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ENTRE O MEDO E O RISCO: BIOSSEGURANÇA E MÍDIA

Ricardo Gustavo Garcia de Mello, ricardo_gmelllo@hotmail.com

Resumo O presente trabalho traz a pergunta: como a televisão vai nortear as


questões das relações internacionais dentro do debate da concepção de
biossegurança, já que os Estados dão soluções endêmicas diante de crises
pandêmicas. Biossegurança é antes de tudo uma estratégia de poder formada por um
conjunto de mecanismos que operam no serviço de saúde (em sentido lato). Por isto
não só aborda medidas de controle de infecções laboratoriais e a saúde dos
infectados. Esta para ser uma política de segurança deve tornar o inimigo invisível
visível. Fazendo a distinção de medo e risco.

Palavras – Chave: Vírus, biossegurança, medo, risco, mídia, política.

Introdução

Relatou o patologista molecular, Jeffery Taubenberger. A pandemia de 1918


popularmente conhecida como gripe espanhola, foi um assassinato em massa que
ocorreu a mais de oitenta anos atrás. Taubenberger conclui que é uma historia policial
na qual o assassino jamais foi levado à justiça. Gina kolata patologista molecular e
repórter de ciência do New York Times, reafirma que perto da epidemia de gripe de
1918, qualquer outra epidemia desse século perde importância. Foi uma calamidade
tão mortífera que, se um vírus semelhante atacasse nos dias de hoje, mataria mais
pessoas num único ano do que as doenças cardíacas, o câncer, derrames, doenças
pulmonares crônicas, Aids e Alzheimer juntas. A epidemia afetou o curso da história e
foi uma presença aterrorizante no final da Primeira Guerra Mundial, matando mais
americanos num só ano do que os que morreram nas batalhas da Primeira Guerra
Mundial, da Segunda Guerra Mundial e da Guerra do Vietnã.

A história prossegue com mais uma tragédia. A cidade do México no dia 23 de


abril vez ressoar o farol de alerta mundial. A realidade da maior metrópole latino-
americana, México, apresentou um cenário de terror. O anuncio feito em rede nacional
por Felipe Calderón, que uma epidemia se alastrava com alto poder de disseminação,
os sanitaristas mexicanos recomendavam às pessoas que comunicassem somente o
necessário, sem apertos de mão, beijos e abraços e que aqueles que se arriscassem
sair que saíssem usando mascaram “tapabocas”. Não é por menos que poucas horas
depois do anuncio as pessoas disputaram os supermercado em busca de
mantimentos para evitar o futuro confinamento por tempo indeterminado. Após 16 dias
de surto no México, canadenses e americanas identificaram o surto, dizendo que se
tratava de um novo vírus (H1N1), de origem suína. Mas mesmos os americanos que
identificaram o vírus não foram capaz de conte-los e o seu vizinho Canadá no dia 2 de
maio anunciaram a primeira infecção pelo vírus, e numa de suas fazendas com 2.200
animais, 10% foram infectados e estes mesmos nunca haviam saído do país. As
previsões da OMS (organização mundial de saúde) que no fim de julho ao menos 25
países seriam infectados inclusivo o Brasil. Tal “recorde” foi batido em meados de
Junho, após contabilizar 36 mil casos em 75 países. O H1N1 ou Influenza A como nos
demonstra a comunidade medica, é como grande parte das enfermidades humanas
origina-se de reservatórios animais porque estima se que 75% das doenças
emergentes são zoonóticas. Isto afirma a existência de múltiplos reservatórios do vírus
da influenza na natureza favorecendo assim recombinações de vírus que circulam em
humanos e animais, numa constante mutação do genoma viral, aumentando a
possibilidade de emergência de novos subtipos, aos quais as populações humanas se
tornam indefesos ou susceptíveis. Por isto a criação de animais seriam os maiores
berços de novos vírus. No caso do H1N1 este aflora do contato de porcos e homens,
por isto o apelido gripe suína. A concepção do termo influenza é de suma importância.
Os astrólogos italianos atribuem ao termo influenza os distúrbios sociais causados por
fenômenos astrológicos. Porque a gravidade da condição é tal que se apresenta aos
nossos olhos sob a forma de uma diversidade infinita, incoerente e de difícil condução
como um dado irracional, por isto o termo tem um tom astrológico, como se o destino
dos homens estivessem nas mãos do acaso. A noção de vírus é correlata a da
influenza como nos demonstra bacteriologista Russo Dmitri Iwanowski como algo que
se pode passar livremente através dos filtros. Os vírus invadem as células tomando o
controle de seu modus operanti , transformando a célula numa fabrica de novos vírus,
tornando este ser um autômato “zumbi” a seu serviço. O corpo deste se torna
vulnerável surgindo os sintomas da doença, já que as “fechaduras”, anticorpos são
violados, é tal fraqueza nas “fechaduras” é o que marca o corpo doente. Por isto
atribuímos aos vírus o adjetivo fluidez. A fluidez é a qualidade de líquidos e gases,
distinta da dos sólidos. Fluido é tudo que quando submetido à pressão ou tensão se
deforma, mas sem perder suas propriedades enquanto os sólidos possuem a
capacidade de resiliência/resistência, possuindo uma liga que une os átomos em
arranjos, cria o que se chama de sistema. Os sólidos possuem dimensões espaciais
claras, como o Estado nacional e o corpo. O fluido não se circunscreve a dimensão
espacial, porque não se atem à forma alguma tendo auto-propensão a mudar. Para
fluidez o que conta é o tempo e não o espaço, já que este é tocado por um instante,
enquanto que para os sólidos é o espaço que importa. Tal fluidez “viral” gera a própria
ubiqüidade do medo, mesmo o perigo real o vírus H1N1 não estando em cena. A não
visibilidade do inimigo gera a onipresença do medo mesmo este não estando em cena,
por isto o medo possui uma capacidade de autopropulsão. Penetrando até no ar que
respiramos. Pode se dizer que o vírus se torna um sujeito histórico tendo uma historia
que é sua ou “carga própria” ganhando força temporal por adquirir velocidade. A distância
percorrida de um espaço a outro passou a depender da fluidez logo todos os limites
espaciais herdados ou existentes poderiam ser transgredidos. O vírus é a arma na
conquista do espaço, enquanto o espaço fica na guerra defensiva. O vírus opera no
contagio como um software se remete a algo fora de si mesmo. Um vírus em si nada
significa. O vírus é inerte como uma pedra não tem autonomia própria ou auto-
suficiência, mas mesmo assim tem a necessidade de se fazer existir perpetuar, igual
aos seres humanos foi feito para gerar descendentes. O vírus é como um software
necessita de um hardware ou de um corpo para se fazer existir.

