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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.

º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

ÍNDICE APRESENTAÇÃO
Este Caderno traz pequenos textos de subsídio para debate no I Encontro Nacional da
Apresentação...................................................................................3 Marcha Mundial das Mulheres, que acontece de 25 a 28 de maio de 2006, em Belo Hori-
zonte (MG).
Histórico...........................................................................................4
Os temas nas mesas de debate foram definidos a partir de nossos eixos de atuação no
Mercantilização................................................................................7 Brasil e no mundo, mas também lacunas, temas que necessitamos incorporar nas nossas
análises e ações.
Trabalho............................................................................................10
Eles não esgotam a realidade das mulheres e dos desafios da conjuntura, mas são nosso
Soberania Alimentar........................................................................12 ponto de partida. Os textos são introdutórios e certamente outros pontos de vista e conteúdos
serão debatidos durante o Encontro.
Racismo............................................................................................15
Também publicamos extratos do documento produzido pelo Comitê Internacional prepa-
Violência...........................................................................................17 ratório ao 6º Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres.
Estamos construindo a Marcha Mundial das Mulheres como um movimento com identi-
Sexualidade......................................................................................19
dade política em processo e com capacidade organizativa para reverter a balança de poder
Aborto...............................................................................................23 a favor das mulheres.
Este nosso I Encontro é um momento importante de consolidação e nosfortalecimento. O
Prostituição.......................................................................................25
debate político e a ação nos alimentam.
Educação...........................................................................................29
Brasil, maio de 2006.
Reforma urbana...............................................................................32

Internacional....................................................................................35 Coordenação Executiva da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

HISTÓRICO cial Mundial. Debates, divulgação de materiais e


assembléias juntaram militantes de todos os Esta-
ta coisa foi acontecendo aqui no Brasil. A Marcha,
que teve seu início de mobilização com a ação lo-

Ação feminista no cotidiano da dos e de outros países.


No 8 de março de 2005, sob a responsabilidade
cal de mulheres do Quebéc, sempre foi apresenta-
da como uma articulação feminista de luta contra

Marcha Mundial das Mulheres da coordenação brasileira da Marcha, foi lançada


em São Paulo a Carta das Mulheres para a Huma-
a pobreza e a violência. E a partir daí os temas e
pautas foram se incorporando e fazendo crescer o
nidade, documento que expressa as posições da campo de intervenção das ativistas no Brasil.
Marcha e sua visão do mundo que queremos cons- Ao tema da pobreza foram inseridas questões
A Marcha Mundial das Mulheres teve sua inter- Na construção das Campanhas contra a ALCA e truir. Foram para as ruas mais de 30 mil mulheres como a valorização do salário mínimo, a luta con-
nacionalização em 2000, quando feministas de todo a Organização Mundial do Comércio mobilizamos vindas de várias localidades. Éramos 30 mil saídas tra o livre comércio, Alca, OMC, tratados bilate-
o mundo construíram uma pauta comum de com- milhares de pessoas na discussão sobre o peso das dos movimentos de mulheres, estudantil, sindical, riais, a proposta de uma outra integração para a
bate à pobreza e a violência sexista decorrentes das ações neoliberais globais, que afetam diretamente da luta anti-racista, contra a lesbofobia, trabalha- América Latina. Os debates propostos por eco-
desigualdades do sistema capitalista e patriarcal. a vida das trabalhadoras, sobretudo nos países da doras, desempregadas, camponesas, sem teto. nomistas feministas foram assimilados e servem
Com a preocupação de fugir das agendas insti- América Latina. Para chegar lá foram meses de preparação nas para justificar e apresentar o mundo que queremos
tucionais que por décadas pautaram os encontros Além de termos debatido sobre os efeitos do ca- regiões. Discussão da Carta, arrecadação de fun- transformar. A formação feminista foi valorizada,
de mulheres no mundo, consolidando-os sob a ló- pitalismo, conseguimos fazer com que mulheres dos, festas, debates. As muitas que não puderam sendo que as ações da Marcha, mesmo as de rua,
gica das ações governamentais, direcionadas por de todos os setores do movimento se apropriassem estar em São Paulo realizaram atividades locais, são vistas como uma forma de fortalecer as mili-
órgãos como a ONU. Nossa meta é construir um de temas pouco discutidos em seu cotidiano, como anunciando em suas cidades a nossa vitoriosa ação tantes e oferecer informações.
movimento feminista capaz de levar à sociedade a economia, que ganhou relevância nas discussões e os temas que levamos para as ruas. Celebraram o As discussões sobre violência doméstica, urba-
as diversas interlocuções presentes no interior do e pautas do nosso feminismo. feminismo e o mundo que querem as mulheres. na ou rural, a violência das cidades, do tráfico, do
movimento de mulheres. A campanha contra a mercantilização agregou, Foi um ano especial para a Marcha. A Carta via- crime organizado, dos capangas à serviço do lati-
Desde seu surgimento, a Marcha tem se afirma- sobretudo, as jovens à nossa militância, formando jou os continentes, mobilizou outras mulheres, ou- fúndio ou da polícia que descrimina jovens negros
do como um movimento que articula suas ações uma nova geração do feminismo para o combate tras culturas. Com a Carta foi possível apresentar não tinha como ser deixada de lado. Assim como
locais às nacionais e internacionais. Que dá gran- cotidiano às novas formas de opressão sexista. discussões locais, uniu mulheres que tinham até estivemos presentes em todas mobilizações con-
de importância às ações públicas irreverentes e Este setor, por sua vez, demonstrou originalidade então a guerra e as disputas entre elas, mostrou que tra as guerras de Bush, contra a ocupação do Haiti
alegres, porém não menos recheadas de conteúdo e irreverência ao atuar em ações diretas de colagens podemos superar obstáculos e unir muitas. por tropas da ONU, contra as guerras que passam
político e com crítica à sociedade capitalista, ma- de cartazes, panfletagens, passeatas e batucadas, No encerramento das ações internacionais, em despercebidas na África. Nesta luta contra as guer-
chista e patriarcal. verdadeiras frentes de protesto contra a exploração 17 de outubro, os comitês estaduais organizaram ras, em 5 de abril de 2005, realizamos uma vigília
Nestes últimos anos as ativistas da Marcha esti- capitalista sobre o corpo das mulheres. ações locais de 24 horas de solidariedade femi- simultânea com as mulheres da Colômbia. Estáva-
veram nas ruas, nos debates, nas mobilizações em Nossa iniciativa em participar das ações que nista. Foram para as ruas mulheres de Parintins mos nos atos do dia 19 de março, contra a guerra
diversas situações: contra a pobreza e a violência, envolvem a reforma agrária e a agroecologia aju- (AM), Belém (PA), Campo Grande (MS), Na- e boicote a produtos estadunidenses. Já no começo
pela valorização do salário mínimo, pelo direito à daram a articular o global à realidade local das tal (RN), Mossoró (RN), Touros (RN), Quixadá de 2006, saímos do Fórum de Caracas empenha-
terra, legalização do aborto, contra a Área de Li- trabalhadoras rurais. Falar de transgênicos, lei de (CE), Recife (PE), João Pessoa (PB), Maceió das na campanha “mulheres dizem não à guerra”.
vre Comércio das Américas (Alca) e Organização patentes e fortalecimento da agricultura familiar (AL), Belo Horizonte (MG), São Paulo (capital A ação da Marcha no Brasil tem reflexo nos
Mundial do Comércio (OMC), contra o deserto em oposição ao agronegócio desencadeou outros e cidades do interior), Rio de Janeiro, Rio Gran- locais de atuação das ativistas: sindicatos, movi-
verde e violência sexista, por mudanças na política temas, como a ação das transnacionais e do capital de do Sul (região das Missões, Santana do Livra- mento estudantil, camponesas, mulheres sem ter-
econômica e reforma urbana. financeiro sobre as comunidades do campo, a di- mento e Cerro Largo). ra, desempregadas, pastorais, nas campanhas onde
A Campanha do Salário Mínimo, na qual pes- visão sexual do trabalho e a violência doméstica. Das 12 às 13 horas, muitas deixaram de lado a atuamos, no universo Fórum Social Mundial, nas
quisamos e elaboramos uma proposta viável de Pois os mecanismos de dominação do capitalismo cozinha e foram para as ações programadas. Fecha- ações mundiais contra as transnacionais e o livre
valorização do mínimo brasileiro como forma de estão todos engrenados. ram bancos, abraçaram ministérios, montaram fei- comércio, nos bairros, em associações mistas. Nes-
distribuição de renda para as trabalhadoras, teve Em todos os cantos do Brasil foi possível con- ras de economia solidária, passeatas, atos, colagens te último ano, além de toda mobilização voltada
um papel importante na conjuntura nacional, por tabilizar, durante todo o ano de 2005, diversas ati- e panfletagens exigindo o aumento do salário míni- para o lançamento da Carta das Mulheres para a
dialogar com outros movimentos e articular es- vidades das feministas da Marcha. A preparação mo e mudanças na política econômica, cantando e Humanidade, foram realizadas colagens pela lega-
tratégias de negociação desse tema, antes obscuro para o lançamento das ações internacionais da mostrando que o mundo pode ser diferente. lização do aborto e pela saúde da mulher. Além de
nas plataformas políticas. Marcha começou em janeiro, durante o Fórum So- Mas enquanto a Carta viajava pelo mundo mui- um seminário no nordeste sobre aborto. Caminha-

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mos com as lésbicas em suas ações. Fomos para as


ruas com os movimentos sociais pedindo mudanças
O encontro nacional de militantes da Marcha
Mundial das Mulheres ocorrerá em boa hora, pois MERCANTILIZAÇÃO
na política econômica. Participamos do Encontro
Hemisférico contra a Alca, em Cuba, e da Cúpula
com certeza fortalecerá seu processo de constru-
ção como movimento e a luta feminista anticapi- Somos mulheres, e não mercadorias!
dos Povos, em Mar Del Plata. A presença da Mar- talista, que reivindica a igualdade e a construção
cha também foi marcante na Assembléia Popular de uma sociedade sem opressão das mulheres, sem
Mutirão por um novo Brasil e na II Marcha pelo exploração de classe, sem racismo, sem homofo- A globalização se caracteriza por uma expansão é ser flexível e ter paciência para aceitar condições
salário mínimo chamada pelas centrais sindicais. bia e com sustentabilidade ecológica. do domínio do mercado. Este sistema não se ex- de trabalho cada vez piores, com menores salários
pande apenas colonizando regiões do planeta em e mais desemprego. É sacrificar-se trabalhando na
que as sociedades estavam organizadas de maneira informalidade sem nenhuma garantia de direitos.
diferente. Ele se expande também aumentando os É depois de um dia de trabalho sentir-se no de-
ritmos de exploração do trabalho nas fábricas, lares, ver de cuidar sozinha da casa, das crianças, das
escritórios, dentro de cada país e entre países. E ele pessoas doentes, e acreditar que isso é melhor do
também se expande ocupando mais dimensões da que dispor de serviços públicos de saúde e educa-
vida em sociedade. Hoje as novas fronteiras do mer- ção, que serviços públicos são coisas do passado,
cado estão avançando sobre nossos direitos, sobre o que se queremos hospitais e escolas de qualidade
meio ambiente, a genética dos seres vivos, sobre os temos que pagar o preço. Na vida de mercado, a
conhecimentos, a criatividade dos seres humanos. mulher que depois de tudo isso se sente cansada,
As lutas feministas atuais e a construção da Marcha deve comprar numa farmácia as novas drogas que
Mundial das Mulheres acontecem no contexto des- prometem dar fim às dores do corpo e da alma.
sa expansão. Nesse sistema, que é ao mesmo tempo machista
O crescimento da prostituição também é parte e capitalista, o lugar reservado às mulheres é tor-
da tendência global de organização da sociedade narem-se mercadorias, objetos. A mulher vai sen-
segundo regras de mercado, que determinam que do vista na sociedade como aquilo que aparece nas
tudo na vida pode e deve ser comprado e vendido. propagandas de cerveja: uma coisa para o consumo
Esse mecanismo de agir e pensar na sociedade é o dos homens, cujo valor é estabelecido pela vontade
que chamamos de mercantilização: o processo que deles. Na publicidade a mulher é constantemente
transforma tudo, todas e todos, em mercadorias, representada assim: como um objeto de consumo,
como se fossem sabonetes ou aspiradores de pó. A que para ter valor tem que seguir um padrão. Para
mercadoria é uma forma generalizada, um modo atingir este padrão ela deve aceitar as condições
de organização do mundo e das relações entre as do mercado e consumir uma enorme quantidade de
pessoas que esconde as formas de opressão e se produtos e serviços.
impõe cada vez mais contra os direitos que já con- A exposição da imagem e do corpo das mulheres
quistamos e os que ainda lutamos para conquistar. como objeto contribui muito para colocá-las num
Construir conhecimento crítico sobre esse proces- estado permanente de insegurança com relação ao
so, formas de organização e ação autônoma das corpo: elas têm que existir para o olhar dos outros,
mulheres que respondam a essa realidade é uma como objetos acolhedores, atraentes, disponíveis.
das tarefas do feminismo anti-capitalista. A definição da “feminilidade” é marcada pela de-
pendência com relação às expectativas masculinas
O lugar da mulher na reais ou imaginadas. Basta olhar ao redor para per-
sociedade de mercado ceber como estamos cercadas de produtos e servi-
O mercado tornou-se uma forma de organização ços da “feminilidade”, que se baseiam na explora-
da economia e, portanto, uma forma que nos estão ção e na naturalização dessa dependência.
impondo para organizar nossas vidas e para definir A magreza das super-modelos é esperada da-
o que é ser mulher. Na vida de mercado, ser mulher quelas que “se cuidam” como “boas mulheres”.

