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Processo Judicial Eletrônico

Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais


14ª Vara Federal Cível da SJMG
Processo nº: 1000817-30.2020.4.01.3800
Classe: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120)
IMPETRANTE: CERVEJARIA TRÊS LOBOS LTDA - EPP
IMPETRADO: MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO,
SUPERINTENDENTE DA SUPERINTENDÊNCIA FEDERAL DE AGRICULTURA, PECUÁRIA E
ABASTECIMENTO DE MINAS GERAIS, UNIÂO FEDERAL

DECISÃO

CERVEJARIA TRÊS LOBOS LTDA impetrou o presente mandado de segurança, com pedido liminar, em face
do SUPERINTENDENTE FEDERAL DE AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO DE MINAS
GERAIS - SFA/MG, pleiteando "a concessão de medida liminar, inaudita altera pars, tendo em vista a presença
inequívoca dos pressupostos elencados no inciso III, do art. 7° da Lei n°.12.016/09, e, ainda, com base nos
artigos 5°, LIV e LV da CF/88 e 386 do CPP, para suspender o ato de interdição do estabelecimento da
Impetrante, inclusive pelo fato de que os representantes legais da Impetrante não tiveram acesso, até a
presente data, ao Inquérito Policial que embasou a interdição pela Impetrada."

A Impetrante, empresa do ramo de produção e distribuição de bebidas, afirma que no mês de dezembro/2019
começaram a circular pelas redes sociais boatos que vinculavam, ao suposto consumo de bebidas alcoólicas,
episódios de internação de 03 (três) pacientes residentes na região do bairro Buritis, em Belo Horizonte/MG,
com sintomas de síndrome nefroneural.

Narra que, em decorrência do ruidoso episódio de eventual contaminação de um tipo de cerveja por ela
produzida, foi alvo de inspeção, em 09/01/2020, pela equipe da 4ª Delegacia de Polícia Civil - Barreiro; que a
Impetrante permitiu o acesso das autoridades policiais às suas instalações industriais, ainda que desprovidos
de qualquer mandado ou ordem judicial para tanto, por estar segura quanto ao seu rigoroso processo produtivo,
visando contribuir amplamente com as investigações em curso; que nessa inspeção foram coletadas, de forma
direcionada, amostras do lote 1.348 L1 e L2, da marca Belorizontina; que durante a inspeção policial teria sido
surpreendida com a veiculação de arquivo nas redes sociais denominado "análise preliminar", elaborado pela
Seção Técnica de Física e Química Legal da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, o qual teria o seguinte
conteúdo:

"Informo que nas duas amostras de cerveja encaminhadas pela Vigilância Sanitária do Município de Belo
Horizonte (cerveja pilsen marca "Belorizontina" LOTE - L1 1348 e L2 1348) - foi identificada a presença da
substância dietilenoglicol em exames preliminares.

Ressalto que essas garrafas foram recebidas lacradas e acondicionadas em envelopes de segurança da
vigilância sanitária municipal n. 0024413 e 0021769, respectivamente".

Informa que na manhã do dia 10/01/2020, dia seguinte à inspeção da Polícia Civil, teria recebido a visita de
quatro fiscais do Ministério da Agricultura, os quais, após inspecionarem a fábrica de cerveja, apreenderam
todos os produtos envasilhados em estoque, além de coletarem amostras para análise.

Aduz que até a presente data não lhe foi franqueado acesso ao inquérito presidido pela Polícia Civil, o qual teria
motivado a inspeção no parque industrial da Impetrante pelo Ministério da Agricultura; que foi surpreendida com
a publicação de uma Nota do Ministério da Agricultura, em 13/01/2020, enquanto os fiscais continuavam nas
dependências da fábrica; que na referida Nota o órgão federal comunicava oficialmente a interdição cautelar da
indústria, determinando o recolhimento imediato de todos os lotes de todos os produtos produzidos pela
Impetrante desde outubro/2019.