O vírus não tem um único foco radiador ou núcleo que o difunde e nem um
circulo concêntrico que o espraia. É esta dificuldade de localizar uma forma singular e
regular de percepção comum ou em outros termos ausência de uma sintomatologia, é
uma das características da pandemia. Por isto a distinção entre endemia e pandemia é
de suma importância. Endemia é relativa a algo endêmico de uma determinada
geografia e restrita aos seus elementos, um determinado clima, solo e população. A
pandemia é algo que não tem suas proporções delimitadas, pois a disseminação do
vírus pelos diversos países não tem um único foco radiador, podendo ter sim um pais
com um nível mais alto de casos de contaminação pelo vírus, mas não que esta parte
seja tomada como responsável pelo todo, porque outros países, que não possuem
altos índices também desenvolvem casos autóctones. O vírus é como um campo
minado que implica a conexão entre heterogêneos: qualquer ponto pode ser
conectado com qualquer outro; ele não pode ser compreendido em relação a um único
ponto, pois este pode ser rompido em qualquer lugar e dividir-se segundo outra lógica
de transformação, podendo ser somente mapeado.

Tal fluidez viral. Quebra com os sólidos paradigmas que orientam nossa
civilização. Como as divisões entre natureza e cultura, entre política “domestica” e
política “externa”, racionalismo e empirismo gerando a crise do progresso como
resultado da autopropulsão do desenvolvimento técnico. Na distinção política
“domestica” e política “externa”. Na política “domestica” seriam as boas leis. O Estado
que concentra o monopólio da violência sobre uma autoridade legitima, no sentido de
Weber. Fazendo com que os homens possam viver em paz no interior de uma
coletividade, tal Estado ou unidade de poder é una e indivisível, indispensável para
viver em sociedade, como Hobbes à consagrou. Na política externa são as boas
armas, a sobrevivência do Estado diante da ameaça virtual de outros Estados. Nas
relações entre os Estados estes não possuem um centro de poder ou unidade de
justiça. Assim o que se encontra é uma guerra de leviatã contra leviatã, “estado de
natureza”, cada Estado julga o que é mais favorável ao seu interesse. Os Estados
ficam em uma situação de guerra perpétua e contínua vigília de suas fronteiras. Na
ausência da conscientização clara entre política “domestica” e política “externa” uma
tende a se confundir com a outra, deixando uma de ser essencialmente pacifica e a
outra de ser radicalmente belicosa, logo o inimigo não pode ser circunscrita como
aquele que esta para além da fronteira. O inimigo não é mais relativo a um
determinado espaço ou localizado. Assim todos e qualquer um podem ser um inimigo
em potencial. O vírus flui como o medo que penetra em qualquer canto ou fresta de
nossas casas, ruas, nas telas luminosas dos meios de comunicação, locais de
trabalho e no ir e vir do metro. Flui do corpo e até está no ar que respiramos. É há não
visibilidade do inimigo que gera a ubiqüidade/onipresença do medo.