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Hoje cada vez mais jovens sofrem com transtor- pornografia, seja na forma como nos expõe na pu- palavra de ordem “Nossa luta é todo dia, somos e padrões de beleza já foram realizados em vários
nos alimentares como bulimia, anorexia, doenças blicidade e manipula nossos sonhos e desejos para mulheres e não mercadoria!” e posteriormente Estados. Existe desde 2004 a iniciativa de reunir
que estão entre as principais causas de mortes das aumentar o consumo. A reprodução da opressão pela elaboração de uma crítica radical aos padrões essas ações e debates em uma ação nacional, uma
jovens segundo a Organização Mundial de Saúde. machista, que mantém as mulheres dependentes e impostos de beleza, consumo e comportamento, as Ofensiva contra a Mercantilização do Corpo e da
As cirurgias de redução do estômago lembram as vulneráveis, é fundamental para que as empresas mulheres da Marcha já tem experiência, mas pouca Vida das Mulheres. Diferente de uma campanha,
cirurgias de retirada de parte do cérebro de pesso- transnacionais possam continuar superexploran- sistematização sobre o tema como um todo. Ações a Ofensiva não teria uma reivindicação específica,
as diagnosticadas como doentes mentais no sécu- do sua força de trabalho invisível. O trabalho das de colagem de cartazes, intervenção em cartazes mas buscaria desenvolver a reflexão, as formas de
lo XIX. Uma companhia americana patenteou um mulheres é utilizado como mercadoria barata nos publicitários, ações de rua com batucada, debates expressão e as ações feministas contra o machismo
tratamento para obesos à base de eletro-choques. empregos precários, no setor informal e também sobre letras de música, publicidade na TV, revistas na sociedade de mercado.
À imposição da magreza, somam-se o poder in- nos lares. O capital também sobrevive e cresce re-
questionável da ciência e dos médicos e da ideo- passando para o âmbito privado os custos do bem-
logia da eficiência e das soluções imediatas típicas estar social abandonado pelos Estados neoliberais.
do neoliberalismo. Para isso tem que vender a imagem da super-mãe
As formas do corpo da mulher, historicamente que se desdobra entre várias jornadas graças à co-
controladas, hoje também podem ser compradas mida rápida e aos eletrodomésticos comprados a
segundo os padrões da moda. Segundo o secretário crédito. Também é graças a insegurança das mu-
geral da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, lheres do Sul que a maior parte das empresas trans-
em entrevista à Folha de São Paulo, a quantidade nacionais pode aumentar seus lucros vendendo
de adolescentes que colocam prótese de silicone medicamentos, cirurgias, cosméticos e alimentos
aumentou 300% nos últimos dez anos. Em 2003 tóxicos como promessas de felicidade.
foram realizadas 400 mil cirurgias plásticas no
país. O crescimento do mercado também se dá por Ação feminista contra a mercantilização
sua expansão para as mulheres do meio popular do corpo e da vida das mulheres
através de parcelamentos, consórcios ou dívidas Por que deveríamos viver sob leis de mercado?
com agiotas. Por acaso somos mercadorias? É isso que nos di-
Outro exemplo: o feminismo pôs em debate a zem nossos governos quando assinam acordos nos
função social da maternidade, a responsabilida- quais os interesses das transnacionais valem mais
de do poder público em garantir serviços de saú- do que a nossa luta histórica por autonomia e de-
de de pré-natal e parto, creche e educação, entre mocracia. A isso dizemos não.
outras políticas. E ao mesmo tempo, que as mu- A resistência à mercantilização do corpo e da vida
lheres devem decidir se querem ou não ter filhos das mulheres está sendo um eixo importante para a
e o momento de tê-los. Hoje, numa sociedade de construção de um feminismo não institucionaliza-
mercado, vivemos um retrocesso: a maternidade do, militante, que tenha presente a perspectiva de
como obrigação e condição para que uma mulher classe e seja protagonista de uma transformação
seja “completa” é um dos discursos permanentes profunda da ordem social global. A desconstrução
da propaganda, dos anúncios de pasta de dente dos mecanismos do mercado, da exploração do tra-
aos seguros de saúde. Ser mãe biológica também balho às pressões da mídia, passando pelas novas e
se tornou uma mercadoria através do mercado da velhas formas de controle do corpo, vai ao coração
“reprodução assistida”. Cada vez mais as mulheres do sistema capitalista e nos permite, a partir de ex-
consideram natural procurar médicos, tomar hor- periências cotidianas das mulheres, fazer relações
mônios e submeter-se a processos dolorosos para entre as situações de opressão e o funcionamento
engravidar a todo custo. da ordem econômica.
A sociedade organizada como um mercado total, Inicialmente através da atuação do movimen-
em todos os terrenos da vida, reduz as mulheres a to na Campanha Contra a Alca e contra a Orga-
uma coisa, seja na indústria da prostituição e da nização Mundial do Comércio, na construção da

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TRABALHO dos filhos, doentes e idosos, limita suas possibili-


dades no mercado de trabalho.
ajuste integral e aumentos constantes que permitam
alcançar o valor de 60% do PIB/PEA (Produto In-
Para reverter este quadro são necessárias políti- terno Bruto - que é tudo o que o país produziu na
cas de elevação dos salários base, o que se faz com economia de mercado dividido pela População Eco-
uma política de aumento constante do Salário Míni- nomicamente Ativa). Considerando o PIB de 2005
Direito das mulheres ao emprego tudarem e encontrarem um bom emprego, mais do mo e seguro desemprego. São necessárias políticas e a PEA de 2004, este valor seria de R$ 1.043,00.
A participação das mulheres no mercado de tra- que um bom casamento. de combate à diferenciação do trabalho por sexo que Até lá temos como referência a proposta do governo
balho vem crescendo de forma contínua desde os É verdade que aumentou em muito o número de confina as mulheres em guetos ou as registrando com Lula de dobrar o valor do Salário Mínimo em qua-
anos 1970. Cresceu mais do que a participação dos mulheres profissionais com um bom salário. Mas funções que não correspondem ao trabalho que rea- tro anos, o que seria, em valores reais para maio de
homens e o aumento populacional. Porém, em 2004, nesta faixa aumenta a diferenciação de salário entre lizam. Sem contar as políticas de apoio à reprodução 2006, R$ 566,00.
a taxa de atividade das mulheres era de 51,6%, e a mulheres e homens. E a maioria das mulheres tra- social, como creches, cuidado de idosos, que tornam
dos homens, 73,2%. Ou seja, se a taxa de atividade balha no mercado informal e com remunerações de as mulheres de fato livres, disponíveis para o traba- Sobrecarga de trabalho
de ambos os sexos fosse a mesma, quase dezessete até dois Salários Mínimos. A ocupação que emprega lho. Nas famílias pobres, o salário das mães de crian- e responsabilidades
milhões a mais de mulheres estariam no mercado mais mulheres e uma das que mais cresce é o em- ças de 4 a 6 anos que tem filhas e filhos na pré-escola As mulheres se sentem pressionadas e sem tem-
de trabalho. prego doméstico. A diferenciação entre as mulheres é 35% superior às demais. po. Este sentimento tem uma base de realidade. Das
E elas querem. Não somente porque os rendimen- é uma faceta da desigualdade, algumas mulheres mulheres ocupadas, 91,3% se dedicam aos afazeres
tos médios dos trabalhadores vêm caindo ou porque proprietárias ou gestoras do capital beneficiam-se de Valorização do Salário Mínimo domésticos, dedicando 22 horas em média a estas
dificilmente será compensado pelo salário dos filhos tantas outras mulheres que realizam serviços mal re- O aumento do Salário Mínimo é uma ferramenta tarefas; dos homens ocupados, 46% realizam afaze-
e filhas, já que o desemprego dos jovens é altíssimo. munerados e não valorizados socialmente. poderosa para aumentar a renda das mulheres, em res domésticos, dedicando 9,9 horas por semana a
Mas também por sua vontade de ter um emprego e especial das negras, porque elas são a maioria entre estas tarefas.
uma renda própria. Sua busca por autonomia se re- Desigualdade salarial as pessoas que ganham até dois salários mínimos. O corte nos gastos sociais públicos foi tendo como
flete no esforço por educação. Hoje mais mulheres As mulheres querem empregos com direitos e re- O aumento do mínimo beneficiaria imediatamen- contrapartida a transferência destas atividades para
do que homens têm mais de 12 anos de estudo ou muneração digna. Permanece a desigualdade salarial: te dezenove milhões de mulheres que recebem até as mulheres no trabalho comunitário e doméstico.
freqüentam curso superior. Mais mulheres chegam mulheres recebendo em média 70% dos rendimentos um mínimo, dentre elas muitas empregadas domés- O que desaparece do orçamento público aparece na
ao mercado de trabalho, maior é o desemprego das recebidos pelos homens, e as mulheres negras rece- ticas. O aumento do mínimo diminui a diferença intensificação da jornada extensa das mulheres. Esta
mulheres. Em 2004, a taxa de desocupação das mu- bendo em média 50% dos rendimentos das brancas. entre os salários mais altos e mais baixos. Também orientação aparece expressa nas recomendações e
lheres foi de 11,4% e a dos homens, 6,8%. Esta é mais uma manifestação da enorme diferença vai diminuir a diferença entre a média de salário de programas apoiados pelo Banco Mundial.
A resistência em aceitar o direito das mulheres ao entre o maior e o menor salário no Brasil, mais uma homens e mulheres, entre a média de salário das Esta orientação é acompanhada por um discurso
emprego revela o peso da divisão sexual do trabalho expressão da desigualdade de renda e da hierarquia pessoas negras e não negras e entre as mulheres ne- ideológico de exaltação da família, o familismo, e
na estrutura de nossa sociedade. O discurso ideoló- que estrutura nossa sociedade. gras e não negras. em última instância de responsabilização das mu-
gico é de que aos homens cabe a produção e às mu- As mulheres recebem menos do que os homens O aumento do Salário Mínimo movimenta a lheres. O ponto extremo deste discurso é de que a
lheres, a reprodução. Ambos se complementam na pela discriminação direta e indireta. São formas economia positivamente e é referência para quem violência na sociedade aumenta porque as mulheres
família tradicional: pai - provedor, mãe - cuidadora. de discriminação indireta o fato das mulheres se recebe e tem carteira assinada, para pessoas sem saíram de casa para trabalhar, não educaram bem
Na realidade, existem muitos outros arranjos fami- concentrarem em determinadas profissões e tare- carteira que calculam o preço de seu trabalho pelo seus filhos, são responsáveis pela dissolução da fa-
liares: mães com filhos, mulheres sozinhas, casais fas que são pior remuneradas justamente por serem mínimo e para pessoas que recebem até dois Salá- mília e por uma crise de valores.
de lésbicas. Mas este modelo marca a inserção das exercidas pelas mulheres. Quase a metade das tra- rios Mínimos. As cobranças para que as mulheres cumpram o
mulheres no mercado de trabalho e sua relação com balhadoras brasileiras está no setor de educação, Em 2005, 50% dos pisos salariais negociados en- que é considerado seu papel estão o tempo todo na
o Estado. É como se as mulheres trabalhassem em saúde e serviços sociais, 17% das trabalhadoras tre sindicatos e patrões estão na faixa de 1 a 1,5 mí- sociedade e legitimam chantagens, violência psi-
situações excepcionais, quando não têm um pai ou brasileiras são empregadas domésticas. As habili- nimos e cerca de 81% correspondem até 2 Salários cológica e física. Uma das bases da violência do-
marido para provê-las por estarem desempregados dades que as mulheres adquirem ao longo de sua Mínimos. No setor rural, quase todos estão na faixa méstica é a coação para que as mulheres realizem
ou por um salário complementar quando o do pro- socialização de gênero (destreza manual, paciên- de 1 a 1,5. No ramo da saúde, a média do valor dos gratuitamente o trabalho da reprodução, “o seu pa-
vedor é insuficiente. cia, capacidade de suportar atividades repetitivas) pisos é de 1,91 Salário Mínimo e no comércio, 1,62. pel”. “Não estava em casa na hora que eu cheguei”,
Esta não é a percepção da maioria das mulheres. são aproveitadas no mercado de trabalho, mas não A proposta da Marcha Mundial das Mulheres é “queimou o feijão” e tantas outras justificativas são
A pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostrou melhor remuneradas por isso. E por fim, o fato das de que o governo federal proponha ao Legislativo utilizadas pelos agressores e desculpadas como se
que sua expectativa para o futuro das filhas era es- mulheres serem responsáveis pelo cuidado da casa, uma Lei de Valorização do Salário Mínimo com re- fossem um transtorno emocional.

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SOBERANIA ALIMENTAR: Agroecologia


- Garantir o direito das camponesas a produzi-
jornadas de trabalho, facilitar o transporte público
e compartilhar o trabalho doméstico entre as pes-

Terra, Água, Sementes e Alimento rem alimentos e o direito das consumidoras de po-
derem decidir o que querem consumir, conscientes
soas que convivem.

de como os alimentos são produzidos. Sementes transgênicas, não!


