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Recife
2019
INGRID NASCIMENTO FERNANDES
Recife
2019
2
FOLHA DE APROVAÇÃO
Data: __/__/____
______________________________________
Profa. Dra. Maria Luisa Freitas
______________________________________
Prof. Dr. Rafael Nonato
______________________________________
Profa. Dra. Otávia Pinheiro Pedrosa Fernandes
3
Agradecimentos
5
Resumo
Este trabalho discorre sobre o Sistema de Caso da língua Yaathê. Descreve tal aspecto de sua
gramática com base na tipologia linguística de viés funcionalista (COMRIE, 1989 [1981],
DIXON, 1994) e, sobre ele, apresenta uma proposta preliminar de análise formal, com base
na primeira versão do Programa Minimalista (CHOMSKY, 2015 [1995]).
Concomitantemente à descrição, realiza-se a comparação, com foco no aspecto em questão,
com outras línguas também do Tronco Macro-Jê, a saber: Mebengokre (SILVA, 2001),
Bororo (NONATO, 2008) e Maxakalí (CAMPOS, 2009). Os dados do Yaathê que serviram
aos fins desta pesquisa foram acessados sobretudo na tese de doutoramento de Costa (1999)
e, depois, anotados morfologicamente no software FieldWorks Language Explorer (FLEx),
passo metodológico para implementação da pesquisa. Como se verá, Sistema de Caso diz
respeito aos alinhamentos morfossintáticos que ocorrem entre os argumentos nucleares das
sentenças (DIXON, 1994) e Caso, a uma propriedade que todo sintagma nominal
pronunciado deve trazer, tendo em vista a boa formação das sentenças na língua
(CHOMSKY, 1981). As línguas estudadas tendem a uma semelhante ergatividade. Propõe-
se que o Sistema de Caso do Yaathê, em específico, pode ser parcialmente capturado por um
sistema morfologicamente ergativo, nos termos de Duarte (2012), o qual checa três Casos
abstratos distintos.
6
Abstract
This monograph studies the Yaathê Case System. It describes such an aspect of its grammar
based on the functionalist approach of linguistic typology (COMRIE, 1989 [1981], DIXON,
1994) and presents a preliminary proposal of formal analysis, based on the first version of
the Minimalist Program (CHOMSKY, 2015 [1995]). At the same time a comparison is made,
focusing on this same aspect in question, with other languages also from the Macro-Je
linguistic stock, namely: Mebengokre (SILVA, 2001), Bororo (NONATO, 2008) and
Maxakalí (CAMPOS, 2009). The Yaathê data that served the purposes of this research were
accessed largely in Costa’s doctoral dissertation (1999) and then parsed morphologically in
the FieldWorks Language Explorer (FLEx) software, the methodological approach for
implementation of the research. Case System refers to the morphosyntactic alignments that
occur between the nuclear arguments of the sentences (Dixon, 1994) and Case is a feature
that every pronounced noun phrase must bring in order to construct a good sentence in the
language (CHOMSKY, 1981). The languages studied show a tendency to a similar ergativity.
The Yaathê Case System, in particular, is partially captured by a morphologically ergative
system (DUARTE, 2012), which checks three distinct abstract Cases.
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Lista de figuras
8
Lista de tabelas
9
Lista de abreviaturas
1 primeira pessoa
2 segunda pessoa
3 terceira pessoa
A sujeito transitivo
ABS absolutivo
ACC acusativo
Adv advérbio
AG agentivo
AGR concordância
ANTPASS antipassivizador
AOR aoristo/perfeito
AUX auxiliar
CAUS causativo
COMP complementizador
CONJ conjunção
CRS estado atualmente relevante (currently relevant state)
DAT dativo
DEF definido
DIM diminutivo
ERG ergativo
EXPL expletivo
FOC foco
FP forma plena
FR forma reduzida
INAT inativo
IND indicativo
INST instrumental
LOC locativo
m masculino
M modo
MI modo irrealis
N negação
10
NEUT neutro
NOM nominativo
NOMN nominalizador
O objeto
OBL oblíquo
P posposição
PAS passivizador
PAT paciente
pl plural
POSS possessivo
PROSPEC aspecto prospectivo
PST passado
Q marcador de questão
REFL reflexivo
REL relativizador
s singular
S sujeito intransitivo
Sa sujeito inergativo
So sujeito inacusativo
Suf sufixo
T tempo
V verbo
11
Sumário
1. Introdução........................................................................................................................... 13
2. Metodologia ........................................................................................................................ 17
5. Esboçando uma análise para o Sistema de Caso do Yaathê: algumas hipóteses .......... 69
5.1 Estrutura argumental ...................................................................................................... 69
5.2 Checagem de Caso ......................................................................................................... 72
5.3 Causativização................................................................................................................ 78
5.4 Ordem dos constituintes ................................................................................................. 79
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1. Introdução
Yaathê, que quer dizer ‘nossa língua’, é o falar ancestral dos Fulni-ô,
autodenominação que se traduz para ‘o que tem rio’ (SILVA, 2016). Esse povo se
concentrou próximo à margem esquerda do Rio Ipanema, afluente do Rio São Francisco,
numa região de passagem do agreste para o sertão, ao lado de Águas Belas, cidade
pernambucana circunscrita pelo território indígena Fulni-ô (SILVA, 2016). A sobrevivência
do idioma Yaathê, a despeito da devastação linguística causada pela colonização, sobretudo
no Nordeste, é constantemente associada à imersão do povo na aldeia do Ouricuri, o que
ocorre todos os anos durante três meses. Nesse período, a língua desempenha um papel
fundamental nos rituais e é utilizada majoritariamente em detrimento do português. Trata-se,
por outro lado, de uma língua voterna (comunicação pessoal1), pois sua manutenção pauta-
se também na passagem do conhecimento internalizado dos avós aos netos, enquanto seus
pais se ausentam para trabalhar. Segundo dados do Siasi/Sesai (2014)2, existem 4689
indígenas de etnia Fulni-ô. Não existem informações claras a respeito do número de falantes
de Yaathê, esta, que é uma língua isolada dentro de seu tronco linguístico, o Macro-Jê
(RODRIGUES, 1986), por não possuir línguas irmãs - pelo menos não com base em
semelhanças lexicais. Além disso, está também isolada geograficamente, isto é, foi o único
idioma ancestral que se manteve vivo (em uso) no Nordeste do Brasil3.