Na distinção de natureza e cultura. A natureza se caracteriza como


inconstante, incoerente, irracional e principalmente como ausência de regra e a cultura
se caracteriza como constante, coerente, racional, e principalmente como reino da
regra. A unidade de poder é uma condição indispensável para a vida em sociedade,
ou seja, a cultura surge como a instauração da sociedade no sentido de civilização.
Tal concepção de cultura é inerente ao pensamento da política. Onde a sociedade se
formar como sociedade política (Estado e instituições). A vida sem a sociedade política
é solitária e embrutecida, sórdida e curta, os homens são entre si ingratos, covardes,
volúvel e opaco aos olhos de seu semelhante. A natureza diante da formação da
sociedade política/unidade de poder ou em outros termos cultura, não se extingue,
pois está se faz presente com os abalos na unidade de poder, dado pela falta de
segurança, é como se toda a cultura formada pela longa experiência ou
conscientização, fosse dominada pelas forças do acaso ou por uma praga. Devido à
fluidez do vírus tais distinções se borram, ocorrendo um imbróglio, não podendo saber
onde começa as boas leis e onde começa as boas armas, onde começa natureza e
onde começa a cultura.

Na relação entre racionalismo e empirismo, as duas concepções de mundo que


formam o dualismo da modernidade, que repartiram ciência e pensamento. De um
lado Copérnico e de outro Descartes. Em Copérnico a terra deixa de ser o centro do
universo, logo a ciência natural deixa de ser geocêntrica e busca seu centro fora da
terra. Em Descartes com seu argumento cogito ergo sum remete o homem para o seu
próprio pensamento em um processo subjetivo e internalista não é mais o homem-
mundo, mas o homem em si desvinculado do mundo das coisas a objetividade é
negada como plano de pensamento. Porque o pensamento busca o centro em si
mesmo é egocêntrico. Resultando numa dualidade entre o conceito abstrato e o ser
concreto. A dissociação entre pensamento e ser, conceito e realidade, espírito e
natureza, sujeito e objeto. A própria substancia das coisas já não se apresentam como
algo transparente para o entendimento. Uma realidade inacessível ao racionalismo. É
um mundo que ao mesmo tempo não se pode pensar, mas é diversificado de
sensações. Resultando na incerteza e especialmente no medo.

O progresso pensado como autopropulsão–técnica, é a transformação da


técnica em concepção de mundo forma a razão-instrumental como lógica dominante. é
como um instrumento serve a todos não possuindo conteúdo algum, é sempre um
meio eficaz que renuncia o problema dos fins. A renúncia do problema dos fins em
nome da objetividade absoluta dos meios. Assim a técnica é um processo de
neutralização que está situado acima de conflitos e controversas. Anulação de toda
significação valorativa na pura materialização do mundo das coisas, gera a
mecanização da vida. Mas tal mecanização não é uma mecanização sem alma, mas
uma religião da tecnicidade. O próprio desenvolvimento da técnica gera a crença na
técnica. Tal crença é a fé no ilimitado poder de dominação do homem sobre a
natureza. A substituição de representações teológicas por noções temporais e
seculares se realiza sob a forma da técnica como religião secular e metafísica da
imanência. Assim denomina-se “racional” um mecanismo de produção que serve a
qualquer necessidade material, sem que se pergunte pela única racionalidade
essencial, a racionalidade do fim.