Uma contra reforma agrária acontece todos os - Impedir as empresas de impor propriedade in-
Soberania Alimentar é o direito que os povos, os unidades de produção são 54% dos estabeleci- dias. Muitas camponesas e camponeses deixam o telectual sobre as formas de vida e comercializar
países ou as uniões de Estados têm de definir suas mentos agropecuários, mas têm acesso a apenas trabalho na terra porque estão endividados e não transgênicos (alimentos geneticamente modifica-
políticas agrícolas e alimentares e protegerem sua 2,67% das terras agricultáveis, muitas vezes ter- têm como competir com os grandes do agronegó- dos). Garantir o direito de usar, escolher, armaze-
produção para não serem prejudicados pelos de- ras de baixa qualidade e sem infra-estrutura. cio. Há muitos anos que os governos incentivam nar e trocar livremente sementes e espécies.
mais. Portanto, tem a ver com o direito dos povos No outro extremo, os 50 mil latifúndios, uni- um modelo de produção agrícola industrial baseado A radicalização deste modelo de agricultura
a formas justas de comércio internacional. dades com mais de mil hectares, que são 1% dos na compra de insumos (sementes, adubos, venenos) industrial é a manipulação genética de sementes
Este princípio foi proposto pela Via Campesi- estabelecimentos, controlam 44% do total, quase a com créditos subsidiados e na monocultura (plantio para que elas resistam a herbicidas produzidos pe-
na a partir de 1996, para se contrapor às políticas metade do Brasil rural. de uma só planta em todo o estabelecimento). las mesmas empresas ou para funcionarem como
neoliberais que protegem o interesse das grandes As mulheres têm ainda menor acesso à terra. Este modelo é contrário ao jeito de ser das cam- inseticidas. São as sementes transgênicas. Já são
empresas. Nas políticas de Livre Comércio, a ali- Apesar de o Código Civil garantir às filhas terem ponesas e camponeses, que combinam vários ti- comercializadas no Brasil sementes de milho, soja
mentação é apenas mais uma mercadoria, e não tanto direito quanto os filhos de herdar a terra, e pos de cultivo e criação, que usam suas próprias e algodão transgênico. Um derivado da soja, a leci-
um direito. Para os movimentos do campo, a idéia as mulheres serem meeiras (proprietárias da me- sementes selecionadas pela resistência ou pelo tina de soja, é muita usada como estabilizante nos
de Soberania Alimentar é também uma ferramenta tade dos bens constituídos durante o casamento ou gosto, e que não separam o que é para o auto-con- alimentos industrializados. Por isso encontramos
de luta e de propostas, apresentadas desde os go- união estável) e herdeiras do marido ou compa- sumo e o que é para a venda. Este jeito de ser foi tantos alimentos que contém transgênicos, mesmo
vernos locais até as instituições internacionais. nheiro, o costume exclui as mulheres deste direito. considerado atrasado e combatido pelas empresas que não estejam com um rótulo que indique isto
Antes que os movimentos afirmassem essa E mesmo que as mulheres sejam legalmente co- e pelo governo. como a lei prevê. Ninguém sabe exatamente o que
idéia, o problema social e internacional da alimen- proprietárias de um estabelecimento, muitas vezes Mas muitas camponesas e camponeses resis- um alimento transgênico pode causar. Já foram
tação só era discutido como emergência, em caso elas não conseguem decidir sobre como usar esta tem. Hoje estas maneiras de produzir que apro- percebidos casos de alergias ou resistência a anti-
de guerras, catástrofes ou pobreza: falava-se em terra, o que e como plantar ou criar. ximam a agricultura da natureza são reconheci- bióticos. Mas já se sabe que as sementes transgê-
Segurança Alimentar, que significa o acesso in- A Reforma Agrária no Brasil ainda é muito len- das em setores da universidade, órgãos públicos, nicas contaminam outras variedades de planta da
dividual aos alimentos em situação de falta, seja ta. Existem muitas famílias assentadas, mas não está na base do trabalho de muitas ONG´s e são mesma espécie, poluindo a natureza.
produzindo ou comprando. Mas o foco sempre era conseguimos reverter o padrão de concentração de conhecidas como agroecologia. As mulheres se As empresas que vendem sementes querem ga-
na compra e nas chamadas ajudas alimentares in- terra que existe no nosso país. identificam com este jeito de produzir porque rantir que vão receber o lucro da venda e que os
ternacionais, que vêm sempre impondo um hábito Desde março de 2003 é obrigatório que os títu- muitas das tarefas que realizam na produção e agricultores comprarão sementes todos os anos.
alimentar, como no caso da farinha de trigo e do los de concessão de uso dado às famílias ou asso- no cuidado são consideradas importantes para a Por isso elas impõem leis e regras que limitam o
leite em pó nos anos 1960, ou usando a população ciações sejam em nome da mulher e do homem e vida da família e da comunidade, e elas têm mais intercâmbio das sementes camponesas a casos ex-
pobre de cobaia, como no caso da distribuição de que nos casos de separação a terra fica com quem possibilidades de experimentar e serem criativas cepcionais.
milho transgênico nos últimos anos. ficar com os filhos e o outro entrará em um novo e autônomas. Na agricultura camponesa tem sido as mulhe-
A garantia do direito à alimentação passa por processo de seleção. Não existem estudos recen- As mulheres que vivem na cidade ainda são as res que mais comumente escolhem as sementes,
priorizar a produção local para a alimentação da po- tes mas, em 1996, o número de mulheres chefes responsáveis pela alimentação da família e a maio- guardam, trocam com as companheiras. São elas
pulação e assegurar o acesso das camponesas e das de família nos projetos de assentamento era in- ria dos profissionais da área. Elas trabalham du- que estão em qualquer momento querendo levar
sem-terra à terra, à água, às sementes e ao crédito. ferior à proporção de mulheres chefes de família rante todo o dia num emprego formal ou informal, uma semente, uma mudinha, para experimentar
assalariadas no meio rural. no cuidado da casa, da família e da comunidade. em casa, para ver se pega. Nesta nova ordem este
Para que haja Soberania Para assegurar o acesso das mulheres à terra te- Cansadas e sem ter com quem compartilhar o tra- simples gesto é uma desobediência civil.
Alimentar é preciso: mos que ampliar a consciência sobre este direito, balho de compra e preparo dos alimentos, mesmo
realizar uma ampla Reforma Agrária e para isso insatisfeitas, acabam comprando alimentos indus- Direito à água
Fazer Reforma Agrária é urgente a revisão dos índices de produtividade, trializados. O padrão alimentar atual é muito ruim - Manter a água como um bem público e um di-
No Brasil, a terra é muito concentrada. Os da- que são a medida para desapropriação e enfrentar para a saúde. Mas para revê-lo temos que mudar reito, distribuída e utilizada de forma igualitária e
dos do censo agrícola mostram que as pequenas o sistema judiciário. a forma como a sociedade se organiza: reduzir as sustentável.

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

A água é um bem essencial ao bem-estar das pes-


soas e à produção. No Brasil, o acesso à água é mui-
e consomem, serem contra as importações agrí-
colas e o dumping, e em favor de uma produção RAÇA
to mal dividido. Nas grandes fazendas do Nordeste
sempre tem um açude, mas as mulheres sertanejas
camponesa sustentável.
A Organização Mundial do Comércio e os Tra- Mulher negra um novo paradigma para
têm que andar quilômetros e mais quilômetros para
conseguir água. Começam a aumentar iniciativas
tados de Livre Comércio que os Estados Unidos
estão impondo aos países das Américas tratam a
igualdade de gênero e raça
como a construção de cisternas para guardar água agricultura como uma mercadoria. Além do mais,
de chuva. E tem mesmo mulheres cisterneiras, no o Acordo sobre Agricultura favorece a agricul- O Brasil está no 79º lugar no ranking de desen- e psicológico. Dada a grande pressão sofrida na
Rio Grande do Norte. Mas ainda predomina a idéia tura industrial e subsidiada dos Estados Unidos volvimento humano, se separarmos a população sociedade pelo estigma de estar sempre buscando
de que são necessárias grandes obras, como o pro- e União Européia que vende seus produtos com branca da negra, teríamos dois índices: para os fôlego para sobreviver, a mulher negra têm pro-
jeto de transposição do rio São Francisco. preços abaixo do custo de produção para os pa- brancos o número 42 do ranking e para os negros e pensão maior à hipertensão, à diabetes tipo 2.
A novidade é que, na onda da privatização e da íses do Sul. Eles consolidam uma divisão inter- negras 74º, provando que existem dois Brasis. Um Neste quadro da saúde da mulher, as negras ain-
mercantilização da natureza, se espalha a idéia de nacional do trabalho na qual os países do Sul ex- quase no primeiro mundo e outro junto aos conti- da são as que mais morrem por eclampsia e por
que a forma de economizar água seria cobrar por portam produtos com uso intensivo de trabalho nentes e países mais pobres do planeta. abortos mau feitos. Um caso a parte são as doenças
ela. Existem duas grandes empresas transnacio- e recursos naturais. Esta é também uma divisão Esta medida demonstra que o Brasil, em pleno mentais adquiridas por pressões sociais, que hoje
nais que controlam o mercado de água no mundo, sexual do trabalho. As mulheres são a maioria século 21, possui uma grande desigualdade racial são comprovadas como doenças psico-sociais, o
a Suez e a Vivendi. Elas estão metidas em muitos dos assalariados na produção de flores, frutas e que separa brancos de negros. antigo banzo (sentimento dos escravos que entra-
negócios: saneamento e distribuição de água, ex- legumes exóticos, beneficiamento de castanhas e Somos aproximadamente 169,5 milhões de ha- vam em tristeza profunda até morrer) que hoje deu
ploração de minas de água como se fossem jazidas peixes, exportados quase que integralmente para bitantes no território brasileiro; deste montante lugar à depressão.
minerais. Onde elas atuam os contratos são sempre os países do Norte. 50,79%, são mulheres, 45,3% são negros. Entre a Mas a mulher negra resiste, e esta resistência
lesivos ao povo e aos governos nacionais. Já hou- Este modelo acaba com a agricultura camponesa população negra, 49% são mulheres, o equivalente desde sempre se deu por nossa organização, desde
ve grandes mobilizações contra a privatização da e indígena. Não é a toa que as maiores lutas de re- a 37.602.461. Somos maioria e minoria no acesso o início do século que as mulheres negras estão na
água e contra estas empresas como em Cochabam- sistência contra estes tratados têm sido feitas pelas aos bens sociais. luta por liberdade, nos quilombos, nas irmandades,
ba, na Bolívia, no Uruguai e na Argentina. camponesas e camponeses e povos indígenas. São as mulheres negras as campeãs nos índices nos candomblés.
Antes se dizia que a ninguém se nega um copo As mulheres são apresentadas por instituições de desemprego. As mulheres ocupam 61% dos Por muito tempo as mulheres negras ficaram in-
de água. Mas agora temos que comprar água para como o Banco Mundial como as ganhadoras empregos precários, as negras são 71% deste uni- visíveis nos movimentos que atuam, feminista e ne-
beber. O mercado de água engarrafada é muito lu- deste modelo porque elas passam a ter um salá- verso. (dados OIT). gro. A temática da mulher negra se misturava à luta
crativo, e controlado por poucas empresas como a rio próprio. Porém, as condições de trabalho são As mulheres negras contribuíram, desde Qui- contra o racismo e contra o machismo, sem levar
Nestlé e a Danone. péssimas e a maioria só encontra trabalho quan- lombos dos Palmares, a construção de um modelo em conta nossas diferenças, que não são poucas.
do jovem e em períodos curtos do ano. Ganham de sociedade, justa e inclusiva. No pós Abolição Quando a mulher negra começou a expor sua es-
Agricultura não é mercadoria por produtividade e por isso trabalham intensa- foram as mulheres negras que foram às ruas buscar pecificidade, tanto o movimento negro quanto o fe-
- Garantir a capacidade dos países de fazer mente, pois é com este rendimento que viverão ocupação, pois a nova ordem colocava os negros e minista reconheceram a necessidade de um fórum
políticas para proteger as pessoas que produzem durante todo o ano. negras fora do ciclo produtivo. específico para se avançar na luta em conjunto.
Através das irmandades das casas de candomblé Quando tipificamos a luta da mulher negra te-
as mulheres foram resistindo à situação adversa e mos as condicionantes de gênero, raça/etnia e clas-
gerando pequenas rendas e possibilidades de man- se. São a mulheres negras as que estão na linha
ter viva a sua etnia. da pobreza e da miséria, estamos no último lugar
Coube as mulheres negras a resistência à teo- na pirâmide econômica. Sofreram três séculos de
ria do embranquecimento implantada no país, pós abuso e escravidão, mas resistiram.
Abolição, quando diversas teorias foram lançadas, Na Conferência de Durban o Brasil teve que as-
mostrando que a miscigenação seria o caminho da sumir o seu racismo, e também assumir uma série
redenção da raça negra, o trabalho para se estabe- de medidas para minorar o processo de exclusão
lecer uma nova Europa, ou o país moreno. remanescente da escravatura. Como considera o
Todo este trabalho não tirou a mulher negra ain- racismo um crime universal, coloca a necessida-
da hoje da situação de aniquilamento físico, social de de que os países que tenham problemas raciais

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

VIOLÊNCIA SEXISTA
estabeleçam políticas públicas reparatórias, para to, que sofre com intolerância religiosa, temos pro-
diminuir as desigualdades, vindas de um sistema postas em todas as áreas para incluir e melhorar a
racista e excludente. vida das mulheres negras. Tiramos propostas paras
Aqui no Brasil o Governo Lula lançou o pro- as mulheres lésbicas, quilombolas, sacerdotisas de
grama de combate ao racismo, no qual foram es- matrizes africanas, mulheres urbanas, mulheres Violência sexista é aquela que a mulher sofre res. A cultura ocidental na qual estamos inseridas
tabelecidas várias medidas de impacto em relação guerreiras, e sabemos que a luta das mulheres ne- pelo fato de ser mulher e é exercida pelos homens. está estruturada a partir de representações duais,
à questão quilombola, e também, como primeira gras é a luta de todas as feministas que acreditam Tem suas bases na existência de relações desiguais através de símbolos como Eva e Maria.
medida de mandato, aprovou a Lei 10.632, que es- em um mundo melhor, sem opressão de gênero ou entre homens e mulheres, que são sustentadas As mulheres ao longo da história foram consi-
tabelece o ensino da matéria História da África, de raça. pela construção social do ser mulher como gêne- deradas profanas ou virtuosas conforme nos mo-
no currículo escolar. Foi realizada a Conferência A mulher negra caminha para um novo paradig- ro feminino inferior ao ser homem como gênero vemos no terreno que a cultura nos destina. Por-
Nacional da Promoção da Igualdade Racial e a ma rumo ao mundo sem opressão de qualquer es- masculino. As mulheres vivem uma situação de tanto, somos qualificadas como puras ou impuras
Conferência das Mulheres, quando várias pautas pécie. Viva Dandara, Lélia Gonzáles, Beth Lobo, e desigualdade em todas as esferas da sociedade e segundo cumprimos ou não o papel feminino da
foram estabelecidas. todas as mulheres de raça e de garra que mudaram são consideradas subordinadas, dependentes e per- maternidade, considerado nosso principal papel.
As mulheres negras fizeram a diferença, estabe- a história de outras que irão mudar o mundo. tencentes aos homens. Como decorrência dessas Essas representações definem que devemos ser in-
leceram parcerias e sabemos que da adolescente, Ashé e luta para a relações desiguais de gênero, todas estão sujeitas tuitivas, sensíveis, cuidadoras, delicadas, amáveis,
explorada com trabalho infantil, até a mãe de san- Marcha Mundial de Mulheres! a esse tipo de violência, que é sempre praticada carinhosas e boas donas de casa. As manifestações
pelos homens, e por isso chamamos de violência de violência em geral são justificadas com o argu-
sexista. Em geral a violência é exercida por pesso- mento de que não estamos cumprindo bem nosso
as que estão muito próximas das mulheres: os ma- papel. Igualmente quando freqüentamos os espa-
ridos, amantes, namorados, pais, parentes, amigos ços públicos se presume que estamos disponíveis
e colegas de trabalho. É também um terreno onde sexualmente e com isso se justifica o assédio ou
nos sentimos permanentemente constrangidas e várias expressões utilizadas com esse fim.
nos impõe um sentimento de perigo e, portanto, a
necessidade de estar sempre em vigília. Desnaturalizando a violência
O feminismo foi o movimento social que tomou
Construção social da violência a iniciativa de denunciar essa violência e de lutar
A violência foi sempre tão naturalizada que às contra ela. Trouxe para o espaço público o que se
vezes não nos damos conta, em determinados mo- vivia no espaço privado, como parte do destino.
mentos, que estamos sendo vítimas de violência Com isso desnaturalizou esses fatos e contribuiu
sexista. Por isso, é importante conceituar a partir para a construção do conceito de perigo que as mu-
do feminismo o que é violência, ou seja, toda vez lheres vivem enquanto permanecer a violência.
que as mulheres somos consideradas coisas, ob- De acordo com dados mundiais, o risco de uma
jetos de posse e poder dos homens e, portanto, mulher ser agredida em sua própria casa, pelo mari-
inferiores e descartáveis. Quando na rua um ho- do, ex-marido ou atual companheiro, é nove vezes
mem que sequer nos olhou, mas só pelo fato de maior do que na rua. É no local de moradia que a
ser uma mulher nos dirige gracejos, cantadas é a violência é mais freqüente e apresenta as mais va-
mesma motivação que faz com que eles cometam riadas formas. Praticada por pais, maridos, compa-
estupros contra as mulheres. Ou seja, elas estão nheiros e amantes, é uma expressão extrema das
por ali e eles podem dispor de seu corpo como contradições de gênero, que revela a crueza e a pro-
um objeto. fundidade do problema.
Como todos os outros aspectos da opressão das Por medo, vergonha, sentimento de culpa, so-
mulheres, a violência sexista foi construída social- mados ao descrédito em relação à eficácia da Jus-
mente e tem sua base material na divisão sexual do tiça, elas silenciam diante dos atos de violência.
trabalho, sustentada na construção de uma cultura Com esse silêncio, que não é por sua vontade, con-
patriarcal e misógina, que desqualifica as mulhe- tribuem para que sequer se conheça a extensão da

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

violência e também para manter a impunidade.