Esta pesquisa, portanto, toma por objeto o fenômeno de uma língua em uso, cuja
compreensão não pode ser menos relevante do que a compreensão de fenômenos de outras
línguas humanas costumeiramente pesquisadas, como o são as indo-europeias. Um idioma é
por si só traço sociocultural muito importante de um comunidade de falantes e estudá-lo é
entrar em contato com conhecimentos de imensurável valor, que nos remetem a saberes
ancestrais. Por outro lado, o estudo e descrição da gramática da língua é um contributo
determinante à sua própria manutenção, já que pode ser utilizado na elaboração de gramáticas
pedagógicas a serem aplicadas no ensino e estudo dessa língua pelo povo, no âmbito da
Educação Escolar Indígena (EEI), por exemplo.
Em sua tese de doutorado, Fábia Silva, linguista e Fulni-ô, fala sobre a importância
de se estudar uma língua em uso como o Yaathê:
1
Na ocasião da mesa sobre Línguas Indígenas, na V Semana de Letras da UFPE (2017), as professoras
Januacele Costa e Fábia Silva falaram, entre outras coisas, sobre o processo de manutenção do Yaathê.
2
Fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Fulni-%C3%B4#O_ritual_do_Ouricuri.
3
As línguas indígenas faladas no Maranhão não são levadas em conta aqui. Isso porque esse estado está incluído
na Região Geopolítica da Amazônia.
13
O fato de a língua Yaathê constituir-se como uma língua viva, preservando
todas as funções que se acredita que uma língua precisa cumprir em uma
comunidade, é por si só merecedor de atenção, pois, como sabemos, na
região Nordeste, a maioria foi esmagada pelo processo colonizador,
perdendo todo ou parte do seu equipamento cultural de identificação étnica,
sendo a língua um fator muito importante dessa identificação. Por isso, uma
das características mais notáveis da situação dos índios Fulni-ô é a
sobrevivência da língua, uma vez que todas as outras línguas indígenas
faladas nessa parte do país já são extintas (Cf. OLIVEIRA Jr., M.; COSTA,
J. F. e FULNI-Ô F., 2014 apud SILVA, 2016, p. 4).
Além disso, os diferentes estudos que tenham por foco aspectos da gramática dessa
língua inevitavelmente se inscrevem dentro de um projeto que procura acurar as linhas de
parentesco entre ela e outras línguas ameríndias, especificamente aquelas do Macro-Jê. Isso
porque os resultados de tais estudos servem à compreensão cada vez mais refinada do idioma
e podem ser tomados por abordagens comparativa e filogenética de estudos linguísticos. A
pesquisa aqui proposta não foge a essa regra: a ideia é enriquecer as informações sobre o
Yaathê e refinar a descrição e análise sobre o seu Sistema de Caso, uma propriedade de
gramática altamente determinante à organização interna de qualquer língua. De posse dessas
informações, contrapô-las às informações já registradas de outras línguas, pelo viés
comparativo, de modo a possivelmente, tornar mais precisa a constatação de suas afinidades
com outras línguas do tronco.
O termo Macro-Jê foi inicialmente proposto por Mason (1950 apud RODRIGUES,
1999) e recobria línguas relativas à família linguística Jê, faladas no Brasil. Constantemente
reformulada, uma hipótese consensualmente adotada para esse tronco é aquela pensada por
Rodrigues (1986), segundo o quesito de semelhança lexical. Rodrigues (1999) retoma sua
hipótese e reflete sobre outras propriedades prototípicas dessas línguas, entre as quais estão
características morfológicas e sintáticas, como marcação de concordância no verbo, ordem
dos constituintes em declarativas, ergatividade, mudança de valência, entre outras. Não
estuda esses aspectos como possíveis fontes de refinamento genético, mas antes como forma
de caracterizá-las prototipicamente apenas, apontando a pertinência dessas características
para as línguas incluídas no tronco.
Rodrigues (1999) relembra ainda a divisão do tronco em Macro-Jê Central, Ocidental
e Oriental, subgrupos geográficos em que são distribuídas suas famílias: Jê, Kamakã,
Maxakalí, Krenak, Puri, Karirí, Yaathê, Karajá, Ofayé, Bororo, Guató e Rikbaktsa. Das
línguas aqui estudadas, o Maxakalí (Família Maxakalí) e o Yaathê pertencem ao Macro-Jê
Oriental, embora aquele, distanciando-se deste, seja falado no Leste de Minas, Norte do
Espírito Santo e Sudeste da Bahia. O Bororo (Família Bororo) pertence ao Macro-Jê
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Ocidental, enquanto o Mebengokre (Família Jê, Ramo Setentrional) encontra-se no grupo
Central. Sendo assim, a escolha das línguas a serem comparadas pauta-se em seu
espalhamento geográfico, de modo a capturar representativamente suas propriedades
compartilhadas, levando em conta os contatos com outros agrupamentos linguísticos,
decorrentes de sua separação.
A propriedade aqui em estudo é o sistema de organização dos argumentos nucleares
da sentença. Pretendeu-se, no entanto, pensá-lo também em termos mais abstratos de
checagem de Caso, ou seja, buscando-se apoio na Teoria Gerativa (CHOMSKY, 2015
[1995]). Sistema de Caso, deve ser dito, é um aspecto da gramática do Yaathê nunca estudado
sob o viés formal-gerativo. Ao cabo, devido às pequenas variações notadas entre o Yaathê e
demais línguas contrapostas, uma análise (micro)paramétrica fica como sugestão, revelando-
se questão pertinente a pesquisas futuras. Acredita-se que a profundidade temporal que separa
essas línguas é consideravelmente maior que aquela que separa línguas do tronco Tupi
(RODRIGUES, 1999). Assim, a comparação fonológica, sozinha, não se mostra eficaz na
comprovação de plausíveis filogenias, uma vez que traços fonológicos não resistem à
profundidade temporal e estão sujeitos a efeitos secundários, como os de contato linguístico.
Nesse sentido, parâmetros sintáticos parecem alternativa interessante às abordagens
exclusivamente fonológicas e lexicais (KAZAKOV et al., 2018).
Algumas questões específicas nortearam o desenvolvimento deste trabalho, de modo
a se chegar a uma análise pertinente: (i) Quais os princípios que regulam o Sistema de Caso
do Yaathê, isto é, qual o modelo que melhor explica as checagens de Caso nessa língua? (ii)
Quais núcleos são capazes de checar Caso e em que estruturas se inserem, segundo a proposta
de Woolford (2006)? (iii) Quais são os tipos de Casos abstratos checados em Yaathê? E, por
fim, (iv) o modelo teórico proposto é pertinente às demais línguas em estudo? Ou, em outros
termos, as línguas estudadas podem ser reunidas em uma mesmo tipo?