Inconformada, a Impetrante sustenta que a interdição de suas atividades ofenderia o princípio da razoabilidade,
pois ainda não há um laudo definitivo e o foco incide apenas sobre as cervejas Belorizontina e Capixaba,
ambas produzidas unicamente no Tanque n. 10 da indústria; que sua operação mobiliza atualmente mais de

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800 (oitocentas) pessoas, sendo 200 (duzentos) empregados diretos, 250 (duzentos e cinquenta) funcionários
nos 4 (quatro) restaurantes da marca Backer e 600 (seiscentos) colaboradores indiretos, dentre motoristas,
operadores logísticos, promotores de vendas e representantes comerciais; que sua folha de pagamento
alcançou, em dezembro de 2019, R$705.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais); que despertou interesse de
inúmeras multinacionais de bebidas, mas optou por manter as tradições mineiras e resistir às propostas de
venda recebidas ao longo dos anos, pois se considerada patrimônio do Estado de Minas Gerais.

Ressalta que o agente químico dietilenogicol nunca fez parte do processo produtivo das cervejas
comercializadas pela empresa, conforme laudo particular trazido aos autos; que utiliza apenas o agente
refrigerante monoetilenoglicol, conforme notas fiscais anexadas aos autos; que foram apreendidos pela Polícia
Civil e pelo Ministério da Agricultura apenas tambores do monoetilenoglicol, conforme Termo de Inspeção
lavrado pelo Ministério da Agricultura; que todos os agentes químicos refrigerantes são conduzidos por
estruturas externas à parede do tanque que armazena o líquido, que são isoladas por uma segunda parede,
conforme planta e fotografias juntadas aos autos; que o produto coletado para análise preliminar divulgada no
dia 09/01/20 pela Polícia Civil não utilizou amostra colhida em sua indústria e sim na casa de um dos pacientes
internados; que não existe laudo pericial com a informação da concentração do agente químico; que em
17/12/19 o Ministério da Agricultura havia inspecionado suas dependências, sem apontamento de qualquer
irregularidade, posteriormente, portanto, à expedição do lote 1.348 da marca Belorizontina, que se deu em
outubro de 2019.

Sustenta que inexiste qualquer prova ou indício de eventual contaminação em outros tanques ou marcas
produzidas pela cervejaria, a justificar a interdição integral da fábrica; que a interdição de todo o seu parque
industrial, que produz inúmeras outras marcas de cervejas, em 69 tanques diferentes do objeto de investigação,
bem como diversos outros tipos de bebidas alcoólicas, redundará em enorme prejuízo ao desenvolvimento de
suas atividades comerciais; que absurda e desarrazoada a interdição total da indústria e a intimação para
recolhimento de todos os 900.000 (novecentos mil) litros de cerveja produzidos e já comercializados desde
outubro de 2019; que a interdição total de seu estabelecimento, sem se ater unicamente ao tanque e marcas de
cervejas fiscalizadas, é medida de inequívoca abusividade, posto que não respeitados os princípios
constitucionais da ampla defesa e devido processo legal.

Salienta que o “periculum in mora” reside justamente nos danos irreversíveis que a Impetrante sofrerá caso
sejam mantidas a interdição total de seu parque industrial e a ordem de recolhimento de produtos sobre outras
marcas que não a Belorizontina e Capixaba, pois tal medida impossibilitará que a Impetrante honre com seus
compromissos financeiros com folha de pagamento, fornecedores, quitação de títulos perante fornecedores,
linhas de crédito em bancos e tributos, culminando com o encerramento definitivo de suas atividades.

Requer a concessão de medida liminar para que seja suspenso o ato de interdição do estabelecimento da
Impetrante, bem como do recolhimento de todas as cervejas produzidas de outubro de 2019 a janeiro de 2020.
Sucessivamente, requer seja determinada inspeção diária para acompanhamento da produção por autoridade
fiscal, a fim de que seja afastado o ato de interdição e a ordem de recolhimento de sua produção.

Essa Magistrada recebeu, para despacho, o Advogado da Impetrante no dia 14/01/2020, bem como, no dia
15/01/2020, os Advogados da União e os Auditores Fiscais do Ministério da Agricultura integrantes da força-
tarefa designada para o caso. No decorrer do dia 15/01/2020 e 16/01/2020 este Juízo recebeu inúmeros
certificados de análises das amostras colhidas na fábrica da Impetrante, emitidos pelo Laboratório do Ministério
da Agricultura.

A parte impetrante peticionou requerendo a juntada de documentos – Id 153471433, Id 154514379, Id


154653891 e Id 155044890.

Juntados laudos técnicos enviados pelo Ministério da Agricultura – Id 154790353 e Id 154883354.

É o relatório, decido.