Mas a impunidade existe não só por isso. Con-
inclusive para as do campo. Outro aspecto é como
transformar essa política em prevenção de fato, SEXUALIDADE
tribuem para ela a ineficiência da Justiça, que ain- para que realmente contribua para que as mulheres
da abriga muitas leis discriminatórias, e a maioria vivam livres de violência e também para que haja
dos homens que se solidarizam entre si e usam jus- mudança da sociedade, em particular dos homens, As idéias dominantes na sociedade tentam fazer ticas definem em boa parte o que é o modelo sexu-
tificativas para a violência. Um dos principais re- e que a violência seja considerada algo inaceitável. acreditar que a sexualidade é parte da ordem natu- al que se tenta impor. Mas é preciso lembrar que é
cursos utilizados para não se punirem os culpados Isso contribuirá para superar uma visão cada vez ral e biológica. Justificam que há uma sexualidade extremamente patriarcal e se estruturou a partir do
é transformar as mulheres de vítimas em rés. maior que vincula o combate à violência às ações masculina diferente da feminina. Associam a uma colonialismo, que se deu através da escravidão dos
Nunca é demais remarcar que em uma situação de punição. suposta essência biológica que seria responsável negros e escravidão e extermínio dos índios. Além
de aumento do individualismo, de fragmentação Na Marcha Mundial das Mulheres começamos pelas diferenças entre homens e mulheres em re- das mulheres negras e indígenas terem sido estu-
do tecido social e dos laços de solidariedade ocor- uma campanha contra a violência sexista e con- lação à sexualidade, mas também ao gênero, ao pradas. Não é de se estranhar que a história seja
re o aumento da violência doméstica, uma vez que tra a pobreza. Queremos fazer um debate e uma ser homem - masculino e ser mulher - feminina. contada como se as indígenas se oferecessem ou a
na situação de vulnerabilidade na qual os homens ação política ampla que se antecipe a ocorrência A partir disso se diz dessa natureza sexual que o construção da negra como fogosa ou de natureza
também se encontram as mulheres, muitas vezes, da violência, sendo verdadeiramente preventiva. homem tem uma sexualidade insaciável, ativa, vi- forte, até todas as questões que marcam a imagem
são seu último e único reduto de poder. Já se conhece a extensão e intensidade da violên- ril enquanto as mulheres são passivas e com mais da brasileira como símbolo de erotismo e sensua-
O feminismo foi quem trouxe para o espaço pú- cia, então é necessário não esperar que haja uma necessidade afetiva do que de sexo. lidade. Nessa imagem das mulheres há verdades e
blico o tema da violência como um problema po- denúncia, mas ter esse tema em pauta nos grupos Na verdade, a sexualidade, como outros aspec- mentiras. É fato que a sexualidade das mulheres
lítico e que deve ser enfrentado pelo conjunto da de mulheres, nas organizações mistas, nas rádios tos das relações humanas, é construída socialmen- brasileiras é marcada pela interação dos diversos
sociedade, tirando do lugar antes colocado da inti- comunitárias, nos jornais de movimento, nas TVs te. Muda ao longo da história e tem vários fatores fatores somados à resistência negra e popular. Isso
midade do lar. No Brasil, um destaque nesse pro- educativas, etc. Para isso acreditamos que o mo- que interferem. influenciou a cultura, as relações, práticas sociais
cesso para a luta contra a impunidade dos crimes vimento feminista deve construir uma forte e ex- Essa idéia de naturalização é passada como e o jeito de ser.
cometidos por maridos, ex-maridos, namorados, tensa auto-organização das mulheres lutando por forma de tentar convencer as mulheres de que as Uma análise mais profunda da sexualidade bra-
amantes. Mas essa realidade continua com quase autonomia e autodeterminação. E que essa organi- práticas sexuais são parte do destino biológico e, sileira deve buscar conhecer todos os elementos
nenhuma alteração. zação deve, em conjunto com outros movimentos portanto, esconde a desigualdade e as relações de sócio-culturais e sua inter-relação. Mas isso não
sociais, construir uma forte mobilização por trans- poder entre homens e mulheres na sexualidade. nos impede de ver características gerais e a partir
Política pública para todas as mulheres formações gerais na sociedade e que inclua o com- A vivência da sexualidade para as mulheres está daí fazer o debate sobre as especificidades e parti-
A partir da ação do movimeto de mulheres, no ponente feminista nesse projeto. marcada pelas relações opressivas que vivem. cularidades. De um modo geral, pode-se dizer que
Brasil desde os anos 1980, foram iniciados progra- Essas ações são necessárias para que haja puni- Existe a tentativa de impor um modelo como a no Brasil a existência da imposição de um modelo
mas governamentais de atenção às mulheres que ção aos agressores e mecanismos de apoio às mu- forma correta de viver a sexualidade. Mas o que se sexual dominante, considerado normal, não en-
sofrem violência doméstica e sexual. Essas ações lheres vítimas de violência. Porém não são suficien- verifica é que ao longo do tempo este modelo não quadra todas as mulheres. Mesmo nos momentos
são a instalação de delegacias de mulheres, hoje em tes para acabar com a violência sexista. As raízes se impôs totalmente. Sempre houve transgressões de maior repressão, nem todas viveram sua sexua-
torno de 60 no Brasil, casas abrigo para mulheres dessa violência estão na situação de desigualdade e e questionamentos às normas dominantes. Embora lidade de acordo com esse modelo imposto. Além
em situação de risco e centros de referência, dis- opressão das mulheres enquanto gênero. em certos momentos o modelo se impôs com mais disso, muitas são discriminadas e castigadas, mes-
que-denúncias. Atualmente, depois de aprovada na Será preciso também uma luta geral que com- força. Basta lembrar das referências à Era Vitoria- mo quando suas práticas fazem parte do próprio
Câmara Federal, está em tramitação um Projeto de bata todos os mecanismos de manutenção dessa na como um tempo de muita repressão. modelo, como é o caso da prostituição. A existên-
Lei que trata do tema do violência doméstica e se- opressão, e essa luta tem de ser construída pelas Mas é necessário analisar as especificidades e cia de uma norma tem o objetivo de classificar as
xual. A avaliação a ser feita é o alcance dos atuais próprias mulheres. É um dos desafios colocados ver como a sexualidade se relaciona com desejo, pessoas, já que nunca abarcará todos. Quem está
programas e quais os desafios temos para que uma para a Marcha Mundial das Mulheres contra a Po- erotismo e acontece no campo das relações inter- fora do que é considerado “normal” é estigmatiza-
política pública chegue ao conjunto das mulheres, breza e a Violência Sexista. pessoais, a vivência de cada uma passa por como do e acusado de desvio.
percebe e reage à cultura, às normas e como ex-
pressa sua individualidade. Tabus, mistérios e desinformação
à serviço do controle
Características do modelo dominante A sexualidade geralmente está associada a tabus,
O Brasil é um país capitalista e faz parte da cha- mistérios e desinformação. De acordo com a épo-
mada sociedade cristã-ocidental. Essas caracterís- ca, esses mecanismos de controle se modificam,

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

porque o que é eficaz em determinado momento que se avaliam a honestidade e a honra de uma da maternidade. Maternidade e sexualidade são as- locou a questão da autonomia destas e do seu po-
ou lugar não o é em outro. mulher. Entre os recursos de controle podemos ci- sociadas à dependência de um homem. der de decidir e escolher. Questionou a repressão,
Os tabus em torno do corpo e da sexualidade das tar a exigência da virgindade durante tanto tempo, a imposição e o castigo. Ao questionar a suprema-
mulheres são vários. A questão da menstruação é a punição das relações fora do casamento, a vincu- Negação do desejo feminino cia masculina, contribuiu também para construir o
um bom exemplo. Apresentada por muito tempo lação da sexualidade à procriação. E, no outro lado e valorização da mulher assexuada conceito de perigo sexual para as mulheres.
como incômoda, impura, com mau-cheiro, faz da moeda, está a prostituição. Para os homens, uti- Ao longo de muitos séculos, sempre se tentou Para concretizar a separação entre a sexualida-
com que as mulheres gostem menos de si, se sin- lizar a prostituição é um bem; já as prostitutas, por impor às mulheres que a vontade dos homens é a de e a imposição da maternidade, a luta feminista
tam inferiores etc. Isso tem sido justificativa para a sua vez, são mulheres desonradas. É o que se cha- que vale. Ainda hoje elas são estimuladas a agra- pelo direito ao aborto é fundamental para a eman-
imposição de controle sobre o corpo das mulheres, ma dupla moral: uma para os homens, outra para dar aos homens e, em geral, aparece pouco a satis- cipação das mulheres. A defesa desse direito sem-
envolvendo não só padrões de beleza, mas tam- as mulheres. fação de seu próprio desejo. Aparece menos ain- pre foi levada juntamente com a do acesso aos
bém interferência em processos biológicos. Um da a importância de sua autonomia e escolha. Em métodos anticoncepcionais, igualmente conside-
exemplo atual de interferência sobre o corpo das A heterossexualidade como norma função disso, existe toda uma parafernália para rado fundamental para o exercício da sexualidade
mulheres é o uso indiscriminado da TRH (Terapia A imposição da heterossexualidade como a for- estarem sempre sedutoras, mas o mais grave é o com autonomia.
de Reposição Hormonal), quando se aproxima a ma correta de viver a sexualidade é peça-chave do fato de sua vontade e seu desejo não contarem. Por O feminismo denunciou ainda todas as formas
menopausa, não só em nome de prevenir sintomas processo de socialização das mulheres, como gê- isso, é comum que realizem práticas sexuais que de abuso e violência contra as mulheres e também
indesejáveis como para manter uma eterna juven- nero feminino, e dos homens, como masculino e, não desejam, a fim de não serem consideradas ina- o estupro dentro do casamento, antes considerado
tude. Verifica-se que a imposição e o controle não portanto, da incorporação desses modelos. Isso é dequadas. Muitas vezes, elas têm relações sexuais normal, diante da suposta obrigação da esposa de
param por aí, sendo cada vez mais incentivado o obtido através da imbricação, em um único pro- sem querer, porque o seu “não” é desconsiderado. servir sexualmente o marido. Mostrou que a des-
uso de hormônios que inibem a menstruação, sob cesso, da construção de identidade de gênero e da A desconsideração do “não” das mulheres se ex- valorização generalizada do feminino definia um
o pretexto de ser um incômodo. identidade sexual. pressa no ditado machista: “não existe mulher di- padrão de comportamento masculino de agressão
É claro que, para se impor de forma tão rígida fícil, e sim a mal cantada”. permanente às mulheres e a visão delas como ob-
Intenção de procriar como os gêneros e a heterossexualidade, não se pode tra- jeto de posse, tudo expresso na forma de piadas,
critério de normalidade balhar com a diversidade da realidade, mas com As contribuições do feminismo cantadas, assédio, humilhações, estupros.
Houve um tempo em que a valorização das mu- binômios antagônicos e estruturas bem definidas: A chamada segunda onda do feminismo, surgi- Inicialmente o debate feminista ocorreu dentro
lheres por sua capacidade reprodutiva era bastante isso é de homem, aquilo é de mulher; mulher usa da nos anos 1960, atuou em um ambiente de forte dos marcos da heterossexualidade, criticando a he-
explícita. Em muitas culturas, se a mulher fosse rosa, homem usa azul. contestação ao sistema capitalista e aos valores gemonia masculina nas relações sexuais e defen-
estéril, o marido podia pedir o divórcio. Ainda Assim como os gêneros, as formas de sexua- tradicionais, que propiciava abertura para novas dendo o direito das mulheres ao prazer sexual. Foi
hoje, a maternidade é colocada como a máxima re- lidade masculina ou feminina aparecem como formas de organização. a partir da organização de coletivos lésbicos que
alização das mulheres. As práticas sexuais consi- parte da “natureza humana”, vinculadas à repro- Ao denunciar a opressão das mulheres e os me- se começou a questionar o fato de considerar as
deradas normais são aquelas vinculadas ao modelo dução, num contexto em que a homossexualida- canismos de sua subordinação na família, o femi- relações heterossexuais como as únicas normais e
reprodutivo: sexo oral, sexo anal e masturbação até de masculina, o lesbianismo e a bissexualidade nismo mostrou que o pessoal também é político, a denunciar esse fato como imposição da heteros-
são considerados normais, se forem preliminares são considerados desvios. A ciência, expressando questionando assim um dos pilares fundamentais sexualidade a todas as mulheres. Esse questiona-
ao coito vaginal, mas, se o substituem, são consi- condicionamentos históricos e sociais, tem ten- da opressão das mulheres no capitalismo, que é mento representou também uma crítica às limita-
derados anormais. tado provar que essas outras opções, quebras do a separação da vida entre uma esfera pública e ções do feminismo e a dificuldade de considerar a
A maternidade é colocada como central e essa modelo dominante e “naturalizado”, ocorrem por outra privada. Nessa separação, o que se vive na diversidade de experiências das mulheres.
cultura definiu um tratamento ambíguo, classifi- algum problema biológico. esfera privada e da família é considerado parti- A evolução desse debate, sem aprofundar aqui
cando as mulheres como boas e más, santas e pe- Esse modelo nega a expressão da diversidade, cular, campo regido, nesta sociedade, pelo poder as diferenças de visão construídas no interior do
cadoras. No que se refere à sexualidade, esse duplo uma vez que ele se baseia na imposição de uma masculino. Pode-se dizer que, no âmbito da sexu- movimento, possibilitou contemplar a multipli-
padrão forçou um pacto entre homens e mulheres: norma rígida. Discrimina, pune e estigmatiza todas alidade, a ação feminista foi pioneira na denúncia cidade de fatores que intervêm na sexualidade e
se assexuadas, elas são vistas como virtuosas e lhes e todos que transgridem tais normas. A intolerância da supremacia masculina. contribuir para a compreensão da diversidade e
é reservada a proteção masculina; se expressam com a sexualidade lésbica é maior, pois essa socie- O feminismo colocou a importância de separar variedade de expressões da sexualidade femini-
seu desejo são consideradas profanas e, portanto, dade é ainda mais intolerante com a transgressão maternidade de sexualidade e defendeu o direito na. Olhar para a diversidade mostra que muitas
lhes é dirigido o desrespeito, a humilhação. feminina e a expressão de seu desejo sexual. Into- das mulheres de expressarem seu desejo sexual. mulheres vivem sua sexualidade a partir de ele-
Esse modelo baseia-se em mais repressão e con- lerante e com a idéia que recusou seu lugar natural Construiu formas coletivas de expressão das mu- mentos introjetados no processo de socialização e
trole sobre a sexualidade feminina e é a partir dele que vincula a heterossexualidade com a obrigação lheres e para a afirmação de seu desejo sexual. Co- educação como a doçura, a ternura e uma sexuali-