Tais questões foram parcialmente respondidas através de certos passos
metodológicos: (i) o enriquecimento de uma base de dados no FLEx, construída a partir de
elementos lexicais e sentenciais encontrados na tese de Costa (1999); (ii) estudo que procurou
acurar a descrição do sistema de Caso do Yaathe, com apoio na tipologia linguística de viés
funcionalista (iii) comparação entre os Sistemas de Caso do Yaathê e das demais línguas
Macro-Jê escolhidas.
Ao fim, constatou-se que as línguas tendem todas à ergatividade. As línguas Yaathê,
Bororo e Maxakalí possuem um sistema ergativo-ativo, enquanto o Mebengokre é
parcialmente ergativo-absolutivo. Em termos de suas checagens, acredita-se que o Yaathê
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aproxime-se mais do Maxakalí, pois, assim como ele, checa três Casos distintos, o ergativo,
o nominativo e acusativo, e possui um sistema ergativo-ativo tripartido.
Este trabalho está organizado da seguinte maneira: a segunda seção discorre sobre a
metodologia, com foco no método de anotação das sentenças em Yaathê. A terceira seção
discute os pressupostos teóricos que serviram de base à realização da pesquisa e procura
responder à questão “Como a tipologia linguística e a teoria gerativa abordaram/abordam as
ideias de Caso e Sistema de Caso?” A seção 4 revê as descrições e análises feitas sobre os
Sistemas de Caso das línguas Yaathê (COSTA, 1999), Bororo (NONATO, 2008), Maxakalí
(CAMPOS 2009) e Mebengokre (SILVA, 2001) e detém-se, sobretudo, na língua Yaathê,
tendo em vista uma atualização de sua descrição. Ao fim, faz-se considerações sobre os
pontos de intersecção e divergência entre os sistemas das línguas. A seção 5 esboça uma
análise do sistema de checagem de Caso para o Yaathê e traz à luz algumas hipóteses.
16
2. Metodologia
17
Figura 1 - Classificação dos verbos no FLEx.
18
3. Como as Teorias de Gramática abordam Caso e Sistema de Caso?
É automaticamente evidente para um falante nativo da língua que, tanto em (1) como
em (3), o homem é o sujeito da sentença. Assim como está claro que a mulher em (1) é o objeto
da sentença, mas em (2) passa a ser o sujeito, enquanto o homem passa a ser objeto. Não há,
nos sintagmas nominais, uma marca explícita de caso e a função sintática dos argumentos é
indicada pela sua posição na sentença (sujeito é elemento pré-verbal e objeto, pós-verbal) e
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pela concordância (o verbo concorda com o sujeito e não, com o objeto). Demais, em sentenças
intransitivas, o sujeito permanece em concordância com o verbo e em posição pré-verbal4, o
que possivelmente indica a sua função sintática. A agramaticalidade de (4), (5) e (6) corrobora
as asserções, visto que em uma sentença de ordem não canônica (desprovida de certa prosódia),
as funções sintáticas dos argumentos não estão claras; o mesmo ocorre na ausência de flexão
verbal.
Conforme Comrie (1989), há marcações de caso que extrapolam essas relações (de base
semântica, sintática e pragmática) e que parecem ser aplicadas tendo em vista uma função
específica em “circunstâncias limitadas” (COMRIE, 1989, p. 124). Segundo o autor, a função
do Sistema de Caso estaria relacionada à distinção primordial entre sujeito transitivo e objeto,
explicando por isso a predominância dos sistemas ergativo e nominativo entre as línguas do
mundo, os quais, o leitor perceberá, fazem essa distinção de forma mais acentuada. Sendo
assim, a organização entre os argumentos mais elementares da sentença é um fenômeno
linguístico geral, percebido através da observação de um grande contingente de línguas e que
não teria sido notado apenas pelo estudo de uma língua abstratamente (COMRIE, 1989).
Nessa perspectiva tipológico-funcional a descrição do Sistema de Caso está centrada
na identificação dos alinhamentos que ocorrem entre os argumentos verbais conforme eles são
codificados em termos de caso. Os tais argumentos, entendidos como primitivos, são, em suma,
objeto (O), sujeito transitivo (A) e sujeito intransitivo (S). Desse modo, as línguas poderiam
ser tipologizadas a partir de, ao menos, cinco combinações logicamente5 possíveis,
pressupondo que elas tratam tais primitivos de forma mais ou menos homogênea.
4
Sabe-se que isso não é categórico, dado que sujeitos de certos verbos intransitivos (inacusativos) podem aparecer
em posição pós-verbal, como em Chegaram as cartas. Demais, mesmo a concordância entre esses verbos e o
sujeito não ocorre de forma sistemática e homogênea. Chegou as cartas é igualmente aceitável.
5
Para um conjunto de elementos C = {A, O, S}, há o seu conjunto das partes P(C), contendo todas os subconjuntos
possíveis a partir dos elementos de C:
P(C) = {∅, {A}, {O}, {S}, {A, S}, {A, O}, {S, O}, {A, S O}}
20
elencadas em termos de Sistema de Caso, no WALS6. (9) representa o tipo neutro, 51,58%
entre essas mesmas línguas7. (10) representa o tipo tripartite, 2,11% das línguas - uma espécie
de combinação entre os tipos acusativo e ergativo, cf. argumenta Comrie (1989). Não há, nos
dados acessados, registros sobre línguas que se organizam de acordo com (11), o que aponta
sua ausência como possível sistema, manifestado apenas em casos de mudança (COMRIE,
1989). Além disso, (11) é ineficiente em termos funcionais, uma vez que não faz a distinção
mais necessária, aquela entre objeto e sujeito transitivo (COMRIE, 1989), o que (7) e (8) fazem
de forma clara.
Na prática, os tipos de sistemas não são estritamente aqueles logicamente possíveis (7-
11). Exemplifica-se aqui cada um dos tipos observados empiricamente nas línguas do mundo
em conformidade com Comrie (1989, 2013) e Dixon (1994).
Uma língua possui um sistema neutro se A, O e S, isto é, os argumentos de verbos
transitivos e intransitivos, não forem diferenciados morfologicamente através de marcas que
indiquem explicitamente suas funções sintáticas. Um exemplo clássico é o mandarim, língua
isolante:
6
Fonte: https://wals.info/chapter/98.
7
“[A]s a system, it is, of course, widespread in the languages of the world but most languages with this system
have other means, such as verb agreement or word order, to indicate which noun phrase is A and which is P in
the transitive construction.” (COMRIE, 1989, p. 125). Assim, no limite, o português, uma língua nominativo-
acusativa, seria uma língua neutra, tendo em vista a ausência de marcas morfológicas de caso. As línguas neutras
são muitas vezes línguas nominativo-acusativas ou ergativo-absolutivas, quando observadas outras estruturas e
fenômenos em seu interior. O que leva a se considerar que tal número de neutras distribui-se consideravelmente
em nominativo-acusativas e ergativo-absolutivas.