É o desconhecimento do problema dos fins ao pensar a atividade humana de


forma “coisificada”, em função de sua mera condição de coisa, o pensamento técnico
não seria capaz de transcender a realidade mais imediata, tornando-se presa daquilo
que é efetivo e materialmente dado. Permanece nas coisas rejeitando tudo que esta
para além destas. Quando os meios estão dissociados dos fins o axioma do
progresso, sentimento de que o tempo está ao nosso lado porque somos nós que
fazemos as coisas acontecerem, entra em crise. Onde os homens tinham seu futuro
bem encaminhado, o futuro era dado como destino. Tal progresso como destino vêem
acumulando esperanças frustradas num cemitério, a natureza dominada na palma da
mão vemos agora sobre nossas cabeças como o dilúvio. Porque para planejar o futuro
é necessário controlar o presente. Porque só é possível a unidade política e a paz,
sabendo com o que enfrentamos, ou quem é o inimigo. O resultado que temos é o
medo. Tal medo se apresenta nas mais variadas formas e nos mais inesperado lugar.
Medo primário ou “natural” é a experiência que compartilham homens e
animais, que são os perigos de perder a própria vida "corpo e sustento". E a resposta
ao medo é a fuga ou agressão ou conceitualmente conhecido "o homem é o próprio
lobo do homem" de Hobbes. Medo secundário/derivado em outros termos socialmente
construído seria um medo cultural, cultivado dentro de determinados patrões de vida,
que deriva em relação ao conforme o segmento social, classe, faixa etária e gênero. O
caráter diferenciado do medo “social” que pode ser facilmente desacoplado dos
perigos que o causam ou ditos perigos reais. E já que o vírus cria um imbróglio entre
natureza e cultura. Medo híbrido é uma zona não delimitada geograficamente, algo
sem categoria ou disciplina que lhe dei nome, onde encontramos os medos mais
densos e apavorantes, que aterrorizam numa mesma onda o que é socialmente
construído como o segmento social, classe, faixa etária e gênero, os perigos
culturalmente cultivados. E o que é da natureza, que compartilham homens e animais,
que são os perigos de perder a própria vida "corpo e sustento". Medo social, mas nem
tanto, medo natural, mas não por inteiro. Ao mesmo tempo natural e social, mas
embora diferente de ambos. São como o buraco na camada de ozônio, as redes de
energia que saem do ar, a queda dos jatos em dias inesperados, barris de petróleo
que secam as pragas nas plantações, tsunamis que desabem construções. É a ira do
incomensurável como se as forças da natureza dominada pela mão do homem
viessem sem data e hora marcada e pior que o apocalipse sem distinguir os salvos
dos anticristos.

Nossa capacidade de agir depende da chamada consciência política, que


pressupõem o Estado como detentor legitimo da decisão entre amigo e inimigo
deixada de forma clara, com as condições históricas concretas que tornem viáveis as
ações daqueles que pretendem agir ou enfrentar o inimigo. Tal clareza só é possível
quando se enfrenta um inimigo relativo que pode ser circunscrito, limitado,
quantificado, e essencialmente visível e distinto do resto. Tal realidade solida de
mundo não mais existe não se pode louvar a “máxima” os homens tornam-se
conscientes nas contradições materiais. O ataque do inimigo invisível derruba o
paradigma de tal consciência, mas não derruba o inimigo que agora é total. Já que os
olhos não vêem a consciência se nega. A potencialidade deste inimigo é ser invisível
não deixando sensação de segurança, só o medo na vida. È assim que os veículos de
comunicação ganham um papel de importância sem igual e em especial a televisão. A
televisão aqui não é mais o espelho da realidade, nem mais a imagem de segunda
mão. A tela agora não é o ponto de vista, mas a encarnação dos olhos, a consciência
se arquiteta na tela. Somente a televisão pode tornar visível e informar os rumos do
“inimigo invisível”. Em um mundo crescentemente dominado pela lógica instrumental
da técnica-moderna, os veículos de comunicação seriam os verdadeiros portadores do
principio do político, tomando o monopólio da visão, tornando visível o “inimigo
invisível”. A televisão como soberano eletrônico sendo capaz de capturar em imagem
a sensação política, articulando a virtù e a fortuna, como comprovação da política. A
virtù se expressa nas qualidades de liderança, atuação inteligência ou predicados
qualitativos necessários para captura da imagem-sensação do vírus. A fortuna são as
condições sociopolíticas, conjuntura ou meio social. Não é por acaso que Maquiavel
compara a fortuna a um rio furioso que imunda as planícies, derruba as arvores e
casas e diante desta a fuga é impossível. O vírus toma a mesma liquidez da metáfora
do rio em fúria. Maquiavel afirma que a fortuna é dona de mais da metade de nossas
ações humanas, mas como “representante da política dos homens” sabe que é diante
das crises que a virtude no sentido político se faz necessária abrindo na descalcificada
estrutura uma margem de renovação.