No âmbito do mandado de segurança, a concessão de liminar se submete à presença dos requisitos previstos
no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/51, podendo o juiz suspender o ato que deu motivo o pedido “quando houver
fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida”.

O ato apontado como coator, contra o qual o Impetrante se insurge, consubstancia-se nos Termos n. 001 a

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003/5384/MG/2020 (que compreendem Termo de Inspeção, Termo de Apreensão, Termo de Fechamento,
Termo de Coleta de Amostras e Intimação), lavrados pelos Auditores Fiscais Agropecuários do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Consta do Termo de Inspeção 002/5384/MG2020:

Em continuidade às atividades relacionadas à demanda encaminhada pela Vigilância


Sanitária do Estado de Minas Gerais, realizamos diligência no estabelecimento supracitado
após o resultado preliminar da presença de dietilenoglicol no produto Cerveja, marca
Belorizontina, lotes L1 1348 e L2 1348, conforme Memorando PCMG/STQFL n° 5/2020,
emitido em 09/01/2020, pela Polícia Civil da Minas Gerais. Devido ao risco iminente à saúde
pública, foi realizado o fechamento cautelar do estabelecimento, de acordo com o Termo de
Fechamento nº 001/519/MG/2020, sendo que a presente ação fiscal terá continuidade na
semana de 13/01/2020 a 17/01/2020. O estabelecimento foi notificado a não realizar a
expedição de nenhum produto sem a prévia autorização do SIPOV/DDA/SFA-MG Foram
coletadas amostras do tanque pulmão de fluido utilizado no resfriamento dos tonéis de
fermentação/maturação, do tanque pulmão da água utilizada no processo de resfriamento
de placas do mosto após fervura, da água residual no resfriador de placas, do produto
monoetilenoglicol presente em 2 tambores no estoque do estabelecimento e da cerveja
armazenada no tanque 10. Todos os produtos envasilhados em estoque foram apreendidos
e amostradas para análises fiscais, de acordo com o Termo de Apreensão n°
002/5384/MG/2020 e Termo de Colheita de Amostras n° 003/5384/MG/2020. Os produtos
em fermentação/maturação também foram apreendidos. O estabelecimento foi intimado a
realizar o recolhimento imediato de todos os lotes de todos os produtos envasilhados no
período compreendido entre outubro até a presente data, de acordo com a Intimação n°
003/5384/MG/2020. O presente Termo de Inspeção e demais documentos aqui descritos
foram lavrados nas dependências do estabelecimento fiscalizado, na presença de seu
responsável.

Quanto à competência da autoridade apontada coatora para a prática do ato impugnado, saliento ser
inequívoca a competência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para a o ato, porquanto tal
poder lhe é conferido pela Lei 8.918/94, que em seu art 2 o dispõe que o “registro, a padronização, a
classificação e, ainda, a inspeção e a fiscalização da produção e do comércio de bebidas, em relação aos seus
aspectos tecnológicos, competem ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ou órgão estadual
competente credenciado por esse Ministério, na forma do regulamento.”

O auditor fiscal agropecuário, devidamente identificado funcionalmente, possui amplos poderes de fiscalização
e de inspeção, o que confere plena legitimidade e legalidade aos atos que embasaram os Termo n. 001 a
003/5384/MG/2020. A prática de tais atos pelos auditores fiscais encontra-se embasada no art. 90, do Decreto
n. 6.871/09, norma legal que lhes permite: colheita de amostras necessárias às análises de fiscalização e de
controle; inspeção rotineira nos estabelecimentos e locais abrangidos pelo Regulamento para verificar a
conformidade das instalações, processos produtivos, equipamentos, utensílios, matérias-primas, ingredientes,
rótulos, embalagens, vasilhames e produtos; apuração da prática de infrações ou de eventos que tornem os
produtos passíveis de alteração; vistoria nos estabelecimentos para efeito de registro; verificação da
procedência e das condições do produto, quando exposto à venda; fechamento de estabelecimento ou seção; a
apreensão de rótulos, embalagens, produto, matéria-prima, ou de qualquer substância encontrada no
estabelecimento em inobservância a este Regulamento, principalmente nos casos de indício de falsificação ou
adulteração, alteração, deterioração ou de perigo à saúde humana; execução de sanções de interdição e de
inutilização; lavratura de auto de infração.

