Você está na página 1de 18

Perspectiva Psicanalítica Jung:

Após ter vivenciado com tanta intensidade a experiência que descrevi desse encontro
com a verdade, senti-me como que compelido a um dever o qual era o da pregação e
conforme já explicitei de fazer os homens reconhecerem que a vida é superior à
consciência da vida e que a felicidade é superior ao conhecimento das leis da felicidade,
porém minha proposta foi recebida com escárnio e eu não tenho deixado de ser
ridicularizado, o que tornou de bom propósito a iniciativa de fazer uma breve retomada
das minhas experiências agora, porém, norteada pela orientação psicanalítica de Jung a
qual vim a saber poderia tornar mais claro pra mim os conteúdos e significados dessas
minhas vivências, me mostrando aspectos que poderiam ser úteis aos meus propósitos
atuais.
Assim fiz, encontrei Jung e retomei minha narração inicial na qual eu relatei
meu sentimento pessoal de me sentir ridículo e de ser também apontado por outras
pessoas que me conheciam como ridículo, para as quais meu orgulho me impedia de
confessar-lhes a minha concordância, o que, segundo Jung, apontava para um
sentimento de inferioridade da minha parte o qual me disse referir-se a um elemento
ausente e que não deveria faltar em relação aos meus sentimentos e que deveria ser
conscientizado.
De fato esse sentimento tinha evoluído naqueles dias a ponto se tornar uma
profunda indiferença em relação a tudo e a própria existência, eu estava mesmo me
direcionando a medida extrema, ou seja, o suicídio, uma vez que tudo pra mim havia se
tornado indiferente. Jung disse-me que nesse momento minha situação havia se
agravado e que eu apresentava um quadro neurótico grave. Porém ao aprofundar a
narrativa e lhe contar sobre a visão da estrelinha, o aparecimento da menina, meus
questionamentos e as grandes dúvidas que surgiram a partir de então, as quais me
fizeram novamente perceber que o mundo não era totalmente indiferente para mim e
embora minha capacidade de sentir estivesse embotada não estava totalmente ausente
sendo a pena que senti da menina uma prova evidente desse fato, juntamente ao relato
pormenorizado do sonho que tive, sendo que também fiz-lhe conhecer todas as
conseqüências que daí então se advieram para a minha existência quais foram a
recuperação do sentido que tornou-se para mim a busca da verdade e minha ânsia de
trazer a todos os outros esse mesmo objetivo, fui informado por ele que por uma feliz
coincidência na conjuntura do aparecimento da estrela, da menina e do sonho, eu pude
mesmo sem a ajuda de um terapeuta conscientizar aqueles elementos ausentes os quais
eram os responsáveis pelo meu sentimento de inferioridade e essa conscientização se
deu pela assimilação do arquétipo do paraíso e do pecado original, sendo que através
destes eu teria assumido para mim os pecados dos homens, o que como conseqüência
teria me motivado à busca da verdade e sua pregação como uma forma de redenção a
esse pecado original. Essa ocorrência segundo a avaliação de Jung foi positiva pelo fato
de eu atualmente ter superado o meu sentimento de inferioridade e deixado meu ser ser
permeado pela busca da verdade, conteúdo este que está também presente no arquétipo
do velho sábio, outro arquétipo descrito por ele, prevenindo-me porém para que eu não
saísse de uma situação inadequada para cair em outra a qual ele chamou de inflação,
sendo que ele me disse ter identificado que de certa forma este fenômeno poderia agora
estar presente na minha conduta atual, que de acordo com a teoria proposta por ele a
qual diferencia conteúdos pessoais de coletivos, os conteúdos inconscientes coletivos
estariam se sobrepujando aos meus conteúdos pessoais causando esse fenômeno, sendo
que em uma psique saudável esses dois tipos de conteúdo estariam equilibrados, dessa
forma eu estaria elegendo uma meta existencial que apesar de ser muito valida, segundo
sua opinião, estaria além da minha capacidade pessoal de realização, sendo assim seria
bem provável que os meus intentos fossem frustrados, por isso me aconselhou a buscar
de fato expandir esse sentimento que me dá animo e sentido atualmente para focos
específicos e que não sejam tão ambiciosos a ponto de querer abarcar a humanidade
inteira, a menina que eu encontrei, por exemplo, seria de fato um bom inicio para que eu
continuasse a desenvolver esses sentimentos humanitários que sem dúvida, na visão
dele, são muito úteis e necessários para uma humanidade melhor mas que só podem ser
realizados primeiramente no âmbito pessoal.
Perspectiva Fenomenológico-existêncial Viktor Frankl:

Algum tempo depois de ter tido a grande experiência do sonho e ter me decidido
pela busca da verdade e sua pregação tive um ímpeto de retomar as vivências que me
conduziram até aqui, pois sinto como se os acontecimentos houvessem se desenrolado
tão velozmente a ponto de não ter sido possível avaliar com profundidade o impacto
que essas vivências tiveram em minha vida atual.
Para obter uma maior clareza nessa minha análise pessoal me servi da
colaboração do Dr. Viktor Frankl, o qual se dispôs a ouvir meus relatos e a apontar as
possíveis relações existentes entre os conteúdos das minhas experiências e suas
implicações na minha saúde psicológica através de sua técnica terapêutica chamada
Logoterapia.
Então logo de inicio falei-lhe sobre o sentimento que possuía em relação a mim
mesmo o qual me conduzia a considerar-me uma pessoa ridícula e o fato de também ser
por outras pessoas visto dessa forma, o que de afetava negativamente embora não
gostasse de admitir isso. Também contei-lhe da crescente indiferença, que começou a
ocupar minha alma após eu ter me tornado moço, a qual culminou na formação da
convicção de que no mundo, em qualquer canto, nada mais possuía sentido algum, pois
para mim, nada mais importava, sendo que essa sensação também contribuiu para que
eu quisesse acabar com minha própria vida pois eu havia me convencido de que não
havia mais nada além do nada.
Após ter ouvido minhas colocações Dr. Frankl olhou-me com seriedade e pôs-se
a fazer alguns comentários sobre elas os quais poderiam segundo ele ser úteis para que
eu compreendesse as razões que me conduziram a proceder da forma pela qual eu havia
mencionado e a desejar por fim a própria vida. Fez me notar que de acordo com sua
Logoterapia, que considera o ser humano como um ente cuja preocupação principal
consiste em cumprir um sentido, e não meramente gratificar e satisfazer impulsos e
instintos, que eu estaria passando naquele momento por uma frustração existencial, ou
seja, frustração da minha vontade de sentido a qual havia me conduzido a uma neurose
noogênica, ou seja, a uma neurose resultante de problemas existenciais. Concordei com
suas ponderações pois havia sentido realmente em minha alma durante aquele período
um vácuo de sentido o qual veio a ser preenchido pelos acontecimentos que se seguiram
e que também trouxe ao conhecimento do Dr. Frankl.
Dessa forma relatei-lhe as ocorrências da noite de três de novembro com todos
os detalhes que pude reter em minha mente além de reviver em sua presença as emoções
que haviam me tomado ao ver a estrelinha, ao encontrar a menina, e ao sonhar com
todas aquelas coisas, a minha morte, meu arrebatamento para um mundo que era um
“duplo “ da terra, a situação que ali encontrei a qual havia me maravilhado e também os
acontecimentos q se sucederam apo eu ter disseminado a mentira naquele lugar, enfim
fiz-lhe conhecer em detalhes tudo que considerava a partir de então possuir uma
consistente substância de realidade e que tornara minha vida mais cheia de animo,
alegria e coragem.
Dr. Frankl acompanhou minha fala com um brilho singular em seus olhos que
demonstravam uma sensibilização discreta e após o fim da minha narrativa disse-me
que durante este sonho tive contato com o sentido que buscava mesmo que
inconscientemente e que assim como ele que havia vivido circunstâncias horrivelmente
adversas e que acabaram por tornar muito evidentes para ele o sentido se sua própria
vida o qual era o de valorizar profundamente a existência , eu também pude, através
dos mecanismos ainda enigmáticos dos sonhos de resgatar o sentido singular da minha
vida sendo que para que eu fosse bem sucedido bastaria que eu o cultivasse da melhor
forma possível, prescindindo, para esse cometimento, das opiniões alheias fossem elas
favoráveis ou não e disse-me uma interessante frase de Nietzsche ao fim de nossa
conversa a qual disse ilustrar bem o conteúdo de minha narrativa “ Quem tem porque
viver suporta quase todo como”.
Perspectiva da Gestalt:

Seguindo minha saga de procurar entender e interpretar os fatos que ocorreram


na minha vida e dentro deles o mais marcante o qual foi o sonho que tive, me deparei
com uma outra teoria proposta por uns psicólogos muito simpáticos e que declaravam
estarem dispostos a me ajudar nessa empreitada. Logo de inicio me fizeram notar que se
baseavam num método o qual chamavam de fenomenológico o qual priorizava muito a
descrição dos acontecimentos sem qualquer pretensão cientificista ou reducionista que
resumisse a experiência a mecanismos.
Dessa forma eu narrei para eles os fatos conforme o modo que eu os havia
percebido começando pela impressão inicial que eu possuía de mim mesmo de ser uma
pessoa ridícula na qual fui informado por eles de se tratar de uma configuração interna
que eu possuía, ou seja, “meus vetores” os quais estavam relacionados ao ambiente
externo onde direcionavam-se às pessoas que confirmavam essa minha impressão sendo
que este pensamento meu permanecia devido ao fato de as minhas características e as
características do ambiente externo (inclusive as pessoas) perdurarem.
Disseram-me que minha percepção de ser ridículo continuou ocorrendo durante
o tempo em que eu mantive a mesma configuração ou mesma Gestalt, (forma ou
modelo perceptivo) não abrindo espaço para a apreensão de outras formas de relações o
que teria contribuído, de certa forma, para que eu me tornarsse indiferente para com os
outros, para comigo mesmo, minhas emoções e para com a própria vida.
De acordo com a interpretação feita pelos gestaltistas um fato importante teria
ocorrido quando avistei aquela estrelinha durante o meu percurso de volta pra casa, a
qual destacou-se de todo o contexto situacional no qual estava inserida e havia se
tornado uma figura distinta de um fundo, o fato de observá-la teria de alguma forma
disparado em minhas estruturas perceptivas uma alteração ou “insight” levando-me a
considerar que aquele era o momento adequado para atender a minhas deliberações
anteriores no sentido de por fim a própria vida, solução essa que havia julgado ser a
mais coerente ao levar em consideração o modo como estava organizada a minha
percepção até aquele momento. Assim a minha determinação estaria embasada em um
tipo de apreensão da realidade o qual teria feito com que eu considerasse que a
resolução a ser tomada devia ocorrer naquela mesma noite.
O fato de eu ter dormido antes de levar a cabo meus planos, segundo esses
psicólogos, havia feito emergir um outro aspecto muito peculiar presente na existência
humana a qual faz com que se reflita na consciência e na influência que os sonhos
exercem sobre ela. O fato evidente é que existe algo que está além da ordem presente na
matéria inerte e na matéria viva que é essa capacidade de dar valor e significação às
experiências e as coisas a qual se atribui à “consciência” embora esse termo seja
questionado e não muito aceito por alguns estudiosos.
O que o meu sonho havia tornado evidente dessa forma, seria o fato de que,
embora em uma forma diferenciada de operação, a consciência permaneceria ativa,
assim como todos os mecanismos neurofisiológicos relacionados a ela, e da mesma
forma capaz de alterar suas próprias configurações perceptivas, sendo que seria possível
dizer com relação ao meu caso que eu havia experimentado novos insights durante a
minha vivência onírica os quais tiveram repercussões marcantes na minha experiência
desperta a ponto de me fazer reconsiderar minha opção anterior pelo suicídio e a minha
percepção global em relação à própria vida de modo a me levar a crer que as pessoas
podem ser belas e felizes, sem deixar de viver na terra quando descobrirem que deve-se
amar aos outros como a si mesmo e que deve-se lutar contra a concepção atual de
privilegiar o conhecimento da verdade em detrimento da própria verdade.
Perspectiva Behaviorista:

Deparei-me então com a perspectiva Behaviorista e após narrar os


acontecimentos da minha vida para o analista que atendeu-me este ultimo explicitou-me
que a perspectiva behaviorista na qual trabalhava era orientada e baseada nas
proposições de Skinner e Watson. Eu acolhi suas considerações com respeito e pensei
que o contato com esses psicólogos estava sendo muito enriquecedor de modo a me
trazer novas maneiras de entender e observar minhas ações e o que havia ocorrido
comigo até aquele momento me fazendo sentir que a compreensão angariada até então
não tinham afetado minhas resoluções daquele momento a ponto de alterar minhas
pretensões de modo que eu continuo considerando muito validas as conclusões a que
cheguei após o sonho que tive e as ações que me tenho permitido realizar no presente,
embora eu também tenha percebido a partir dessas análises que meu comportamento e
minhas vivências não são o fruto do nada e sim resultantes de muitos fatores
predisponentes os quais considero, contudo, discordando da visão de alguns desses
psicólogos, não previamente sujeitos a determinações sendo que tenho tido a percepção
de que minhas experiências transcendem as interpretações que obtive delas me fazendo
inferir a partir disso que mesmo que houvesse muitas outras formas de problematizar o
que eu vivi, a vivência continuaria a ser algo não totalmente desvendado sempre
havendo algo escapando às interpretações possíveis como a água que escorre pela mão.
Após retornar das minhas divagações ouvi com um ar de complacência a
explanação dada pelo psicólogo behaviorista de que o fato de eu me sentir ridículo era
um comportamento aprendido e devido às contingências ambientais que eram
responsáveis por controlar e reforçar essa minha percepção e que esse estado de coisas
tenderia a perdurar enquanto as conexões entre estes elementos continuasse ativa. Fui
informado que esses elementos tinham por base também fatores fisiológicos
relacionados com estados proprioceptivos e interoceptivos do meu organismo não
havendo nada segundo eles que se relacionasse com uma “consciência” pois tudo que
havia na visão deles eram apenas comportamentos que eram validos em si mesmos.
Assim segundo essa abordagem o fato de eu sentir um aumento progressivo da
sensação de vazio e um crescente comportamento de indiferença como conseqüência
dessa estimulação sendo que ambas essas condições (estímulo e comportamento) eram
devidas ao controle de fatores ambientais que se somaram durante minha história de
vida e o fato de eu ter decidido por fim a própria vida era uma resposta comportamental
que visava a modificar essas contingências aversivas e que tinham se tornado tão
aversivas a ponto de me motivar a optar pelo suicídio, o que, a partir da explicação do
analista, seria um reforço negativo no sentido de me livrar do desprazer e incomodo
que estava sentindo com a minha vida embora não transparecesse isso e aparentemente
estivesse calmo.
O momento que vi a estrela brilhando e decidi efetuar meus propósitos poderia
ser considerado como um estimulo condicionado pois muitas vezes durante esses dois
meses eu havia manipulado a arma e admirado o seu brilho prata metálico enquanto
pensava em puxar o gatilho nunca tendo ocorrido porém um estímulo tão intenso que
me fizesse agir. Então, aquela chuva ameaçadora e logo após a umidade horrível que se
seguiu compuseram, juntamente com o aparecimento da estrela como um estimulo
condicionado que me fez relacionar o seu brilho com o brilho metálico da arma, a
seqüência de elementos que vieram a desencadear a minha forte resolução daquele
momento. Mas o aparecimento da menina que ocorreu logo após minha tomada de
resolução serviu como um estimulo discriminativo de outra natureza fazendo com que a
conexão que tinha sido estabelecida anteriormente fosse abalada pela inserção de um
novo elemento que segundo o analista influenciando na mudança das contingências até
então estabelecidas e os sapatinhos da menina que tão prontamente me saltaram aos
olhos também eram estímulos condicionados pois me fizeram lembrar dos sapatos de
minha mãe que costumavam a ficar rotos e encharcados quando ela nos levava ao
campo para cultivar cereais, e estes eram momentos muito felizes pois ela sempre
brincava muito conosco durante essas ocasiões.
Assim ao chegar em casa eu estava influenciado por duas classes de estímulos
contrários uns aversivos e outros apetitivos, provavelmente como havia dito deve-se a
isso o fato de eu não ter me suicidado naquela noite, apenas dormido, o que não
significa que eu tenha deixado de me comportar pois os fatos ocorridos no sonho dentro
da interpretação Skinneriana não eram senão comportamentos encobertos os quais se
manifestavam nas mesmas bases dos comportamentos manifestos diferenciando-se
apenas pela sua força que cairia em um nível abaixo do necessário para uma emissão
aberta, dependendo, para que essa emissão ocorresse, apenas da intensidade das suas
variáveis de controle, sendo que a resposta encoberta seria simplesmente a mais fácil
ou, por alguma razão, a mais própria no momento, dessa forma, os comportamentos
emitidos no sonho seriam emitidos na ausência do estímulo, ou seja, o sonho seria a
visão na ausência da coisa vista.
Por esta perspectiva todos os comportamentos encobertos presentes no meu
sonho estariam, de alguma forma, relacionados com acontecimentos que os precederam
e o fato de eu ter me suicidado em sonho seria uma resposta originada a partir dos
estímulos precedentes ao sonho como o brilho da estrela, o revolver, as contingências
aversivas e reforçadoras presentes na minha história como um todo. As ocorrências que
se seguiram demonstraram também a grande plasticidade do sonho o qual ocorreu livre
de um contexto específico, o que teria permitido a emersão de muitas diferentes ações
implícitas, levando em consideração que, na ausência de um contexto, os estímulos
assumiriam diversificadas funções, sendo essas funções estariam porém de alguma
forma implicadas com a história do individuo, uma demonstração emblemática dessa
questão esta no fato de ter visto em meu sonho um “duplo” da terra com suas mesmas
particularidades embora houvesse a diferença dos seres que lá viviam os quais
exprimiam em abundância justamente aquela falta de amor que eu observava em meu
dia a dia sendo a privação desse afeto um fator que poderia também ter contribuído para
a ocorrência desse sonho sendo que os valores éticos relacionados a descoberta da
“verdade” seriam nesse caso devido às conseqüências reforçadoras que adviriam da
aprovação dos amigos e do grupo ao qual eu faço parte.
Essas ocorrências de alguma forma portanto, contribuíram para desencadear e
influenciar meus comportamentos manifestos subseqüentes ao sonho.
Perspectiva Genética Piaget:

De acordo com a visão de Piaget as ocorrências relacionadas aos


acontecimentos devem-se a uma interação entre uma base genética e o ambiente sendo
que desta relação resultariam a formação de esquemas os quais se alterariam durante o
amadurecimento dos organismos introduzindo, dessa forma, a noção de
desenvolvimento que estaria relacionada a biologia e a psicologia experimental.
Assim, desde que era bem jovem, desenvolvi meus esquemas de percepção de
mundo mantendo constante porém a percepção de ser ridículo, e durante muito tempo a
interação dos meus esquemas mentais com os dados ambientais provocaram mudanças
nesses últimos embora essas mudanças não alterarssem a percepção da minha
“ridícularidade” estando esta muito presente e concordante com os dados ambientais
sendo que estes eram em sua maioria provenientes das minhas interações sociais.
Portanto, não colhi de minhas interações sociais experiências que me fizessem
questionar este velho esquema formado até bem recentemente quando estava próximo a
dar cabo da própria vida sendo que, apesar de ser esta uma situação limite e bastante
trágica, trouxe consigo uma indagação muito interessante no sentido de me fazer pensar
que a permanência prolongada dentro de um esquema perceptivo inalterado,
dependendo talvez do conteúdo desse esquema, o que impede de generalizar essa
conclusão para outros esquemas, pode ter conseqüências funestas.
Assim durante muito tempo teria apenas assimilado as informações ambientais
até o momento em que cheguei a considerar que a realidade não fosse capaz de oferecer
nada mais daquilo que já compunha os conteúdos presentes no meu esquema fazendo
com que eu me tornasse indiferente e considerasse que nada mais fizesse diferença até
mesmo o fato de eu estar vivo. Estive durante um tempo razoável envolvido por este
esquema de certo modo “esvaziado” nada mais procurando que o próprio nada, alguns
acontecimentos surpreendentes, porém, vieram a por em xeque esta forma já a tanto
tempo estabelecida de perceber a realidade e trazer elementos que enfim fizeram
emergir com bastante força uma nova percepção demonstrando então a
imprevisibilidade das ocorrências no campo das interações entre o ambiental e o mental.
Desse modo, durante aquele dia no qual eu retornava a minha casa e tinha
decidido enfim, por uma sugestão vinda de fonte desconhecida ao ver aquela estrela, me
matar pois esta decisão representava a consumação da estagnação e o pulo do nada
dentro do próprio nada. A presença daquela menina representou porém uma alteração
significativa nesse meu esquema já estabelecido no sentido de abalar as estruturas nas
quais este ultimo estava posto, Assim não pude de pronto atinar com a extensão do que
me ocorrera mas não pude furtar-me a me submeter a essa ocorrência sendo que de fato
ela quem me impediu de saltar para o “nada”.
O sonho então pode ser considerado como um desdobramento dessa revolução
ocorrida estando ele profundamente relacionado as grandes mudanças ocorridas em meu
esquema mental as quais teriam resultado numa acomodação fazendo com que meu
campo perceptivo pudesse abarcar esses novos elementos até então inexistentes para
mim. Assim procurei novamente aquela menina e a fiz notar que compreendi a sua
angústia naquele momento que me procurou e que para mim representou a explosão da
angustia dos seres que sentem em vez de entender e que seguem, embora não saibam, a
uma única e mesma coisa, pude compreender enfim, através dessas ocorrências que a
vida é superior à consciência que se tem dela e que a felicidade é superior ao
conhecimento que dela se têm.
Perspectiva Histórico-Cultural:

Bom agora um tanto quanto impressionado com tudo o que vi até agora volto a
pensar sobre minha vida, desde o seu inicio, de como me concebia a mim mesmo, das
minhas relações com as outras pessoas e passei então a considerar outra perspectiva que
talvez desse conta de demonstrar outros aspectos também relevantes do que vivi. Então
foi por aí que encontrei umas pessoas que estavam ligadas a um movimento chamado
psicologia da libertação o qual me deixou muito curioso e realmente me fez querer saber
mais, quem sabe fosse possível trazer a luz outros elementos da minha vida os quais não
tenham sido abordados pelas outras abordagens não deixando de considerar, porém, as
valiosas contribuições até agora angariadas.
Durante muito tempo refleti sobre minha condição de ser ridículo, sempre me
interrogando no âmbito individual e nunca pensando seriamente sobre as minhas
relações e sobre as estruturas sociais nas quais estas relações estavam assentadas, pois
sempre ignorei qualquer problema estrutural que dissesse respeito ao coletivo, ao povo
no o qual eu convivia pois eu mesmo assumia que houvesse uma natureza universal e
ahistórica que abarcasse todos os seres humanos não havendo, dessa forma, diferenças
significativas entre as experiências vividas por mim e meu povo e àquelas vividas em
outros locais onde as perspectivas socioeconômicas eram mais favoráveis, deixando de
observar dessa maneira, a relevância dessas influências sobre a realidade do meu povo,
pois não notava que este último se relacionava com os primeiros através de uma
dependência socioeconômica e ideológica, como por exemplo no ideal difundido entre
os populares de meu pais de alcançar o mesmo patamar existente nesses outros locais
embora a situação de pobreza e miséria na qual vivemos não nos tivesse até então
trazido augúrios muito promissores.
Então, não podia eu atinar sobre a relevância de todos esses fatores sociais
envolvidos na minha existência e aos quais eu ignorava por atentar apenas para minha
própria individualidade, assim, considero ter interiorizado no meu próprio espírito
durante um longo tempo da vida esta opressão “silenciosa”, pois, para mim, tudo se
colocava dentro de um patamar de normalidade o qual jamais contestei pois eu possuía
um pensamento fatalista e conformista, o qual não alcançava essas questões, sendo
portanto conveniente para a ordem estabelecida.
Em grande parte como resultado da submissão da minha vontade a esses fatores,
fui me tornando cada vez mais indiferente em relação à realidade até que decidi me
matar pois como não via outras alternativas que me trouxessem a perspectiva de algum
tipo de mudança mais animadora embora naquele momento eu não compreendesse bem
em qual âmbito essas mudanças deveriam ocorrer pois estava embaraçado por um
pensamento fatalista o qual obscurecia minha apreensão da realidade.
Dessa forma, no dia em que vi a estrela brilhando e decidi que seria aquela noite
em que tudo se resolveria, encontrei aquela menina, ocorrência que acabou por gerar em
mim um abalo muito intenso, pois perturbou minhas pretensões, e embora o fato de não
tê-la socorrido fosse coerente com meu pensamento naquele momento, porque para
mim os acontecimentos tinham se tornado indiferentes, meu envolvimento com o
fatalismo não era absoluto porém, pois de outra forma teria consumado meus planos e
posto fim a própria vida, o que de fato não ocorreu, sendo que pelo contrario, o contato
com a menina acabou por causar-me um extremo desassossego o qual perdurou e
culminou naquele sonho.
Considero ter sido aquele desassossego o inicio da mudança paradigmática que
eu buscava e a qual consumou-se durante meu sonho, que penso ter sido um contato
mais próximo com o divino e que me pareceu ilustrar a situação do meu povo desde seu
inicio, onde embora as pessoas não possuíssem a ciência dos povos dominadores,
