contudo, não impediu a paixão de Pedro
Pedro da Maia. Ficou a habitar em Portugal, mas uma noite, devido às suas e. uns tempos mais tarde, Pedro e Maria começaram a namorar, sem
ideias revolucionárias, a polícia invadiu a sua casa em Benfica à procura Afonso saber. Afonso desconfiava, mas apenas teve confirmação quando
de papéis e armas escondidas. Desde essa manhã, não mais se abriram as Vilela lhe disse que Maria não era apenas amante de Pedro - era solteira
e namorava com ele. Toda a Lisboa falava da paixão de Pedro da Maia Contudo, quer o batizado, quer a partida para as margens do Douro foram
pela «negreira». 1trasados. Enquanto caçava, Pedro feriu, sem intenção, um p, incípe napolitano
de nome Tancredo, que acabou por ficar alojado em sua casa para recuperar.
No verão, Pedro partiu para Sintra, atrás dos Monforte que lá tinham alu-
Este homem esplêndido foi entrando na vida de Maria e, mesmo já restabele-
gado casa e os jovens continuaram o seu idílio. Depois disso, numa manhã
cido, voltava a visitar a casa de Pedro e a abrilhantar as suas soirées.
de inverno, Pedro resolveu pedir licença ao pai para casar com Maria Mon-
forte. Afonso desaprovou o casamento, pois era filha de um assassino e de Tempos depois, no regresso de Pedro, que tinha estado ausente de Lisboa
um negreiro. Pedro, furioso, jurou que haveria de casar com ela e abando- durante dois dias, descobriu-se que Maria tinha fugido com o italiano e levado
nou a casa paterna. Dois dias depois, Vilaça, em lágrimas, informou Afonso , filha pequena. Pedro procurou consolo junto do pai, que ficou indignado com
que Pedro se havia casado naquela madrugada e que partiria com a noiva oquela situação. Segundo Afonso. o filho estragara o sangue da raça e cobria,
para Itália. Afonso, desgostoso, afirmou que, dali em diante, só haveria um agora, a casa de vexame. Mas como pai, lamentava o estado deplorável do filho
talher à mesa e, a partir, daquele momento, nunca mais se falou de Pedro e tentou com ternura obviar tamanha dor.
da Maia.
Pedro trazia consigo o pequeno Carlos Eduardo que rapidamente conquistou
Capítulo li a atenção e o amor do avô. Depois de desabafar com Afonso, contando a história
da traição da mulher, Pedro retirou-se para o seu quarto onde, de madrugada, se
O casal vivia feliz em Itália mas, um dia, Maria sentiu vontade de ir para Paris suicidou com um tiro de pistola. Afonso, dias depois, fechou a casa de Benfica e
e ali habitar um ninho de amor nos Campos Elísios. Mudaram-se mas, quando partiu com o neto e os criados para Santa Olávia. Segundo Vilaça, que o visitou
Maria engravidou, Pedro não descansou enquanto não a retirou daquela cidade dois meses mais tarde, Afonso não teria mais de um ano de vida.
agitada que já só falava em revolução. A pedido de Maria, Pedro escreveu a seu
pai uma terna missiva na esperança de que os acolhesse e os perdoasse, no Capítulo Ili
entanto, Afonso da Maia partiu para Santa Olávia dois dias antes de Pedro e
Maria chegarem. No entanlo, passaram vários anos. Vilaça regressou a Santa Olávia onde
encontrou Carlos já crescido, saudável, alegre, muito parecido com os Maias,
Uma separação profunda cavou a relação entre pai e filho e, quando nasceu e Afonso, feliz, entregue à suprema missão de o educar. O avô contratara um
uma filha, Pedro não comunicou o acontecimento ao seu progenitor. Quando a percetor inglês, Mr. Brown, que educava o pequeno segundo o modelo inglês:
pequena, linda, loura e com os belos olhos negros dos Maias, completou um ano, ainda não tinha cinco anos e já dormia sozinho e todas as manhãs tomava
houve um grande baile na casa de Arroias, onde compareceram as pessoas que banho de água gelada. De igual modo, praticava exercício físico no exterior
outrora tinham horror à negreira. e estava subordinado a uma alimentação bastante controlada. Muita dureza,
segundo Teixeira, o mordomo, que explica a Vilaça que o inglês até o tinha
A partir dessa festa, muitas outras festas luxuosas se seguiram. Eram as ensinado a remar e a fazer habilidades no trapézio. Teixeira era contra este
soirées mais alegres de Lisboa. Todos os amigos de Pedro amavam Maria, tipo de educação liberal, dizia que não se adequava a um fidalgo português.
fazendo-lhe, inclusive, declarações de amor. Pedro, embora não sentisse ciú- O abade Custódio, que se encontrava para jantar, também não concordava,
mes. fartava-se daquele clima luxuoso e de festa.
afirmando que o latim deveria ser a base da educação. Mas Brown discordava
Quando Maria teve um segundo filho, Pedro pretendeu reconciliar-se com tolalmente desta conceção de educação e repetia que o primeiro dever do
Afonso. Para tal, surpreenderia o pai em Santa Olávia, com os dois filhos. Quis homem era viver e que. para isso, era necessário ser forte e saudável.
até dar ao pequeno o seu nome mas Maria não consentiu. Como andava a ler No final de um jantar, Carlos anunciou que ia buscar «a noiva», Teresinha,
uma novela cujo protagonista era o romanesco princípe Carlos Eduardo. nome da família Silveira. No serão estavam D. Ana Silveira, a mais velha e talentosa
que lhe parecia conter um destino de amores e aventuras. E assim ficou: Carlos da família, uma grande autoridade em Resende em etiqueta e na doutrina,
Eduardo da Maia. D. Eugénia, viúva e excelente senhora, que tinha dois filhos, Teresinha, uma
rapariguinha magra e viva com cabelos negros, e Euseblozlnho, um rapaz tímido, primo, André de Noronha, que lhe revelou que Maria Monforte fora para a
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medroso, frágil e muito estudioso - o oposto de Carlos da Maia. Também lá Alemanha com um ocrobato de circo. Afonso remeteu esta carta a Vilaça que
estava o doutor delegado, que quase fazia parte da família, um amigo que tinha lhe prometeu ir com o seu filho Manuel visitar Santa Olávia. Contudo, dois dias
ponderado casar com O. Eugénia, mas que nunca se tinha decidido. depois, chegava um telegrama de Manuel Vilaça anunciando a morte do pai.
Afonso ficou afetado com esta morte do seu administrador e ofereceu ao filho
O serão decorria na saleta, entre jogos, conversas sobre a dor do doutor
o cargo do pai
juiz de direito e as malhas indolentes do crochet de D. Eugénia quando Carlos
rompeu pela sala, arrastando Teresinha no ar e vermelha de contentamento. Uns anos mais tarde, Carlos realizou o seu primeiro exame em Coimbra. Foi
A agitação e o barulho levou D. Ana, com voz severa, a interromper a brin- um excelente exame, que deixou todos os professores muito impressionados.
cadeira. Carlos voltou-se, então, para o Eusebiozinho e provoca um motim, O resultado deixou Afonso comovido a ,:x,nto de não conseguir evitar as lágrimas.
fazendo com que este solte gritos medonhos e que a sua mãe quase chore.
Capítulo IV
Afonso obrigou o neto a ir para a cama, sublinhando que era necessário
método na educação das crianças e que estas à noite devem dormir. Depois de Carlos ia formar-se em Medicina. A vocação revelara-se num dia em que
uma discussão sobre os processos educativos ingleses e portugueses, D. Ana, descobrira no sótão um rolo de estampas anatómicas que pregou nas paredes
para demonstrar os benefícios da educação nacional, pediu a Eusebiozinho que durante dias, exibindo fígados, intestinos e cérebros abertos. Esta inesperada
declamasse uns versos que havia decorado prometendo que, se o fizesse, dor- carreira não merecia a aprovação dos fiéis amigos de Santa Olávia, sobret udo
miria com ela naquela noite. Eusebiozinho recitou todo o poema, sempre com das senhoras, que achavam um desperdício um jovem tão formoso a receitar
os olhos pregados na sua tia. Vilaça ficou muito impressionado com a capaci- emplastros.
dade de Eusebiozinho e logo o elogiou junto de Afonso. Este contou como era
O que seduzia Carlos nessa profissão era efetivamente o lado militante e
a educação à portuguesa deste Silveirinha: ainda dormia no choco com as cria-
heróico da ciência que permite dar batalhas à morte. Para os longos anos de
das, não o lavavam para que não se constipasse e passava os dias nas saias
estudo em Coimbra, o avô preparara-lhe uma linda casa em Celas que um
da tia a decorar versos e a ler um catecismo que ensinava que o Sol andava
amigo de Carlos, João da Ega, apelidou de «Paços de Celas» por causa dos
em torno da Terra e que Nosso Senhor todas as manhãs dava ordens ao Sol.
luxos raros na Academia. Afonso vinha, às vezes, passar um tempo com o neto
Vilaça riu-se e falou-lhe sobre Maria Monforte, que estana em Paris como e convivia com os seus amigos com um ar simpático de patriarca boémio.
prostituta. E para que o seu testemunho fosse mais fiável. Vilaça mostrou a
Ega cursava Direito mas sem grandes preocupações, pois chumbava anos
Afonso uma carta de Alencar, o poeta das «Vozes de Aurora», narrando como
a fio. Sua mãe, uma viúva rica e beata, retirada numa quinta ao pé de Celorico
se encontrara com Maria. Tinha vivido três anos em Viena de Áustria com um
de Basto, não tinha uma ideia precisa sobre o que o seu filho fazia tantos anos
Tancredo, mudando-se depois para o Mónaco, onde aquele fora morto em
em Coimbra. Na verdade. João da Ega era considerado na Academia como o
duelo. Depois de uns tempos em Londres. fixara-se em Paris. Ninguém sabia,
maior ateu e o maior demagogo que jamais aparecera nas sociedades huma-
contudo, notícias da filha, e Vilaça acreditava que estaria morta, pois, se esti-
nas. Boémio, sempre enteado em amores com filhas de empregados, esgrou-
vesse viva, a Monforte teria tentado reclamar a herança que lhe pertencia.
viado e rebelde, a sua fama de fidalgote rico tornava-o apetecido nas famílias.
Na véspera da partida do administrador para Lisboa, Afonso revelou-lhe
Tal como Ega, também Carlos se havia enredado em episódios românti-
os seus planos: iria pedir a um primo de Paris que procurasse Maria Monforte
cos com a mulher de um empregado do Governo Civil e com uma soberba
e lhe pagasse para que devolvesse a filha, no caso desta se encontrar viva
. ' rapariga espanhola que, ao fim de umas férias, ele trouxera de Lisboa.
e pediu a Vilaça que conseguisse, junto de Alencar, a morada da mulher em
Paris. Passadas duas semanas, Afonso recebeu uma carta de Vilaça que con- No ato de formatura de Carlos houve uma alegre festa em Celas. Depois,
tinha não só a morada de Maria Monforte mas também a revelação de que Carlos part iu para uma longa viagem pela Europa. Um ano mais tarde, no
a filha tinha morrido em Londres. No entanto, Afonso escreveu na mesma a outono de 1875, Afonso esperava ansiosamente pelo neto no Ramalhete.
Os amigos da casa foram unânimes em considerar que a viagem fizera bem Foi numa noite no teatro de S. Carlos que Ega apresentou Carlos aos senho-
ao rapaz: estava magnífico, com os cabelos pretos em anéis e os olhos dos res condes de Gouvarlnho, tendo a condessa informado Carlos que recebiam
Malas, ternos e graves. A barba e o bigode davam-lhe uma fisionomia de belo às terças-feiras, num convite implícito deixado no ar.
cavaleiro da Renascença.
Capítulo VI
Carlos tencionava montar um consultório e um laboratório em Lisboa,
vontades que depressa satisfez com a ajuda do avô: o laboratório foi mon- Desde que chegara a Lisboa, Ega tinha-se instalado na Vila Balzac para, num
tado num velho armazém e o consultório num primeiro andar em pleno Ros- ambiente campestre e silencioso dos subúrbios, findar as suas Memórias de um
sio. Num dia em que estava preguiçando no consultório lendo uma revista, Átomo. Carlos resolve visitar o seu amigo, que lhe mostra a casa. e Carlos con-
Carlos recebe a visita de João da Ega, agora um dandy vistoso, exibindo ta-lhe o que se passara dias antes em casa dos Gouvarinho, afirmando que tinha
um casaco de príncipe russo com uma rica e fofa pele de marta. Depois de sido uma «seca». Ega adianta que a Gouvarinho era uma mulher deliciosa e que
contarem pormenores dos últimos tempos em que não se viram, Ega anun- o amigo era uma espécie de Don Juan, à procura da mulher ideal. E se cada
ciou que ia publicar o livro que há tanto tempo andava a escrever, intitulado homem tinha necessariamente de encontrar «a sua mulher», Carlos e a sua
«Memórias de um átomo», obra que os seus admiradores, em Coimbra, con- estavam «irresistivelmente, fatalmente, marchando um para o outro».
sideravam uma bíblia.
Saem no coupé de Carlos e, ao entrar no Largo da Graça, encontram Cra~.
que Ega apresenta ao amigo. Combinam um jantar no dia seguinte no Hotel
Capítulo V
Central.
Os serões do Ramalhete decorriam entre conversas, jogos de cartas e
bilhar. Muitos amigos convergiam para estes encontros, entre eles Euzebiozi- O jantar, contudo, foi adiado pois Ega resolveu convertê-lo numa festa de
nho, Vilaça e vários políticos, diplomatas, artistas e representantes da aristo- homenagem a Cohen. No dia combinado, entravam os amigos no átrio do Hotel
cracia. Falava-se de tudo um pouco, da política às mulheres. Central quando uma senhora alta. loura e muito bela lhes chamou a atenção.
Esta senhora foi motivo de conversa dos homens que se juntaram para o jantar,
Carlos começava a ser conhecido como médico, no entanto não tinha tempo entre os quais Dâmaso Salcede, apresentado nessa ocasião a Carlos da Maia.
para se ocupar do laboratório, apesar de estar concluído e ricamente decorado.
Escrevera dois artigos para a Gazeta Médica e tinha um projeto para fazer Dâmaso Salcede informou que havia chegado de Paris e que havia conhecido
um livro de ideias gerais intitulado «Medicina antiga e moderna». Para além a bordo do navio a família Castro Gomes que, segundo ele, era gente muito
disso, ocupava-se dos seus cavalos e do seu luxo. Atraía-o, de igual modo, uma chique. Em Paris vivia um seu tio, o Sr. de Guimarães que, segundo Ega, «gover-
antiga ideia de Ega de criar uma revista que fosse a força pensante de Lisboa. nava a França».
Queria discutir essa ideia com o amigo mas este andava focado em Raquel
Um dos participantes do jantar no hotel Central era Alencar, poeta român-
Cohen, mulher do diretor do Banco Nacional, Jacob Cohen e. em Lisboa, todos
tico, que fora amigo do pai de Carlos da Maia. Alencar contou a Carlos várias
falavam «do arranjinho do Ega». Os seus companheiros eram agora Dâmaso
histórias da sua infância, entre as quais a do dia em que tinha sugerido à mãe de
Salcede, amigo de Jacob Cohen, e um primo de Raquel. Um dia em que Ega
Carlos o nome com que o havia de registar - Carlos Eduardo.
o visita no consultório para lhe mostrar o manuscrito do seu Átomo, Carlos
recebe uma proposta para ir «gouvarinhar», isto é, para fazer uma visita aos Vários foram os assuntos de discussão ao jantar mas o principal foi o do
condes de Gouvarinho, que o desejavam conhecer, especialmente a condessa. naturalismo, essa literatura que Alencar abominava por ser romântico e a que
chamava «o excremento». Ega horrorizava-se com as ideias de Alencar e a dis-
Em casa, Carlos fala com o criado de quarto que tin~a desde os onze anos,
cussão tornou-se intensa até que derivou para outros assuntos, como a finança
o Baptista (familiarmente o "Tista") sobre os condes de Gouvarinho e conse-
e a política portuguesa.
gue recolher algumas informações: o conde não era ,nada cavalheiro, ela e
a condessa não se davam nada bem e as questões eram sempre por causa Mais tarde, Carlos não resistiu a perguntar a Dâmaso mais informações sobre
de dinheiro. a senhora loura que tinha visto no átrio do hote~ a Castro Gomes.
Quando o jantar acabou, Alencar acompanhou Carlos a casa e fala-lhe com Lawrence, mas no Nunes, porque aí se come muito melhor. Na verdade, Carlos
muita nostalgia do seu passado, desses «grandes tempos» da sua mocidade e, queria evitar um encontro imediato com os Castro Gomes, o que perturbaria as
em especial, da sua amizade com Pedro da Maia e da história de Maria Monforte. suas intenções.
Nessa noite. Carlos adormeceu tarde e sonha com a deusa deslumbrante No Nunes encontram Eusebiozinho com o amigo Palma e duas espanholas,
com quem se cruzara à porta do Hotel Central. suas acompanhantes. Depois de cumprimentos e embaraços, Carlos e Cruges
decidem dar um passeio a Seteais. O maestro estava encantado até aí com
Capítulo VII
todos os recantos, e de vez em quando recordava que tinha de comprar queija-
Craft tornara-se íntimo no Ramalhete por ter gostos idênticos aos de Carlos das para levar a sua mulher. Pelo caminho. encontram Alencar que, satisfeito
e porque Afonso sentia por ele elevada estima. com este encontro, resolve voltar a Seteais com eles.