8
Esse fenômeno é captado pelo 38º Universal de Greenberg: “where there is a case system, the only case which
ever has zero allomorphs is the one which includes among its meanings that of the subject of the intransitive
verb.” (COMRIE, 1989, p. 126). Se S é o não marcado, no sistema nominativo, A será não marcado (ao se alinhar
a S), enquanto que no sistema ergativo, O será não marcado (pois, nesse sistema, ele que se alinha a S).
21
tabela 1). O japonês, língua nominativo-acusativa, possui marca explícita para ambos os casos
nucleares:
(14) Hunzib (VAN DEN BERG, 1995, p. 122 apud COMRIE, 2013)
9
Fonte: https://wals.info/valuesets/98A-jpn.
22
Há ainda a possibilidade de um sistema linguístico manifestar uma cisão em seu
Sistema de Caso, desde que os sujeitos de certos verbos intransitivos comportam-se
semelhantemente ao objeto de transitivos, enquanto sujeitos de outros verbos intransitivos
comportam-se semelhantemente aos sujeitos transitivos, devido à influência de fatores sintático
e/ou semânticos. Em um sistema do tipo ativo-inativo, por exemplo, os predicados verbais são
caracterizados pelo traço semântico de atividade e seu sujeito, portanto, será mais agentivo
(Sa), marcado assim como A - alinhamento [A Sa] -, ou são caracterizados pelo traço semântico
de inatividade e seu sujeito será do tipo mais afetado (So), marcado assim como O -
alinhamento [O So]. Cf. os dados do WALS, 2,1% das línguas registradas possuem o sistema
ativo-inativo. Veja-se o exemplo do georgiano, língua do tipo cindido:
b. nino-m daamtknara
Nino-AGT.Sa yawn.AOR.3s
‘Nino yawned.’
23
Um sistema tripartite, por fim, seria um sistema em que A, S e O são codificados
através de formas diferentes entre si. O WALS aponta que 2,1% das línguas registradas
possuem um alinhamento tripartite. Veja-se os exemplos do hindi, língua indo-ariana:
Em (5a) o sujeito de verbo intransitivo não explicita marca, enquanto em (5b), o sujeito
transitivo é acompanhado por um elemento /ne/, que marca ergatividade, e também por uma
marca de caso oblíquo - reforçando a diferenciação; o objeto é acompanhado pela posposição
/ko/, que marca o acusativo.
A tabela abaixo resume os dados retirados no WALS quanto à distribuição dos tipos de
Sistema de Caso entre 190 línguas registradas:
24
Figura 5 - Gráfico do Percentual de línguas em cada Sistema de Caso.
Fonte: autoria nossa com base nos dados retirados do WALS, https://wals.info/chapter/98.
25
Numa língua do tipo nominativo-acusativo, como o é o português, sabe-se que os sujeitos
transitivo e intransitivo, da primeira e segunda sentenças respectivamente são os mesmos. E
essa intuição de correferência, parece, independe da aparição morfológica de caso já que, nessa
língua, o alinhamento é observado pela concordância com o verbo.
26
(23) balan dʸugumbil baŋgul yaraŋgu balgan, baninʸu
woman-ABS man-ERG hit came-here
(= (21) + (22))
‘The man hit the woman, and the woman came here’
Nessa língua o segundo requerimento se converte em: (ii) os SNs devem ser O e S. É
possível, no entanto, que uma língua ergativo-absolutiva comporte-se tal como uma nominativa
em contextos de coordenação entre transitiva e intransitiva que compartilham SNs
correferentes (e vice-versa).
As línguas apresentam diferentes estratégias morfossintáticas de codificação dos
mesmos papéis semânticos, i.e., elas possuem, muitas vezes, ao menos duas diferentes vozes e,
nota-se, comportamentos mais ou menos sistemáticos quanto a essas estruturas, assim como no
caso das coordenadas. Línguas nominativo-acusativas costumam recorrer às passivas, estrutura
em que objeto (argumento acusativo) é convertido em sujeito (nominativo) e sujeito passa a ser
um adjunto, no caso do português, preposicionado; os argumentos não sofrem modificações
quanto aos papéis temáticos:
Além disso, nesse exemplo, a mulher passa a ser o sintagma nominal correferente entre
as duas sentenças, isto é, trata-se do sujeito intransitivo da primeira e segunda sentenças. A
leitura de (24) se assemelha àquela em (23), na voz ativa de uma língua ergativa como o
Dyirbal. Esta se utiliza, por outro lado, de antipassivas, estrutura em que o sujeito transitivo
(caso ergativo) passa a ser um sujeito intransitivo (absolutivo) e o objeto passa a ser o elemento
oblíquo, um adjunto.
27
(27) bayi yara baninʸu, bagun dʸugumbilgu balgalŋanʸu
man-ABS came-here, woman-DAT hit-ANTPASS
‘The man came here and (he) hit the woman’
Da junção entre (22) e (26) resulta (27), uma coordenação entre sentenças intransitivas,
em que o elemento correferenciado é sujeito das duas sentenças, numa estrutura que se
assemelha àquela em (20), uma coordenada de vozes ativas numa língua nominativa. A ordem,
contudo, deve mudar, a intransitiva ativa vem antes da antipassiva, o que não acontece em (25),
em que a passiva aparece antes da intransitiva ativa.
Além das (anti)passivas e coordenadas, estruturas de controle e relativas são formas
pertinentes de diferenciar línguas em sintática ou morfologicamente ergativas (DUARTE,
2012). Essa diferenciação, inclusive, parece igualmente pertinente para uma análise de
checagem de Caso. Recupera-se tais noções nas seções 4.1 e 5, no processo de descrição e
análise do Yaathê.
28
linguística. A adequação explicativa é, assim, um dos pontos centrais10 da teoria gerativa, visto
que ela deseja, entre outras coisas, entender o que está por trás do processo de aquisição, ao
mesmo tempo que explica a possibilidade de variação entre as línguas.
Tendo-se essas noções em mente, pode-se objetivar a compreensão de Caso
abstratamente, em nível de adequação descritiva, a partir dos pressupostos e postulados da
teoria gerativa, que nos mune de uma arquitetura dotada de propriedades e mecanismos que
apontam, desde já, para um nível de adequação explicativa. Ao menos num caminho entre os
níveis de adequação descritiva e explicativa, deve-se chegar a um sistema que descreva o
sistema de checagem de Caso da língua, capaz de prever a (a)gramaticalidade de dados
anteriormente catalogados. Esse nível de adequação, na presente pesquisa, é buscado para a
língua Yaathê, tendo em vista a formulação de uma estrutura abstrata para o Sistema de Caso
que torne possíveis os dados arrolados.