Todavia, os poderes atribuídos aos auditores fiscais do Ministério da Agricultura não se limitam aos atos de
inspeção e fiscalização, abrangendo, outrossim, as medidas cautelares listadas nos arts. 118 e 119 do Decreto
n. 6871/09, pelo que possuem competência para proceder à apreensão cautelar de bebida, matéria-prima,
ingrediente ou vasilhames quando ocorrerem indícios de alteração dos requisitos de identidade, qualidade ou
quando a produção tenha ocorrido em desacordo com as normas legais.

No tocante aos vícios formais alegados pelo Impetrante em relação à inspeção promovida pelo Ministério da
Agricultura, tem-se que:

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● a suposta nulidade do procedimento, por ter sido motivada por inquérito prévio instaurado pela Polícia Civil
de Minas Gerais, não merece acolhida. O Decreto n. 6.871/09 estabelece que "a inspeção e a fiscalização
nos estabelecimentos e locais previstos neste Regulamento constituirão atividade de rotina e terão caráter
permanente".
● ao contrário do aduzido, houve indicação de depositário no ato de Inspeção, como consta expressamente
a nomeação do Depositário Munir Khalil, representante da empresa, na parte final do termo de apreensão
0002/5384/MG/2020;
● o procedimento fiscalizatório não foi maculado pela ausência de intimação para apresentação de defesa
administrativa, porquanto tal prazo se inicia, somente, da intimação da lavratura do auto de infração.
O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou quanto à questão

O Tribunal a quo constatou que não houve violação ao direito de defesa da recorrente, pois "a
atividade de fiscalização, integrante do poder de polícia, é destinada a conferir a regularidade
dos produtos, prescinde de intimação prévia da parte a ser fiscalizada, sob pena de se
prejudicar a eficácia da atividade de fiscalização. A ausência de intimação prévia não significa
afronta à ampla defesa e contraditório, tendo em vista que é conferido à empresa a
possibilidade de apresentar sua defesa e produzir as provas que entender pertinentes no curso
do processo administrativo". (REsp 1694619/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,
SEGUNDA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 19/12/2017)

A irresignação da Impetrante acerca da interdição integral do seu parque industrial, bem como quanto à ordem
de recolhimento de todos os 900.000 litros produzidos e comercializados entre outubro de 2019 e janeiro de
2020, passa, necessariamente, pela aplicação do princípio da proporcionalidade.

O fato é que, in casu, evidencia-se a colisão de direitos constitucionais: de um lado, a interdição total do parque
industrial da Impetrante obstará o seu direito ao livre desempenho de atividade empresarial e à livre
concorrência; por outro, há o direito-dever do Poder Público em garantir o bem-estar e a incolumidade física e
psíquica dos consumidores, mediante o exercício de seu poder de polícia.

Todavia, diante do conflito entre os citados princípios constitucionais, consequência da diversidade ideológica
típica de qualquer Estado Democrático de Direito, a intervenção judicial é requerida para que, com fulcro na
aplicação do princípio da proporcionalidade, haja a ponderação acerca do conflito de normas e princípios
verificado na situação específica. No presente caso, a dosimetria das medidas cautelares impostas à
Impetrante no Termo n. 003/5384/MG/2020 é medida que se impõe.

Na lição de Virgílio Afonso da Silva, no estudo “O proporcional e o razoável” ( in: RT, v. 798, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002, p. 24), tem-se que “o objetivo da aplicação da regra da proporcionalidade, como o próprio
nome indica, é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais”.
Insta salientar que, não raramente os termos proporcionalidade e razoabilidade são tidos como sinônimos,
quando em verdade não o são. Avaliar a proporcionalidade da medida que restringe determinado direito
garantido pela Constituição da República não é somente analisar sua razoabilidade, como bem asseverado
pelo citado doutrinador:

“A regra da proporcionalidade no controle de leis restritivas de direitos fundamentais surgiu


por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e não é uma simples
pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples
análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional
alemã, tem ela uma estrutura racionalmente definida, com subelementos independentes – a
análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito - , que são
aplicados em uma ordem pré-definida, e que conferem à regra da proporcionalidade a
individualidade que a diferencia, claramente, da mera exigência da razoabilidade.” (SILVA,
Virgílio Afonso. “O proporcional e o razoável”. In: RT, v. 798, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 24)

Com efeito, três são as dimensões a serem consideradas quando um ato administrativo é analisado : (a) a
adequação, que se traduz na questão: o meio escolhido é adequado para atingir sua finalidade?; (b) a
necessidade, qual seja, o meio escolhido é o menos oneroso e, ao mesmo tempo, suficiente para proteger a

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norma constitucional? e (c) a proporcionalidade em sentido estrito, da qual deve-se extrair se, numa relação
de “peso e importância”, a medida trará mais benefícios do que prejuízos.