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

dade mais ou menos difusa. Mas também consta- preender o papel das fantasias e que muitas vezes
ta-se que nem todas são ternas, doces e amorosas
e que há mulheres - heterossexuais ou lésbicas
é difícil separar do ponto de vista de vivência o
limite entre fantasias e práticas. Por fim, é impor-
ABORTO
- que gostam de jogar sexualmente com a agres- tante afirmar que é difícil saber o que realmente
sividade e com o poder. Para isso é preciso com- se conhece da sexualidade. O silêncio que existe sobre o aborto muitas ve- foi quem denunciou os vários aspectos da opressão
zes esconde a verdadeira realidade. Mais mulheres das mulheres. Atua pelo direito à autodeterminação
do que se pode imaginar já tiveram que recorrer ao e autonomia das mulheres. O tema do aborto sem-
aborto diante de uma gravidez indesejada. Basta pre foi discutido de forma ampla, compreendendo
prestarmos atenção e ver que todo mundo tem uma a defesa da necessidade que todas tenham direi-
história para contar, conhece alguém de sua família, to à informação e à anticoncepção. Mas também
escola ou comunidade que engravidou fora de hora compreendendo que as relações de poder que exis-
apesar de usar método anticoncepcional, que sofreu tem no campo da sexualidade fazem com que, na
um estupro e além de toda violência engravidou. maioria das vezes, as mulheres não possam decidir
Ou então aquela amiga cujo namorado não admite livremente. Além disso, a realidade do aborto sem-
usar preservativo. Já ouviu falar também de mulhe- pre foi tratada também em suas dimensões de clas-
res que sofreram abortos naturais. O aborto pode se e saúde. São as mulheres pobres, em particular
ser involuntário quando ocorre de forma espontâ- as jovens, negras e camponesas as que mais correm
nea, sem que a mulher queira, ou ocorre por sua risco e ficam com mais seqüelas para a saúde, uma
decisão diante de uma gravidez indesejada. vez que recorrem mais a abortos inseguros.
Quando as mulheres precisam fazer aborto cor- A criminalização do aborto condena milhões
rem dois riscos: de serem consideradas criminosas de mulheres a viver com culpa, vergonha e medo.
e por isso é feito clandestinamente. E o segundo Culpa porque é considerada pecadora e terá que
é o risco de morte e seqüelas que podem ocorrer, ser castigada. Vergonha porque recusou a mater-
uma vez que a maioria dos abortos é realizada de nidade e não tem esse direito. Medo da polícia, da
forma insegura. família, de todos. Hoje, são milhões de “crimino-
Essa situação demonstra que não é reconheci- sas” e tantas outras “cúmplices”.
do o direito das mulheres de decidirem sobre suas O feminismo defende que as mulheres decidam
vidas, seus corpos, sua sexualidade. Elas ainda sobre sua reprodução e sexualidade. Nem os ho-
são vistas com a obrigatoriedade de serem mães, mens, nem o Estado, nem as igrejas devem inter-
esposas e sempre associado à subordinação e de- ferir nessa decisão.
pendência. A imposição da maternidade como um Se as mulheres passarem a decidir sobre a ma-
destino foi ponto central para redefinir a opressão ternidade se quebrará um pilar fundamental de sua
das mulheres dentro da sociedade burguesa no Oci- opressão. As mulheres têm direito de definir como
dente cristão. Aí, a família foi imposta como o lu- querem viver a sua vida: como casadas ou não,
gar das mulheres e a maternidade considerada sua com ou sem filhos, lésbicas ou heterossexuais.
principal possibilidade de realização. Na verdade, Isso significa repensar no conjunto o seu lugar na
o papel da família é o da reprodução, que mantém sociedade - do seu direito pleno ao trabalho digno
um reduto que assegura a supremacia masculina à construção de novas relações sociais até um mo-
através da divisão entre uma esfera pública e pri- delo de políticas públicas que garanta o exercício
vada, entre produção e reprodução, onde o traba- desses direitos.
lho doméstico e o cuidado com a vida humana são
desvalorizados e invisíveis. Os espaços de poder Aumentando a consciência
e decisão na sociedade ainda são quase exclusiva- No Brasil no fim dos anos 1980 e início dos
mente masculinos. 1990, o tema do aborto foi amplamente discuti-
O movimento de mulheres de caráter feminista do em vários setores do movimento, fazendo que

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

naqueles anos se aumentasse a consciência desse


direito. Vários movimentos como a CUT e a CMP
enfatizar o lobby na mídia e no parlamento.
A partir dessa decisão da Conferência, a Mar- PROSTITUIÇÃO
se posicionaram favoráveis à descriminalização e
à garantia de atendimento público e gratuito.
cha Mundial das Mulheres intensificou as ações
em torno do tema do aborto. Além dos debates e Algumas reflexões sobre os argumentos
Mas na segunda metade da década de 1990, pre-
valeceu uma visão, no Brasil e em toda a Améri-
atos, realizamos seminários e colagens em várias
cidades, sendo que várias dessas atividades foram
mais comuns para a legalização
ca Latina, de ações institucionais e que trabalhou realizadas pelas jovens.
uma estratégia de ampliação do direito ao aborto Para a Marcha Mundial das Mulheres no Brasil Este texto tem por objetivo contestar o argu- ciadores, além de não estarem livres de violência.
por etapas, iniciando pela regulamentação na rede o desafio é como colocar o protagonismo da luta mento principal das propostas de legalização da A prostituição que gera o tráfico de mulheres, mes-
pública dos casos já previstos em lei. Nessa es- pelo aborto na organização entre as mulheres e na prostituição, qual seja, de que ela é uma profissão mo de adolescentes e crianças, é uma organização
colha a mobilização foi secundária e prevaleceu articulação de aliados, enfocando a autonomia de como outra qualquer, ou melhor, uma simples tro- lucrativa nacional e internacional de exploração
a proposta de lobby nos meios de comunicação e decisão, por um Projeto de Lei que se centre no ca de serviços sexuais contra remuneração livre- sexual de outros, a maioria mulheres, em geral or-
nos legislativos. Mas esses também foram anos de direito das mulheres decidirem sobre o aborto e na mente estabelecida, ou seja, de compra e venda de ganizações empresariais criminosas.
retrocesso ideológico e de fortalecimento de po- garantia de atendimento no serviço público. Por serviços sexuais.
líticas conservadoras em todos os campos. A so- isso acreditamos que só avançaremos com uma Ao contrário, o presente texto encara a prostitui- 2- “A prostituição sempre existiu.
matória desses dois fatores fragilizou a luta pelo ampla articulação em torno dessa luta, com a for- ção e o tráfico de pessoas como uma das principais É a mais antiga profissão do mundo”.
direito a descriminalização e legalização do abor- mação de comitês locais, coordenações estaduais formas de opressão das mulheres pela manutenção
to. Além disso, cresceram as iniciativas da direita, e nacional. E que seja a partir dessa organização da supremacia masculina. Em geral é mantida por Por isso, nessa visão, trata-se de regulamen-
tanto do ponto de vista legislativo como de criação que se definam as estratégias de mobilização e ne- meios de coerção física e psíquica que perpetuam tá-la. É o mais comum dos falsos argumentos ou
de grupos pró-vida. gociação com parlamento e governo. O aborto só a dominação masculina através da exploração se- sofismas em defesa do “status quo” masculino
A I Conferência Nacional de Políticas para as será descriminalizado e legalizado se de fato cons- xual de outros, a maioria mulheres, mas também, ou de seus privilégios patriarcais, apelando para
Mulheres, organizada pela Secretaria Nacional de truirmos um amplo movimento social que defenda crianças e adolescentes, rapazes com orientações um suposto bom senso, uma suposta superação
Políticas para as Mulheres do governo federal, em essa bandeira. Ela deve ser levada pelo conjunto sexuais diferentes, independentes do sexo anatô- da hipocrisia. Na verdade, prega uma rendição à
julho de 2004, aprovou como diretriz a descrimina- do movimento de mulheres e com a construção mico. O importante a notar é que a prostituição be- miséria e à opressão sexual e exploração de seres
lização e a legalização do aborto. Embora o debate efetiva de uma ampla aliança com os movimentos neficia especialmente alguns homens que lucram humanos feita por supostos defensores das pros-
entre lideranças do movimento de mulheres e seto- sociais e setores profissionais. com a mercantilização do sexo e com a exploração titutas. A falta de lógica, quando não de cinismo
res do governo tenha sido praticamente consensu- É também importante reforçar que a luta pela sexual de pessoas, sobretudo das mulheres. dos cordiais cavalheiros do poder patriarcal é evi-
al, ainda estamos com pouco poder de transformar descriminalização e legalização do aborto só será dente nesse caso. Seria como raciocinarmos assim:
essa diretriz em objetivo concreto de luta, seja por- vitoriosa se houver uma forte radicalização na Cuidado com os falsos argumentos: sempre houve crimes e violência na humanidade,
que a laicidade do Estado ainda seja em nosso país luta feminista que possibilite um avanço de cons- Mitos, representações e ideologias envolvem a então vamos legalizar o crime! Vamos nos render
uma ilusão e a questão do aborto se torna moeda de cientização e de ruptura com valores conservado- prostituição. É necessário desvendá-los, pois têm à realidade! Pensemos: se sempre houve ou have-
chantagem eleitoral (e os políticos evitam debatê- res. Por isso tem que ser um movimento amplo, a função de encorajá-la e legitimá-la. Cito a seguir rá crimes, guerras, violências vamos nos abster de
la), seja porque as feministas adotaram uma estra- capaz de mobilizar e alterar a correlação de for- os principais argumentos/slogans: encontrar caminhos para superá-los?
tégia institucionalizada e gradualista, optando por ças na sociedade. Ao contrário, o processo de civilização da huma-
1- “A prostituição é uma troca de serviços”, nidade trouxe-nos a possibilidade de transformar-
dizem os defensores da legalização. mos as relações humanas em relações menos vio-
lentas, o que podemos argumentar tem sido tarefa
A prostituição não é um serviço livremente tro- difícil, porém sempre justificável. Principalmente
cado, a prostituta não é uma profissional liberal. para os movimentos de mulheres que lutam pela
Mesmo as consideradas “prostitutas de luxo” ou igualdade social.
garotas de programa de clubes privê têm pouca ou Desse modo, a civilização, por meio de vários
nenhuma autonomia sobre o seu serviço, que dirá “contratos sociais” encontrou meios de impedir que
sobre a sua sexualidade, pois a exerce num con- os indivíduos resolvam tudo pela lei do mais forte,
texto de submissão ao desejo do outro, mediante por meio da violência. As mulheres inicialmente fo-
pagamento e em geral fornecendo lucro aos agen- ram excluídas dos aspectos desse contrato e ainda