10
Não se envereda, aqui, na questão da adequação em nível supraexplicativo (GUIMARÃES, 2017), com a qual
bastante se compromete atualmente o Programa Minimalista e outras vertentes da Biolinguística, a exemplo da
Hipótese da Integração. O nível de adequação supraexplicativa compreende os níveis de adequação
neurofisiológica e evolutiva.
29
A Teoria de Princípios e Parâmetros (Principles and Parameters - P&P), arquitetura da
Teoria de Regência e Ligação (Government and Binding - GB), proposta por Chomsky em
1981, capta os aspectos universais da linguagem humana, os seus Princípios, e suas variações
predizíveis, os Parâmetros (que são especificados pela experiência). Uma sentença gerada pode
ser representada em diferentes interfaces da gramática, que são fases pelas quais ela passa, num
processo de formação, em que vai se modificando derivacionalmente até chegar à forma tal
como é pronunciada e compreendida pelo falante. A cada interface estão associadas certas
regras, que nela serão avaliadas, garantindo, assim, sua gramaticalidade (ou pertinência da
sentença à língua, conforme as regras de formação).
Essa organização constitui uma gramática em Modelo-T, com quatro interfaces de
representação. Além disso, as sentenças das línguas são analisadas em uma estrutura arbórea
binária11, cujas características são dadas na Teoria-X’ (X’-Theory), um dos módulos dessa
gramática. As relações básicas de uma sintaxe em X’ são aquelas entre núcleo e complemento
(Comp) e entre núcleo e especificador (Spec).
Cf. Fig. 5, o primeiro passo da derivação sintática é a inserção dos elementos do léxico
que acaba por gerar a Estrutura Profunda (Deep Structure - DS), onde as demandas semânticas
de um núcleo predicativo (como um verbo) são cumpridas e onde se organiza, desde já, as
regras do componente categorial dos elementos na estrutura X’ (CHOMSKY, 1981). Uma raiz
verbal na posição de núcleo (X, cf. Fig. 6), como comer, solicita pelo menos dois argumentos:
o “algo a ser comido” deve preencher a posição de complemento de X, enquanto o “alguém
que come” deve preencher a posição de especificador de X. Em DS, portanto, posições
11
Esse tratamento estrutural hierárquico encontra evidência em dados como: (i) Instinctively, eagles that fly swim.
‘Instintivamente, águias que voam nadam’. (ii) Can eagles that fly swim? ‘Águias que voam podem nadar?’
(CHOMSKY, 2015 [1995]), os quais mostram que existe entre advérbio e verbo e entre auxiliar e verbo,
respectivamente, uma relação que não é esclarecida pela mera linearidade da sentença.
30
temáticas devem ser ocupadas. Posteriormente, operações de movimento (Move-⍺) dos
elementos em DS, os quais deixam para trás seus vestígios, resultam na Estrutura Superficial
(Surface Structure - SS), nível que disponibiliza as sentenças das línguas tais como elas devem
estar para serem interpretadas pelas Forma Fonológica (Phonological Form - PF) e Forma
Lógica (Logical Form - LF), as quais recebem uma cópia do produto de SS (CHOSMKY,
1981). PF e LF garantem que a sintaxe mantém, na sentença, a associação som-significado
(HAEGEMAN; LOHNDAL, 2011), tão essencial ao funcionamento de uma língua. PF e LF
fazem interface com os sistemas Articulatório-Perceptual e Conceitual-Intencional,
respectivamente. As movimentações se devem a uma série de interações entre os sistemas no
Modelo-T e módulos como a Teoria de de Fronteira, Regência, Ligação, Papel Temático, Caso
e Controle (CHOMSKY, 1981), nos quais encontram-se princípios como o de que toda
sentença possui sujeito12 e, por outro lado, a necessidade de atribuição de Caso aos sintagmas
nominais, que, por exemplo, determina como pronomes devem ser pronunciados, em
português.
Na Gramática Gerativa, portanto, Caso não é uma propriedade exclusiva das línguas
que o exibem na morfologia, mas um primitivo que faz parte dos critérios de boa formação da
estrutura. Sendo assim, em GB, para que um sintagma nominal (ou, mais especificamente, um
Determiner Phrase - DP) realizado seja bem formado ele deve receber Caso abstrato13 de um
predicado, isto é, de um verbo, preposição ou flexão verbal que estabeleça com esse DP uma
relação estreita. É nesse sentido que, em uma sentença bem formada (aceitável), todo DP tem
Caso abstrato, que pode ou não se manifestar morfologicamente, através de marcas explícitas,
os morfemas de caso. Em suma, Caso abstrato não é a mesma coisa de caso morfológico; aquele
diz respeito às relações estabelecidas na estrutura abstrata e subjacente da gramática, este, à
materialização, na morfologia, de tais relações estruturais. Caso abstrato é necessário para se
ter caso morfológico, mas o contrário não é verdade.
Nessa teoria modular, as regras relativas a Caso são reunidas na Teoria de Caso,
segundo a qual ele será atribuído na Estrutura Superficial (Surface Structure - SS), interface do
modelo de gramática da GB que possui grande importância empírica e descritiva: é ela que, em
boa parte, dá conta das variações entre as línguas, pois SS, como vimos no Modelo-T, marca a
fronteira entre os movimentos abertos (de DS para SS) e cobertos (em LF) (HORNSTEIN;
NUNES; GROHMANN, 2005). Além disso, é em SS que vários módulos, além da Teoria de
12
Princípio de Projeção Estendido (Extended Projection Principle - EPP): toda sentença tem uma posição sujeito.
13
Filtro de Caso (Case Filter): Todo NP pronunciado deve receber Caso abstrato. (HAEGEMAN, 1994)
31
Caso, serão inspecionados: certos aspectos da Teoria de Ligação são verificados, operadores
nulos são identificados, aspectos do Princípio de Categoria Vazia (Empty Category Principle -
ECP) são executados e a Subjacência é garantida (HORNSTEIN; NUNES; GROHMANN,
2005). Fatos que acabam por torná-la uma interface extremamente entrelaçada à teoria de
Regência e Ligação.