O meio escolhido – interdição integral do pátio industrial e ordem de recolhimento de toda a produção, inclusive
a já comercializada, de outubro de 2019 a janeiro de 2020 – é adequado para atingir a finalidade de produzir a
incolumidade física do consumidor? Inegavelmente, sim.

Quanto à necessidade do meio escolhido – interdição integral do pátio industrial e ordem de recolhimento de
toda a produção, inclusive a já comercializada, de outubro de 2019 a janeiro de 2020 - é o menos gravoso e ao
mesmo tempo suficiente para dirimir o conflito de princípios e normas constitucionais em questão? Nesse
ponto, a resposta já se apresenta apenas parcialmente positiva.

É que, embora se argumente que a contaminação com dietilenoglicol e monodietilenoglicol estaria restrita ao
Tanque 10, da cerveja ‘”Belorizontina”, fato é que as análises clínicas realizadas pelo Ministério da Agricultura
constataram a presença de Dietilenoglicol (DEG) e/ou Monoetilenoglicol (MEG) em outras amostras colhidas,
conforme certificados de análises de bebida 017-20 e 018-20 (marca Capitão Senra – Lote L2 1609 e L2 1571);
019-20 E 020-20 ( marca Pele Vermelha – Lotes L1 1448 e L1 1345); 021-20 ( marca Fargo 46 – Lote L1 4000);
022-20 e 023-20 (marca Backer Pilsen – Lotes L1 1549 e L1 1565); 030-20 (marca Brown – Lotes Lote 1316);
031-20 (marca Backer D2 – L1 2007); 033-20 (marca Belorizontina – L2 1546); 034-20 (marca Belorizontina –
L2 1487); 038-20 (marca Belorizontina – L2 1593); 040-20 (marca Belorizontina – L2 1557); 041-20 (marca
Belorizontina – L2 1604) e 042-20 (marca Belorizontina – L2 1474).

Cumpre salientar que algumas análises de marcas distintas da Belorizontina apontaram “sinal para
dietilenoglicol com magnitude próxima ao ruído instrumental”, o que indica simples traço da referida substância
nos lotes. Por outro lado, tem-se que o Ministério da Agricultura ainda não ultimou a análise sequer de 10% de
todos os 70 tanques da fábrica, bem como de grande parte das garrafas acauteladas na fábrica ou recolhidas.

Frise-se que os testes empreendidos pelo Laboratório do Ministério da Agricultura e pelo Laboratório da Polícia
Civil ainda não apuraram o nível exato de concentração do agente dietilenoglicol nas amostras colhidas, a fim
de verificar se esse traço mínimo encontrado em alguns lotes acarretaria ou não sua toxicidade.

As análises cujos certificados acompanham a presente decisão, numeração 012-20, 013-20 e 014-20, colhidas
respectivamente no fluido do tanque pulmão (utilizado no resfriamento dos tonéis de fermentação), na água do
tanque pulmão (utilizada no processo de resfriamento de placas de mosto após fervura) e na água residual do
resfriador de placas, também apontaram traços de dietilenoglicol e ausência de monoetilenoglicol. Tais análises
trazem indícios de que a contaminação ocorreu na cadeia inicial do processo produtivo, antes da fermentação,
embora ainda inconclusiva acerca da concentração do referido agente.

Impende salientar, ainda, que na Coletiva de Imprensa realizada em 15/01/20, pelos agentes públicos da
Coordenadoria de Vinhos e Bebidas do Ministério da Agricultura, foi informado ao público em geral que ainda
há incerteza sobre a etapa do processo produtivo no qual teria havido contaminação e que nenhuma hipótese
pode ser descartada até o momento, seja sabotagem, vazamento ou utilização incorreta do monoetilenoglicol
pela Impetrante.

O Impetrante juntou aos autos vídeo supostamente contendo indícios de sabotagem nos barris de
monoetilenoglicol por ele adquiridos junto ao seu fornecedor. Todavia, não cabe a análise dessa questão na via
estreita do mandado de segurança, mormente porque a presente impetração dirige-se contra ato coator
específico, atribuído aos representantes do Ministério da Agricultura.