Por isto é possível antes da tempestade das águas, ou das ondas “virulentas”,
a virtù poder construir os diques e canais, de modo que as águas corram para estes
canais, ou se utilizar da ciência e da tecnologia de modo politizado. O fato é que não
dá para anular a tempestade, mas pode se mostrar ao menos virtuoso para usar
expressões de Maquiavel. E é por estas considerações que a biossegurança não pode
ser um produto de uma política isolacionista de um Estado autárquico, que se volta pra
si. Porque a possibilidade de uma política de segurança producente requer considerar
a situação do vírus H1N1 que é uma situação pandêmica, exigindo interdependência
complexa entre Estados demandando, uma estratégia que necessita dos canais de
comunicação e um nível significativo de solidariedade internacional. Biossegurança é
antes de tudo uma estratégia de poder formada por um conjunto de mecanismos que
operam no serviço de saúde (em sentido lato) com medidas técnicas, administrativas,
educativas, medicas e psicológicas. Por isto não só aborda medidas de controle de
infecções laboratoriais e a saúde dos infectados. Esta para ser uma política de
segurança deve fazer a contenção de agentes patogênicos é a predominância da
“medicina preventiva” sobre a “medicina curativa” que de modo algum pode dispensar
a curativa. Devido está predominância da prevenção/contenção, faz-se necessário
edificar uma consciência coletiva. Quando dissemos que a biossegurança é antes de
tudo uma estratégia. É dizer que o movimento de contenção existe dentro da área de
influencia do microorganismo patogênico. “Não é uma estratégia como movimentos
fora do alcance do tiro dos canhões inimigos ou do contagio. Mas uma estratégia
norteada pela contenção do H1N1.
Por isto a biossegurança não pode ser pensada como mera acumulação de
informação progressiva, está tem que ser re-significada, atualizada e especialmente
supervisionado conforme as exigências patogênicas. Por isto não inclui uma conclusão
em sua própria terminologia diante das necessidades concretas. É diante do perigo
que se forma e se sujeita o próprio conceito de segurança, que aqui é exigido no
combate a microorganismos patogênicos. A biossegurança como questão provoca um
abalo nuclear no campo do saber medico. Pois este entra em catarse. Empregamos o
termo catarse segundo Gramsci para indicar a passagem do momento meramente
egoístico-passional para o momento ético-político, ou seja, a elaboração superior da
estrutura em superestrutura na consciência dos homens. O processo pelo qual os
intelectuais superam seus interesses corporativos imediatos ou seu campo de saber
se a uma dimensão universal. Seria “catártico” o momento no qual o campo se articula
com outros saberes.

A televisão tem a capacidade de ser o instrumento pelo qual tal política de


contenção opera. Porque permite o movimento da política em tempo global sendo
capaz de formar uma moral de conduta ou concepção de mundo. Esta concepção de
mundo é multidimensional e multifuncional, pois tem que incluir as dimensões
materiais, sociais e simbólicas do vírus, nas diferentes conjunturas nacionais. Não
podendo negar a heterogeneidade das coletividades humanas, suas geografias, ou
seja, as composições de clima, solo e população de modo particular e autônomo. Mas
tal particularidade não é restritiva, mas relativa já que o vírus pandêmico age de modo
abrangente em todas os espaços e sendo múltiplas as suas formas de mutação. A
questão importante a considerar aqui é que há uma pretensão de formar uma vontade
coletiva/consenso que só é possível, sem menosprezar os fundamentos do processo
de diversificação em que cada região se encontra ancorada. A concepção de mundo
tem que corresponder a uma resposta ou formação de um discurso dominante, sobre
um problema que é original em sua atualidade e complexidade, mas tal resposta se dá
pela uniformização das condutas. Faz com que as opiniões e modos de ver e agir
dispares no tempo e espaço e os dialetos ou discursos de segmentos da sociedade
(médicos, militares, lideres de partidos, trabalhadores entre outros), que são
contraditórios entre si, ressoem à um centro unívo, ou discurso dominante.