O componente transformacional dessa arquitetura realiza-se através apenas de dois
mecanismos, movimento (move) e ligação (binding). Aquele diz respeito às movimentações -
em tese, qualquer coisa pode se mover para qualquer lugar, deixando vestígios por onde
passa14; este diz respeito às indexações possíveis entre os constituintes ocupando os nós e seus
vestígios (ou mesmo entre DPs correferentes). Regência (government) é uma relação central
para a teoria, embora não seja uma relação primitiva. Sua importância deve-se ao fato de que
ela coaduna os módulos, uma vez que sua aplicabilidade dá-se majoritariamente em termos de
regência. Assim como Ligação, ECP, Subjacência, Papel-theta são verificados/atribuídos a
partir de regência, também Caso o será. Essa é a relação estreita, como supramencionado, que
deve, portanto, ser estabelecida entre um predicado e um certo DP para que este último receba
sua marcação de Caso abstrato. Um DP deve receber Caso de um núcleo regente dentro de um
certo domínio.15
14
Esse postulado é muito motivado pelo fenômeno de deslocamento em que um dado constituinte pode ser
interpretado em mais de uma posição: em O que você comeu?, o que, embora esteja na periferia esquerda da
sentença, é compreendido como complemento do verbo comer, que ocuparia a periferia direta da sentença.
15
A definição de regência passou por seguidas reformulações, a partir da postulação de relações como c-comando,
m-comando e barreira. Sua primeira definição (HAEGEMAN, 1994):
Regência:
𝛂 rege 𝛃 se e somente se: (i) 𝛂 c-comanda 𝛃 e; (ii) 𝛃 c-comanda 𝛂.
32
explicativa, abre espaço para avaliação interna à própria teoria. Nesse contexto, o Programa
Minimalista (Minimalist Program - MP) promoverá uma espécie de autoavaliação, numa
tentativa de aplicação mais ampla e exaustiva de critérios de simplicidade, parcimônia,
elegância e naturalidade à UG (HORNSTEIN; NUNES; GROHMANN, 2005). Àquilo que é
entendido como inegáveis propriedades da linguagem humana (ou da competência
linguística)16 devem ser conciliados princípios como o de Economia Metodológica e Economia
Substantiva. Por um lado, recorre-se à Navalha de Occam, dando preferência a um menor
número de postulados; por outro, entende-se que a gramática se organiza de modo a maximizar
seus recursos, ao mesmo tempo que deve, naturalmente, compreender os fatos linguísticos
incontestáveis. Portanto, “minimalism is a project: to see just how well designed the faculty of
language is, given what we know about it.” (HORNSTEIN; NUNES; GROHMANN, 2005, p.
14)
Mas como se vê, porque GB lança luz sobre uma problemática central e, para além
disso, se mostra eficiente na captura da realidade empírica das línguas, uma atitude inteligente
é encará-la como ponto de partida na formulação de outras teorias, agora mais atentas à sua
possível simplicidade interna, isto é, questionando a pertinência de seus postulados/conceitos.
A começar, facilmente poderia-se contestar a existência de diferentes níveis de representação
ou interfaces e, desse modo, a utilidade de DS e SS. Um das características imediatamente
evidentes entre as línguas é o fato de que as sentenças conjugam em si forma e sentido, do que
dariam conta PF e LF. Todavia, não há fatos claramente evidentes que atestem a existência
daqueles outros dois níveis de derivação sintática. A ausência de DS e SS, ademais, não impede
a explicação de dados empíricos17, quando o modelo sofre as devidas modificações. Desse
modo, a arquitetura poderia adquirir um novo desenho, mantendo apenas as interfaces de PF e
LF. Além disso, uma vez que por hipótese as condições cognitivas estabelecem certas restrições
ao módulo da linguagem, essas interfaces seriam justamente o contato externo com os módulos
articulatório-perceptual e conceitual-intencional, como já mencionado. Uma gramática ótima
deve devolver um output legível por essas interfaces, dando conta através de suas
16
“F1: Sentences are basic linguistic units; F2: Sentences are pairings of form (sound/signs) and meaning; F3:
Sentences are composed of smaller expressions (words and morphemes); F4: These smaller units are composed
into units with hierarchical structure, i.e. phrases, larger than words and smaller than sentences. F5: Sentences
show displacement properties in the sense that expressions that appear in one position can be interpreted in
another. F6: Language is recursive, that is, there’s no upper bound on the length of sentences in any given natural
language.” (HORNSTEIN; NUNES; GROHMANN, 2005, p. 7)
17
A exemplo da distinção entre estruturas de alçamento e estruturas de controle, que em GB explica-se através
dos mecanismos de DS para SS.
33
derivações/movimentos/operações da checagem de traços por elas não interpretáveis,
satisfazendo suas condições.
DS costumeiramente esteve associada a uma importante propriedade da língua, a
recursividade. Inclusive, quando esta é levada às últimas consequências, visualiza-se o
tamanho de seu refinamento, o que a alça a característica altamente diferenciadora da
linguagem humana em comparação às linguagens de outras espécies. Uma proposta sob o
guarda-chuva de MP, que subtrai DS do modelo, encontra na Concatenação (Merge) uma
solução que compreende o fato linguístico de recursividade. Merge é a operação que une
elementos retirados do léxico em constituintes dentro duma estrutura arbórea em acordo com
a Teoria-X’ (HORNSTEIN; NUNES; GROHMANN, 2005).
34
c. {𝑎𝑡, {𝑎𝑡, 𝐽𝑜ℎ𝑛}} ⇔𝑀𝑒𝑟𝑔𝑒 𝑙𝑜𝑜𝑘𝑒𝑑 ⇒ {𝑙𝑜𝑜𝑘𝑒𝑑, {𝑙𝑜𝑜𝑘𝑒𝑑, {𝑎𝑡 {𝑎𝑡, 𝐽𝑜ℎ𝑛}}
d.
{𝑙𝑜𝑜𝑘𝑒𝑑, {𝑙𝑜𝑜𝑘𝑒𝑑, {𝑎𝑡 {𝑎𝑡, 𝐽𝑜ℎ𝑛}} ⇔𝑀𝑒𝑟𝑔𝑒 𝑀𝑎𝑟𝑦 ⇒ {𝑙𝑜𝑜𝑘𝑒𝑑, {𝑀𝑎𝑟𝑦, {𝑙𝑜𝑜𝑘𝑒𝑑, {𝑙𝑜𝑜𝑘𝑒𝑑, {𝑎𝑡 {𝑎𝑡, 𝐽𝑜ℎ𝑛}}
35
traços do núcleo de IP. Essa pequena mudança de atribuição para checagem, torna, assim,
desnecessário o nível SS - pelo menos no que diz respeito à Teoria de Caso.
Caso passará a ser checado a partir da relação Spec-Núcleo, já que a relação Núcleo-
Comp se depara com problemas conceituais, uma vez que o nominativo não é captado por ela.
