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Após ter vivenciado com tanta intensidade a experiência que descrevi desse encontro
com a verdade, senti-me como que compelido a um dever o qual era o da pregação e
conforme já explicitei de fazer os homens reconhecerem que a vida é superior à
consciência da vida e que a felicidade é superior ao conhecimento das leis da felicidade,
porém minha proposta foi recebida com escárnio e eu não tenho deixado de ser
ridicularizado, o que tornou de bom propósito a iniciativa de fazer uma breve retomada
das minhas experiências agora, porém, norteada pela orientação psicanalítica de Jung a
qual vim a saber poderia tornar mais claro pra mim os conteúdos e significados dessas
minhas vivências, me mostrando aspectos que poderiam ser úteis aos meus propósitos
atuais.
Assim fiz, encontrei Jung e retomei minha narração inicial na qual eu relatei
meu sentimento pessoal de me sentir ridículo e de ser também apontado por outras
pessoas que me conheciam como ridículo, para as quais meu orgulho me impedia de
confessar-lhes a minha concordância, o que, segundo Jung, apontava para um
sentimento de inferioridade da minha parte o qual me disse referir-se a um elemento
ausente e que não deveria faltar em relação aos meus sentimentos e que deveria ser
conscientizado.
De fato esse sentimento tinha evoluído naqueles dias a ponto se tornar uma
profunda indiferença em relação a tudo e a própria existência, eu estava mesmo me
direcionando a medida extrema, ou seja, o suicídio, uma vez que tudo pra mim havia se
tornado indiferente. Jung disse-me que nesse momento minha situação havia se
agravado e que eu apresentava um quadro neurótico grave. Porém ao aprofundar a
narrativa e lhe contar sobre a visão da estrelinha, o aparecimento da menina, meus
questionamentos e as grandes dúvidas que surgiram a partir de então, as quais me
fizeram novamente perceber que o mundo não era totalmente indiferente para mim e
embora minha capacidade de sentir estivesse embotada não estava totalmente ausente
sendo a pena que senti da menina uma prova evidente desse fato, juntamente ao relato
pormenorizado do sonho que tive, sendo que também fiz-lhe conhecer todas as
conseqüências que daí então se advieram para a minha existência quais foram a
recuperação do sentido que tornou-se para mim a busca da verdade e minha ânsia de
trazer a todos os outros esse mesmo objetivo, fui informado por ele que por uma feliz
coincidência na conjuntura do aparecimento da estrela, da menina e do sonho, eu pude
mesmo sem a ajuda de um terapeuta conscientizar aqueles elementos ausentes os quais
eram os responsáveis pelo meu sentimento de inferioridade e essa conscientização se
deu pela assimilação do arquétipo do paraíso e do pecado original, sendo que através
destes eu teria assumido para mim os pecados dos homens, o que como conseqüência
teria me motivado à busca da verdade e sua pregação como uma forma de redenção a
esse pecado original. Essa ocorrência segundo a avaliação de Jung foi positiva pelo fato
de eu atualmente ter superado o meu sentimento de inferioridade e deixado meu ser ser
permeado pela busca da verdade, conteúdo este que está também presente no arquétipo
do velho sábio, outro arquétipo descrito por ele, prevenindo-me porém para que eu não
saísse de uma situação inadequada para cair em outra a qual ele chamou de inflação,
sendo que ele me disse ter identificado que de certa forma este fenômeno poderia agora
estar presente na minha conduta atual, que de acordo com a teoria proposta por ele a
qual diferencia conteúdos pessoais de coletivos, os conteúdos inconscientes coletivos
estariam se sobrepujando aos meus conteúdos pessoais causando esse fenômeno, sendo
que em uma psique saudável esses dois tipos de conteúdo estariam equilibrados, dessa
forma eu estaria elegendo uma meta existencial que apesar de ser muito valida, segundo
sua opinião, estaria além da minha capacidade pessoal de realização, sendo assim seria
bem provável que os meus intentos fossem frustrados, por isso me aconselhou a buscar
de fato expandir esse sentimento que me dá animo e sentido atualmente para focos
específicos e que não sejam tão ambiciosos a ponto de querer abarcar a humanidade
inteira, a menina que eu encontrei, por exemplo, seria de fato um bom inicio para que eu
continuasse a desenvolver esses sentimentos humanitários que sem dúvida, na visão
dele, são muito úteis e necessários para uma humanidade melhor mas que só podem ser
realizados primeiramente no âmbito pessoal.