possuíam uma sabedoria, solidariedade, e uma fé na capacidade humana de transformar
o mundo que não pude observar nos povos dominadores sendo interessante notar que no
sonho, emblematicamente, encarnei a essência desses outros povos ao difundir
inicialmente a mentira, o que me fez crer que não devo considerar como responsáveis
pela situação atual de submissão do meu povo apenas os dominadores pois de certa
forma também houve algum tipo de consentimento por parte dos dominados, essa ação
inicial de aquiescer abriu precedentes para que toda uma constelação de características
mais acentuadas desses povos exploradores também se instalassem como o ciúme, a
volúpia, a crueldade expondo claramente a sua perspectiva de apropriação da realidade,
que embora permita a eles possuírem o domínio da maioria dos recursos e meios de
atuar no mundo, evidenciam sua pobreza de espírito, pois consideraram a felicidade
uma ilusão devido ao motivo de serem privados da fé numa felicidade superior.
Dessa maneira esse sonho fez com que me conscientiza-se da tarefa que tenho de
promover a vida, de assumir a perspectiva histórica na constituição das estruturas
sociais as quais precisam ser alteradas promovendo, através de um compromisso
coletivo, a liberação das imposições vindas delas para que a opressão moral sobre as
maiorias se desfaça e também ocorra a liberação individual, promovendo por outro lado
outras estruturas que ajudem os povos a progredir, a encontrar o caminho de sua
realização histórica pessoal e coletiva.
Pude então conceber alguns direcionamentos nesse sentido como por exemplo
ver os processos psicossociais a partir da vertente do dominado, em lugar de vê-los a
partir da vertente do dominador e ter uma opção preferencial pelos pobres buscando
Deus entre esses pobres e os marginalizados auxiliando-os a Ler sua realidade e a
escrever sua palavra histórica.
Para que essas coisas ocorram vi durante meu sonho que é preciso ressignificar o
conceito que é base das concepções tanto dos dominadores quanto dos dominados, este
é o conceito de verdade que para os dominadores não é senão um simples reflexo dos
dados, mas que para os dominados poderá ser uma tarefa: não os fatos mas aquilo por
fazer tornando, A verdade pratica torna-se, dessa forma, para nós prioritária em relação
a verdade teorética sendo a primeira a melhor opção para dar subsídios às pessoas para
que adquiram controle sobre sua própria existência e sejam capazes de orientar suas
vidas no rumo daqueles objetivos que se proponham como valiosos, sem que
mecanismos inconscientes ou experiências conscientes lhes impeçam de atingir suas
metas existenciais e sua felicidade.
Dessa forma, a verdade das maiorias populares não deve ser encontrada, mais
feita pois sob muitos aspectos a realidade é opaca, e somente atuando sobre ela,
somente transformando-a, tornar-se-ia a meu ver possível ao ser humano adquirir real
noticia acerca dela e é a práxis que nos permitiria conhecer a realidade não somente no
que é , mas também no que não é, e isso na medida em que tentássemos orientá-la no
rumo daquilo que ela deveria ser. Assim deveria haver uma investigação participativa,
pois somente ao participar se produziria o “rompimento voluntário e vivencial da
relação assimétrica de submissão e dependência, implícita no binômio sujeito objeto”
permitindo realizar, dessa forma, uma politização da realidade que leva em
consideração uma parcialidade coerente com os valores coletivos permitindo aos
indivíduos tirar lições da experiência e vislumbrar possibilidades alternativas sobre o
que se pode ser feito no sentido de reconstruir os modelos de auto identificação,
baseando-se no pressuposto do conhecimento como construção social o qual priorize as
virtudes características da coletividade como a solidariedade, a capacidade de entrega e
de sacrifício pelo bem coletivo além da fé na capacidade humana de transformar o
mundo e seus destinos.