A cisão de IP em TP (para tempo) e AgrP (para concordância com sujeito) (POLLOCK, 1989
apud HORNSTEIN; NUNES; GROHMANN, 2005), associada à proposta de duas projeções
de concordância, AgrSP (sujeito) e AgrOP (objeto) (CHOMSKY, 1991 apud HORNSTEIN;
NUNES; GROHMANN, 2005) é o primeiro passo para se apreender, além da concordância
com o objeto, a sua checagem do Caso acusativo, já que agora ambos os Casos são checados
sob Spec-Núcleo.
Contudo, uma solução mais elegante para o fenômeno de concordância e Caso, tanto
com objeto como com sujeito, parece ser aquela encontrada na proposta de concha-vP (HALE;
KEYSER, 1993, CHOMSKY, 1995 apud HORNSTEIN; NUNES; GROHMANN, 2005). v é
uma espécie de verbo leve, que pode estar vazio foneticamente; inicialmente postulado para
dar conta de verbos ditransitivos, ele encontra respaldo também em verbos transitivos simples
e em sentenças causativizadas. Trata-se de um verbo cujo sentido depende acentuadamente do
seu complemento e, com ele, forma um tipo de complexo. O verbo take, nas sentenças abaixo,
pode ser entendido como verbo leve, visto sua mudança de sentido, a depender do DP em
posição de complemento:
18
Generalização de Burzio:
“(i) A verb which lacks an external argument fails to assign ACCUSATIVE case.” (BURZIO, 1986, p. 178-9 apud
HAEGEMAN, 1994, p. 321)
“(ii) A verb which fails to assign ACCUSATIVE case fails to theta-mark an external argument.” (BURZIO, 1986,
p. 184 apud HAEGEMAN, 1994, p. 321)
36
inergativos, o que pode se revelar profícuo na análise da língua Yaathê. Um verbo leve
representado por v ao mesmo tempo que atribui papel-θ ao argumento externo, permite a
checagem do Caso do argumento interno (em sua posição de origem ou movendo-se para [Spec
vP]). O argumento externo, que surge em [Spec vP], pode ali permanecer ou ser movido a uma
posição mais acima (fase CP/TP), como uma posição [Spec TP]. O verbo pleno V (ou o núcleo
de outra categoria lexical), cuja projeção máxima está na posição de complemento de v, deve
atribuir papel-θ ao argumento interno. A ausência de v marca a fronteira entre inergativo e
inacusativo. Sem a fase vP, o argumento interno necessariamente tem que ser alçado para fora
do VP, de modo a checar seu Caso.
Além disso, uma estrutura contendo duas camadas (vP e VP) pode discernir também
entre estruturas transitivas (ou causativas) (contêm as duas projeções) e incoativas (contêm
apenas uma projeção):
(34) Kannada
a. Neer kud-i-tu.
water.ACC boil-PST-1.S.NEUT
‘The water boiled.’
37
E línguas que possuem o verbo leve realizado foneticamente mesmo em sentenças transitivas
simples, a exemplo do Basco (HORNSTEIN; NUNES; GROHMANN, 2005, p. 104):
(35) Basque
Jonek Aitorri min egin dio.
Jon.ERG Aitor.DAT hurt do AUX
‘Jon hurt Aitor.’
38
A ausência de uma concha-vP em (36), estrutura de um inacusativo, impede a checagem
do acusativo para o DP em posição de complemento. Este, alternativamente, poderá ser alçado
à posição [Spec IP] onde checará seu traço de Caso.
No Basco, o verbo leve se materializa tanto em sentenças transitivas simples (cf. 35),
como em ergativas, mas não se manifesta em inacusativas. Mais uma importante evidência para
a postulação dessas estruturas (HORNSTEIN; NUNES; GROHMANN, 2005, p. 109):
Duas questões que possuem implicações para a análise devem ainda ser discutidas. Por
um lado, qual a repercussão, nessas estruturas, quando pensa-se em um sistema ergativo. E por
outro lado, quais os tipos de Caso abstrato que se irá checar, tendo em vista as suas propriedades
e o modo (posições de checagem, relação com papel-θ) como eles devem aparecer no interior
dessas estruturas.
Woolford (2006) apresenta uma importante tipologia de Casos, atualização das noções
de casos Estrutural e Não Estrutural (CHOMSKY, 1986 apud WOOLFORD, 2006); este
último passará a ser dividido em Casos Lexical e Inerente:
39
Figura 9 - Tipos de Caso.
Em essência, todo Caso é estrutural, uma vez que sempre é atribuído (checado?) através
de uma relação local (Spec-Núcleo). Mas, especificamente, quando proposto por Chomsky
(1986 apud WOOLFORD 2006), os Casos não estruturais, de forma geral, se diferenciavam
dos casos estruturais por serem atribuídos em conjunto com a atribuição de papel temático, o
que não era verdade para estes últimos. Essa associação entre Caso e Papel-θ, comum ao Caso
não estrutural, mantém-se em Woolford (2006), sendo que em vez de ocorrer pela via de uma
estrutura profunda, a linguista recorre às estruturas de VP próprio e vP, em consonância com
propostas de representação mais atualizadas. Como indica a Fig. 8, os casos não estruturais
seriam de dois tipos. Casos não estruturais inerentes estão associados à estrutura vP, enquanto
os casos não estruturais lexicais associam-se à VP.
Os Casos Inerentes são aqueles mais predizíveis/regulares, por estabelecerem uma
relação de coocorrência recorrente com determinados Papeis-θ; os Lexicais, mais peculiares,
são menos previsíveis, pois costumam ser selecionados por raízes lexicais específicas
(preposições e verbos específicos). Esses dois tipos de Caso não estrutural estão em
distribuição complementar.
O Lexical é checado em posições argumentais temáticas/internas a VP, a exemplo do
dativo em Islandês:
40
(41) Ég skilaði henni peningunum
I returned her-DAT the money-DAT
A distinção entre Caso Inerente associado ao argumento mais externo, Caso Inerente
associado a DPs alvo-deslocados e Caso Lexical é captada pela estrutura abaixo, em
conformidade com as propostas de McGinnis (1996, 1998, 2001 apud WOOLFORD, 2006) e
Marantz (1989 apud WOOLFORD, 2006) para a estrutura vP e adaptada segundo o que foi
discutido até aqui.
19
Os exemplos (41) e (42) foram retirados de Woolford (2006). A autora não registra a glossa com sua respectiva
tradução.
41
checar o Caso nominativo em [Spec TP]. Em alguns contextos, T entra na derivação sem Caso
estrutural e o sujeito terá de checar esse traço de forma excepcional. Em línguas ergativas,
contrariamente, os sujeitos transitivos (e alguns intransitivos), desde que associados ao papel-
θ de agente, checa o Caso inerentemente através do núcleo v, em [Spec vP], cf. Fig. 11 acima.
O Caso ergativo não é disponibilizado em línguas nominativas, segundo Duarte (2012).