Nesse sentido a televisão tem papel fundamental podendo abarcar as mais


diferentes oposições, sem reduzi-las, a uma síntese qualquer, que negue o conflito
como horizonte. Tal complexidade é capaz de criar a dita concepção de mundo que
chama atenção para o acontecimento, mas sabe o traduzir para cada conjuntura
especifica. Isto é se pensarmos a televisão, como produtora e difusora de “bens
científicos”, tais como a pesquisa cientifica e notificação da progressão viral.

Assim a imagem passa a ser um dos elementos mais expressivos, na formação


do modo de vida. A potencialidade da televisão esta aí na capacidade de moldar a
matéria viva da experiência, sem reduzi-la a esquemas abstratos. Porque não se
restringe a esfera do desenvolvimento técnico-científico, pois possui uma concepção
de racionalidade não despojada de todo conteúdo valorativo, mesmo que centrada nos
princípios do cálculo, eficiência e previsibilidade, e acima de tudo está não só
apresenta informação esta faz informação, formata/configura mentes. Por isto a
televisão não se nutriu do “dualismo estrutural” ou fratura entre espírito e natureza,
pensamento e ser, sujeito e objeto que seria característica da racionalidade-
instrumental. O caráter político da televisão tem como premissa uma racionalidade
capaz de compreender e configurar formas múltiplas e contraditórias da experiência
individual, numa unidade coletiva.

A televisão não opera como dispositivo-placebo. O dispositivo-placebo opera


com o efeito-placebo que ocorre quando uma substancia produz um efeito que suas
propriedades não possuem. Por exemplo, quando as pessoas ingerem uma pílula
contendo açúcar ou farinha, que resulta na melhora da doença. O placebo mesmo
mostrando melhoras em exames este só atinge melhoras em indivíduos isolados e
nunca num coletivo por isto este não se faz remédio. Logo a metáfora do placebo nos
explica um pouco de nosso individualismo em relação à problemas, a negação da
representação coletiva como horizonte. A representação coletiva é como a vida
coletiva só pode existir no todo pela reunião. O começo da vida coletiva marca a vida
moral. A moral se apresenta como um conjunto de máximas ou regras de conduto que
prescrevem o indivíduo lhe adjetivando como agente. A moral é ao mesmo tempo
ordem e ligação, coerção e coesão sendo por isto desejável e dever do indivíduo. Nas
representações individuais reina o solipsismo onde é a sensação do Eu, o momento
particular considerado como única realidade e concepção de mundo possível. O
placebo é “solipsista” só age sobre o Eu, nunca cria uma força permanente organizada
que possa dar conta do problema no publico.

A televisão opera na formação da testemunha ocular. Porque as imagens são


muito mais reais do que as palavras faladas e até do que a escrita impressa. O "ver
para crer" é o provérbio que marca a ascensão dos meios de comunicação. Porque se
tem a testemunha ocular do acontecimento. As imagens são muitas mais reais do que
as palavras faladas e até do que a escrita impressa. O "ver para crer" é o provérbio
que marca a ascensão dos meios de comunicação como provedor da representação
mundana. Representar significa tornar visível e presentificar um ser invisível por meio
de um ser publicamente presente. A dialética do conceito reside no fato de que o
invisível é pressuposto como ausente e, todavia, ao mesmo tempo, tornado presente.
Por isto o principio da representação não pode jamais ser efetivado ignorando o tempo
e o espaço sobre qual se ascende. O estabelecimento de uma situação normal resulta
da afirmação e da vitoria de uma idéia de ordem sobre as outras.

Na escuridão tudo pode acontecer não há como prever o que vira. A escuridão é a
imagem e semelhança da incerteza não só sua metáfora, porque nem sempre dentro
da escuridão se encontrou o perigo-real, mas sim o gene da incerteza, portanto
habitat/moradia do medo. O medo não resulta da perda dos dispositivos de segurança,
mas da "nebulosidade" da segurança alcançar seu objetivo. Não é por acaso que o
termo risco e usado no lugar de medo durante a política de biossegurança.

Risco são os perigos cuja probabilidade pode calcular, o perigo é mensurável, ou


seja, calculável. A “calcubilidade” não significa previsibilidade, a previsão do
acontecimento que vira. O que se calcula é a probabilidade de que as coisas têm de
dar certo ou errado, o calculo e feito e sustentado no chão real, não tem curva de
especulação como a previsibilidade. O inimigo é claro e localizado. Sabendo de onde
vem o golpe podemos pensar no que fazer para desviá-lo ou afastá-lo e só dai que
vem o alivio.
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