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

lutam por sua incorporação à cidadania plena. porque nelas as relações de poder que atravessam as mulheres e que a profissionalização das traba- a prostituição. Embora não queiramos nos pautar
A prostituição e o tráfico de mulheres para fins e organizam o tecido urbano se expressam como lhadoras do sexo, denominação que costumamos pelos parâmetros do debate europeu, já trata-se da
de prostituição destrói até os dias de hoje o mais fantasias e atos sexuais. Na zona, a desigualdade e ver cada vez mais empregada nos dias que correm, dignidade humana das mulheres num mundo ple-
elementar direito civil às pessoas prostituídas de a opressão confessam sua carga erótica. Parêntese: não significa regulamentar uma relação de opressão no de opressões de muitas faces.
disporem do próprio corpo (conquistado na In- talvez essa carga seja a razão da incrível persis- e violência como carreira, profissão ou projeto de É útil citar uma análise do verbete prostituição
glaterra no século XVII) com autonomia, sem tência da própria opressão”. (Folha de São Paulo, vida para as mulheres. Será que a voz das prostitu- do Dicionário Feminista (infelizmente ainda não
servidão e exploração, porque ficam, nesse caso, Caderno Mais!) tas que praticam sexo por um prato de comida ou traduzido para o português) que desmascara a ba-
na condição de objeto ou de coisa a ser possuída, Poderemos explorar exaustivamente sobre as- por um real nos cinemas pornôs de São Paulo está nalização da onda neoliberal: “o mercado do sexo
nada mais que escravidão. pectos dessa análise instigante do erotismo nar- sendo ouvida? As jovens, em sua maioria adoles- manipula a sexualidade para encorajar a demanda
cisista e individualista em outro momento. Agora centes ou crianças que se prostituem pelas estradas (pornografia, turismo sexual), procurando atual-
3- “As feministas são moralistas e devemos tomá-la principalmente como um con- são simples prestadoras de serviços? Será que pais mente criar uma demanda feminina. O sistema é
contraditórias porque não admitem texto geral que nos alerta para as armadilhas en- que prostituem suas filhas ainda crianças estão pre- então fechado: mais vítimas, mais negócios. Todos
que a prostituição pode ser uma opção ganadoras de que respiramos liberdade no terreno parando profissionais autônomas? exploram todos, é a igualdade enfim realizada!”.
e escolha de liberdade sexual”. da sexualidade.
Se tomarmos o debate do ponto de vista dos es- Liberação para os empresários do sexo Suécia: prevenção e educação
Trata-se nesse caso de uma má compreensão do tudos feministas, das pesquisas sobre a sexualida- O Projeto de Lei de autoria do deputado Fer- Por fim, é bom lembrar que a Suécia é o único
feminismo. As feministas nunca foram moralistas, de, também encontraremos as relações de poder, nando Gabeira, em tramitação na Câmara Federal, país a reconhecer que a prostituição “é uma vio-
sempre defenderam a liberdade sexual ou o livre subordinação e opressão. Nesse caso da prostitui- com muita simpatia de parlamentares e setores da lência contra as mulheres”. E a punir a pessoa que
exercício da sexualidade, a autonomia do desejo, ção vamos nos deparar com a situação mais extre- sociedade civil não trata da defesa dos direitos das prostitui, os homens. É uma lei que desencoraja a
o direito ao próprio corpo (por isso lutam também ma das relações de poder entre os sexos. pessoas prostituídas, apenas legaliza o comércio do prostituição, coloca em ação medidas de preven-
pelo direito ao aborto). Ocorre que o fato de algu- Se formos aprofundando o debate nesse campo, sexo e libera os negócios dos empresários do sexo ção e educação sobre as causas da prostituição.
mas mulheres sentirem prazer em “vender o pró- veremos que a prostituição, para a maioria das mu- porque retira artigos do Código Penal que crimina- Leis como essa que deveríamos conhecer e deba-
prio corpo”, não significa que devemos considerar lheres que a vivenciam, nada tem a ver com a de- lizam os agenciadores, alegando que a marginali- ter já começam a desconstruir a inevitabilidade da
ser esse o caso da maioria das prostitutas. Além fesa do livre exercício da sexualidade e do desejo. zação da atividade é o que a torna problemática. prostituição e desmistificando que ela é uma fatali-
do mais, se considerarmos, como mostra Guattari, Para algumas jovens garotas de programas de esta- Espantosamente, o projeto acima mencionado dade advinda da natureza feminina de sujeitar-se à
que o capitalismo produz a subjetividade, transfor- belecimentos de luxo, capturadas pelo imaginário abstrai a idéia de que há quem tenha poder e há necessidade dos homens. Segundo Donna Hughes,
mando (e valorizando) todas as relações em merca- consumista, é forte a ilusão da independência eco- quem está em situação vulnerável. Avisem os pro- “acima de tudo, os organismos estatais e as organi-
dorias, não é de se estranhar que algumas pessoas nômica e de etapa transitória da vida. Sem contar xenetas ou cafetões, chefes das máfias criminosas zações não governamentais deviam compreender
sintam gozo em se tornarem uma mercadoria/ob- que muitos dos supostos argumentos do prazer e ou mesmo os “dignos empresários capitalistas da que a prostituição é uma procura de mercado criada
jeto e o mercado sexual se torna uma fantasia po- liberdade de serviço são de fato fantasias de gozo noite” para cobrarem o preço certo e não ultrapas- por homens que compram e vendem a sexualidade
derosa. Talvez como uma “cena”, uma fantasia ilimitado feitas por pessoas que não vivenciam sarem o limite do suportável! Acho que eles não se feminina para seu benefício pessoal e seu próprio
numa sociedade em que, como diz o psicanalista as relações violentas da prostituição que atingem importarão porque a “mercadoria” pode ser utili- prazer. As reformas legais deveriam criar soluções
Contardo Calligaris, “o espetáculo do sexo está em milhares de mulheres que estão em condições de zada ao limite e reposta com facilidade. para assistir as vítimas e condenar os culpados... A
venda livre”. Calligaris faz uma arguta observa- miséria e opressão. O mundo real e concreto da prostituição está prostituição não deve ser legalizada. A legalização
ção analisando o sexo em Nova York: “As zonas longe de ser um serviço autônomo. Isso fica claro significa que os Estados impõem regulamentações
de prostituição das grandes cidades são tipicamen- 4- “A profissionalização é um quando vemos que a exploração sexual na organi- que permitem que as mulheres possam ser pros-
te destinos turísticos. As pessoas “de bem” que se desejo das prostitutas”. zação empresarial do tráfico de mulheres no mundo tituídas. De fato, regulamentar significa que, sob
aventuram nessas áreas não são clientes potenciais para fins de prostituição é o negócio que rende mais certas condições, é permitido explorar e abusar de
enrustidos. No entanto, passear pelas ditas ruas do Algumas organizações de prostitutas foram de que o tráfico de drogas e de armas, pois segundo mulheres. Em vários países da Europa Ocidental
vício, procurar a simples proximidade física da fato incentivadas com apoio de organismos inter- um desses “empresários”, é um negócio rentável, os Estados admitem ‘zonas de tolerância”. Outros
prostituição (particularmente a mais barata) são nacionais no final da década de 1980 devido ao pois uma mulher pode ser vendida até o limite do propõem a legalização. A maioria dos argumentos
atividades que têm, para muitos, um valor erótico. crescimento da AIDS. De fato, algumas delas são suportável já que acaba por se tornar escrava. a favor da legalização baseia-se na tentativa de
Por quê? ...É a relação comercial, a própria ven- ou foram importantes para a defesa da saúde e dos É necessário ainda pesquisar e divulgar infor- distinção entre prostituição “livre” e “forçada”.
da, que excita o turista da prostituição. As áreas de direitos humanos das prostitutas. Isso não significa mações sobre como estão e como vivem as pros- Tendo em conta as condições de extrema explora-
meretrício são zonas erógenas no corpo da cidade dizer que essa é uma alternativa profissional para titutas no nosso país e nos países que legalizaram ção na indústria sexual, estas distinções são apenas

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

abstrações, que na melhor das hipóteses alimentam


debates acadêmicos. Não têm, no entanto, qual-
Referências Bibliográficas:
HUGHES, D. A legalização da prostituição re- EDUCAÇÃO
quer significado para as mulheres sob o controle
dos cafetões/proxenetas e traficantes”.
freará o tráfico de mulheres? Não! A legalização
apenas legitima o abuso. IN Coalition against Tra- Por uma Educação não Sexista
Citando mais uma vez as feministas críticas que ffic in women. INTERNET.
nos alertam que já estamos no século XXI: como LEGARDINIER, C. verbete Prostituição. Dic-
lutar pela igualdade sem combater a prostituição? tionnaire Critique du Féminisme. Paris: PUF, Meninas e meninos recebem uma educação di- Ensina-se que as meninas devem ser comporta-
2000. ferenciada, de acordo com os valores que na so- das, obedientes, recatadas, podemos observar isto
ciedade atual indicam o que é ser menina e o que em várias situações cotidianas. Por exemplo, quem
é ser menino. Numa sociedade de herança patriar- nunca ouviu o pai mandar as meninas colocarem
cal, onde as diferenças biológicas entre homens uma calcinha, ou mesmo “senta direito menina,
e mulheres servem para naturalizar grandes dife- fecha a perna”. Enquanto aos meninos estimula-se
renças sociais, as mulheres são ensinadas a tomar a virilidade, a agitação: “meu filho vai pegar to-
conta do universo privado e os meninos dos espa- das menininhas” ou “mostra o piruzinho pro papai,
ços públicos. mostra”. Muito cedo também se ouve frases ho-
Neste contexto, a educação ao longo da histó- mofóbicas, tais como “prefiro ter um filho bandido
ria vem desempenhando um importante papel de do que um filho viado” ou ter uma filha “piranha
manutenção e reprodução desta cultura sexista e do que uma filha sapatão”.
discriminatória. Vale frisar que quando falamos Assim, desde os primeiros anos de vida as crian-
em educação não estamos nos referindo apenas a ças já são ensinadas a se comportarem de forma di-
escola, pois antes das crianças freqüentarem a es- ferenciada segundo seu gênero, através das cores,
cola ou em alguns casos mesmo antes de nascer, já brinquedos, brincadeiras e comportamentos, que
se tem expectativas diferenciadas. ensinam ser adequados a homens ou a mulheres.
“Educação sexista é, portanto, prática pedagó- Treinando-os a desenvolver papéis e habilidades
gica que reforça os comportamentos discrimina- diferenciadas, que ao longo de suas vidas influen-
dores e preconceituosos, perpetuando a visão pa- ciarão em suas escolhas e possibilidades.
triarcal do mundo. Homens e mulheres, nascidos
iguais como seres humanos, tornam-se desiguais Estereótipos reforçados pela educação
socialmente. À mulher coube o papel desfavorá- Ao chegarem à escola já se comportam de forma
vel, sutilmente construído através dos séculos e diferenciada segundo o que foi ensinado a cada um
transmitido pelo processo educativo que, iniciado deles, e estes estereótipos são reforçados através
na família, é reforçado na escola, nos meios de co- da educação formal. Nas tarefas do cotidiano es-
municação, na religião e em todos os instrumentos colar, por divisão de sexos, muitas vezes reforçan-
de socialização”. * do um sentimento de competição entre os sexos,
como por exemplo, na hora de dividir os times,
Rosa para meninas, azul para meninos? geralmente meninas contra meninos, na fila da en-
Desde o descobrimento do sexo da criança, na trada e na chamada muitas vezes também há uma
escolha das roupinhas e/ou ainda da decoração do divisão. Também são comuns falas como: “as me-
quarto já há uma distinção, rosa para meninas e ninas têm mais dificuldades com a matemática” ou
azul para meninos. Das meninas espera-se que elas “o futebol e a capoeira não são adequados para as
sejam uma companhia e ajuda para a mãe nas tare- meninas”. São formas de exclusão que reforçam a
fas domésticas, enquanto os meninos vão acompa- educação diferenciada e sexista.
nhar o pai no futebol aos domingos, e ainda seria O tratamento diferenciado não se restringe à
aquele criado para o mundo, deles espera-se que educação infantil, ao contrário, tende a acentuar-se
saiam de casa, se divirtam.... nas várias fases da educação escolar. Observamos

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

esse processo de demarcar distinções inclusive machista torna invisível a presença feminina, nos construção das relações de gênero e na produção modelos de educação, que passa pelo questiona-
nos livros didáticos, onde percebemos uma série textos históricos, nas gramáticas e nas ilustrações, das desigualdades e como se articulam na práti- mento de atitudes cotidianas até a incorporação
de questões quantitativas e qualitativas no que diz como já citadas acima. Utilizando como exemplo ca escolar as hierarquias de classe, gênero, etnia e das perspectivas de gênero, raça/etnia e orientação
respeito às relações de gênero e raciais. Se anali- a língua, as meninas desde cedo são acostumadas a orientação sexual. sexual na formação das(os) educadoras(es). Con-
sarmos os exemplos e ilustrações destes materiais, não serem citadas nas falas das(os) educadoras(es) Estamos completando a primeira década da nova tribuindo, assim, para a construção de valores e
facilmente notamos a disparidade entre o núme- e nos livros, que majoritariamente utilizam-se de Lei de Diretrizes e Bases que trouxe novos parâ- práticas mais igualitárias entre mulheres, homens
ro de mulheres e homens usados, bem como de termos masculinos para dirigir-se a grupos mistos. metros curriculares nacionais, e uma idéia nova e todas as diversidades através de uma educação
negras(os) e brancas(os), esta diferença também Podemos observar ainda que a história contada na dos temas transversais. Estamos em um proces- não sexista e não discriminatória.
pode ser percebida através das posições ocupadas escola é notadamente masculina e branca, sem a so de avaliar como vem, ao longo desses últimos
por cada um destes grupos: as mulheres são mos- participação de mulheres . O que reflete no bai- anos, se redefinindo a política educacional brasi- Foram utilizados como referência no texto:
tradas em atividades domésticas e/ou como auxi- xo número de mulheres tidas como exemplos ou leira. Enfim, sabemos que modificar a desigual- * *EDUCAÇÃO SEXISTA - ATÉ QUANDO?,
liares dos homens, enquanto os homens sempre como heroínas por nossa sociedade. É importante dade social entre mulheres e homens na educação Joana D’Arc Aguiar (Professora e integrante do
são apresentados como o mantenedor da família, notar que os feitos realizados por mulheres se tor- implica em interferir no processo e no sistema de grupo feminista “Oficina Mulher”- GO )
trabalham fora, são pessoas bem sucedidas. Enfa- nam mais importantes para a história na medida educação formal, entrar nas escolas e buscar alter- * RELAÇÕES DE GÊNERO E EDUCAÇÃO,
tizando a questão racial, uma vez que as(os) perso- em que se aproximam dos feitos masculinos, como nativas para as práticas em sala de aula. Janeslei A. Albuquerque (Professora de Português
nagens negras(os) sempre aparecem em posições é o exemplo de Anita Garibaldi. Deste modo, está colocado para nós, militantes do Colégio Estadual do Paraná e Diretora do Nú-
subalternas, como empregadas(os) domésticas(os), e educadoras, o desafio de disseminarmos novos cleo Sindical Curitiba Norte)
jardineiras(os), cozinheiras (os) ... Uma pesquisa Educação sexista e escolha profissional
realizada com os materiais didáticos em 1982, por Esta educação sexista, reforçada ao longo de
Regina Pahim Pinto, cruzando a questão de gêne- todo o processo educacional, dentro e fora da es-
ro com a racial, demonstrou que para um total de cola, acaba por interferir diretamente nas escolhas
8075 personagens analisadas foram encontradas e possibilidades profissionais de homens e mulhe-
apenas três meninas negras. res. Pode-se concluir, então, que não é por acaso
que profissões predominantemente femininas são
Educação e desigualdades sociais aquelas ligadas à educação e ao cuidado com a(o)
Desta forma, a educação mais uma vez acaba próximo(a), como por exemplo o magistério, os
por reforçar as desigualdades sociais uma vez que serviços de saúde, entre outros. Essas profissões
enfatizamos que homens e mulheres, negras(os) e são vistas como prolongamento da atividade do-
brancas(os) já têm papéis e atuações definidos na méstica e, como tais, carregam valores atribuídos
sociedade, e ainda que uns(umas) estarão sempre como naturais às mulheres: dedicação, ternura,
em situação de superioridade em relação a outros, sacrifício... Assim, como estas características são
os homens com relação às mulheres e brancas(os) tidas como naturais das mulheres, tais profissões
em relação aos negros(os). Além de reforçar estes predominantemente femininas são mal-remunera-
estereótipos, estas exemplificações muitas vezes das e desprestigiadas socialmente.
não correspondem a realidade vivenciada pelas Por que nós, do movimento feminista, vamos à
crianças no que diz respeito, por exemplo, à ma- escola? Por que discutir educação? Há anos já per-
nutenção do lar, já que vem crescendo o número cebemos a importância da educação como campo
de mulheres chefes de família ou mesmo de casas de reprodução e potencial transformação das desi-
onde as despesas são compartilhadas entre homens gualdades entre homens e mulheres. Por isso, ao
e mulheres e há também que se discutir as famílias longo desse texto, procuramos pensar o desafio de
formadas por duas mulheres ou dois homens que construir uma educação não sexista. Para tanto,
não tem visibilidade na sociedade. estamos atentas à limitação que ainda existe, prin-
Outro importante questionamento que deve ser cipalmente quando se trata de educação escolar.
feito é quanto a invisibilidade das mulheres nos Assim, nossa tarefa para irmos além nesse debate
conteúdos educacionais. A linguagem nitidamente é compreender como a escolarização participa na