Carlos saía pouco de casa. No consultório, tinha poucos clientes e trabalhava Cruges não conhecia o local e ficou desapontado pelo estado de abandono
no livro sobre medicina antiga e moderna. Também Dâmaso se tornara frequen- em que se encontrava. Alencar. contudo, apontou os pormenores do local e
tador do Ramalhete, procurava imitar Carlos e seguia-o para todo o lado. Ega, a beleza da paisagem, sobretudo do Palácio da Pena visto através do arco de
por seu lado, andava ocupado com a tentativa de organizar um baile de másca- Seteais. Este cenário impressionou deveras o maestro.
ras na casa dos Cohen.
De volta ao Lawrence, Carlos pergunta a dois burriqueiros se Dâmaso e os
Um dia, depois de uma lição de esgrima no Ramalhete, Carlos convida Castro Gomes tinham ido à Pena. Veio a saber mais tarde, por um criado do
Dâmaso para jantar no dia seguinte, mas este falta e Carlos, estranhando esta Lawrence, que tinham partido na véspera para Mafra. Carlos decide, então, vol-
ausência, procura-o por todo o lado. Ao chegar ao fim da Rua do Alecrim, encon- tar para Lisboa, mas não sem antes jantarem. Depois de jantar partiram. dando
tra o conde de Steinbroken. que se dirigia a pé para o Aterro, e resolve acom- boleia a Alencar, que também regressava a Lisboa. No caminho, Cruges dá um
panhá-lo. Nessa altura, vê, pela segunda vez, a mulher maravilhosa com que berro que assusta os companheiros de viagem: esquecera-se das queijadas!
se cruzara no Hotel Central. E embora o conde lhe dissesse que o Aterro não
era um lugar divertido, Carlos desloca-se ali várias vezes durante a semana, na Capítulo IX
esperança de encontrar Castro Gomes.
Carlos recebe um convite do conde de Gouvarinho para jantar no sábado
Ao fim dessa semana, estava Carlos no consultório quando a condessa de seguinte. Entretanto, chega Ega à procura de uma espada que complete o fato
Gouvarinho o procura com a desculpa da doença do filho. Carlos mostra-lhe e para o baile dos Cohen. Mais tarde, já Ega tinha saído, aparece Dâmaso esba-
esta convida-o para tomar chá consigo em sua casa. forido, pedindo a Carlos que fosse ver um doente com urgência - a menina de
seis anos, filha «daquela gente brasileira», que ficara no hotel com a governanta
Carlos vem a saber que o desaparecimento do Dâmaso se devia ao facto
enquanto os pais se tinham deslocado a Queluz.
de ele andar a frequentar a casa dos Castro Gomes e Taveira informa-o o que
eles estão de visita a Sintra. Durante um serão no Ramalhete, Carlos convida o Já no Hotel Central, Carlos observa Rosa e tranquiliza a governanta, Miss Sara,
maestro Cruges a ir a Sintra no dia seguinte, impulsionado pela informação que quanto ao estado de saúde da criança. Passa uma receita e diz que a criança está
acabara de receber. bem, não havendo necessidade de a ver outra vez.
Quando saem do hotel. Carlos e Dâmaso falam sobre a família brasileira.
Capítulo VIII
Dâmaso informa que o marido tem de partir por uns tempos para o Brasil e
Na manhã seguinte, estava um lindo dia de sol qu~ndo Carlos da Maia e que a mulher ficará em Lisboa. Bom pretexto para encetar um romance com
Cruges partem para visitar Sintra. Este confessa que desde os seus nove anos ela, tal era a vontade de Dâmaso. Durante a conversa, Carlos fica a saber que
que não vai a Sintra e prepara-se para desfrutar do passeio. Quando chegam a mulher de Castro Gomes é, desde pequena, amiga íntima do tio de Dâmaso.
ao Ramalhão, Carlos informa o amigo de que não vão hospedar-se no hotel o Sr. de Guimarães.
À noite, quando se preparava para o baile dos Cohen, Carlos é surpreendido O domingo estava quente e radioso, dia propicio para assistir às corridas de
pela presença aflita de Ega, mascarado de Mefistófelcs, dizendo que Cohen o cavalos. Carlos e Craft resolvem ver o aspeto geral do espaço do evento, a
expulsara de casa, à frente de várias pessoas e chamando-o de infame. Tudo tribuna e a pista. Carlos cumprimentou algumas pessoas conhecidas e falou
indica que Cohen havia descoberto o romance entre ele e a sua mulher. Ega está com O. Maria da Cunha. uma velha amiga. À medida que o tempo ia passando,
fora de si, grita que o quer matar e que o vai desafiar para um duelo. Carlos tenta compreendia que nem a condessa de Gouvarinho nem a Castro Gomes esta-
vam presentes. Sentiu-se desanimado e as corridas deixaram de ter interesse
dissuadi-lo de tamanho disparate.
para ele. De repente, um reboliço e uma algazarra chamaram a atenção de
No dia seguinte, a criada de Raquel Cohen vai à Vila Balzac anunciar que aquela todos. Uma discussão com acusações de «compadrice e ladroeira» tinha cau-
tinha sido espancada pelo seu marido e que tinham partido para Inglaterra. Ega sado uma grande desordem e aquele, que era um evento da alta sociedade,
dorme nessa noite no Ramalhete e decide deixar Lisboa. dava a conhecer «a linha postiça de civilização e a atitude forçada de decoro».
Ourante a semana seguinte, Carlos fica cada vez mais íntimo dos condes de Pouco depois, a pista fechou para se correr o Grande Prémio Nacional.
Gouvarinho. No entanto, o seu pensamento recaía na mulher de Castro Gomes e Carlos viu a Gouvarinho, que decerto acabara de chegar e conversava com
no desejo que tinha que lhe fosse apresentada. Visita a Gouvarinho e, finalmente O. Maria da Cunha. Assim que teve oportunidade, a condessa explicou a Carlos
a sós com ela, beija-a, mesmo antes da chegada do marido. um plano que imaginara: ela t inha de ir ao Porto. Carlos tomava o mesmo
comboio, ambos desciam em Santarém e ficavam num hotel. Ele encolheu os
Capítulo X
ombros, indignado com este plano. Quando procurava saber mais detalhes,
O capítulo inicia com a narração de um encontro entre Carlos e a condessa chegou o conde de Gouvarinho junto deles.
de Gouvarinho, num coupé de praça t ransformado em ninho de amor. Até então, Carlos, por divertimento e para animar as corridas, decidiu apostar no cavalo
encontravam-se numa casa da Rua de Santa Isabel, pertencente a uma tia da Vladimiro, que aparentemente não prometia ser vencedor, mas que surpreen-
condessa que fora para o Porto. Carlos começava a sentir-se farto daquela dentemente foi o primeiro a cortar a meta.
relação, por a condessa ter ideias de fugir com ele e tentar aprofundar o senti-
mento que os unia. Carlos procurou Dâmaso e finalmente conseguiu encontrá-lo. Este conta-lhe
que Castro Gomes partira para o Brasil e que a mulher estava instalada no pri-
Depois de se ter apeado à esquina da Patriarcal, Carlos desceu a Rua de meiro andar do prédio do Cruges. Carlos pensa numa desculpa para falar com
S. Roque quando encontrou o marquês de Souselas, tristonho e com um embru- Cruges, só para passar pelo prédio da Rua de S. Francisco. No entanto, quando
lho na mão, que o informou que as corridas de cavalos tinham sido antecipadas lá chega, a criada informa que o amigo não se encontra em casa.
para o domingo seguinte. Carlos ficou radiante, pensando que seria nesse dia
que iria conhecer a mulher de Castro Gomes, pois certamente Maria Eduarda Carlos regressa ao Ramalhete, onde encontra Craft. Para sua surpresa, um
não faltaria a esse grande evento social. Ambos continuaram o caminho falando criado entrega-lhe uma Célrta da senhora Castro Gomes, pedindo-lhe para con-
sultar, na manhã seguinte, uma pessoa de famllia que se encontrava doente.
das corridas até que, adiante do Grémio, Carlos viu dentro de um coupé da Com-
Carlos estava resplandecente e até Craft comentou que algo de muito bom
panhia, a pequena Rosa, que o reconheceu e lhe estendeu a mão dizendo adeus,
t inha acontecido ao seu amigo.
e sua mãe, a magnífica mulher de Castro Gomes. Tirou o chapéu de forma reve-
rente, num momento único que não passou despercebido ao marquês. Capítulo XI