Preocupante, todavia, a declaração feita expressamente pelos agentes públicos, nessa Coletiva de Imprensa,
de que o próprio Ministério da Agricultura não descarta hipótese de que o método laboratorial criado pela
Polícia Civil e pelo Ministério da Agricultura para a análise das amostras (de cerveja e de água coletados nos
produtos, bem como do sangue dos pacientes vitimados) esteja promovendo a dimerização do
monoetilenoglicol em dietilenoglicol. Essa dúvida suscitada por parte do Ministério da Agricultura significa a
admissão de que existe a hipótese, ainda não estudada, de que o método laboratorial utilizado pela Polícia Civil
e pelo Ministério da Agricultura em todas as análises feitas até então poderia estar acarretando a modificação
das moléculas de monoetilenoglicol, de modo a dar falso positivo para dietilenoglicol.

Assim, diante da dúvida suscitada pelo próprio Ministério quanto à metodologia empregada nas análises

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laboratoriais, acrescida do fato de que milhares de litros de cerveja, já produzidos, poderão atestar negativo
para qualquer das duas substâncias tóxicas, impõe-se a ponderação da medida cautelar imposta à Impetrante,
sem que com isso coloque em mínimo risco a saúde dos potenciais consumidores. Friso que menos de 10%
dos tanques da indústria tiveram, até o momento, suas amostras coletas.

Todavia, ainda que a metodologia de análise ainda esteja pendente de confirmação científica, determino, a fim
de resguardar o interesse supremo de todos os consumidores, que qualquer amostra que identificar traços,
ainda que mínimos, dos agentes contaminantes DEG E MEG, poderá ter seu lote incluído, pelo Ministério da
Agricultura, na ordem de recall. Isso porque, apesar de não ser o objeto direto dessa ação, deve ser
considerado terrível impacto que a situação em apreço provocou em relação a todos aqueles que ingeriram
produtos contaminados e os transtornos à população em geral.

A aplicação da proporcionalidade, em sentido estrito, deverá considerar que a interdição integral do pátio
industrial da Impetrante e a paralisação total de suas atividades, com apoio em análise preliminar, feita a partir
de metodologia laboratorial ainda não cientificamente atestada, acarretará o encerramento total e irreversível da
indústria Impetrante. Essa drástica consequência não poderá ser revertida posteriormente, posto que durante a
paralisação integral de suas atividades haverá alto risco de demissão das centenas de empregados e postos de
trabalho indiretos gerados, inadimplência e tributos não pagos. Frise-se que o funcionamento da Impetrante,
como aduzido na inicial, inclui “mais de 800 (oitocentas) pessoas, sendo 200 (duzentos) empregados diretos,
250 (duzentos e cinquenta) funcionários nos 4 (quatro) restaurantes da marca Backer e 600 (seiscentos)
colaboradores indiretos, dentre motoristas, operadores logísticos, promotores de vendas e representantes
comerciais”.

Destarte, até que haja confirmação da eficácia e da idoneidade da metodologia utilizada para as análises
laboratoriais, verifico que a medida mais adequada e proporcional, neste momento, consiste na determinação
de que o recolhimento das garrafas produzidas e colocadas no comércio pela Impetrante seja feito por lote
identificado numericamente pelo Ministério da Agricultura, a partir da presença de traços dos agentes
monoetilenoglicol ou dietilenoglicol. Relativamente aos rótulos Belorizontina e Capixaba o recolhimento deve
ser integral e irrestrito.

Tal medida resguarda o consumidor final e também a Impetrante, pois a atividade empresarial da impetrante ao
longo de décadas ficaria total e irreversivelmente comprometida com o embargo total de suas atividades e a
determinação de recolhimento de toda sua produção, indiscriminadamente, relativa ao período de outubro de
2019 até janeiro de 2020.

Ademais, a medida de recolhimento seletivo de produtos é rotineiramente adotada pelo governo federal,
conforme Resolução Anvisa 389/2019 (recolhimento de diversos lotes de carne de frango, produzidos na cidade
de Dourados/MS, das marcas Sadia e Perdigão, em decorrência de contaminação microbiológica por
Salmonella Enteritidis); Resolução 2.544/2019 (recolhimento dos lotes 219/2019 da marca Huggies Max Clean
e lote 024/2019, da marca Baby Wipes, decorrente de contaminação pela bactéria Enterobacter gergoviae);
Resolução 1797 (recolhimento do lote B16L1470, do medicamento Heclivir, aciclovir, 200 mg, decorrente de
resultado insatisfatório para ensaio de dissolução e rotulagem).