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

MULHERES NO
outras áreas que possibilitem a geração de renda. de Cidades, com representação paritária e delibe-
rativa entre governo e sociedade, respeitando-se a
Mulheres, Moradia e eqüidade de gênero.
CONTEXTO URBANO Infra-Estrutura Urbana
A discussão da política urbana não está disso-
As áreas de assentamentos precários (favelas,
cortiços, ocupações, loteamentos clandestinos)
ciada da discussão da política econômica vigente, ocupadas por famílias de baixa renda, devem ser
As mulheres estão em todos os lugares nas cida- o recorte de gênero, dando ênfase para as políti- sendo necessário construir um novo modelo focan- regularizadas, tanto no seu aspecto fundiário,
des, o que não implica dizer que elas ocupem estes cas voltadas para a transformação da realidade do o social. Assim, é necessário reformular a atu- quanto urbanístico, priorizando-se a titularidade
espaços como sujeitos políticos. As mulheres, ape- das mulheres. Nesta perspectiva, assinalamos os al política econômica - voltada para os interesses da habitação preferencialmente no nome da mu-
sar de estarem na construção, manutenção e avan- seguintes pontos para serem incorporados na 2ª do mercado e que contingência os já insuficientes lher e sendo assegurada a infra-estrutura urbana
ço das lutas urbanas e sustentarem com suas tri- Conferência Nacional das Cidades, bem como nos recursos previstos para a área social - priorizando e os equipamentos necessários à moradia digna,
plas jornadas, os processos de luta, ocupam ainda processos que a antecedem: investimentos nas políticas sociais, especialmente como transporte, escola, postos de saúde, áreas de
de forma precária os lugares de poder, o que deve nas políticas de habitação e saneamento ambiental. lazer e cultura, creches, lavanderias comunitárias
ser feito de forma deliberativa, dentro das associa- Mulheres, Participação Política O déficit habitacional nas áreas urbanas ultra- e centros de convivência da 3ª idade, etc. Devem
ções, movimentos, comitês, comissões, espaços de e Controle Social passa os cinco milhões. É preciso garantir inves- ser asseguradas ações integradas entre os gover-
orçamento participativo e conselhos. É necessário alterar o lugar em que a mulher timentos em programas de habitação de interesse nos federal, estadual e municipal para promover
No Conselho Nacional das Cidades (ConCida- está na sociedade, fortalecendo a participação das social, para famílias com renda de zero a três sa- o saneamento ambiental, objetivando assegurar
des), criado a partir da 1ª Conferência Nacional mulheres nos espaços de poder. Há que se garantir lários mínimos (onde está concentrado o déficit), moradias em ambientes saudáveis. Além de uma
das Cidades, observa-se a predominância mascu- a participação paritária nos cargos de direção das com o acesso prioritário para as mulheres, chefes ampla campanha do governo de esclarecimento
lina em todos os segmentos sociais: as mulheres associações, movimentos, comitês, comissões, es- de família, afrodescendentes, vítimas de violência, sobre os direitos das mulheres - por exemplo: a ti-
ocupam apenas 15,6% das 71 vagas titulares do paços de orçamento participativo, entidades gerais, soropositivas, vivendo com Aids, desempregadas, tularidade da terra e outros. Outro ponto relevante
ConCidades e são minoria em todos os segmentos partidos políticos e conselhos, bem como buscar ou em situação de vulnerabilidade, viabilizando a é a adoção nos planos (PD) municipais da puni-
sociais. Propomos que haja cota de 30% para os garantir 50% das vagas de delegados nos diversos moradia digna e a terra urbana. Os imóveis públi- ção fiscal para os terrenos baldios com adoção de
movimentos populacionais no ConCidades, sendo segmentos que estarão na Conferência Nacional cos federais, estaduais e municipais desocupados imposto progressivo e elaboração de um plano de
15% para homens e 15% para mulheres. das Cidades para as mulheres. Esta representação ou parcialmente utilizados devem ser recuperados iluminação publica.
No primeiro ano de atuação do ConCidades ve- deve ser refletida no Conselho Nacional das Ci- e transformados em projetos de habitação de in- É necessária a aprovação da política nacional de
rificou-se que: “não se aprovou nenhuma resolu- dades (ConCidades), cujo caráter deliberativo tem teresse social, em discussão com os movimentos saneamento ambiental, a promoção de programas
ção ou política específica para as mulheres, o que que ser regulamentado. de moradia, tendo como público prioritário aquele e o aporte de recursos visando à universalização
indica que a questão de gênero não foi reconhecida É necessária uma nova cultura que esteja pre- citado acima. Visto a conjuntura econômica neo- do acesso à água e aos serviços de esgotamento
como um aspecto relevante das políticas urbanas sente nas instituições, nas organizações, nos mo- liberal e a imposição à diversas famílias em con- sanitário e a coleta de resíduos sólidos. A coleta
pelo Conselho”, mesmo tendo sido aprovada na vimentos, nos governos, nos diversos canais de dições informais, propomos que o CEF defenda a seletiva de lixo deve ser incentivada, bem como
1ª Conferência Nacional das Cidades e constar, comunicação, investindo numa concepção onde suspensão do critério que exclui do financiamento apoiada a criação de cooperativas de mulheres na
nas suas resoluções, a necessidade de “incluir nas mulheres e homens tenham os mesmos direitos, habitacional, os beneficiários que estejam inseri- área de reciclagem de lixo - Saneamento ambiental
políticas urbanas diretrizes e critérios que propi- oportunidades, responsabilidades, competências. dos no SPC e SERASA. incorporando os projetos alternativos das univer-
ciem ações afirmativas reparatórias aos grupos Há que se investir em encontros, debates, oficinas É preciso garantir a regulamentação e imple- sidades.
historicamente marginalizados, como mulheres, de formação que considere em sua metodologia as mentação do Fundo Nacional de Habitação de In- Deve ser implementado um sistema de trans-
afro-brasileiros, índios, portadores de deficiência, condições concretas para efetivação participativa teresse Social e do seu Conselho Gestor, cuja repre- porte público e seguro e equipamentos coletivos
portadores de HIV/Aids”. de mulheres homossexuais visando potencializar sentação em todos os segmentos deverá respeitar a de qualidade aos portadores de necessidades espe-
Neste contexto, a próxima ConCidades deve ser discussões que levem à superação dos referen- eqüidade de gênero. É preciso garantir, também, ciais que garantam acessibilidade e mobilidade ur-
pensada como um espaço de reflexão sobre o lu- ciais tradicionais que reforçam as desigualdades recursos do orçamento da União, do Fundo de De- bana a todas e todos, garantindo, especialmente, o
gar das mulheres nas cidades e pensar em trans- de gênero, buscando produzir uma nova cultura senvolvimento Social e do FGTS para viabilizar a acesso ao transporte às mulheres grávidas, idosas
formar a ConCidades em um espaço de reflexão de respeito aos direitos humanos, políticos e civis implementação do FNHIS. Nas esferas estadual e e às pessoas obesas e com deficiência, levando em
tendo como desafio fortalecer a participação das e econômicos, sociais e culturais nas instituições. municipal deverão ser criados os Fundos Estadu- consideração a gratuidade de transporte coletivo
mulheres como protagonistas, além de espaço para Prever a criação de cooperativas que envolvam o al e Municipal de Habitação de Interesse Social, a aos 60 anos em nível nacional.
o debate sobre políticas urbanas que incorporem trabalho das mulheres na reciclagem de lixo entre serem geridos por Conselhos Estadual e Municipal Barateamento das tarifas de transporte, tele-

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

fone, água, etc, que forçam o orçamento domés-


tico principalmente das famílias chefiadas por
das ao atendimento de famílias de zero a três Sa-
lários Mínimos - desmercantilização da população SEXTO ENCONTRO
mulheres e garantir a implementação de tarifas de interesse social.
sociais para serviços urbanos em conjuntos e
unidades habitacionais promovidos para popu-
Desta forma, o desafio geral que está colocado é
pensar como as políticas urbanas podem contribuir
INTERNACIONAL
lação de interesse social. para a redução das desigualdades sociais e das de- Peru, 2 a 9 de julho de 20061
É necessário criar programas de investimento sigualdades entre mulheres e homens no território,
em equipamentos sociais de apoio às tarefas do- e pensar, sobretudo, de que maneira as políticas
mésticas, como lavanderias e restaurantes comu- urbanas podem contribuir para o processo de orga-
nitários, creches 24 horas, e em espaços de lazer, nização e emancipação das mulheres. O que é a Marcha Mundial das Mulheres Possibilidades e desafios da conjuntura
como centros de convivência também para a 3ª ida- A União Nacional por Moradia Popular promo- A Marcha Mundial das Mulheres é antes de tudo Atualmente nos encontramos em um momento
de e cidadania para o esporte e a cultura. E, ainda, ve encontros baseados na presença feminina na um movimento que, como tal, deseja centrar suas histórico marcado por poderosas mobilizações so-
criar uma política de creches públicas, integrada luta popular. As mulheres dos movimentos popula- prioridades sobre as ações. Atuamos juntas por ciais. Das lutas contra o livre comércio, contra a
à política educacional, que garanta a universaliza- res exprimem-se na convivência, na partilha sim- que isso nos permite multiplicar nosso impacto e OMC, contra a apropriação dos conhecimentos e
ção do acesso. Criar equipamentos que funcionem ples da vida. Acreditamos que este movimento é o enriquecer nossa análise. Queremos uma estrutura particularmente o das mulheres indígenas, contra
e garantam a integridade da saúde da mulher, com mais representativo no meio popular. As mulheres para o funcionamento e as decisões que sejam fle- a usurpação da soberania alimentar e a exploração
pleno atendimento, inclusive nos casos de aborto são dotadas de uma especial e profunda intuição xíveis e eficazes, tal como definimos a princípio da terra, contra o desenvolvimento e os direitos
sem discriminação e tendo como princípio a valo- sobre a vida humana, são capazes de aconselhar, em nossos estatutos e regulamentos aprovados em que caminham em velocidades diferentes, contra
rização e garantia da vida da mulher. de intuir dificuldades, de exprimi-las, de confortar, 2003 e reafirmados em 2004. os regimes repressivos, contra as ocupações e as
A organização e criação de associações e coope- de propor saídas, articular idéias para fortalecer a A Marcha Mundial é composta por grupos par- violações que decorrem destas, contra a mercanti-
rativas de mulheres autogestionárias para a cons- consciência e a participação nas organizações e ticipantes ativos das bases e grupos simpatizantes; lização do corpo das mulheres e a banalização da
trução de habitação e/ou geração de renda devem mobilizações populares. Coordenações Nacionais e Regionais (ou subregio- exploração sexual. O povo tomou as ruas.
ser incentivadas, garantindo-se o acesso ao crédito nais, se for o caso) que reúnem os grupos partici- A presença de um movimento internacional a
desburocratizado pelos bancos públicos, a qualifi- Edição do documento base Gênero e Moradia, pantes ativos; um Comitê Internacional composto favor de outra globalização (altermundialista) e da
cação dos membros e o acompanhamento técnico. apresentado ao Fórum Nacional de Reforma Urba- por 11 mulheres representantes das grandes regiões emergência de uma nova geração política marca-
Criação de um banco popular com normas adequa- na pela União Nacional por Moradia Popular. do mundo e, finalmente, um Secretariado Interna- ram o início do século XXI. Estas lutas enfrentam
cional. Temos uma maneira participativa de traba- uma ofensiva por parte daqueles que se apegam a
lhar e valorizamos a descentralização e a autono- seu dinheiro, a suas propriedades, a seu poder. O
mia de nossas integrantes. Nossa decisão de atuar patriarcado, o racismo e o capitalismo manifestam
juntas fortalece nossos respectivos movimentos e sua oposição de várias maneiras, tais como com a
nosso impacto sobre a vida das mulheres, de todas crescente mercantilização do corpo feminino, da
as mulheres. Nossa ação mundial não teria nenhum relação entre pessoas e do meio ambiente, assim
sentido sem um intenso intercâmbio com os grupos como o conservadorismo religioso, a militarização,
de base e um sólido enraizamento nestes. A Marcha a criminalização dos movimentos sociais, etc.
Mundial das Mulheres não pode em nenhum caso A Marcha Mundial das Mulheres é parte inte-
ser uma imposição nem propriedade de um só gru- grante desse movimento. Nossas análises e ações
po. É, por definição, um processo indutivo no qual levam em conta esta conjuntura e nosso compro-
grupos de mulheres de um país ou de um território misso internacional com o movimento contra a
decidem se apropriar desta ferramenta que permi- guerra, as campanhas contra os tratados de livre
te que se vinculem com outros grupos feministas comércio e as negociações da OMC, o processo do
do mundo inteiro e atuar de maneira solidária em Fórum Social Mundial e a criação da Rede Mun-
nossa luta contra a pobreza e a violência contra as dial dos Movimentos Sociais nos colocam bem no
mulheres. Nossa identidade política se encontra em centro do movimento altermundialista. Trabalha-
constante evolução e nosso anseio é que este seja mos em aliança com outros movimentos, particu-
um processo de mútuo aprendizado. larmente com a Via Campesina.