Enquanto se dirigem ao Ramalhete, Carlos vai pensando em estratégias para Na manhã seguinte, Carlos deslocou-se a pé do Ramalhete até à Rua de
conhecer aquela maravilhosa mulher. Ao serão, em casa de Afonso da Maia, S. Francisco. O criado Domingos (conhecido de Carlos) introduziu-o numa sala
fala-se das tão esperadas corridas de cavalos e de outr.os entretenimentos tão alta e espaçosa e pediu-lhe que aguardasse, pois ia informar a Sr.• O. Maria
portugueses como as touradas. Carlos pede a Dâmaso que convide os Castro Eduarda da sua presença. Pela primeira vez. Carlos ouvia o nome dela. E que
Gomes para ver as coleções de Craft e para discutir bricabraque. coincidência: Carlos Eduardo e Maria Eduarda!
Era a governanta inglesa que estava doente. Maria Eduarda veio ao seu histórias sobre as suas idas à Rua de S. Francisco, repetindo-as por todo o lado.
encontro e a sua presença pareceu-lhe mais radiante, de uma beleza nobre e Carlos ficou furioso com esta situação.
quase inacessível. Depois de consultar a envergonhada Miss Sara, Carlos volta
à sala anunciando que a governanta tinha uma bronquite ligeira, com pouca Conversou-se muito durante todo o jantar, mas Carlos e a condessa, sen-
febre, mas que precisava resguardo. tados ao lado um do outro tinham-se mantido reservados até que ele, em voz
baixa, lhe perguntou quem lhe tinha falado da brasileira. A condessa respon-
Na conversa que se seguiu, Carlos fica a saber que Maria Eduarda é portu- deu-lhe que fora Dâmaso e Carlos explicou-lhe que tinha lá ido como médico
guesa. Quando se despedem, ela exclama que ele deve lá ir no dia seguinte. da governante e que tinha sido o próprio Dâmaso a levá-lo como médico.
A ideia de lá voltar tornou-se grandiosa, mas no seu quarto, no Ramalhete, A condessa rejubilou e acabou por lhe propor encontrarem-se no dia seguinte
Baptista entregou-lhe uma carta da condessa de Gouvarinho. Não se voltara a
na casa da tia.
lembrar dela, mas devia partir com a Gouvarinho no comboio dessa noite. Não
iria, estava certo, mas tinha de ir a Santa Apolónia e dar-lhe uma desculpa No dia seguinte. Carlos, que se demorara mais do que queria com a con-
·qualquer. Teve-Lhe ódio naquele momento. dessa em casa da tia, voou para a Rua de S. Francisco receando que Maria
Eduarda tivesse saído. Encontra-a em casa, acolhendo-o com uma carinhosa
Quando à noite se dirigiu para a sala de espera da estação de comboios
repreensão e um convite para tomar chá. Conversaram animadamente na pre-
esbarrou com Dâmaso, que julgou que Carlos estava ali para se despedir dele.
sença de Rosa, até que esta saiu e Domingos veio anunciar que Dâmaso estava
la de viagem, pois tinha morrido o seu tio Guimarães, o mais velho, o de Pena-
à porta. Maria Eduarda, irritada, disse que não o recebia e pediu encarecida-
fiel. Ambos avistaram os Gouvarinho. Afinal, o conde insistira em acompanhar
mente a Carlos que lhe arranjasse outro lugar para morar, longe do centro e
a mulher ao Porto, aos anos do papá. A condessa estava furiosa!
inacessível aos importunos. Carlos lembrou-se logo da bonita casa de Craft,
Durante semanas, visitou a governanta inglesa e foi-se tornando mais nos Olivais, que este manifestara intenções de vender. Entre descrições da
íntimo de Maria Eduarda. Falaram de Dâmaso e do seu tio Guimarães de Paris, casa e projetos de a habitar, acabam fazendo declarações de amor e Carlos
conhecido da mãe dela, de histórias do passado de ambos e de afeições. Uma propõe-lhe que fujam. Maria Eduarda repete que tem algo para lhe dizer e que
tarde, o próprio Dâmaso apareceu em casa de Maria Eduarda quando Carlos lá não se conhecem bem, mas acaba por se deixar enlear na expressão arreba-
estava. Este, furioso, resolveu ir-se embora. Mais tarde, Dâmaso vai a casa de tadora daquele amor.
Carlos perguntar como é que Carlos tinha conhecido Maria Eduarda.
No dia seguinte, Carlos fechou negócio com Craft: este cedia todos os seus
No final do capítulo ficamos a saber que Ega está de regresso a Lisboa, móveis, e como Carlos não tinha, no Ramalhete, lugar para tudo, Craft alu-
assim como os Cohen, vindos de Inglaterra. Na opinião de Dâmaso, vinha aí gava-lhe, por um ano, a casa dos Olivais com a quinta. Correu, então, à Rua de
escândalo. S. Francisco, a anunciar a Maria Eduarda que lhe arranjara a casa de campo
que ela ambicionava.
Capítulo XII
Carlos não tinha segredos para Ega e acabou por contar, com grande sur-
No sábado seguinte, quando Carlos regressava da Rua de S. Francisco, Ega presa do amigo, toda a história desde o momento em que vira Maria Eduarda
esperava-o no seu quarto do Ramalhete. Vinha a Lisboa só por uns dias para na entrada do Hotel Central.
comer bem e conversar bem e contava com Carlos para o acompanhar e lhe
disponibilizar um quarto onde ficar. Informou Carlos que viera com a Gouvari- Capítulo XIII
nho, que só lhe falara de Carlos, e que estavam ambos convidados para jantar
na segunda-feira. Carlos deu-lhe a novidade da chegada dos Cohen. Baptista avisa Carlos que Ega lhe queria falar de uma coisa grave. Antes
de subir ao quarto do amigo, Carlos vê o correio e lê uma carta da Gouvarinho
Enquanto seguiam para o jantar em casa dos Gouvarinho, Ega pergunta que, num tom amargo, se queixava de que, por duas vezes já, Carlos faltara ao
a Carlos quem era a brasileira que ele visitava todas as manhãs. Carlos per- rendez-vous em casa da tia. Mostra a carta ao Ega, que vê nela um pretexto para
gunta ao amigo quem lhe tinha contado e fica a saber que Dâmaso contava o amiqo acabar o romance com a condessa e, num tom sério, informa o amiqo
que Dêmaso andava por toda a parte a falar da relaçOo de Carlos e de Maria envolvido com Maria Cduorda. Tornava se forte o desejo de fugir para Itália
EcluardA. E o assunto era tagarelado pelo Grémio e pela Casa Havaneza com com a mulher amada. Carlos visitava ·a todos os dias nos Olivais, mas esses
detalhes insultuosos. O mesmo lhe confessou Alenc.ir, quc111do o encontrou encontros diurnos tornaram -se insuficientes para o seu amor e ambos combina-
mais tarde, no momento em que saía da casa de Maria Eduarda. Assim que vê ram encontros noturnos. Para esse efeito, Carlos tratou de alugar uma casita, à
Dâmaso descendo a rua ao lado de Cohen e de Gouvarinho. Carlos dirige-se- beira da estrada e, a partir daí, começaram a encontrar-se todas as noites.
-lhe, ameaçando arrancar-lhe as orelhas se continuasse a falar mal dele e das No início de setembro, Craft visita Carlos vindo de Santa Olávia e diz-lhe que o
pessoas das suas relações. avô está magoado por ele não o ter ido visitar Nessa noite, Carlos falou a Maria
No dia seguinte, Carlos aguardou Maria Eduarda na quinta do Craft para uma da visita que tinha de fazer ao avô e ela confessou-lhe o desejo de conhecer o
visita à sua futura residência. Percorreram os aposentos, observaram todos os Ramalhete. Esta visita ficou combinada para o dia em que Carlos partia para
pormenores, apreciaram a paisagem, fizeram projetos para o seu ninho de amor Santa Olávia.
Decidiram atribuir-lhe um nome - a Toca. Mas o quarto desagradou a Maria Assim aconteceu. Maria ficou encantada com a casa, em especial com o
Eduarda pelo luxo estridente e sensual. Os ornamentos, as cores, um painel escritório de Afonso e o jardim. Manifestou-se angustiada pelo facto de Carlos
antigo com uma cabeça degolada, uma coruja empalhada que fixava o leito, ter de deixar todo aquele conforto para fugir com ela. Ao jantar, Maria comentou
tudo lhe pareceu excessivo e assustador. Carlos propôs-lhe mudar tudo o que que Carlos era parecido com a sua mãe, em certos jeitos e na maneira de sorrir.
ela não gostava. De repente, apareceu Ega, regressado de Sintra, e Carlos achou melhor que o
encontro se desse ali, de forma natural. Depois de conversarem sobre o que Ega
Afonso da Maia festejava o seu aniversário no dia seguinte. Quase todos os
andara a fazer em Sintra. Carlos e Maria Eduarda saíram de casa, instalando-se
amigos da casa jantavam no Ramalhete. Afonso anunciou a sua intenção de ir
passar uma temporada em Santa Olávia. Carlos jogava bilhar com o marquês num coupé que levaria Carlos a Santa Apolónia e Maria à Toca.
quando foi interrompido por Baptista, anunciando que estava uma senhora No sábado seguinte, Carlos regressou de Santa Olávia. Ao almoço, com Ega,
dentro de uma carruagem que lhe queria falar. Surpreendido, Carlos descobre confidenciou que ambicionava instalar Mana em Itália e visitar regularmente
que é a Gouvarinho que, desesperada. lhe pede que defina de uma vez por Portugal para ir revelando, progressivamente, o seu amor por aquela mulher.
todas a sua relação. Carlos explica-lhe que, para bem dela, devem transfor Mas Ega achava que a melhor cidade para viver o amor era Paris. Baptista,
mar o sentimento que os une numa amizade agradável e nobre. Ela chora, entretanto, interrompeu os amigos para entregar a Carlos um bilhete que anun-
pede-lhe que a não deixe, beija-o, o que a fez repelir Carlos para o canto do ciava a presença do Castro Gomes. Carlos, surpreendido e intrigado, recebe-o
coupé. Estava cansado e aquilo era um absurdo. E aos gritos da Gouvannho no salão grande. Castro Gomes mostrou a Carlos uma carta anónima que tinha
de que a brasileira só o queria por dinheiro, Carlos saiu e abalou, trémulo, a recebido no Brasil, a denunciar a relação de Carlos com Mana Eduarda. Revelou
grandes passadas, para o Ramalhete. a Carlos que Maria Eduarda não era sua mulher e que Rose também não era sua
filha, portanto, para não passar pela fama de marido atraiçoado, se limitava a
Capítulo XIV retirar-lhe o seu nome, deixando-a com o nome de madame Mac Gren, que ela
usava anteriormente.
No mesmo d,a em que Afonso da Maia partia para Santa Olávia, Maria
Eduarda instalava-se nos Olivais. No dia seguinte, Baptista informa Carlos que Uma revolta furiosa apoderou-se de Carlos, ferido no orgulho e na sua inge-
Ega partira para Sintra. À noite, depois do jantar, Carlos vai ao Grémio, onde nuidade Ao contar a Ega o sucedido, este compreendeu que a situação era
encontra Taveira, que o adverte sobre as ameaças de Dâmaso do escândalo que horrível, mas simplificou a questão pragmaticamente dizendo que o facto de
se prepara envolvendo Carlos. Deslocam-se até ao Price, mas Carlos não se Maria Eduarda não ser casada com Castro Gomes solucionava os obstáculos
demora e, ao sair, encontra Alencar e o tio de Dâmaso, o Sr. Guimarães, a quem que impediam aquele amor.
Alencar o queria apresentar.
Carlos pensou em escrever uma carta a Maria Eduarda a terminar a relação
No regresso ao Ramalhete, Carlos pensava no pai e na sua amizade com entre eles, enviando-lhe dinheiro. Mas após muito refletir, decidiu deslocar-se
o Guimarães. E pensava ainda no desgosto que poderia ter o avô, vendo-o aos Olivais, Eqa assequrou-lhe que teria sido Dâmaso o autor da carta anónima
dirigida a Castro Gomes, e Carlos lembrou-se da conversa com Taveira, em que que, constr.mgldo, não podia desabafar diante de Maria sobre o caso do jornal.
este lhe contara sobre o propósito de preparar um grande escândalo em Lisboa, Lembrou que deveriam comparecer no sarau da Trindade, onde Cruges iria
envolvendo tiros e um duelo. tocar e Alencar recitar. No momento em que a tipoia estanca junto ao passeio,
dão de caras com o tio de Dâmaso, o Guimarães, que pareceu assombrado ao
Carlos dirigiu-se, então, aos Olivais, mas antes de chegar à quinta, encontra
ver Maria.
Melanie, transtornada, que o informa que a senhora estava aflita, perdida de
choro e desejando morrer. Confidencia ainda que Maria Eduarda já não levantava Carlos e Ega vão falar com Palma Cavalão, diretor do jornal, e propõem-lhe
o dinheiro que Castro Gomes lhe enviava, por isso Carlos a tinha encontrado um que, a troco de dinheiro, identifique a pessoa que encomendara o artigo difama-
dia à porta do Montepio, onde fora empenhar uma pulseira da senhora. tório contra Carlos, conseguindo a confirmação que tinha sido Dâmaso com a
Ao chegar aos Olivais, Carlos encontrou Maria Eduarda em pranto e com von- cumplicidade de Eusebiozinho. Carlos envia Ega e Cruges a casa de Dâmaso,
tade de lhe contar o seu passado, mostrando que tinha sido a mãe a culpada desafiando-o para um duelo ou a retratar-se. Dâmaso opta cobardemente por
da sua desgraça. Em choro, pediu perdão a Carlos, relembrando o dia em que assinar uma carta, redigida pelo próprio Ega, afirmando que a publicação no
tentara falar com ele, insistindo que tinha algo para lhe dizer. Carlos mostrava- jornal Corneta fora invenção gratuita e se devia ao seu estado de embriaguez.
se ultrajado com a sua mentira mas, por fim, não conseguindo resistir mais e Para se salvaguardar relativamente a futuras maledicências, Ega tê-lo declarar
tomado pela emoção, pediu-a em casamento. que não o deviam levar a sério, devido à sua tendência para abusar da bebida,
que era, aliás, hereditária.
Capítulo XV
Afonso da Maia regressa, entretanto, de Santa Olávia e Carlos e Ega con-
Carlos e Maria viveram momentos de enlevo e até confessaram a Rosa que tam-lhe o episódio com Dâmaso, omitindo, contudo, a parte dos amores de
iriam viver juntos e que ele iria ser o seu novo pai. Maria, por fim, contou toda Carlos.
a sua história, a sua vida no estrangeiro com a mãe e com Mac Gren, o nas-
No t eatro, Ega descobre Raquel Cohen num camarote, acompanhada do
cimento de Rosa, a relação com Castro Gomes. E jurou-lhe que apenas por
marido e de Dâmaso. Este acena a Ega com um gesto petulante, o que o
Carlos se tinha apaixonado. A Ega, Carlos contou o impulso da paixão que o
feriu como um insulto. Ega resolve subitamente dirigir-se à redação do jornal
lançara de novo nos braços de Maria. No entanto, não escondeu a preocupação
A Tarde, com o objetivo de pedir a publicação da carta do Dâmaso. Dias depois,
com o avô e a sua reação ao saber da história. Ega aconselhou-o a não casar,
a esperar que o avô morresse, visto já estar ~ão idoso. não se falava mais do escândalo e o assunto da carta foi depressa esquecido
em Lisboa. Na véspera do sarau da Trindade, leu-se no jornal A Tarde, a notí-
Carlos começou a levar os seus amigos à Toca, para jantar e para longas cia de que «o distinto sportman Dâmaso Salcede» partia em breve para uma
conversas ou serões. Maria tudo aprimorava para receber os amigos de Carlos. viagem de recreio a Itália.
Organizavam-se solenidades e celebravam-se datas históricas e até o mar-
quês dizia que ir à Toca era «dia de civilização». Capítulo XVI
Maria Eduarda encontrava-se de novo instalada na Rua de S. Francisco. Ter-
Um dia, Carlos recebeu o correio do qual constavam uma carta de Ega e
minado o jantar, Ega insistia para irem ao sarau do Teatro da Trindade, mas
dois números de jornal. Na carta, Ega fazia referência a um artigo na primeira
Maria declinou o convite por se encontrar cansada. Juntamente com Ega,
página do jornal e afiançava ao amigo que tinha conseguido suprimir toda
a tiragem. Carlos pegou no jornal A Corneta do Diabo e leu, num relance, o Carlos suportou estoicamente o discurso de Rufino, um deputado arrebatado,
artigo salpicado com o seu nome e que conspurcava a sua relação com Maria ouviu a atuação de Cruges. tocando ao piano a Sonata Patética de Beethoven,
Eduarda. Carlos sentiu asco e novas dúvidas sobre a viabilidade da sua ligação e assistiu ao triunfo de Alencar recitando um poema da sua autoria, dedicado
com Maria o assaltaram. à Democracia. No botequim, Ega travou conhecimento com o tio do Dâmaso,
Guimarães, que tinha demonstrado vontade de falar com Ega, porque se sen-
Carlos e Maria Eduarda decidem ir a Lisboa e encontram Ega no caminho tia atingido pelas declarações do sobrinho que Ega redigira e o fizera assinar.
Mais tarde, já Ega tinha saído do teatro e passava à porta do Hotel Aliança com o facto de ter de contar tudo a Maria Eduarda, mas decidiu que só ele
com Cruges, quando o Sr. Guimarães o chamou para lhe perguntar se ele e o o devia fazer. E, no caminho, imaginava os diferentes cenários que poderiam
Carlos da Maia eram muito amigos. Perante a resposta afirmativa do seu inter- suceder e as atitudes a tomar face a essas reações.
locutor, Guimarães começou a contar a história da sua amizade com a mãe de
Maria estava deitada, sentindo-se muito cansada, e Carlos anunciou que iria
Carlos e afirmou ter uns documentos para entregar à família, agora que se iria
por uns dias a Santa Olávia. Ela estranhou a decisão repentina e puxou-o para si.
ausentar de Lisboa. Atento a todos os pormenores dessa história, Ega fica a
Carlos não soube resistir-lhe e cometeu incesto conscientemente, por vontade
saber dos laços de parentesco entre Carlos e Maria Eduarda: são irmãos.
própria.
Atordoado com o relato, Ega vai ao hotel onde Guimarães se hospedava
para este lhe entregar os documentos que comprovam a sua história. De Ourante uns dias não conseguiu dizer-lhe nada e continuou a não conseguir
posse do cofre, correu para o Ramalhete tomando consciência da crueldade resistir à paixão. Ao mesmo tempo, tentava evitar Ega e o avô. Uma noite. quando
da situação: Carlos era amante da própria irmã! Sem saber como reagir, toma regressava de um encontro com Maria Eduarda e procurava entrar em casa sem
a decisão de contar tudo a Vilaça, o procurador dos Maias, para que este pro- ser notado, cruzou-se com o avô, que o esperava com olhar reprovador para o
videncie o modo de contar tudo a Carlos. acusar em silêncio. Na manhã seguinte, os criados chamaram Carlos ao jardim,
onde tinham encontrado Afonso morto, caído sobre a mesa.
Capítulo XVII
Atormentado pelo remorso que sentia pela morte do avô, Carlos partiu para
No Ramalhete, Ega tinha acordado cedo e sempre a pensar na melhor estra- a quinta de Santa Olávia e deixou dinheiro a Ega para que o entregasse a Maria
tégia para revelar ao seu amigo aquele segredo que mudaria a vida de todos Eduarda, juntamente com a carta de Maria Monforte. Combinaram ainda que
para sempre. Ainda colocou a hipótese de ser ele a fazê-lo e não incomodar o Ega fosse ter com ele a Santa Olávia e daí partissem para uma viagem à Amé-
Vilaça com essa tarefa medonha. Carlos foi ao seu quarto para conversar e o
rica e ao Japão.
amigo ficou em pânico que ele desse pelo cofre que ali se encontrava. Assim,
sem coragem, inventou uma ida a Sintra com o Taveira. Procurou Vilaça, que se Tal como Carlos tinha proposto, Maria partiu para Paris. Ega, que também
encontrava ausente de casa. partia para Santa Olávia, avistou Maria em Santa Apolónia e, no Entroncamento,
viu-a pela derradeira vez.
Quando Ega finalmente se encontrou com o procurador. contou-lhe toda a
história, incumbindo-o de revelar a verdade a_Carlos. Vilaça, contudo, começou
Capítulo XVIII
por duvidar, sugerindo que tudo se tratava de uma forma de extorquir dinheiro
aos Maias. Mas depois de analisar os documentos do baú que Guimarães entre- Semanas após a partida de Maria Eduarda para França, Carlos e Ega ence-
gara, tomou consciência da situação. Tinha de revelar a verdade a Carlos e, para taram uma longa viagem pelo mundo. Um ano e meio depois, Ega regressou a
isso, dirigiu-se ao Ramalhete ao final da tarde. Carlos, contudo, não teve tempo Lisboa, cheio de histórias e aventuras do Oriente, e com a notícia de que Carlos
para o receber nesse dia e tudo ficou adiado para o dia seguinte. alugara um apartamento nos Campos Elísios e não tinha intenção de regres-
Tinha Vilaça acabado de expor a situação a Carlos, quando Ega apareceu no sar a Portugal. Contudo, dez anos depois, os dois amigos encontraram-se
Ramalhete. O procurador resolveu abandonar a sala e Ega contou o encontro para almoçar num salão do Hotel Bragança. Carlos não pretendia demorar-se
com Guimarães e a sua longa e terrível conversa. Afonso da Maia apareceu na muito tempo, apenas tratar de alguns assuntos e matar saudades dos amigos.
sala e reparou na face transtornada do neto. Este desabafou com o avô. na espe- Ega contou as últimas novidades: a sua mãe morrera, tendo-lhe deixado uma
rança de ele contrariar a versão dos factos dada pelo Guimarães e sem pensar boa herança; a condessa Gouvarinho tinha herdado uma fortuna de uma tia e
no abalo que lhe podia provocar. O velho leu a declaração de Maria Monforte e passeava nas melhores carruagens, continuando a receber às terças-feiras.
vergou-se à dor de imaginar o neto cometendo incesto, pois sabia que Carlos Apareceram então o poeta Alencar e o maestro Cruges e Carlos convidou-os
tinha uma amante na Rua de S. Francisco. Carlos estava também perturbado para jantar, às seis horas.
Entretanto, Carlos e Ega decidiram visitar o Ramalhete. Passaram pelo Largo Carlos comunicou entao ao amigo que Maria Eduarda la casar com Mr. de
do Loreto e Carlos espantou-se com o facto de nada ter mudado. Ao descerem Trelain, vendo nisso a união de dois seres desiludidos da vida que queriam afron-
o Chiado, Carlos teve também a mesma impressão, reconhecendo, às portas tar juntos a velhice.
dos cafés, as mesmas pessoas que por lá estavam, dez anos atrás, com o seu
ar triste e apagado. Já no quarto de Carlos, os amigos concluíram que haviam falhado na vida,
não tendo levado por diante os seus projetos. Carlos comoveu-se, verificando
Pelo caminho cruzaram-se e cumprimentaram Dâmaso, que casara com a que só vivera dois anos naquela casa, mas que era ali que estava toda a sua
filha dos condes de Águeda, uma gente arruinada. Dâmaso sustentava a famí- vida. Ega reconheceu que, afinal, não tinham passado de uns românticos, gover-
lia e, além disso, a mulher traía-o, mas ele parecia dar-se bem com isso, uma nando-se na vida mais pelo sentimento do que pela razão.
vez que até tinha engordado. Passaram em frente do consultório de Carlos,
onde agora havia uma tabuleta de modista, e reviveram momentos do passado, Por fim, decidiram fixar a sua teoria sobre a vida, o «fatalismo muçulmano»:
q~ando se tinham instalado em Lisboa, cheios de projetos. nada desejar e nada recear, não ter ambições nem esperanças e tudo aceitar
com resignação e com a consciência acerca da impossibilidade de se ter qual-
Chegaram depois à avenida, que tinha sido renovada. mas Carlos espan- quer controlo sobre a vida.
tava-se com o aspeto molengão dos rapazes que por ali passeavam, vestindo
segundo os figurinos franceses mas faltando-lhes o sentido estético. Concluíram que não valia a pena correr para nada, «nem para o amor nem
para a glória nem para o dinheiro nem para o poder», mas, já na rua, aperce-
Os dois amigos concluíram então que o que se mantinha genuíno em Lisboa beram-se do adiant ado da hora e correram desesperadamente para apanhar
era o alto da cidade, o casario pelas encostas, os palacetes, os conventos e as um americano1 . Afinal. tendo eles decidido que não valia a pena correr fosse
igrejas. para o que fosse, apenas apressavam o passo para satisfazerem os apetites
do estômago, pois estavam atrasados para o jantar que Carlos tinha marcado
Cruzaram-se com Charlie, o filho da Gouvarinho e viram Eusebiozinho, que no Hotel Bragança.
subia a avenida, de braço dado com uma mulher muito forte. Tinha um aspeto
ainda mais triste e molengão, e dizia-se que a mulher lhe batia. Carlos, recor-
dando o artigo publicado no jornal A Cometa do Diabo, a mando de Dâmaso e
de Eusebiozinho, perguntou por Palma Cavalão e Ega esclareceu que ele tinha
deixado a literatura e se dedicava à política. .