Perspectiva das Ciências Cognitivas:

Enfim fiquei também interessado em conhecer a perspectiva que as ciências


cognitivas poderiam trazer para o entendimento dos acontecimentos por mim
vivenciados inclusive o meu sonho e então me deparei com um modo diferenciado de
visualizá-los
Essa perspectiva ao contrário da visão behaviorista considerava o processos
mentais altamente determinantes para a concretização dos fatos, assim esse enfoque
procurou considerar mais a forma do processamento das informações do que
propriamente o comportamento que para esses analistas não era senão a resultante dos
primeiros.
Assim desde o inicio da minha existência eu possuía um modo próprio de
processamento cognitivo que tinha como resultante a resposta de eu ser ridículo sendo
que esse processamento se basearia inteiramente na linguagem e na resolução de
problemas.
Dessa forma, essa configuração cognitiva perdurou durante um longo tempo
sendo que as respostas que alcançava baseadas no processamento e organização dos
estímulos externos, de certa forma haviam me conduzido a emitir as respostas de
indiferença cada vez maior para os fatos da existência chegando ao momento em que a
melhor solução parecia a auto destruição do sistema.
Assim pus-me a efetivar essa decisão dado que um fator ambiental ( a visão da
estrelinha) de certa forma deflagrou o processo de decisão fazendo com que eu
determinasse o meu próprio fim.
Porém o aparecimento da menina trouxe consigo um outro nível de informação o
qual fez com que minha mente então iniciasse o processo de mudança de configuração o
qual foi completado no sonho onde um novas relações puderam ser estabelecida e o
meu sistema cognitivo teria passado então a operar em um outro nível.
Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto

Paulo Vinícius Bachette Alves Viana

Análise do conto de Fiódor Dostoiévski


O SONHO DE UM HOMEM RIDÍCULO
Ribeirão Preto
2010
Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto

Paulo Vinícius Bachette Alves Viana

O SONHO DE UM HOMEM RIDÍCULO

Analisado a partir das perspectivas teóricas:


Psicanalítica
Fenomenológico-existêncial
Gestalt
Behaviorista
Genética
Histórico-Cultural
Das Ciências Cognitivas

Trabalho apresentado à disciplina


História da Psicologia II do curso
de Psicologia da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto – Universidade de
São Paulo.
Ribeirão Preto
2010

Você também pode gostar