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

Apoiada em mobilizações de rua, educação po- Alguns governos e aliados de desenvolvimen- pósito de aumentar nossos consensos e consolidar to dos direitos humanos das mulheres. Ainda que
pular, construção de coordenações nacionais, a to mostraram um reconhecimento político e apoio nossa identidade política. Os grupos de trabalho não se possa negar que se trata de uma questão de
MMM está sintonizada com essa nova referência financeiro para a MMM, porém também existe serão muito úteis a esse respeito. direitos, essa maneira de ver, ou essa estratégia tem
do movimento internacional fortemente enraizada o risco de sofrer tentativas de cooptação política deixado de lado o discurso mais político que situa a
na realidade local. Conseguir vincular os deba- do trabalho da MMM por parte dos governos e de Paz e desmilitarização violência contra as mulheres como uma ferramen-
tes sobre o papel das instituições internacionais e importantes ONGs internacionais. Por isso e por Acreditamos que a Marcha pode trabalhar mais ta de controle do corpo, da sexualidade e da vida
as causas da pobreza e da violência (patriarcado, nossa dificuldade nos últimos anos para conseguir especificamente sobre este tema, tendo como obje- das mulheres dentro de um sistema patriarcal. Isso
capitalismo, racismo) com a vida cotidiana das financiamento regular se coloca de maneira urgen- tivo a apropriação (interna) dos conceitos de des- levou a análise da violência a um discurso dos di-
mulheres das bases é o principal desafio para nós, te o desafio de desenvolver nossa autonomia finan- militarização, levando mais longe nossas reivindi- reitos individuais mais que coletivos. Esse é possi-
assim como superar as dificuldades de mobiliza- ceira e construir uma política de autofinanciamen- cações e ações relacionadas com o desarmamento, velmente um exemplo no qual a estratégia utilizada
ção das mulheres, seja pelo peso das situações so- to, ainda mais quando levamos em conta a redução as bases militares, os acordos ou orçamentos mili- gera resultados contrários aos desejados. Acredita-
cioculturais, seja pelo empobrecimento que limita do apoio financeiro internacional. tares, as ocupações, etc. A Marcha pode também mos que a Marcha Mundial das Mulheres pode de-
sua disponibilidade para a militância, sem falar de Devemos lembrar e não subestimar o impacto apresentar um ponto de vista feminista sobre os sempenhar um papel na reapropriação da análise
uma certa resistência à análise feminista, mesmo da transferência do Secretariado Internacional nos conflitos e as guerras (sua origem, seu impacto, da violência contra as mulheres como ferramenta
no seio dos movimentos sociais que a consideram próximos anos. Ao escolher transferir nosso Se- etc.) dentro do movimento contra a guerra atual, de controle de todas as mulheres e na elaboração de
como uma análise “de identidade” que só diz res- cretariado Internacional a um país do Sul, deseja- que frequentemente se limita a denunciar o impe- estratégias ou ações vinculadas a essa análise.
peito às mulheres. mos reconhecer e privilegiar a liderança de outras rialismo estadunidense. A partir de vários grupos Outro aspecto da violência contra as mulheres
Esta nova estratégia representada por um movi- mulheres no seio de nosso movimento. Isso abrirá feministas, na Carta Mundial das Mulheres para a sobre o qual a MMM pode trabalhar é a mercan-
mento internacional como a Marcha Mundial das novas possibilidades de colaboração e de alianças Humanidade, definimos de modo muito mais am- tilização do corpo feminino, que nos marcos da
Mulheres é um desafio e uma abertura para novas e, esperamos, de financiamento. Entretanto, deve- plo o que significa “viver em paz”. Podemos dar a globalização atual é uma das formas de violência
formas de alianças entre as mulheres superando as mos investir tempo e energia para assegurar que a conhecer muito mais globalmente nossa definição contra as mulheres na qual atuam juntos o patriar-
fronteiras e as diferenças. Acreditamos na lideran- transição se faça sem fragilizar o movimento. de paz fazendo também vínculo com nossa análise cado, o capitalismo e o racismo. Poderíamos, desta
ça das mulheres da base com toda sua diversidade Não são estruturas fixas que dão força à MMM, e a luta contra a violência contra as mulheres, po- forma, refletir sobre o significado da banalização
para conquistar as transformações sociais deseja- mas nossas decisões políticas e nossas conquistas, demos imaginar ações para denunciar o uso do es- da prostituição ou do proxenetismo e da pouco
das. Acreditamos na importância de atuar a partir nossa capacidade de desenvolver análises e ações tupro como arma de guerra, a impunidade da qual debatida indústria do sexo. Se pensarmos no tráfi-
de nossa própria agenda política e de manter uma que se atenham às mulheres de todas as partes do se beneficiam os agressores, o impacto da militari- co sexual “internacional”, é também interessante
crítica a toda forma de institucionalização do mo- mundo. Esta força vem de nossa capacidade de zação sobre a violência contra as mulheres, etc. analisar o fenômeno da feminização da imigração
vimento. A própria existência da Marcha interpela dialogar e chegar a posições comuns em condi- e seu vínculo com a violência contra as mulheres.
as estratégias de outros grupos feministas, tornan- ções tão diferentes (mulheres dos cinco continen- Objetivos estratégicos para 2006-2010: Também está a onipresença da pornografia e das
do as vezes difíceis certas alianças, mas temos de- tes) mas ao mesmo tempo tão semelhantes (mu- • Continuar com a reflexão sobre a desmilitari- imagens sexistas, o remodelamento do corpo das
senvolvido ao longo dos anos alianças concretas lheres que querem mudar o mundo e mudar a vida zação do planeta e as reivindicações conseqüentes mulheres e o regresso massivo de conceitos este-
com algumas redes feministas internacionais com das mulheres). (por fim a corrida armamentista, as armas nuclea- reotipados de beleza, de corpos hiper-sexualiza-
as quais podemos contar. res, bases ou acordos militares, pedir a desmilitari- dos apresentados como a mais nova liberação das
A MMM demonstrou uma capacidade de con- A CONSOLIDAÇÃO DE NOSSA zação dos orçamentos dos Estados); mulheres, etc.
vocação e mobilização de mulheres de meios di- IDENTIDADE POLÍTICA • Divulgar a análise feminista das causas da
ferentes e se beneficiou do apoio de ativistas e guerra, nossa definição da paz e nossas reivindi- Objetivos estratégicos para 2006-2010:
simpatizantes que nos ofereceram suas várias ha- Campos de ação cações; • Levar a cabo uma reflexão sobre a violência
bilidades. As tradutoras que trabalham seja na tra- Determinamos os campos de ação em função • Atuar para denunciar o estupro como arma de contra as mulheres como ferramenta de controle
dução de nossos textos para vários idiomas ou na do trabalho que a Marcha Mundial das Mulheres guerra, a impunidade e os vínculos entre a milita- do corpo, da vida, da sexualidade das mulheres
interpretação durante nossos encontros e reuniões já faz, da conjuntura mundial e em particular de rização e a violência contra as mulheres. (ferramenta do patriarcado) e recolocar nossa rei-
de trabalho. As profissionais dos meios de comu- nossa análise. Para cada um deles, se encontram os vindicação a luz desta reflexão;
nicação, as jornalistas dos movimentos sociais e objetivos estratégicos que temos elaborado. Como Violência contra as mulheres • Empreender uma reflexão e propor ações para
das forças progressistas, mas também algumas dos podem ver esta tarefa não terminou, devem ser Desde alguns anos, no campo internacional o contestar a mercantilização do corpo das mulheres.
meios de comunicação privados que conseguiram acrescentados elementos de formação, intercâm- tema da violência contra as mulheres tem sido tra- Trabalho das mulheres
romper a indiferença e difundir nossas ações. bios, discussões a continuar entre nós com o pro- tado como um problema de falta de reconhecimen- Os temas da autonomia financeira da mulher, da

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres 1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

divisão das tarefas relacionadas à reprodução; da culos evidentes com a pobreza das mulheres; a de-
necessária redução da diferença entre ricos e po- terioração do meio ambiente; a militarização e a
bres, estão no centro de nossa luta contra a pobre- globalização da economia e do desenvolvimento
za. Por essa razão acreditamos que é imprescindí- baseado na exploração dos recursos (e das pesso-
vel tratar o assunto do trabalho das mulheres e o as), o crescimento infinito e os lucros. Nossa refle-
impacto da globalização sobre este. Como MMM xão deve continuar em diversos planos aos quais
abordamos isso de diversas maneiras: o reconheci- estes vínculos se referem e sobre as ações que po-
mento e a valorização do trabalho feito pelas mu- deríamos fazer a partir das realidades de cada país
lheres; o melhoramento das condições de trabalho; ou território onde está a Marcha.
o acesso a empregos de qualidade; uma remune- Nos comprometemos também com a Via Cam-
ração que permita viver bem; a não exploração do pesina a realizar um fórum mundial sobre a sobe-
trabalho das mulheres e a divisão das tarefas as- rania alimentar, em fevereiro de 2007, no Mali.
sumidas pelas mulheres. Temos várias reivindica- Acreditamos que se trata de uma oportunidade
ções relacionadas a essas questões e pensamos que para apresentar uma reflexão feminista sobre esse
poderíamos concentrar nossa atenção em algumas tema, abordar a temática das alternativas das mu-
delas com o fim de assegurar conquistas nos próxi- lheres na agricultura, do acesso a terra, a água, a
mos anos. Por exemplo, o tema da implementação alimentação para as mulheres, criar alianças nacio-
e do aumento de um salário ou renda mínima (para nais, regionais e mundiais com mulheres de setores
o setor formal e informal). Isso permitiria contes- rurais e mulheres indígenas. Desejamos também
tar o discurso dominante sobre lucros e competi- intensificar nossas ações para denunciar as ativida-
tividade, destruiria a idéia de que a globalização des da OMC, particularmente no que diz respeito
melhorou as condições econômicas das mulheres à apropriação da agricultura por parte das multina-
ao facilitar para elas o micro-crédito, etc. Podería- cionais, a privatização da água, etc. Da mesma for-
mos também integrar à ordem do dia a importância ma queremos denunciar os cortes nos orçamentos
do papel do Estado na criação de empregos, o de- dedicados à agricultura e exigir investimentos na
senvolvimento de políticas públicas e programas agricultura de subsistência, mais local e respeita-
sociais, a necessidade de reconhecer o valor do dora da biodiversidade e do meio ambiente.
trabalho reprodutivo, os direitos das trabalhadoras
imigrantes, a feminização da imigração, etc. Objetivos estratégicos para 2006-2010:
• Aprofundar nossa reflexão sobre os vínculos
Objetivos estratégicos para 2006-2010: entre a pobreza, o meio ambiente, a militarização e
• Continuar nosso trabalho sobre as alternativas a globalização desde um ponto de vista feminista e
econômicas feministas e revisar nossas reivindica- articular nossas reivindicações;
ções vinculadas as mesmas; • Mobilizar os grupos da Marcha em torno do
• Documentar e denunciar o impacto da globali- tema da soberania alimentar (ferramentas de refle-
zação sobre o trabalho das mulheres e sua autono- xão, fórum mundial) e, de forma mais geral, sobre
mia financeira; as alternativas apresentadas pelas feministas;
• Reivindicar a instauração ou o aumento de um • Mobilizar os grupos participantes da Marcha
salário mínimo e o melhoramento das condições durante os encontros da OMC.
de trabalho das mulheres.
Veja a íntegra do documento em www.marcha-
1

Bem comum e acesso mundialdasmulheres.org


a recursos e serviços
Identificamos este campo de ação por seus vín-

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1.º Encontro Nacional Marcha Mundial das Mulheres

Apoio para a realização do I Encontro Nacional da Marcha Mundial das Mulheres

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres


PIGRE/MDA
ActionAid Brasil
Fund for Nonviolence
CUT MG
Cooperação ao Desenvolvimento - Governo Basco
Manus Unidas

Secretaria Executiva da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil:


Comissão de Mulheres da CUT, da Contag, Setorial de Mulheres da CMP, Camtra,
CM8-Mossoró, SOF, Setorial de Mulheres da União Nacional por Moradia Popular.
Rua Ministro Costa e Silva, 36, Pinheiros, São Paulo/SP
CEP 05417-080 - Fone/fax: (11) 3819-3876
marchamulheres@sof.org.br www.marchamundialdasmulheres.org

Ficha de cadastramento dos grupos participantes da Marcha


O Secretariado Internacional da Marcha Mundial das Mulheres está realizando em âmbito inter-
nacional uma revisão das listas de grupos participantes da Marcha. Em 2000, a adesão dos grupos à
Marcha era feita pelo envio de um formulário à secretaria internacional ou à coordenação nacional.
Muitos daqueles grupos não estão mais participando, enquanto que outros que não estão na lista são
super ativos. Por isso os grupos serão recadastrados.
Os grupos participantes ativos seguem os seguintes critérios:

• ser um grupo de mulheres, um comitê de mulheres no interior de um grupo misto ou uma organi-
zação mista que não tem um comitê de mulheres, mas que são as mulheres que assumem a liderança
da Marcha;
• aderir aos objetivos, aos valores e à plataforma mundial da Marcha Mundial das Mulheres;
• estar pronto a participar das ações das coordenações nacionais, a integrar as ações da Marcha em
seu programa de atividades ou difundir a Marcha Mundial das Mulheres.

Nome do grupo:
Mulher de contato:
Endereço completo:
E-mail:
Temas prioritários de trabalho:
( ) Pobreza ( ) Violência sexista

Enviar para Rua Ministro Costa e Silva, 36, Pinheiros, São Paulo/SP - CEP 05417-080

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