Apanharam depois uma tipoia para o Ramalhete. Viram Alencar ao longe e


Ega explicou a Carlos que se tornara amigo dele, por ser um dos poucos homens
que se mantinha genuíno e com sentido de honestidade, lealdade e generosi-
dade. O procurador Vilaça já os esperava e apresentou-lhes o jardineiro que ali
vivia com a mulher e o filho, guardando o Ramalhete.

Os dois amigos percorreram as diversas salas, onde se guardavam os móveis


e os objetos trazidos da Toca. Ficaram emocionados ao visitar o escritório de
Afonso e romperam em espirros, devido a um pó que Vilaça colocara sobre os
móveis e os lençóis que os tapavam. Alguns móveis estavam preparados para
serem levados para Paris, onde Carlos fixara a sua mor;ada. Relembraram o
reverendo Bonifácio, o gato de estimação de Afonso, e Carlos falou sobre a sua
morte em Santa Olávia. 1 Transporte de passageiros que se deslocava sobre carris.
3. Espaço e tempo fala, entra Alencar, personagem na qual havia alguma «coisa de antiquado,
de artificial e de lúgubre», que cumprimentou Carlos com emoção, porque o
3 .1. A representação de espaços sociais e a crítica de conhecera em criança.
costumes
Seguidamente. entra Cohen. o homenageado, e iniciam-se as conversas
Os Maias, romance do século XIX, apresenta-nos a representação reatista entre os convivas sobre a l iteratura e a decadência do país, tendo sido assu-
de e spaços sociais, ou seja, de espaços interiores e exteriores onde desfilam as midas diferentes posições:
personagens que possibilitam a crítica à sociedade portuguesa oitocentista, inci-
• João da Ega defende o Realismo e o Naturalismo, aprovando a cienti-
dindo em costumes e comportamentos incorretos, desde a prática do adultério
ficidade na literatura. Apoia as intervenções de Cohen e acha que a
à corrupção do jornalismo ou à imitação desadequada de hábitos estrangeiros. bancarrota seria determinante para a agitação revolucionária do país e
Estas personagens, que se evidenciam negativamente, são tipos sociais que possibilitaria a instauração da República e a queda da Monarquia.
exemplificam aspetos da vida pública do país e, consequentemente, remetem
para a crítica de costumes. • Cohen, o homenageado, revela-se calculista, aceitando a possibilidade de
o país caminhar para a bancarrota, mas visto ter responsabilidades como
Jantar do Hotel Central banqueiro, mostra-se cínico e calculist a, defendendo que há gente séria
na política.
O jantar do Hotel Central é um episódio que se passa no capítulo VI. Foi Ega
que começou por organizar o evento, inicialmente convidando Carlos e Craft, • Tomás de Alencar, o poeta ultrarromântico, opõe-se ao Realismo e ao Natu-
mas adiou-o para o converter numa festa de cerimónia em homenagem de ralismo. Defende a crítica literária de natureza académica, preocupando-se
Cohen, o marido da sua amante. com os aspetos formais da literatura em detrimento do conteúdo. Receia a
perda da independência, no caso de haver uma invasão espanhola.
É no peristilo do Hotel Central que Carlos vê Maria Eduarda pela primeira
vez, ficando impressionado com a sua beleza e elegância, e foi um rapaz bai- • Dâmaso Salcede, o protótipo do novo-rico, é a súmula de todos os vícios
xote, Dâmaso Salcede, que deu informações sobre aquela mulher, que «tinha da sociedade portuguesa do século XIX, evidenciando-se ridículo nas ati-
um passo soberano» de deusa, entrecruzando-se, deste modo, as persona- tudes, na linguagem e na indumentária.
gens da intriga principal e as da crónica de costumes. Durante o jantar, Carlos,
que se instalara há pouco tempo na capital. contacta com a sociedade lisboeta • Craft, representante da cultura artística britânica, adota uma postura de
através de personagens de referência social, representantes de instituições indiferença e distanciamento em relação à discussão entre Alencar e Ega,
e ideais que tentam aparentar riqueza e cultura mas que evidenciam uma consciente de que aquela dispula terminaria em conciliaçl:lo.
enorme falta de ética e de valores.
• Carlos da Maia, o médico e observador crítico, é um dos protagonistas da
Carlos e Craft, após terem observado a entrada de Maria Eduarda naquele intriga principal, que se cruza neste episódio com os «episódios da vida
espaço, juntam-se aos convidados para o jantar, informando que tinham visto romântica», ou seja, com a crónica de costumes.
«uma esplêndida mulher, com uma esplêndida cadelinha gri(fon, e servida por
um esplêndido preto», o que proporciona a aproximação de Dâmaso Salcede, Corridas de cavalos
que ridiculamente lhes diz que conhecia bem a família da mulher a quem eles
se referiam e que tinha um tio em Paris, cidade que visitava com frequência: O episódio das corridas de cavalos passa-se no capítulo X, depois de Carlos
«Vim de Paris... Que eu em podendo é lá que me pilhamtEsta gente conheci-a começar a manifestar enfado da condessa de Gouvarinho, que insistia naquela
em Bordéus. Isto é, verdadeiramente, conheci-a a bordo. Mas estávamos todos relação amorosa extraconjugal. Acompanhado de Craft, Carlos dirigiu-se
no Hotel de Nantes. Gente muito chique.. ». No momento em que Dâmaso ao hipódromo no seu faetonte, mas ia irritado e melancólico, porque ainda
não tivera oportunidade de ver Maria Eduarda. O espaço apresenta-se sujo e O jornallsmo
degradado e, naquele domingo de festa e de sol, as pessoas vestiam casimiras No capítulo XV, Carlos e Maria Eduarda vivem a sua paixão, fazem projetos
e sedas de missa e apinhavam-se «numa pasmaceira trislonha». Destaque- para fruírem da sua felicidade, quando aquele é surpreendido por uma carta
mos então alguns dos aspetos de crítica social. que iria ser publicada no jornal A Corneta do Diabo, que revelava a situação
matrimonial de Maria Eduarda com Castro Gomes e difamava Carlos da Maia.
• O hipódromo é um espaço caricato, com uma entrada que era uma «aber- No entanto, Ega t inha conseguido pagar para impedir a publicação do texto,
tura escalavrada num muro de quintarola», apresenta a relva já um pouco cujo autor era Dâmaso Salcede. Neste episódio, encontramos a crítica ao jor-
queimada pelo sol, uma tribuna real forrada de baetão vermelho, «traves nalismo corrupto e parcial.
mal pregadas, como palanques de arraial», fendas nas tábuas mal pinta-
das e um bufete sujo e com aspeto de taberna. • A degradação do jornal A Corneta do Diabo representa o apodrecimento
moral de Lisboa, «o seu rebaixamento social, a perda inteira do bom
. • Os anónimos que estão no espaço são também representados carica- senso. o desvio profundo do bom gosto» .
turalmente: um homem triste, que recebia os bilhetes; gente sem um
rumor, numa atitude de pasmaceira; um cavalheiro parado a olhar para as • Ega consegue persuadir o diretor do jornal A Tarde a publicar uma carta
senhoras; um t rabalhador com um filho ao colo; um garoto apregoando na primeira página, na qual Dâmaso se declarava embriagado quando
programas de corridas que ninguém comprava; as senhoras com vestidos escrevera o artigo a difamar Carlos, estratégia que possibilitaria desmo-
desadequados para o evento e, mais à vontade, os senhores do Grémio, ralizar e humilhar Dâmaso Salcede.
das secretarias e da Casa Havanesa luxuosamente vestidos, mas quase
embaraçados com esse luxo. Sarau do Teatro da Trindade

• Das personagens nomeadas, salientam-se o visconde de Darque, com o Depois do jantar em casa de Maria Eduarda, na Rua de S. Francisco, Carlos
seu ar de gentleman, as duas irmãs Taveira, magrinhas, loirinhas, ambas e Ega vão ao sarau do Teatro da Trindade, embora o primeiro considerasse que
corretamente vestidas de xadrezinho, a viscondessa de Alvim, com um o evento seria uma «seca» e Maria tivesse recusado acompanhá-los. Este epi-
corpete reluzente de vidrilhos, Joaninha Vilar e as banqueiras Pedrosos, sódio, do capítulo XVI, é bastante relevante para o desfecho da intriga principal
com um aspeto mais adequado ao evento, a contrastar com a condessa de Os fv1aias.
de Soutal, «desarranjada, com um ar de ter lama nas saias». Deste friso
Vejamos alguns dos aspetos que evidenciam a crítica social e o que de mais
de personagens, revela-se a atitude de O. Maria da Cunha, uma entusiasta
significativo se pode associar a Carlos e a Maria Eduarda.
por toiros e por cavalos, amiga de Alencar.
• Rufino, um dos oradores do Sarau, é um bacharel transmontano que apre-
• Instalou-se uma desordem a partir de uma discussão na qual participa-
senta uma retórica balofa, celebrando o Anjo da Esmola, a caridade, as
ram grosseiramente algumas personagens, estalando o verniz dos que
obras de solidariedade de uma princesa, a Fé e a fragilidade da sua alma,
frequentavam atividades que imitavam hábitos estrangeiros, mas que se o que desperta enlevo e admiração no público, tocado de um sentimen-
expunham de forma ridícula, evidenciando um provincianismo snob. talismo romântico, mas indignação em Carlos e Ega, que não toleram
aquele discurso vazio e sem originalidade.
• Carlos ganhou a aposta na corrida de cavalos e a condessa da Baviera
insinou o provérbio «sorte no jogo, azar no amor>;, indício de desfecho • Tomás de Alencar, o poeta ultrarromântico, critica Rufino e defende que
trágico nos amores. Após percorrer o hipódromo, ,Carlos não encontrou a poesia deveria enaltecer a Democracia e a Liberdade, referindo que o
Maria Eduarda, mas esteve com a condessa de Gouvarinho, que lhe propôs orador é um bajulador da fam~ia real. No entanto, Alencar, o autor de
uma ida a Santarém, possibilidade que ele recusou. «Elvira» e «Flor de Martírio», declama textos românticos», marcados
pela ideia social da Poesia, evocando o luer, ,l h 1ternidade, a igualdade e se ser tirn rm1l ,, o neto encontra o avô sob os ramos do cedro, tombado e «por
a República, o que leva o público, inicialmente desconfiado, a aplaudi-lo entre as conchas da cascata, o fio de água punha o seu choro lento», repre-
intensamente. sentando-se a comunhão entre a emoção da personagem e a própria natureza.

• Cruges toca a Sonota Patética de Beethoven, mas o público não conhece No epílogo, o narrador centra-se novamente no Ramalhete, espaço visi-
a música e sente-se, por isso, entediado, e uma das irmãs Pedrosas ape- tado por Carlos e Ega, onde encontram um lugar triste. despojado de alguns
lida-a de sonata «Pateta». A atuação do maestro é um fracasso e a sala dos ornamentos, com os móveis cobertos de lençóis, como que amortalha-
fica vazia, pois a assistência preferia um fadinho de Lisboa. dos, e alguns caixões com objetos prontos a embarcar. Não são caixotes, mas
coixões, palavra que sugere a ideia de morte. Ega sente desejo de ir embora,
• No final do sarau, Ega sai acompanhado de Cruges e, quando passa à
referindo que tudo ali está lúgubre. No entanto, os dois amigos continuam a
porta do Hotel Aliança, é interpelado pelo tio de Dâmaso Salcede. Cruges
percorrer o espaço e comovidos «sob a névoa de lágrimas», constatam que
segue sozinho e Ega fica a falar com o senhor Guimarães, que lhe diz que,
a vida de outrora tinha dado lugar ao vazio e que também o jardim «tinha a
em Paris, era amigo íntimo da mãe de Carlos da Maia e que tem um cofre
melancolia de retiro esquecido»: o cipreste e o cedro continuavam a envelhe-
que Ega deve entregar a Carlos ou à irmã. Ega é, pois, a primeira perso-
cer juntos, «como dois amigos num ermo», a Vénus Citereia tinha os membros
nagem que tem conhecimento do incesto inconsciente, decidindo que iria
cobertos de ferrugem e o prantozinho da cascata corria «esfiado saudosa-
dar a Vilaça a missão de entregar a Carlos o cofre com os papéis. mas
mente». Carlos emociona-se e sente que os dois anos que vivera naquela casa
adiando a questão para o dia seguinte.
lhe pareciam corresponder a uma vida inteira.

3.2. Os espaços e seu valor simbólico e emotivo


O Ramalhete restaurado e Símbolos de vida e de regeneração.
Aos espaços físicos e sociais podemos associar um valor simbólico e emotivo, a transformação da
estátua e da cascata
considerando as vivências e as relações afetivas das personagens, bem como a
representação que o narrador deles nos transmite. O cedro e o cipreste Árvores de grande longevidade, simbolizam a vida e a morte e
testemunharam a vida de várias gerações da famllia.
O Ra malhete
A Vénus Citerela Deusa do amor e da beleza.

O Ramalhete é o primeiro e o último espaço físico da narrativa e tem uma A cascata a chorar Sugerem a família destroçada.
enorme carga simbólica e emotiva. É apresentado inicialmente como um saudosamente e a
espaço físico desabitado, «com um aspeto tristonho de residência eclesiás- estátua com ferrugem

tica», porque permanecera desocupado, com «um pobre quintal inculto, aban- O mobiliário degradado, Símbolos de dest ruição e de morte.
donado às ervas bravas, com um cipreste, um cedro, uma cascatazinha seca, os «caixões» e os lençóis
a cobrirem os móveis
um tanque entulhado, e uma estátua de mármore», a Vénus Citereia. Após as
obras, quando no ano de 1875 Carlos e o avô decidem habitá-lo, o narrador
refere que Afonso da Maia se sente agradado pela vizinhança e pela doce quie-
tação, pela tranquilidade que ali pode desfrutar. Porém, há alguma nostalgia Santa Olávia
no pequeno quintal onde o cipreste e o cedro envelhecem juntos «como dois
Espaço de regeneração e vida, Santa Olávia possibilita a recuperação de
amigos tristes», apesar de a estátua se destacar, agora, pelo seu tom claro e
Afonso da Maia, após o suicídio de seu filho Pedro. Quando o visitou, Vilaça
a água abundar na cascatazinha. •
«mal pôde reconhecer Afonso da Maia naquele velho de barba de neve, mas
No final da narrativa, o quintal do Ramalhete assume, de novo, uma dimen- tão robusto e corado, que vinha subindo a rua de romãzeiras com o seu neto
são simbólica e emotiva. É o criado Baptista que informa Carlos de que Afonso pela mão». Vilaça observou o requinte da decoração campestre da casa e
examinou «duas aguarelas inglesas representando vacas de luxo, deitadas na poltronas, élbuns de utrlzes seminuas e, para «tirar inteiramente o ar triste
relva, à sombra de ruínas romênticas». Naquele ambiente campestre, Carlos de consultório, até um piano mostrava o seu teclado branco.». No entanto, os
recebeu os afetos do avô, mas também uma educação rigorosa, contactando doentes não apareciam e Carlos caía na ociosidade e adormecia no divã. Tam-
com a vida ao ar livre e a natureza, aprendendo a remar e a fazer exercícios bém o laboratório ficou pronto, «muito convidativo, com o seu soalho novo,
no trapézio. fornos de tijolo fresco, uma vasta mesa de mármore, um amplo divã de crina
para o repouso depois das grandes descobertas», mas Carlos não encontrava
tempo para se ocupar das experiências laboratoriais.
Ruínas românticas Indício da permanência do Romantismo, não obstante as
tentativas de fuga ao passado que destruíra Pedro da Maia.