Perspectiva Fenomenológico-existêncial Viktor Frankl:
Algum tempo depois de ter tido a grande experiência do sonho e ter me decidido
pela busca da verdade e sua pregação tive um ímpeto de retomar as vivências que me
conduziram até aqui, pois sinto como se os acontecimentos houvessem se desenrolado
tão velozmente a ponto de não ter sido possível avaliar com profundidade o impacto
que essas vivências tiveram em minha vida atual.
Para obter uma maior clareza nessa minha análise pessoal me servi da
colaboração do Dr. Viktor Frankl, o qual se dispôs a ouvir meus relatos e a apontar as
possíveis relações existentes entre os conteúdos das minhas experiências e suas
implicações na minha saúde psicológica através de sua técnica terapêutica chamada
Logoterapia.
Então logo de inicio falei-lhe sobre o sentimento que possuía em relação a mim
mesmo o qual me conduzia a considerar-me uma pessoa ridícula e o fato de também ser
por outras pessoas visto dessa forma, o que de afetava negativamente embora não
gostasse de admitir isso. Também contei-lhe da crescente indiferença, que começou a
ocupar minha alma após eu ter me tornado moço, a qual culminou na formação da
convicção de que no mundo, em qualquer canto, nada mais possuía sentido algum, pois
para mim, nada mais importava, sendo que essa sensação também contribuiu para que
eu quisesse acabar com minha própria vida pois eu havia me convencido de que não
havia mais nada além do nada.
Após ter ouvido minhas colocações Dr. Frankl olhou-me com seriedade e pôs-se
a fazer alguns comentários sobre elas os quais poderiam segundo ele ser úteis para que
eu compreendesse as razões que me conduziram a proceder da forma pela qual eu havia
mencionado e a desejar por fim a própria vida. Fez me notar que de acordo com sua
Logoterapia, que considera o ser humano como um ente cuja preocupação principal
consiste em cumprir um sentido, e não meramente gratificar e satisfazer impulsos e
instintos, que eu estaria passando naquele momento por uma frustração existencial, ou
seja, frustração da minha vontade de sentido a qual havia me conduzido a uma neurose
noogênica, ou seja, a uma neurose resultante de problemas existenciais. Concordei com
suas ponderações pois havia sentido realmente em minha alma durante aquele período
um vácuo de sentido o qual veio a ser preenchido pelos acontecimentos que se seguiram
e que também trouxe ao conhecimento do Dr. Frankl.
Dessa forma relatei-lhe as ocorrências da noite de três de novembro com todos
os detalhes que pude reter em minha mente além de reviver em sua presença as emoções
que haviam me tomado ao ver a estrelinha, ao encontrar a menina, e ao sonhar com
todas aquelas coisas, a minha morte, meu arrebatamento para um mundo que era um
“duplo “ da terra, a situação que ali encontrei a qual havia me maravilhado e também os
acontecimentos q se sucederam apo eu ter disseminado a mentira naquele lugar, enfim
fiz-lhe conhecer em detalhes tudo que considerava a partir de então possuir uma
consistente substância de realidade e que tornara minha vida mais cheia de animo,
alegria e coragem.
Dr. Frankl acompanhou minha fala com um brilho singular em seus olhos que
demonstravam uma sensibilização discreta e após o fim da minha narrativa disse-me
que durante este sonho tive contato com o sentido que buscava mesmo que
inconscientemente e que assim como ele que havia vivido circunstâncias horrivelmente
adversas e que acabaram por tornar muito evidentes para ele o sentido se sua própria
vida o qual era o de valorizar profundamente a existência , eu também pude, através
dos mecanismos ainda enigmáticos dos sonhos de resgatar o sentido singular da minha
vida sendo que para que eu fosse bem sucedido bastaria que eu o cultivasse da melhor
forma possível, prescindindo, para esse cometimento, das opiniões alheias fossem elas
favoráveis ou não e disse-me uma interessante frase de Nietzsche ao fim de nossa
conversa a qual disse ilustrar bem o conteúdo de minha narrativa “ Quem tem porque
viver suporta quase todo como”.