Relativamente à insurgência da Impetrante acerca da interdição de todo seu parque industrial, sob a alegação
de que a cerveja armazenada em 69 (sessenta e nove) tanques pode perecer caso não envasada, autorizo o
envase dos tanques não lacrados, com o acautelamento das garrafas envasadas no próprio estabelecimento
industrial, competindo ao Ministério da Agricultura proceder à fiscalização e a liberação, lote a lote, à medida
em que se verificar que não apresentam risco à saúde pública.

A autorização para envase não implica na comercialização, a qual deverá ser objeto de autorização específica
do Ministério da Agricultura.

Tal medida se impõe a fim de que seja garantido à empresa Impetrante o direito de, caso não apontada
qualquer contaminação nos mais de 60 tanques ainda incólumes, exerça o direito de expedição e
comercialização de sua produção, evitando seja ultrapassado o prazo máximo durante o qual a bebida poderá
ficar armazenada nos tanques.

Quanto à liberação total do parque industrial, tão logo a Impetrante apresente comprovação de que toda e
qualquer irregularidade apontada nas inspeções foi sanada, caberá ao Ministério da Agricultura suspender a

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ordem estabelecida no item 4 da Intimação n. 003/5384/MG/2020.

Pelos fundamentos retro expostos, DEFIRO PARCIALMENTE O PEDIDO DE LIMINAR para;

● determinar que a ordem de recolhimento, constante da Intimação n. 003/5384/MG/2020, incida sobre toda
a qualquer cerveja das marcas Belorizontina e Capixaba, e, relativamente às demais marcas produzidas
pela Impetrante, que abranja especificamente os lotes indicados nas Notas expedidas pelo Ministério da
Agricultura;
● autorizar o envase dos tanques não lacrados relativos a outras marcas, exceto Belorizontina e Backer,
mantendo-se o acautelamento das garrafas no parque industrial da Impetrante até que sua
comercialização seja liberada pelo Ministério da Agricultura;
Determino a observância das seguintes condicionantes:

● A ordem de recolhimento dos lotes já especificados nas Notas publicadas pelo Ministério da Agricultura
deverá ser cumprida pela Impetrante no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, a contar da intimação
dessa decisão. Relativamente aos lotes que vierem a ser incluídos em Notas publicadas pelo Ministério da
Agricultura, o prazo para cumprimento da ordem de recolhimento, pela Impetrante, será de 3 (três) dias
úteis.
● O Ministério da Agricultura terá o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para iniciar a apresentação da
análise laboratorial dos demais tanques ainda não periciados, observando a ordem de fabricação do
produto, da mais antiga para a mais recente, de modo a evitar o perecimento dos produtos que testarem
negativo para qualquer dos agentes contaminantes, os quais serão liberados para envase.
Por fim, determino, ainda, com a urgência que a situação requer:

● intimação da Impetrante acerca dos termos da presente decisão, para ciência e cumprimento;
● intimação da Autoridade Impetrada, notificando-a para que, em 10 (dez) dias, preste as informações
pertinentes e adote as providências supra determinadas;
● ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, para que manifeste seu
interesse em ingressar no feito, nos termos do art. 7º, II, da Lei nº 12.016/2009;
● oitiva do representante do Ministério Público Federal, conforme art. 12 da Lei nº 12.016/2009, sem prejuízo
de nova vista após a apresentação das informações pela autoridade coatora;

● diante do interesse público envolvido no presente feito, determino seja levantado o sigilo processual das
decisões e despachos proferidos, inclusive dos laudos do Ministério da Agricultura encaminhados ao Juízo,
mantendo-se unicamente o sigilo dos documentos que acompanham a inicial, conforme artigo 11, § 6º, do
CPC.
Saliento que a presente decisão tem caráter liminar, pelo que novos documentos poderão acarretar alteração
das determinações e parâmetros aqui adotados.

Publique-se. Intime-se.

Belo Horizonte, 16 de janeiro de 2020.

Anna Cristina Rocha Gonçalves


Juíza Federal Substituta - 14ª Vara/SJMG

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