O trapézio É um apelo ao movimento e ao equilíbrio clássico («Alma sã em


corpo são»). mas também é um triângulo truncado e, portanto, A cor verde A cor verde da decoração poderá associar-se à esperança de
sugere a ideia de irregularidade e de fracasso. realização profissional e de concretização dos grandes projetos
deCartos.

As poltronas e os divãs Símbolos de ociosidade e de inatividade profissional


Coimbra
As revistas As revistas de atrizes seminuas sugerem o diletantismo de
Coimbra, espaço onde Carlos se matriculou com entusiasmo e realizou a Cartes e as suas relações amorosas.
sua formação académica em Medicina, remete para a importância da aquisi-
ção do conhecimento científico. Contudo, «não tardou a deixar pelas mesas,
com as folhas intactas, os seus expositores de medicina» , dedicando-se à
Literatura e à Arte. Nos Paços de Celas, reuniam-se académicos para discuti- A Vila Balzac
rem metafísica e questões relacionadas com os temas que se difundiam pela
A Vila Balzac é a casa de Ega, que lhe dera «esta denominação literária,
Europa e que chegavam a Portugal através dos jornais e das publicações de
pelos mesmos motivos por que a alugara num subúrbio longínquo (... ) para que
autores da época, mas tudo era vago e se desvanecia como o fumo do tabaco.
o nome de Balzac, seu padroeiro, o silêncio campestre, os ares limpos, tudo ali
fosse favorável ao estudo, às horas de arte e de ideal». Quando Carlos visitou
A esgrima e o whlst Atividades praticadas pela aristocracia que denunciam uma
o seu amigo, foi recebido com emoção, tendo percorrido os aposentos de Ega,
necessidade social. que, radiante, lhe mostrou o seu «quarto de cama: aí reinava um cretone de
ramagens alvadias, sobre fundo vermelho; e o leito esmagava tudo. Parecia
O Figaro, o Times e Sugerem a ideia de cosmopolitismo e os interesses dos inte-
autores estrangeiros lectuais por ideais revoluc10nários, ainda Que a eleS se sobre-
ser o motivo, o centro da Vila Balzac». Segundo Ega, a sua casa deveria estar
da época pusesse o privilégio do convívio proporcionado pelo requinte do mobilada de acordo com as características do século em que era habitada, e
criado que servia cerveja e croquetes. o século XIX era o século da Democracia, pelo que dispensava objetos que lhe
trouxessem a nostalgia do passado.

O consultório e o laboratório

Concluído o curso de Medicina, Carlos fez uma longa viagem pela Europa Vila Balzac Denominação que se assoc,a ao escritor francês Honoré de
e, no outono de 1875, instalou-se em Lisboa, onde montou o seu luxuoso con- Balzac (1799-1850), considerado o fundador do Realismo.
sultório. O gabinete tinha uma decoração quase austerp, com veludos verde-
Vermelho Elemento cromático que sugere a s~nsuaUdade e o satanismo
-negro, estores de seda verde e estantes de pau-preto, por oposição à sala de de Ega, personagem envolvida em escândalos amorosos.
espera dos doentes, decorada com papel verde de ramagens prateadas, ricas
Sintra A Toca

Sintra é o espaço onde Carlos foi à procura de Maria Eduarda, tentativa A Toca é o lugar dos encontros entre Carlos e Maria Eduarda, longe dos
inglória e frustrada. porque não encontrou uma «certa figura que tinha um olhares da sociedade lisboeta. Este espaço recôndito, que Carlos alugara a
passo de deusa pisando a Terra». Acompanhado de Cruges, instalaram-se no Craft, era uma quinta com uma fresca rua de acácias, um quiosque mobilado à
Nunes, tendo sido levantada a falsa esperança de que Maria Eduarda estaria japonesa e uma moradia discreta onde, para Carlos, foi um prazer «só o meter
em Sintra e Dâmaso Salcede alojado no Lawrence. De facto, no Nunes, esta- a chave devagar e com inútil cautela na fechadura».
vam apenas Euzebioz1nho e Palma Cavalão com duas espanholas.
A chegada de Maria Eduarda Leva a que ambos se sintam enlevados, como-
Carlos e Cruges saíram do hotel em direção a Seteais. Na vila, «cães vadios vidos e deslumbrados e que. após um beijo e algumas carícias, visitem a casa,
dormiam ao sol: através das grades da cadeia, os presos pediam esmola. para que Maria a conheça. Da decoração excêntrica, os olhares centraram-se
Crianças enxovalhadas e em farrapos, garotavam pelos cantos; e as melhores em «duas negras figuras de núbios, com os olhos rutilant es de cristal», numa
casas tinham as janelas fechadas, continuando o seu sono de Inverno. (...) e panóplia de tourada, com uma cabeça negra de touro. espadas e garrochas.
via-se o Castelo da Pena, solitário, lá no alto.». Numa das janelas do Lawrence, mantos de seda vermelha, conservando nas suas pregas uma graça ligeira, e
encontrava-se «um par de botinas secando ao ar» e, ao longe, ouvia-se o som ao lado o cartaz amarelo de lo corrido. No quarto, observaram uma tapeçaria
de uma flauta, o que levou Carlos a pensar que os Castro Gomes estivessem com os amores de Marte e de Vénus. a alcova «forrada. paredes e teto, de
ali alojados. um brocado amarelo», um tapete do mesmo tom, o leito com uma colcha
de cetim amarelo, as cortinas também amarelas, tudo convergindo para as
No percurso para Seteais, encontraram Alencar, com os seus «longos «voluptuosidades grandiosas de uma paixão trágica do tempo de Lucrécia ou
bigodes românticos» e seguiram juntos, comungando da beleza da Natureza de Romeu». Maria Eduarda achou excessivo tal exagero de amarelo e ficou
e dos versos românticos de Alencar. Em Seteais, o palacete enxovalhado impressionada com um painel que representava a cabeça degolada de São
dececionou Cruges e Carlos retorquiu que a vida era feita de desapontamen- João Baptista e com uma coruja empalhada que fixava o leito de amor com os
tos, pois também ele se sentia desiludido por não encontrar Maria Eduarda. olhos sinistros.
Do arco, avistaram o imponente Palácio da Pena, «romântico e solitário» e
ouviram os versos românticos de Alencar. Cruges estava deslumbrado com o
cenário natural, mas Carlos continuava desanimado e impaciente por voltar
Al oca É a designação que se dá ao espaço habitado por alguns
para a vila. animais, o que sugere a relação animalesca entre Carlos e
Maria Eduarda.

A chave O prazer sentido por Carlos, quando abre a porta, sugere o


Os cães vadios, os presos Sugerem o contraste de classes sociais, a degradação e desejo carnal e o prazer das relações incestuosas.
e as crianças em farrapos a ociosidade.
A cabeça do touro Sugere a bestialidade da re,ação amorosa.
As melhores casas com Referência a Sintra como um espaço de lazer e de férias para a
as Janelas fechada s sociedade lisboeta do século XIX. Os amores de Marte e Símbolos da sensualidade pagã.
Vénus
As botinas Símbolo da sensualidade femirina e da posS1b1lidade de realização A cabeça de São João Simboliza a tragédia que se abate sobre os dois amantes devido
do desejado encontro. Baptlsta à relaçao incestuosa.

O Palácio da Pena, os Simbolizam o isolamento e a decadência do Romantismo, Elementos cromáticos O amarelo pode assooar-se à paixão ardente entre Carlos e
versos e os românticos não obstante a sua imponência, que dêsperta em Cruges Maria Eduarda; o vermelho também sugere a Ideia de pah<ão,
bigodes de Alencar o desejo de visrtar esse monumento romêntico. mas simultaneamente de morte e destruição.
4. As personagens os serõc· , 1s festas da casa de ambos em Benfica A existência de dois
filhos e o amor de Pedro não foram suficientes para assegurar a conti-
nuidade do casamento e Maria Monforte abandona o marido com a filha,
4.1. Representações do sentimento e da paixão: fugindo com Tancredo, situação que conduz ao desfecho trágico de Pedro
diversificação da intriga amorosa da Maia: inseguro, instável e vendo-se sozinho com um filho nos braços,
(Pedro da Maia, Carlos da Maia e João da Ega) opta pelo suicídio, solução romântica para os conflitos interiores provoca-
dos pela vida.
Na ação da obra Os Maias, é imprescindível considerar a intriga principal e
a intriga secundária, ambas associadas à história de uma família pouco nume- Carlos da Maia
rosa e, consequentemente, envolvendo um reduzido número de personagens,
atendendo a que o romance integra várias personagens através das quais o • Carlos da Maia foi educado pelo avô, que optou pela educação britânica.
autor faz crítica de costumes na esperança de que o neto não tivesse as mesmas fragilidades que
haviam conduzido Pedro à destruição. No entanto, apesar de Carlos ter
A intriga secundária decorre nos capítulos I e li. Após uma analepse que um percurso de vida diferente de seu pai, a personagem revela instabili-
apresenta a juventude e casamento de Afonso da Maia, o narrador dá-nos a dade e voluptuosidade nas relações amorosas.
conhecer a infância e educação t radicional portuguesa de Pedro da Maia, fase
da vida da personagem que influenciou o seu comportamento emocional ins- • Em Santa Olávia, a sua primeira namorada foi a Teresinha, amores de
tável na juventude e vida adulta. Nos capítulos seguintes, conhecemos Carlos infância, e, consequentemente, com um relevo insignificante. A filha de
O. Eugénia Silveira era «uma rapariguinha magra e viva com cabelos
da Maia e João da Ega, sendo possível identificar as representações do senti-
negros como tinta», mas que se fizera «uma rapariguinha feia, amarela
mento e da paixão destas três personagens masculinas.
como uma cidra». A at itude de Carlos perante a vida já era completa-
mente diferente da de Euzebiozinho, que, em criança, passava a vida entre
Pedro da Maia alfarrábios, mas que acabou por levar uma vida devassa.
• O filho de Afonso da Maia «ficara pequenino e nervoso como Maria • Em Coimbra, embora Carlos escarnecesse idílios futricas, «terminou por
Eduarda, tendo pouco da raça, da força dos Maias». Foi impedido pela mãe se enredar num episódio romântico com a mulher de um empregado do
de ir estudar para Coimbra; dava lentos passeios a cavalo, sempre prote- Governo Civil (...), o primeiro amor adúltero», mas infelizmente a rapariga
gido por um criado, ia «beber a sua genebra aos botequins de Lisboa» e chamava-se Hermengarda e os amigos de Carlos começaram a chamá-lo
«aos dezanove anos teve o seu bastardozinho», referência que não volta «Eurico, o Presbítero». Não se tratando já dos amores românticos de
a ser retomada pelo narrador. Alexandre Herculano, Carlos sentiu-se canalha, quando viu o marido de
Hermengarda com o filho, e decidiu não voltar a responder às cartas em
• Após a morte da mãe, viveu um período de dor exagerada a que se seguiu que aquela lhe chamava «seu ideal». Seguiram-se outras paixões: Encar-
uma vida boémia e dissipada, de «distúrbios no Marrare, de façanhas nas nacion, uma espanhola que se instalara em Coimbra como uma espécie
esperas de toiros, de cavalos esfalfados, de pateadas em S. Carlos». de Dama das Camélias, a mulher de um escrivão em Lamego, a de um
coronel em Viena e uma holandesa separada do marido, Madame Rughel.
• Dois anos depois da morte da mãe, conheceu a deslumbrante Maria Mon- O seu criado de quarto, que o acompanhava desde os onze anos, que o
forte, filha de um rico traficante de escravos. A romântica sensibilidade de seguira de Santa Olávia para Coimbra, que fizera com Carlos a grande
Pedro leva-o a uma paixão avassaladora por Maria Monforte, e, não obs- viagem pela Europa e que se instalara com avô e neto no Ramalhete, é a
tante a desaprovação de Afonso da Maia, Pedro ca~a com aquela deusa, grande testemunha da vida amorosa de Carlos.
também conhecida por «negreira», devido aos negócios do pai.
• Em Lisboa, o dandismo e o diletantismo de Carlos requintaram. Rico e ele-
• Ourante o período em que estão casados, Pedro sente ciúmes de Maria gante, era admirado pelas senhoras do High Life e não foi difícil iniciar a
Monforte, cuja beleza não era indiferente aos amigos que frequentavam relação amorosa adúltera com a condessa de Gouvarinho, da qual se satu-
rou rapidamente, até porque o seu coração começara a pertencer à «deusa» 4.2. Caract erísticas trágicas dos protagonistas
com quem se cruzara no peristilo do Hotel Central. Carlos e Maria Eduarda (Afonso da Maia, Carlos da Maia e Maria Eduarda)
vivem uma paixão intensa, fazem projetos para o futuro e, mesmo depois de
saber do passado daquela que conhecera como suposta esposa de Castro Na obra Os /Vlaias, é possível identificar várias características da t ragédia
Gomes, Carlos da Maia continuou disposto a dar continuidade ao romance. clássica, apesar de nos encont ramos perante um romance do século XIX.
É o reconhecimento (a anagnóríse) do incesto, que ele ainda pratica cons- De facto, as personagens da intriga principal são em número reduzido e per-
cientemente depois de tomar conhecimento que Maria Eduarda era sua tencem a uma antiga família aristocrata. Por outro lado, o tema do incesto
irmã, que conduz à destruição da família e à morte de Afonso da Maia. remonta à Antiguidade Clássica, nomeadamente à tragédia de Sófocles,
João da Ega Édipo Rei (427 a.C.}, cujo protagonista, por desconhecimento, se apaixonara
pela mãe. Também Carlos da Maia e Maria Eduarda têm uma relação inces-
• João da Ega, o inseparável amigo de Carlos da Maia desde a vida de estu- tuosa, por desconhecimento da relação consanguínea que os unia. Na verdade,
dantes em Coimbra, revela ao longo da ação, a partir do capítulo IV, a sua podemos observar a referência a vários aspetos que sugerem características
propensão para o amor livre, para o erotismo e a sensualidade, bem como trágicas dos protagonistas da intriga principal: Afonso da Maia, Carlos da Maia
para o satanismo. Ega andava a formar-se em Direito, «mas devagar, muito e Maria Eduarda.
pausadamente» e era conhecido como «o maior ateu, o maior demagogo,
que jamais aparecera nas sociedades humanas». Nas férias, por vezes Afonso da Maia
também ia para Santa Olávia, porque Afonso da Maia se afeiçoara ao rapaz
e era sobrinho de um seu velho amigo. • Afonso da Maia foi advertido por Vilaça de que as paredes do Ramalhete
«eram sempre fatais aos Maias», quando decidiu instalar-se em Lisboa,
• Ega abominava a Divindade, a Ordem social e defendia um amor livre das após a conclusão do curso de Carlos. Afonso ignorou este aviso e riu-se
ficções do matrimónio e o culto a Satanás, sendo a sua fisionomia esgrou- da frase, mas a verdade é que, no final da intriga, Vilaça, em conversa com
viada e seca, os pelos arrebitados do bigode, o nariz adunco, o quadrado Ega, depois de se ter abatido a catástrofe (katastrophé) sobre a família,
de vidro entalado no olho direito sugestivos dessa rebeldia e satanismo. reitera as mesmas palavras: «quando o Sr. Afonso me encomendou aqui
No entanto, em Coimbra, iniciara a vida amorosa com paixões românticas, as primeiras obras, lembrei-lhe eu que, segundo uma antiga lenda, eram
revelando-se sentimental. Por Encarnacion, a <<topada sentimental de
sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete. O Sr. Afonso da Maia
Carlos», Ega sentia repulsa e evitou ir a Celas «enquanto lá aparecesse
riu de agouros e lendas... Pois fatais foram!».
aquele montão de carne, pago ao arrátel. como a de vaca».
• Afonso da Maia tentou evitar que o neto tivesse o mesmo percurso de
• Em Lisboa, quando Carlos regressa da viagem ao estrangeiro, reen- Pedro da Maia, mas a força inexorável do destino (ananké) abateu-se
contra-se com Ega e pergunta-lhe quem era a Madame Cohen a quem
sobre a família, aproximando os seus dois netos, Carlos Eduardo e Maria
ele tinha dedicado tantas cartas e poemas, Ega explica-lhe que era
Eduarda, vítimas de um passado que ele não tinha podido impedir.
a mulher de Cohen, o diretor do Banco Nacional, e que t inha iniciado
um flírt com ela na praia. Não obstante a existência desta relação, Ega • A morte de Afonso, após o reconhecimento da relação incestuosa entre os
sugere que, quando Craft voltasse do Porto, organizassem um cenáculo, seus netos, provoca sofrimento (pathos) e desperta sentimentos de terror
no qual deveriam participar «três ou quatro mulheres para cortarem, e piedade, no leitor.
com a graça dos decotes, a severidade das filosofias... ». A sua relação
com Raquel Cohen termina de forma ridícula e vexatória pois, vestido Carlos da Maia
de Mefistófles, é expulso de um baile em casa dos Cohen pelo marido
da amante. ' • Carlos da Maia é um nome que indicia desgraça: tinha-lhe sido atribuído
pela mãe, que, na altura do seu nascimento, estava a ler uma «novela de
que era herói o último Stuart, o romanesco príncipe Carlos Eduardo; e,
namorada dele, das suas aventuras e desgraças».
• Carlos da Maia desafia (hybrls) o destino, envolvendo se com uma mulher 5. Linguagem, estilo e estrutura
que ele supunha ser casada e cometendo o incesto, primeiro inconsciente e,
por fim, consciente, porque já se tinha dado o reconhecimento (onognórise) 5.1 . O romance: pluralidade de ações
das origens de Maria Eduarda.
O romance é uma narrativa extensa e foi um dos géneros textuais privilegia-
Maria Eduarda
dos pelos escritores realistas e românticos do século XIX como Charles Dickens,
• Maria Eduarda, afastada da família pela mãe, é vítima do destino e da Gustave Flaubert, Émile Zola, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo
fatalidade, que conduz à destruição e ao sofrimento de todos, a partir do Castelo Branco, Eça de Queirós, entre outros.
momento em que, através do Sr. Guimarães, reconhece os seus laços de Assim, para além de significativos momentos de descrição, podemos encon-
parentesco com Carlos Eduardo.
trar a pluralidade de ações no romance, situação facilmente observável em Os
• Em casa de Maria Eduarda, três lírios brancos murchavam num vaso do /\1oios, na medida em que, para além da intriga secundária e da intriga principal,
Japão, presságio de destruição dos três elementos da família. o narrador apresenta vários episódios da crónica de costumes.