Perspectiva da Gestalt:
Bom agora um tanto quanto impressionado com tudo o que vi até agora volto a
pensar sobre minha vida, desde o seu inicio, de como me concebia a mim mesmo, das
minhas relações com as outras pessoas e passei então a considerar outra perspectiva que
talvez desse conta de demonstrar outros aspectos também relevantes do que vivi. Então
foi por aí que encontrei umas pessoas que estavam ligadas a um movimento chamado
psicologia da libertação o qual me deixou muito curioso e realmente me fez querer saber
mais, quem sabe fosse possível trazer a luz outros elementos da minha vida os quais não
tenham sido abordados pelas outras abordagens não deixando de considerar, porém, as
valiosas contribuições até agora angariadas.
Durante muito tempo refleti sobre minha condição de ser ridículo, sempre me
interrogando no âmbito individual e nunca pensando seriamente sobre as minhas
relações e sobre as estruturas sociais nas quais estas relações estavam assentadas, pois
sempre ignorei qualquer problema estrutural que dissesse respeito ao coletivo, ao povo
no o qual eu convivia pois eu mesmo assumia que houvesse uma natureza universal e
ahistórica que abarcasse todos os seres humanos não havendo, dessa forma, diferenças
significativas entre as experiências vividas por mim e meu povo e àquelas vividas em
outros locais onde as perspectivas socioeconômicas eram mais favoráveis, deixando de
observar dessa maneira, a relevância dessas influências sobre a realidade do meu povo,
pois não notava que este último se relacionava com os primeiros através de uma
dependência socioeconômica e ideológica, como por exemplo no ideal difundido entre
os populares de meu pais de alcançar o mesmo patamar existente nesses outros locais
embora a situação de pobreza e miséria na qual vivemos não nos tivesse até então
trazido augúrios muito promissores.
Então, não podia eu atinar sobre a relevância de todos esses fatores sociais
envolvidos na minha existência e aos quais eu ignorava por atentar apenas para minha
própria individualidade, assim, considero ter interiorizado no meu próprio espírito
durante um longo tempo da vida esta opressão “silenciosa”, pois, para mim, tudo se
colocava dentro de um patamar de normalidade o qual jamais contestei pois eu possuía
um pensamento fatalista e conformista, o qual não alcançava essas questões, sendo
portanto conveniente para a ordem estabelecida.
Em grande parte como resultado da submissão da minha vontade a esses fatores,
fui me tornando cada vez mais indiferente em relação à realidade até que decidi me
matar pois como não via outras alternativas que me trouxessem a perspectiva de algum
tipo de mudança mais animadora embora naquele momento eu não compreendesse bem
em qual âmbito essas mudanças deveriam ocorrer pois estava embaraçado por um
pensamento fatalista o qual obscurecia minha apreensão da realidade.
Dessa forma, no dia em que vi a estrela brilhando e decidi que seria aquela noite
em que tudo se resolveria, encontrei aquela menina, ocorrência que acabou por gerar em
mim um abalo muito intenso, pois perturbou minhas pretensões, e embora o fato de não
tê-la socorrido fosse coerente com meu pensamento naquele momento, porque para
mim os acontecimentos tinham se tornado indiferentes, meu envolvimento com o
fatalismo não era absoluto porém, pois de outra forma teria consumado meus planos e
posto fim a própria vida, o que de fato não ocorreu, sendo que pelo contrario, o contato
com a menina acabou por causar-me um extremo desassossego o qual perdurou e
culminou naquele sonho.