• Na Toca, a tapeçaria com os amores incestuosos de Vénus e Marte pres- A intriga secundária, como já referimos, apresenta o passado de Afonso da
sagia a relação de incesto entre Carlos e Maria Eduarda. Maia, a infância, juventude, casamento e suicídio de Pedro da Maia.

• Maria Eduarda reconhece semelhanças de Carlos com Maria Monforte: A intriga principal, ou intriga do incesto, narra a relação incestuosa entre
«- Sabes tu com quem te pareces?... É extraordinário, mas é verdade. Carlos e Maria Eduarda, situação que precipita a morte de Afonso da Maia.
Pareces-te com minha mãe!». Deste modo, podemos verificar que há A crónica de costumes é o veículo da crítica aos vícios e defeitos da socie-
vários avisos às personagens que foram ignorados, tal como ocorre nas dade portuguesa do século XIX, através de vários episódios: jantar no Hotel
tragédias clássicas.
Central, jantar em Casa dos Gouvarinhos, corridas de cavalos no hipódromo,
A Cometo do Diabo e A Tarde Uornalismo corrupto), sarau do Teatro da
Trindade... Esta pluralidade de ações e de personagens permile-nos conhecer
o ambiente social oitocentista.

5.2. Complexidade do tempo, do espaço


e dos protagonistas

Sendo uma narrativa longa, a obra Os /\1oias apresenta complexidade do


t empo, do espaço e dos protagonistas.

Complexidade do tempo

Verificamos que o narrador, no que respeita ao tempo, recorre a analepses,


elipses, referências cronológicas e descrições que permitem a pausa das ações.

• No capítulo Ido romance, o narrador faz uma longa analepse para narrar a
juventude e casamento de Afonso da Maia, contribuindo para a clarificação
dos acontecimentos associados à intriga principnl e à intriga secundária:
«Esta existência nem sempre assim correr.1 com ,1 tranquilidade larga Complexidade dos protagonistas
e clara de um belo rio de verão. O antepassado, cujos olhos se enchiam
Os protagonistas são as personagens que desempenham um papel de relevo
agora de uma luz de ternura (...) fora, na opinião de seu pai, algum tempo,
na ação, seja nas intrigas principal e secundária, seja nos episódios da crónica
o mais feroz jacobino de Portugal...». No início deste mesmo capítulo,
de costumes.
temos uma referência cronológica ao tempo da intriga principal: «A
casa que os Maias vieram habitar em Lisboa. no outono de 1875 (...)». • Na intriga secundária, podemos destacar Pedro da Maia e Maria Mon-
forte. Pedro contraria a posição do pai, Afonso da Maia, e casa com Maria
• No capítulo IV, por exemplo, é visível uma elipse relativamente aos aconte-
Monforte, relação que vai originar o desfecho trágico da intriga principal.
cimentos que se passaram durante a viagem de Carlos pela Europa, após a
Maria Monforte foge com Tancredo, levando a filha, o que leva ao suicídio
conclusão do curso de Medicina: «E então Carlos Eduardo partira para a sua
de Pedro e, posteriormente, ao desconhecimento da verdadeira identidade
longa viagem pela Europa. Um ano passou. Chegara esse outono de 1875.».
de Maria Eduarda e, consequentemente, à relação incestuosa inconsciente.
• Nos longos momentos descritivos que abundam no romance, como, por • Na intriga principal, são protagonistas Carlos da Maia, Maria Eduarda
exemplo, nas descrições da serra de Sintra, no capítulo VIII, a ação não pro- e Afonso da Maia. Carlos e Maria Eduarda são ambos descendentes de
gride no tempo, é como que posta em pausa: «Ficaram calados. Cruges Afonso, Pedro da Maia e Maria Monforte. A relação incestuosa é a causa do
agora admirava o jardim, por baixo do muro em que est avam sentados. Era fim da família, tendo Carlos maior responsabilidade, ao cometer o incesto
um espesso ninho de verdura, arbustos, flores e árvores... ». consciente, o que provoca a morte de Afonso. Tal como acontecera com
Pedro e Maria Monforte, Afonso também assume uma posição de opo-
Complexidade do espaço
nente, sobretudo a partir do momento em que sabe que Maria Eduarda é
Relativamente à complexidade do espaço, constatamos a existência de múl- sua neta.
tiplos espaços físicos exteriores e interiores, associados às intrigas princi-
pal e secundária, bem como à crónica de costumes. Lisboa é o macroespaço
onde decorrem a maior parte das ações e a este espaço estão ligados outros 5.3. Visão global da obra e estruturação:
microespaços: por exemplo, o Ramalhete, o consultório e o laboratório de Car- título e subtítulo
los, o Rossio, o Hotel Central, o Hipódromo, o Teatro da Trindade... O mesmo
acontece com Coimbra, a que associamos os Paços de Celas, ou seja, a casa O título da obra remete-nos para a história de uma família, os Maias, e con-
de Carlos enquanto estudante. ou Sintra, que- se relaciona com o hotel Nunes, sequentemente para um período temporal longo, o que contribui para a comple-
onde Carlos ficou alojado, quando foi procurar Maria Eduarda. Santa Olávia xidade das diversas ações. Após a referência inicial ao ano de 1875, o narrador
é igualmente um espaço físico de relevo, pois foi aí que Carlos recebeu uma organiza o discurso de modo a apresentar a família, referindo Caetano da Maia (pai
educação britânica e onde começou a contactar com Baptista, o criado que o de Afonso) e narrando a vida de Afonso da Maia (pai de Pedro), de Pedro da Maia
acompanhou ao longo da vida. (pai de Carlos e Mana Eduarda) e de Carlos e Maria Eduarda da Maia (bisnetos.
netos e filhos, de acordo com a ordem da árvore genealógica da família).
Para além dos espaços físicos. impõem-se os espaços sociais. relacio-
nados essencialmente com a crónica de costumes. ou seja, com os episódios
que concentram personagens que são tipos sociais e que permitem a crítica à
sociedade portuguesa oitocentista. Carlos
Caetano Afonso Pedro
Maria Eduarda
O espaço psicológico relaciona-se com as vivências âas personagens, os
.
sonhos e as evocações do passado, como acontece no momento em que Carlos
recorda o avô, após a tragédia da morte de Afonso: «imagens do avô, do avô
vivo e forte, cachimbando ao canto do fogão». ( Os Maias )
• Caetano da Maia fora adepto de O. Miguel: «Caetano do Maia era um por- 5.4. Recursos expressivos: a comparação, a ironia, a
tuguês antigo (...), dera ele o seu amor ao senhor Infante O. Miguel», o que metáfora, a personificação, a sinestesia e o uso
significa que fora adepto do Absolutismo. em Portugal. expressivo do adjetivo e do advérbio
• Afonso da Maia integra-se na gemção de 1820, adepto de ideais do Libera- A prosa queirosiana é de uma enorme e inigualável riqueza. surpreendendo-nos,
lismo, o que levava o pai a acusá-lo de ser jacobino. a cada momento, pela forma artística como o escritor dá vida e renova as pala-
vras. Os recursos expressivos adquirem um grande significado, seja nas descrições
• Pedro da Maia faz parte da geração de 1840, aquando do início da Rege-
neração. de espaços, seja nas descrições e falas das personagens. Nenhuma palavra está
ao acaso, tudo foi trabalhado e escolhido meticulosamente, motivo pelo qual Eça
• Carlos da Maia (e Maria Eduarda) já fazem parte da geração de 1870 e, por de Queirós tem sido apontado como um renovador da língua literária portuguesa.
isso. de uma época contemporânea do autor do romance. Vejamos. então, alguns dos recursos expressivos mais significativos da arte de
escrever de Eça de Queirós.
As diferentes gerações ocupam um espaço e um tempo diferentes no
romance:

• os capítulos I e li integram o passado da família; Comparação Recurso expressivo que possibilita a relação direta entre dois termos,
através de uma partícula comparativa: «conversando com um rap:12.
• no capítulo Ili inicia-se a narrativa da infância e educação de Carlos; baixote, gordo, frisado como um noivo de provlncia».

• no capítulo IV é narrada a vida académica de Carlos em Coimbra e o autor Ironia Eça de Queirós serviu-se brilhantemente da ironia, colocando-a ao ser-
retoma a data de 1875. ano em que Carlos e o avô vão viver para Lisboa; vi~ da crítica mordaz que fez à sociedade portuguesa oitocentista. Este
recurso expressivo impUca a inferência de significados subjacentes às
• do capítulo IV até ao capítulo XVII, período correspondente a dois anos palavras, uma vez que o seu significado diverge do significado Uteral: «Pois
eu assim que posso, é direitinho para Paris! Aquilo é que é tem! Isto aqui
(1875-1877), o narrador dá-nos conta da vida de Carlos em Lisboa e da sua é um chiqueiro».
relação incestuosa com Maria Eduarda;
Metáfora A metáfora, relação de analogia entre dois termos comparados implici-
• por fim, o capítulo XVIII corresponde ao epílogo, cuja ação decorre dez anos tamente, é um recurso expressivo que Eça usa de forma surpreendente
depois de ter terminado a intriga principal e de Carlos ter feito uma longa e audaciosa: «ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa>•.
viagem pelo Mundo, informação anunciada na Gazeta Ilustrada, na sua
coluna High Life, comprovando-se, deste modo, o elevado estatuto social
Personificação Consiste em atribuir propriedades humanas a uma coisa a um ser inani-
de Carlos da Maia. o último descendente de os Maias. mado ou a um ePte abstrato: «o teclado branco do piano ria e esperava>>.

O s ubtítulo do romance, «Episódios da vida romântica», remete-nos para Sinestesia A associação de elementos semânticos provenientes de domínios
os episódios da crónica de costumes e para a crítica social. Saliente-se que a sensoriais. apresenta comummente a fusão de perceções sensoriais:
ausência do determinante antes do nome «episódios» sugere que são alguns «Do Rossio, o ruído das carroças, os gritos errantes de pregões, o rolar
dos americanos, subiam numa vibração mais dara, por aquele ar fino
dos aspetos observados na sociedade portuguesa oítocentista, aspetos esses de novembro: uma luz maàa, escorregando docemente do ai,ul-fcrrete».
que não ficarão esgotados.

Por outro lado, embora tenhamos visto que há algumas personagens Uso expressivo Eça de Queirós recorre frequentemente ao uso do adjetivo com valor
românticas, nomeadamente o poet a Tomás de Alencar. não podemos associar do adjetivo expressivo. sobretudo na descrição de espaços e personagens, sur-
preendendo-nos com esta classe de palavras, ora antepostas, ora
diretamente o subtítulo ao Romantismo. porque, na verdade, o narrador tem pospostas ao nome: «Fora wn dia de inverno suave e luminoso ( ...) a
uma intenção satírica muito mais abrangente, incidindo ~obre várias facetas carde morria, sem uma aragem, numa paz ellsia».
da sociedade portuguesa oitocentista.
Uso expressivo
do advérbio
Habilmente utilizado pelo romanclste, o l!dvlrblo apresenta-se como 5.6. A descrição do real e o papel das sensações
prolon~amento e complementaridade do 1dj1tlvo, contribuindo para
a valonzação de Ideias e apreciações crrtlcas que o narrador pretende
N'Os Maias, encontramos vários momentos descritivos que nos permitem
transmitir. «Carlos tirou profundamente o chapéu, tão perturbado,
que os seus passos hesitaram». conhecer detalhadamente os espaços e as personagens, o que leva o leitor a
sentir-se parte das ações, a visualizar e a ter a perceção sensorial dos espaços
onde as personagens se movimentam. Para além da minúcia descritiva que
caracteriza o estilo queirosiano, o recurso à sinestesia é bastante sugestivo para
5.5. Reprodução do discurso no discurso a perceção sensorial do narrador, das personagens e do próprio leitor.

~ reprodução _do discurso no discurso é sempre acompanhada de uma interpre- Tomemos como exemplo a descrição do consultório de Carlos da Maia, o
taça~ dos enunciados relatados em função das circunstâncias de enunciação em seu grande projeto profissional, e a descrição do Rossio, espaço onde o mesmo
q4e tiveram lugar e está subordinada às intenções comunicativas das persona- se localizava.
gens e do narrador. Observemos as modalidades de reprodução do discurso.
• «O seu gabinete, no consultório, dormia numa paz tépida entre espessos velu-
Citação Reprodução de um texto, ou de um excerto de texto noutro texto dos escuros, na penumbra que faziam os estores de seda verde corridos.»
assinalada com aspas ou com um tipo de letra diferente· «t urru: - note-se a sugestão sinestésica do silêncio e das tonalidades predominantes
~ralicbde,_ pano para sempre com Tancredo, esquece-me qu~ não sou neste espaço interior.
digna de ti, e levo a Maria, que me não posso separar dela.».

Discurso direto
• «E Carlos - exatamente como o criado que, na ociosidade da antecâmara,
O discurso direto mantém todas as formas ligadas à enunciação ori-
dormitava sob o Diário de Notícias. acaçapado na banqueta - acendia um
ginal: para quem disse e a quem dis~e (eu-tu); para o lugar onde se
disse; para o momento em que se disse. Nesta modalidade discur· cigarro «Laferme», tomava uma revista, e estendia-se no divã.» - o espaço
siva, são mantidas interjeições. frases de tipo exclamatrvo, vocativos silencioso e sem o movimento desejável para um consultório médico é con-
e marcas de oralidade. O discurso direto escrito é marcado por aspas vidativo à preguiça e à dormência.
itálicos. parágrafos e travessões: '
«- Como se chama ele?
- Carlos Eduardo - murmurou a ama. • «Do Rossio, o ruído das carroças, os gritos, errantes de pregões, o rolar dos
- Carlos Eduardo, hem?» americanos, subiam, numa vibração mais clara, por aquele ar fino de novem-
bro: uma luz macia, escorregando docemente do azul-ferrete, vinha dourar
Discurso indireto No discurso indireto, a forma original do discurso reproduzido não é as fachadas enxovalhadas.» - saliente-se, nesta descrição de um espaço
mantida, uma vez que o narrador efetua reformulações: exterior, a fusão de perceções sensoriais: o ruído, os gritos. a vibração mais
«S_aiu, aci'.2'1do furiosameme com a porta. No corredor gricou pelo escu-
clara, a luz macia. Esta sinestesia, apesar de sugerir as sensações provoca-
deiro, mwto alto para que o pai ouvisse, e deu-lhe ordem para levar as suas
malas ao Hotel Europa.». das pela movimentação na cidade, desperta igualmente a ociosidade, como
consequência o clima ameno.
Discurso Indireto É o. fenómeno di_scursivo entre discurso direto e indireto. Eça de
livre ~ue,rós usou habilmente esta modalidade, fundindo, muitas vezes, 0 • «a gente vadiando pelos bancos: e essa sussurração lenta de cidade pregui-
discurso das personagens com o discurso do narrador: çosa; esse ar aveludado de clima rico (...) » - tal como acontecia no espaço
«Mas o Teixeira, muito grave, muito sirio, desiludiu o senhor adminis- interior, também no espaço exterior descrito é sugerida a inatividade das
trador. Mimos e mais mimos, dizia Sua Senhoria? Coitadinho dele que
tinha sido educado com uma vara de ferro! Se de fosse contar ao scclior pessoas da cidade. personificada e apresentada como preguiçosa, ou seja,
Vilaça!. Não tinha a criança cinco anos já dormia num quarto só, sem habitada por pessoas ociosas.
lampanna; e todas as manhãs, zás, para dentro de uma tina de água fria
às vezes a gear 1~ fora ... E outras barbaridades.». '
uma dcsccndenc1a para amar! E reperia, trémulo também, desprendendo-o de si
6. Análise de capítulos
com grande amol':
- Sossega, filho, que foi?
6.1. Capítulos li e Ili (excertos) Pedro então caiu para o canapé, como cai um corpo mono; e levantando para
o pai um rosto devastado, envelhecido, disse, palavra a palavra, numa voz surda:
Capítulo II
- Estive fora de Lisboa dois dias ... Volcei esta manhã... A Maria tinha fugido
Pedro e Maria, no encanto, numa felicidade de novela, iam descendo a Itália, de casa com a pequena... Partiu com um homem, um italiano... E aqui est0u!
a pequenas jornadas, de cidade em cidade, nessa via sagrada que vai desde as Afonso da Maia ficou diante do filho, quedo, mudo, como uma figura de pedra;
flores e das messes da planície lombarda até ao mole país de romanza, Nápoles, e a sua bela face, onde todo o sangue subira, enchia-se pouco a pouco de uma
branca sob o azul. Era lá que tencionavam passar o inverno, nesse ar sempre grande cólera. Viu, num relance, o escândalo, a cidade galhofando, as compai-
tépido junto a um mar sempre manso, onde as preguiças de noivado têm uma xóes, o seu nome pela lama. E era aquele filho que, desprezando a sua autoridade,
suavidade mais longa... Mas um dia, em Roma, Maria sentiu o apetite de Paris. ligando-se a essa criatura, estragara o sangue da raça, cobria agora a sua casa de
Parecia-lhe fatigante o viajar assim, aos balouços das caleças, só para ir ver vexame. E ali estava, ali jazia sem um grito, sem um furor, um arranque brucal
lazzaroni engolir fios de macarrão. Quanto melhor seria habitar um ninho de homem traído! Vinha atirar-se para um sofá, chorando miseravelmente! Isco
acolchoado nos Campos Elísios, e go2arem ali um lindo inverno de amor! Paris indignou-o, e rompeu apassear pela sala, rígido e áspero, cerrando os lábios p~ra
estava seguro, agora, com o príncipe Luís Napoleão... Além disso, aquela velha que não lhe escapassem as palavras de ira e de injúria que lhe enchiam o peuo
Itália clássica enfastiava-a já: tantos mármores eternos, tantas madonas come- em tumulto... - Mas era pai: ouvia, ali ao seu lado, aquele soluçar de funda dor;
çavam (como ela dizia pendurada languidamence do pescoço de Pedro) a dar via tremer aquele pobre corpo desgraçado que ele ouuora embalara nos braços ...
tonturas à sua pobre cabeça! Suspirava por uma boa loja de modas, sob as cha- Parou junto de Pedro, comou-lhe gravemente a cabeça entre as mãos, e beijou-o
mas do gás, ao rumor do Boulevard ... Depois tinha medo da Itália onde todo na testa, uma vez, outra vez, como se ele fosse ainda criança, restituindo-lhe ali e
mundo conspirava. para sempre a sua ternura inteira. .
- Tinha razão, meu pai, tinha razão, murmurava Pedro entre lágnmas.
Foram para França.
Depois ficaram calados. Fora, as pancadas sucessivas da chuva batiam a casa,
Mas por fim aquele Paris ainda agitado, onde parecia restar um vago cheiro
a quinta, num clamor prolongado; e as árvores, sob as janelas, ramalhavam num
de pólvora pelas ruas, onde cada face conservava um calor de batalha, desa-
vasto vento de inverno.
gradou a Maria. De noite acordava com a Marselhesa; achava um ar feroz à
Foi Afonso que quebrou o silêncio:
polícia; tudo permanecia triste; e as duquesas, pobres anjos, ainda não ousavam - Mas para onde fugiram, Pedro? Que sabes tu, filho? Não é só chorar...
vir ao Bois, com medo dos operários, corja insaciável! Enfim demoraram-se lá - Não sei nada- respondeu Pedro num longo esforço. - Sei que fugiu. Eu saí
até a primavera, no ninho que ela sonhara, todo de veludo azul, abrindo sobre de Lisboa na segunda-feira. Nessa mesma noite, ela partiu de casa numa carrua-
os Campos EI ísios. · gem, com uma maleca, o cofre de joias, uma criada ical!ana que ~nha agora, e a
Depois principiou a falar-se de novo em revolução, em golpe de estado. A admi- pequena. Disse à governante e à ama do pequeno que 1a cer comigo. Elas estra-
ração absurda de Maria pelos novos uniformes da garde-mobilefazia Pedro nervoso. nharam, mas que haviam de dizer?... Quando voltei, achei esta carta.
E quando ela apareceu grávida, ansiou por a tirar daquele Paris bacalhador e fas- Era um papel já sujo, e desde essa manhã de certo muitas vezes relido, amar-
cinante, vir abrigá-la na pacata Lisboa adormecida ao sol. rotado com fi.íria. Continha escas palavras:
(...) «t, uma fatalidade, parto para sempre com Tancredo, esquece-me que não sou
Uma sombria tarde de dezembro, de grande chuva, Afonso da Maia estava no digna de ti, e levo a Maria que me não posso separar dela.»
seu escritório lendo, quando a pona se abriu violencamence, e, alçando os olhos - E o pequeno, onde está o pequeno? - exclamou Afonso.
do livro, viu Pedro diante de si. Vinha todo enlameado, desalinhado, e na sua Pedro pareceu recordar-se:
face lívida, sob os cabelos revoltos, luzia um olhar de loucura. O velho ergueu-se - Está lá dentro com a ama, trouxe-o na sege.
aterrado. E Pedro sem uma palavra atirou-se aos braços do pai, rompeu a chorar O velho correu, logo; e daí a pouco aparecia, erguendo nos braços o pequeno,
perdidamen ce. na sua longa capa branca de franjas e a sua touca de rendas. Era gordo, de olh~s
- Pedro! Que sucedeu, filho? muito negros, com uma adorável bochecha fresca e cor-de-rosa. Todo_ ele na,
Maria morrera, talvez! Uma alegria crud invadiu-o, à ideia do filho livre para grulhando, agicando o seu guizo de prata. A ama não passou da porca, msronha,
sempre dos Monfones, voltando-lhe, trazendo à sua solidão os dois neros, toda com os olhos no tapete e uma trouxazinha na mão.
Afonso sentou-se lentamente na sua poltrona, e acomodou o neto no colo. Os
olhos enchiam-se-lhe de uma bela luz de ternura; parecia esquecer a agonia do
filho, a vergonha doméstica; agora s6 havia ali aquela facezinha tenra, que se lhe Personagens Afonso da Maia A preocupação, o desgosto e a desaprovação de
babava nos braços ... Afonso relativamente às escolhas do filho são aqui
- Como se chama ele? confirmados. No entanto. é a figura de pai que preva-
lece: «parou junto de Pedro, comou-lhe gravemente
- Carlos Eduardo, murmurou a ama.
a cabeça entre as mãos, e beijou-o na testa, uma vez,
- Carlos Eduardo, hein? outra vez, como se de fosse ainda criança». Pela pri-
Fi:ou a olhá-lo muito tempo, como procurando nele os sinais da sua raça: meira vez mostra interesse pelo neto, falando-lhe e
depo~s tomou-lhe na sua as ?uas mãozinhas vermelhas que não largavam o guizo, tratando-o com ternura.
e muito grave, como se a cnança o percebesse, disse-lhe:
- Olha bem para mim. Eu sou o avô. É necessário amar o avô! Espaços físicos • Itália: Nápoles: • Vivência após o casamento
E àquela forte voz, o pequeno, com efeito, abriu os seus lindos olhos para de, e sua relevância Roma
sérios de repente, muito fixos, sem medo das barbas grisalhas: depois rompeu para a ação • França: Paris -
a pular-lhe nos braços, desprendeu a mãozinha, e martelou-lhe furiosamente a Campos Elíseos
cabeça com o guizo.
~oda a face do velho sorria àquela viçosa alegria; apertou-o ao seu largo peito Escritorio da casa de Benfica: lugar de luxo, de silêncio, de leitura e de
muito tempo, pôs-lhe na face um beijo longo, consolado, enternecido, o seu pri- introspeção transformado em espaço de caos, de desalinho, de ruído, de
meiro beijo de avô; depois, com todo o cuidado, foi colocá-lo nos braços da ama. dor.
Casa de Benfica: indício trágico - no passado, uma avó da mãe de Pedro.
cujo retrato estava nesta casa, enlouquecera e enforcara-se numa figueira.

Relação Em consonância com o estado de espírito de Pedro da Maia, o tempo


personagem - atmosférico reveste-se de caracterlsticas negativas destacando-se a
Importância Antecedentes Analepse que narra a história de três gerações da tempo noite áspera e agitada, que traduz a mágoa (a escuridão} e o desespero:
dos excertos da ação principal família Maia - adultério e fuga de Maria Monforte e «Fora, as pancadas sucessivas da chuva batiam a casa, a quinta, num clamor
no contexto suicídio de Pedro da Maia - com o objetivo de explicar prolongado».
geral da ação cartos da Maia, o protagonista.

Uso expressivo • «na pacata Lisboa» - anteposição do adjetivo


Intriga secundária Relação amorosa de Pedro da Maia e Maria Monforte do adjetivo, • «um beijo longo, ronsolado, enternecido» - acumulação de adjetivos,
que conduz ao suicídio daquele, advérbio e com efeito enfático.
diminutivo • «pendurada languidamente do pescoço de Pedro»; «a porca se abriu vio-
lencamente».
Personagens Maria Monforte Beleza sedutora, aliada a um caráter voluntarioso • «aquela facezinha tenra»; «as duas mãoúnhas vermelhas» - diminutivo a
e caprichoso; mulher vaidosa que gosta de ser exprimir afeto.
adulada e admirada: interesseira, gastadora e sem
escrúpulos.