Considero ter sido aquele desassossego o inicio da mudança paradigmática que
eu buscava e a qual consumou-se durante meu sonho, que penso ter sido um contato
mais próximo com o divino e que me pareceu ilustrar a situação do meu povo desde seu
inicio, onde embora as pessoas não possuíssem a ciência dos povos dominadores,
possuíam uma sabedoria, solidariedade, e uma fé na capacidade humana de transformar
o mundo que não pude observar nos povos dominadores sendo interessante notar que no
sonho, emblematicamente, encarnei a essência desses outros povos ao difundir
inicialmente a mentira, o que me fez crer que não devo considerar como responsáveis
pela situação atual de submissão do meu povo apenas os dominadores pois de certa
forma também houve algum tipo de consentimento por parte dos dominados, essa ação
inicial de aquiescer abriu precedentes para que toda uma constelação de características
mais acentuadas desses povos exploradores também se instalassem como o ciúme, a
volúpia, a crueldade expondo claramente a sua perspectiva de apropriação da realidade,
que embora permita a eles possuírem o domínio da maioria dos recursos e meios de
atuar no mundo, evidenciam sua pobreza de espírito, pois consideraram a felicidade
uma ilusão devido ao motivo de serem privados da fé numa felicidade superior.
Dessa maneira esse sonho fez com que me conscientiza-se da tarefa que tenho de
promover a vida, de assumir a perspectiva histórica na constituição das estruturas
sociais as quais precisam ser alteradas promovendo, através de um compromisso
coletivo, a liberação das imposições vindas delas para que a opressão moral sobre as
maiorias se desfaça e também ocorra a liberação individual, promovendo por outro lado
outras estruturas que ajudem os povos a progredir, a encontrar o caminho de sua
realização histórica pessoal e coletiva.
Pude então conceber alguns direcionamentos nesse sentido como por exemplo
ver os processos psicossociais a partir da vertente do dominado, em lugar de vê-los a
partir da vertente do dominador e ter uma opção preferencial pelos pobres buscando
Deus entre esses pobres e os marginalizados auxiliando-os a Ler sua realidade e a
escrever sua palavra histórica.
Para que essas coisas ocorram vi durante meu sonho que é preciso ressignificar o
conceito que é base das concepções tanto dos dominadores quanto dos dominados, este
é o conceito de verdade que para os dominadores não é senão um simples reflexo dos
dados, mas que para os dominados poderá ser uma tarefa: não os fatos mas aquilo por
fazer tornando, A verdade pratica torna-se, dessa forma, para nós prioritária em relação
a verdade teorética sendo a primeira a melhor opção para dar subsídios às pessoas para
que adquiram controle sobre sua própria existência e sejam capazes de orientar suas
vidas no rumo daqueles objetivos que se proponham como valiosos, sem que
mecanismos inconscientes ou experiências conscientes lhes impeçam de atingir suas
metas existenciais e sua felicidade.
Dessa forma, a verdade das maiorias populares não deve ser encontrada, mais
feita pois sob muitos aspectos a realidade é opaca, e somente atuando sobre ela,
somente transformando-a, tornar-se-ia a meu ver possível ao ser humano adquirir real
noticia acerca dela e é a práxis que nos permitiria conhecer a realidade não somente no
que é , mas também no que não é, e isso na medida em que tentássemos orientá-la no
rumo daquilo que ela deveria ser. Assim deveria haver uma investigação participativa,
pois somente ao participar se produziria o “rompimento voluntário e vivencial da
relação assimétrica de submissão e dependência, implícita no binômio sujeito objeto”
permitindo realizar, dessa forma, uma politização da realidade que leva em
consideração uma parcialidade coerente com os valores coletivos permitindo aos
indivíduos tirar lições da experiência e vislumbrar possibilidades alternativas sobre o
que se pode ser feito no sentido de reconstruir os modelos de auto identificação,
baseando-se no pressuposto do conhecimento como construção social o qual priorize as
virtudes características da coletividade como a solidariedade, a capacidade de entrega e
de sacrifício pelo bem coletivo além da fé na capacidade humana de transformar o
mundo e seus destinos.