Pedro da Maia Dotado de características típicas de uma persona-


gem romântica: paixão arrebatadora e obsessiva,
só vê perfeição na mulher amada, por isso cede a
todos os seus caprichos; a violência dos seus gestos,
o seu ar de perturbaçao e de-loucura, o seu compor-
tamento são presságios de desgraça; demonstra ser
um fraco: não aguenta a dor da traição e abandono
da mulher e chora copiosamente.
Capitulo 111 ' linham entr:ido na sala de jantar, onde um lume de lenha na chaminé de azu-
lejo esmorecia na fina e larga luz de abril; porcelanas e pratas resplandeciam nos
Mas esse ano passou, outros anos passaram. aparadores de pau-santo; os canários pareciam doidos de alegria.
Por uma manhã de abril, nas vésperas de Páscoa, Vilaça chegava de novo a A Gertrudes, que ficara a observar, acercou-se, com as mãos cruzadas sob o
Sta. Olávia. avental branco, familiar, cerna.
Não o esperavam tão cedo; e como era o primeiro dia bonito dessa primavera - Então, meu senhor, aqui está um regalo, ver outra vez este ingraco em Santa
chuvosa os senhores andavam para a quinta. O mordomo, o Teixeira, que ia Olávia!
já embranquecendo, mostrou-se todo satisfeico de ver o senhor administrador E, com um clarão de simpatia na face, alva e redonda como uma velha lua,
com quem às vezes se correspondia, e conduziu-o à sala de jantar onde a velha ornada já de um buço branco:
governante, a Gertrudes, tomada de surpresa, deixou cair uma pilha de guarda- -Ah! Sr. Vilaça, isco agora é outra coisa! Até os canários cantam! E também eu
napos para lhe saltar ao pescoço. cantava, se ainda pudesse.
As crês portas envidraçadas estavam abertas para o terraço, que se estendia ao E foi saindo, subitamente comovida, já com vontade de chorar.
sol, com a sua balauscrada de mármore coberta de trepadeiras: e Vilaça, adian- O Teixeira esperava, com um riso superior e mudo que lhe ia duma à outra
tando-se para os degraus que desciam ao jardim, mal pôde reconhecer Afonso ponta dos seus altos colarinhos de mordomo.
da Maia naquele velho de barba de neve, mas tão robusto e corado, que vinha
subindo a rua de comam.eiras com o seu neto pela mão.
Carlos, ao avistar no terraço um desconhecido, de chapéu alto, abafado num
cache-nezde pelúcia, correu a mirá-lo, curioso - e achou-se arrebatado nos braços
do bom Vilaça, que largara o guarda-sol, o beijava pelo cabelo, pela face, balbu- Importância Antecedentes Analepse que narra a história de três gerações da
ciando: dos excertos da ação pnnopal família Maia - infância e educação de Carlos - com
- Oh meu menino, meu querido menino! Que lindo que está! que crescido no contexto o objetivo de explicar Carlos da Maia, o protagonista.
que está... geral da ação Relaçl!o entre Afonso da Mala e seu neto Carlos da
- Então, sem avisar, Vilaça? - exclamava Afonso da Maia, chegando de braços Maia, ainda criança.
abertos - Nós s6 o esperávamos para a semana, criatura!
Personagens Evidência da passagem do tempo em Afonso e Vilaça: «mal pôde reco-
Os dois velhos abraçaram-se; depois um momento os seus olhos encontraram-se, nhecer Afonso da Maia naquele velho de bubas de neve-; •os dois velhos
vivos e húmidos, e cornaram a apertar-se comovidos. abraçaram-se»; oontudo, a cumplicidade mantém-se, face ao saber com-
Carlos ao lado, muito sério, todo esbelto, com as mãos encerradas nos bolsos partilhado: «os seus olhos encontraram-se, vivos e húmidos, e tornaram a
das suas largas bragas de flanela branca, o casqucte da mesma flanela posta de apertar-se comovidos.•
lado sobre os belos anéis do cabelo negro - continuava a mirar o Vilaça, que com
o beiço trémulo, rendo tirado a luva, limpava os olhos por baixo dos 6culos. Retrato físico de Pelo narrador: «muito sério, rodo esbelto (... ) belos
- E ninguém a esperá-lo, nem um criado lá em baixo no rio! - dizia Afonso. Carlos erquanto an6s do cabelo negro»
- Enfim, cá o temos, é o essencial... E como você está rijo, Vilaça! criança
Por Vilaça: «- E.ltá uma linda criança! Faz gosto!
- E Vossa Excelência, meu senhor! - balbuciou o administrador, engolindo E parece-sf eom o paj. Os mesmos olhos, olhos dos
um soluço. - Nem uma ruga! Branco sim, mas uma cara de moço... Eu nem o Maias, o cabelo encaracolado... »
conhecia!. .. Quando me lembro, a última vez que o vi... E cá isto! Cá esta linda
flor!... Por Afonso: «- É São, é rijo»
Ia abraçar Carlos outra ver. entusiasmado, mas o rapaz fugiu-lhe com uma bela Espaço e tempo Espaço físico: a ação passa-se na Quinta de Santa Olávia, onde a família
risada, saltou do terraço, foi pendurar-se dum trapézio armado entre as árvores, vive desde a morte de Pedro da Maia.
e ficou lá, balançando-se em cadência, forte e airoso, gritando: «Tu és o Vilaça!»
O Vilaça, de guarda-sol debaixo do braço, contemplava-o embevecido. Espaço simbólico e emotivo: a vivência neste espaço permitiu à fam1lia
- Está uma linda criança! Faz gosto! E parece-se com o pai. Os mesmo olhos, soorev1ver à tragédia e pro;etar uma nova vida para Carlos, a personagem
central da ação romanesca.
olhos dos Maias, o cabelo encaracolado... Mas há de ser muito mais homem!
O ambiente atual, que se percebe através das afirmaçõe~ e abtudes das
- É são, é rijo - dizia o velho risonho, anediando as barbas. - E como ficou o personagens, traduz felicidade e alegria: «isto agora é outra coisa! Até os
seu rapaz, o Manuel? Quando é esse casamento? Venha você cá para dentro, ViJaça, canários cantam!».
que há muito que conversar...
Em cima, no gabinete que o criado lhes indicou, Ega esperava, sentado no
divã de marroquim, e conversando com um rapaz baixote, gordo, frisado como
Espaço e tempo Tempo cronológico: a ação passa-se no mes de ebrl~ nas vésperas da Pás- um noivo de província, de camélia ao peito e plastron azul celeste. O Craft
coa, anos depois do suic/dio de Pedro da Mala. conhecia-o; Ega apresentou a Carlos o Sr. Dâmaso Salcede, e mandou servir
Tempo psicológico: a Infância de Carlos - tempo de superação, tempo de
vermute, por ser tarde, segundo lhe parecia, para esse requinte literária e satânico
afeto. tempo de emoções positivas, em contraste com o passado sombrio e
angustiado: «subitamente comovida, já com vontade de chorar>>. do absinto...
É o tempo de todas as expetativas: «com um riso superior e mudo». Fora um dia de inverno suave e luminoso, as duas janelas escavam ainda abertas.
Sobre o rio, no céu largo, a tarde morria, sem uma aragem, numa paz elísia, com
nuvenzinhas muito alcas, paradas, tocadas de cor-de-rosa; as cerras, os longes da
Indício trágico A grande semelhança física entre Carlos e seu pai, Pedro da Maia.
outra banda já se iam afogando num vapor aveludado, do tom de violeta; a água
jazia lisa e luzidia como uma bda chapa de aço novo; e aqui e além, pelo vasto
Recurso às Na descrição da sala de jantar predomina o rectrso às sensações visuais:
ancoradouro, grossos navios de carga, longos paquetes estrangeiros, dois couraça-
sensações «um lume (...) esmorecia na fina e larga luz de abril»: «parcelanas e pratas
resplandeciam».
dos ingleses, dormiam, com as mastreações imóveis, como tomados de preguiça,
na descrição
do espaço Há uma sugestão de sensação auditiva· «os canários pareciam doidos de c.edendo ao afago do clima doce. ..
alegria>>, - Vimos agora lá cm baixo - disse Craft indo sentar-se no divã - uma esplêndida
Estas sensações contribuem para constn..,r a ideia de felicidade reinante. mulher, com uma esplêndida cadelinha gri.ffon, e servida por um esplêndido preto!
O Sr. Dâmaso Salcede, que não despegava os olhos de Carlos, acudiu logo:
- Bem sei! Os Castro Gomes... Conheço-os muito... Vim com desde Bordéus...
Uma gente muito chie que vive em Paris.
Carlos voltou-se, reparou mais nele, perguntou-lhe, afãvel e interessando-se:
- O senhor Salcede chegou agora de Bordéus?
Estas palavras pareceram deleitar Dâmaso como um favor celeste: ergueu-se
imediatamente, aproximou-se do Maia, banhado num sorriso:
6.2. Capítulos VI e X (excertos) - Vim aqui há quinze dias, no Orenoque. Vim de Paris... Que eu em podendo
é lá que me pilham! Esta gente conheci-a em Bordéus. Isto é, verdadeiramente
Capítulo VI conheci-a a bordo. Mas estávamos todos no Hotel de Nantes ... Gente muito chie-.
criado de quarto, governanta inglesa para a filhita, femme de chambre, mais de
Encravam então no peristilo do Hotel Central - e nesse momento um coupé vinte malas ... Chie a valer! Parece incrível, uns brasileiros... Que ela na voz não
da Companhia, chegando a largo trote do lado da rua do Arsenal, veio estacar à tem sotaque nenhum, fala como nós. Ele sim, ele muito sotaque... Mas elegante
p0rca. também, Vossa Excelência não lhe pareceu?
Um esplêndido preto, já grisalho, de casaca e calção, correu logo à p0r-
tinhola; de dentro um rapaz muito magro, de barba muito negra, passou-lhe
para os braços uma deliciosa cadelinha escocesa, de pelos esguedelhados, finos
como seda e cor de prata; depois apeando-se, indolente e poseur, ofereceu
a mão a uma senhora alta, loura, com um meio véu muito apertado e muito Importância Surgem, pela A personagem femir-ina destll'la-se a ser protago-

escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afu- dos excertos primeira vez. as nista da intriga pnncipal - amores de Cartos e Maria
no contexto personagens Maria Eduarda. Tal como as personagens das tragédias
taram-se, da passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravi-
geral da ação Eduarda e Dâmaso clásslcas, é apresentada com uma aparência divina
lhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de Salcede e um porte nobre.
cabelos de ouro, e um aroma no ar. Trazia um casaco colante de veludo branco
de Génova, e um momento sobre as lajes do peristilo t">riihou o verniz das Damaso Salcede destina-se à galena de figuras que
suas botinas. O rapaz ao lado, esticado num fato de xadrez.inho inglês, abria compõem a crónica de costumes - episódios da vida
negligentemente um telegrama; o preto seguia com a éadelinha nos braços. romântica - situando-se ao nível da crítica social e da
reflexão histórica.
E no silêncio a voz de Craft murmurou:
- Tres chie.
Capitulo X

Personagens Maria Eduarda Alta, elegante. multo bele, oebelos loiros e carna- Era um dia já quente, azul-ferrete, com um desses rutilantes sóis de festa
ção ebúmea. é apresentada como uma deusa grega que inflamam as pedras da rua, doiram a poeirada baça do ar, põem fulgores
caminhando no Olimpo: «com um passo soberano de de espelho pelas vidraças, dão a toda a cidade essa branca faiscação de caJ, dum
deusa, maravilhosamence bem feita, deixando atrás
de si corno uma daridade, um reflexo de cabelos de
vivo monótono e implacável, que na lentidão das horas de verão cansa a alma, e
ouro, e um aroma no ar>> vagamente entristece. No largo dos Jerónimos silencioso, e a escaldar na luz, um
Écomo esposa de Castro Gomes que chega a Lisboa ónibus esperava, desatrelado, junco ao portal da igreja. Um trabalhador com o
e é nessa qualidade que Garlos a conhece. filho ao colo, e a mulher ao lado no seu xaile de ramagens, andava ali, pasmando
para a estrada, pasmando para o rio, a gozar ociosamente o seu domingo. Um
Dâmaso Salcede Distorção caricatural dos traços físicos - «baixote, garoto ia apregoando desconsoladamente programas das corridas que ninguém
gordo, &isado como um noivo de província• - e de
comprava. A mulher da água fresca, sem fregueses, sentara-se com a sua bilha à
carác,er - servilismo. snobismo, obsessão do «chie
a valer», bazófia de exibir intimidade com Cartos da sombra, a catar um pequeno. Quatro pesados municipais a cavalo patrulhavam a
Maia: «aproximou-se do Maia, banhado num sor- passo aquela solidão. E a distância, sem cessar, o escalar alegre de foguetes morria
riso». no ar quente.
Pode ser considerado como representante do novo- No encanto o trincanário continuava debruçado na guarita, sem poder arran-
-riquismo e a súmula dos vícios e M 1lidades da jar lá dentro o troco duma libra. Foi necessário Craft saltar da almofada, ir lá
sociedade lisboeta do século XIX. parlamenrar - enquanto Carlos, impaciente, raspando com o chicote as ancas
A descrição Descrição de personagem das éguas, luzidias como um cetim castanho, riscava no largo uma volta brusca e
Descrição hiperbólica que representa as emoções despertadas pela mulher, nervosa. Desde o Ramalhete viera assim governando, irricadamence, sem descer-
prenunciando o envolvimento amoroso: «deixando atrás de si oomo wna clari- rar os lábios. É que coda aquela semana, desde a carde cm que combinara com
dade»; «um reflexo de cabelos de ouro»; «brilhou o verniz das suas botinas»,
o Dâmaso a visita aos Olivais, fora desconsoladora. O Dâmaso tinha desapare-
cido, sem mandar a resposta dos Castro Gomes. Ele, por orgulho, não procurara
Descrição do espaço o Dâmaso. Os dias tinham passado, vazios; não se realizara o alegre idílio dos
Recurso à sinestesia - associação de sensações - , que permite destacar a Olivais; ainda não conhecia Madame Gomes; não a tornara a ver; não a esperava
cor e a suavidade da paisagem: «dia de inverno suave e luminoso»; «numa nas corridas. E aquele domingo de fest.a, o grande sol, a gente pelas ruas, vestida
paz elísia, com nuvcminhas muito alca.s, paradas, tocadas de cor-de-rosa»;
de casimiras e de sedas de missa, enchiam-no de melancolia e de mal-estar.
«já se iam afogando nwn vapor aveludado, do tom de violeta»; «a água
j:wa lisa e luzidia como uma bela chapa de aço novo»; «cedendo ao afago Uma caleche de praça passou, com dois sujeitos de flores ao peito, acabando
do clima doce». de calçar as luvas; depois um dog-cart, governado por um homem gordo, de
lunetas precas, quase foi esbarrar contra o arco. Enfim, Craft voltou com o seu
bilhete, tendo sido descomposto pelo homem de barbas proféticas.
Situação Este excerto antecede o episódio co jantar no Hotel Central, em que desfi- Para além do arco, a poeira sufocava. Pelas janelas havia senhoras debruçadas,
do excerto lam perante Cartos as principais figuras da vida política. social e cultural da
olhando por debaixo de sombrinhas. Outros municipais, a cavalo, atravancavam
na narrativa alta sociedade lisboeta. Os problemas que discutem (a literatura, a História
de Portugal, as finanças nacionais) acabam par ser motivo de desacato, o a rua.
que denuncia a fragilidade moral dessa sociedade que pretende apresen- A entrada para o hipódromo, abertura escalavrada num muro de quintarola,
tar-se como civilizada. o faeconte teve de parar atrás do dog-cart do homem gordo - que não podia
também avançar porque a porca escava tomada pela caleche de praça, onde um
dos sujeitos de flor ao peito berrava furiosamente com um polícia. Queria que
se fosse chamar o Sr. Savedra! O Sr. Savedra, que era do jockey Ciub, tinha-lhe
dito que ele pod ia enuar sem pagar a carruagem! Ainda lho dissera na véspera,
na botica do Azevedo! Queria que se fosse chamar o Sr. Savedra! O polícia bra-
cejava, enfiado. E o cavaleiro, tirando as luvas, ia abrir a portinhola, esmurrar o
homem - quando, trotando na grande horsa, um municipal de punho alçado
correu, gritou, injuriou o cavaleiro gordo, fez rodar para fora a caleche. Outro
municip:il intrometeu-se, brntalmente. Duas senhoras, agarrando os vesridos,
fugiram para um portal, espavoridas. E através do rebuliço, da poeira, sentia-se
lmportãncla Um dos mais importantes episódios que lustram o modo de vida da alta soei e--
adiante, melancolicamente, um realejo 1ocando a 1i-aviata. dos excertos da de lisboeta, as corridas de cavalos, organiza:las com o objetivo de transpor
O fuctonrc entrou - atrás do dog-cart, onde o homem gordo, a estoirar de no contexto para lisooa o cosmopolitismo de outras cidades europeias. També<n desta
fúria, voltava ainda para trás a face escarlate, jurando dar parte do municipal. geral da ação vez acontece uma desadem que faz estalar o verniz da civtlização e requinte
- Tudo isto está arranjado com decência - murmurou Craft. social Destaca-se a aparência e a essência provinciana da mentalida:le portu-
Diante deles, o hipódromo elevava-se suavemente em colina, parecendo, guesa. É um episódio da crónica de costumes que a visão de Carlos focaliza
depois da poeirada quente da calçada e das cruas reverberações da cal, mais de forma muito crítica.

fresco, mais vasto, com a sua relva já um pouco crestada pelo sol de junho, e
Tempo e espaço Tempo Num domingo, pelas duas da tarde.
uma ou outra papoila vermelhejando aqui e além. Uma aragem larga e repou-
sante chegava vagarosamente do rio.
No centro, como perdido no largo espaço verde, negrejava, no brilho do sol, Espaço A ação decorre no hipódromo, ao fim do Largo de
wn magote apertado de gente, com algumas carruagens pelo meio, de onde Belém. O espaço é descrito com um misto de obje-
sobressaíam tons claros de sombrinhas, o faiscar dum vidro de lanterna, ou um tividade e subjet,vidade. Certos termos pejorativos
acentuam o ridículo e o provincianismo, mostrando
casaco branco de cocheiro. Para além, dos dois lados da tribuna real forrada de
o improviso e a falta de elegância: «traves mal prega-
um baecão vermelho de mesa de repartição, erguiam-se as duas tribunas públicas, da.5»; «palanques de arraial».
com o feitio de traves mal pregadas, como palanques de arraial. A da esquerda
vazia, por pintar, mostrava à luz as fendas do tabuado. Na da direita, besuntada
Intencionalidade • Há momentos humorísticos na descrição do espaço onde decorrem as
por fora de azul claro, havia uma fila de senhoras quase todas de escuro encosta-
corridas. Servem a intenção de criticar a classe social mais proeminente
das ao rebordo, outras espalhadas pelos primeiros degraus; e o resto das bancadas da sociedade lisboeta que aparenta ser culta e sofisticada, mas não o é.
permanecia deserto e desconsolado, dum com alvadio de madeira, que abafava • A organização da corrida pretende imitar um evento estrangeiro mas
as cores alegres dos raros vestidos de verão. Por vezes a brisa lenta agitava no alto revela-se um fiasco: os participantes vestem-se de forma Inadequada
dos dois mastros o azul das bandeirolas. Um grande silêncio caía do céu faiscante. para a ocasião e nem sequer se interessam pelas corridas.
Em volta do recinto da tribuna, fechado por um tapwne de madeira, havia • A corrida tennina de fonna grotesca. em violência de arraial popular.
Assim se denuncia a mentalidade provinciana da elite portuguesa.
mais soldados de infamaria, com as baionetas lampejando ao sol. E no homem
triste que estava à enrrada, recebendo os bilhetes, metido dentro dum enorme
colete branco, reteso de goma, e que lhe chegava até aos joelhos - Carlos reco-
nheceu o servente do seu laboratório.
Apenas tinham dado alguns passos encontraram Taveira à por~ do bufete
onde se estivera reconfortando com uma cerveja. Tinha um molho de cravos
amarelos ao peito, polainas brancas - e queria animar as corridas. Já vira a M ist,
a égua de Cliford, e decidira apostar pela Mist. Que cabeça de animal, meninos,
que finura de pernas! ...
- Palavra que me entusiasmou! E está decidido, um dia não são dias, é neces-
sário animar isto! Aposto três mil réis. Quer você, Craft?
- Pois sim, talvez, depois... Vamos primeiro ver o aspeto geral.
No recinto em declive, entre a tribuna e a pista, havia só homens, a gente
do Grémio, das Secretarias e da Casa Havanesa; a maior parte à vontade, com
jaquetões claros, e de chapéu-coco; outros mais em e§tilo, de sobrecasaca e
binóculo a tiracolo, pareciam embaraçados e quase arrependidos do seu chique.
Falava-se baixo, com passos lentos pela relva, entre levos fumaraças de cigarro.
Aqui e além um cavalheiro, parado, de mãos atrás das costas, pasmava langui-
da mence para as senhoras.
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Fundação Eça de Queiroz http://www.feq.pt/eca-de-queirod'ltml, consultado em


15 de novembro de 2016.

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