Línguas ergativas podem, ainda, ser de ao menos dois tipos, conforme esse mesmo autor.
Línguas morfologicamente ergativas diferenciam-se pelo fato de poderem apresentar
cisão quanto ao Caso estrutural de argumentos nucleares. Nessas línguas, portanto: v checa o
ergativo do argumento externo (sujeito transitivo e inergativo) e um Caso estrutural (acusativo)
ao argumento interno (objeto). Enquanto T checa o nominativo para sujeitos intransitivos
(inasucativos) e sujeitos de verbos antipassivizados, pois, nestes casos, v (o que pode, na
verdade, decorrer da sua ausência) está impossibilitado de checar o absolutivo (acusativo,
especificamente). Veja-se na figura seguinte uma síntese para o sistema morfologicamente
ergativo:
20 “The term control is used to refer to a relation of referencial dependency between an unexpressed subject (the
controlled element) and an expressed or unexpressed constituent (the controller). The referencial properties of
the controler elemento (...) are determined by those of the controller.” (BRESNAN, 1982, p. 327 apud
HAEGEMAN, 1994, p. 263).
21
PRO, cf. Haegeman (1994), é quase equivalente a um pronome. Ele recupera um referente específico ou é
interpretado como pronome arbitrário (PROARB). Aparece, costumeiramente, num contexto de sentença
encaixada cujo verbo está no infinitivo (como em (i) acima). Trata-se de uma categoria vazia cuja matriz de traços
42
argumento absolutivo coindexa/antecede o sujeito da encaixada; (iii) em relativas, o argumento
absolutivo é que pode encabeçar a oração relativa. Embora Duarte (2012) não faça tal
apontamento, seus exemplos sugerem que o NP/DP coindexa/correferencia um outro ou
controla um sujeito implícito, desde que eles compartilhem o mesmo Caso (ainda que
potencialmente, como é no caso do PRO), o absolutivo/nominativo. Assim como sujeitos
transitivo e intransitivo, num sistema nominativo-acusativo, que compartilham o mesmo Caso,
o nominativo. Essas operações, que servem como forma de teste, em muito dialogam com as
constatações de Comrie (1989) (cf. seção 3.1).
Nessas línguas, o núcleo v não pode checar o acusativo e, assim, assume-se que ele
possui um traço EPP que o leva para a margem esquerda de vP-VP e, posteriormente, para a
fase CP-TP. Assim, nessas línguas o absolutivo não pode aparecer em sentenças infinitivas, o
que não é verdade para línguas morfologicamente ergativas. Por fim, essas línguas, por não
poderem checar o acusativo, acabam por não possibilitar a cisão entre objeto e sujeitos
inacusativos (a cisão de Caso estrutural).
é [+Anafórica, + Pronominal]. PRO é referencialmente dependente de um outro NP (Noun Phrase), por isso
mesmo, é controlado por este.
43
Figura 12 - Checagem de Caso em língua sintaticamente ergativa.
Para representar construções causativas, Pylkkänen (2000) começa por dar a elas uma
interpretação bieventiva (cf. 44) e opta pela utilização de dois núcleos funcionais. De modo
que, para a autora, o argumento externo não é um argumento do verbo, mas de um núcleo
funcional específico, cf. Kratzer (1994 apud Pylkkänen, 2000), e o evento causador e seu
agente podem ser introduzidos através de núcleos distintos. Sendo assim, recorre a Voice para
ser o núcleo introdutor do argumento externo em causativas e recorre ao Cause para ser o
núcleo responsável pela introdução do evento causador.
“(...) [W]e can treat causation and the external theta-role as forming a lexical unit, i.e.
a morpheme, or we can have the two relations enter the syntax separately.” (PYLKKÄNEN,
2000, p. 134).
Essas escolhas compreendem línguas como o Japonês e o Finlandês que possuem
causativas (de adversidade e desiderativas, respectivamente) sem argumento externo, mas que
possuem uma espécie de causa implícita. Essas causativas falham nos testes de identificação
de argumento externo, como as passivas; Pylkkänen as denomina causativas inacusativas.
Há, contudo, línguas em que as causativas necessariamente introduzem um argumento
externo e, consequentemente, não possuem as tais causativas inacusativas. Esse é o caso do
44
inglês, o qual Pylkkänen também procura contemplar, com base na assunção de que as
variações entre as línguas deve-se à variação na forma de se mapear traços funcionais nos
núcleos sintáticos. Tome-se o exemplo dos traços de concordância e tempo verbal, que podem
ser captados em mais de um núcleo, ArgP e TP, ou em apenas um núcleo, IP. Utiliza-se, além
disso, dos pressupostos da Morfologia Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993 apud
PYLKKÄNEN, 2000), em que a um morfema corresponde um nó terminal composto por um
conjunto de traços. Sendo assim, Voice pode ser um núcleo que mapeia dois traços
interpretáveis em um só morfema:
Esta seção é dedicada à revisão de descrições dos Sistemas de Caso das línguas Yaathê
(COSTA, 1999, 2005), Bororo (NONATO, 2008), Maxakalí (CAMPOS, 2009) e Mebengokre
(SILVA, 2001). Sempre que possível, faz-se apontamentos sobre aspectos referentes à
checagem de Caso abstrato nessas línguas (i.e., sempre que os respectivos autores tiverem
chegado a este nível de análise e desde que tal apontamento seja pertinente). Por fim, elabora-
se uma comparação entre as línguas. Observou-se que elas apresentam uma tendência
semelhante em seus alinhamentos, aproximando-se devido à sua ergatividade. Naturalmente,
essa ergatividade se manifestará diferentemente entre elas.
45
4.1. Yaathê
(ii) verbos que denotam reciprocidade, os quais possuem uma forma cristalizada sempre
iniciada pela marca /sa-/. Algumas formas (não cristalizadas), contudo, ainda podem ser
depreendidas, i.e., separadas do /sa-/. Este ocupava uma posição argumental, o qual teria
passado por uma espécie de incorporação pelo verbo. A autora nada diz sobre sua valência;
(iii) outras formas verbais cristalizadas, as quais contêm, em seu interior, o sufixo /-ne/,
expressam atividade, são monovalentes e parecem ter sido originadas de uma construção que
anteriormente continha ne-ka ‘fazer’ seguido por objeto, o qual teria sido incorporado (isso é
o que sugerem, sincronicamente, certos empréstimos. Como se verá na sequência, tal marca é
também associada a processos de aumento de valência e de cisão no Sistema de Caso da língua;
(iv) raízes adjetivais que recebem flexões (costumeiramente) associadas a verbos e comuns em
construções copulativas. São caracterizadas como verbos de estado ou predicados estativos (cf.
46
48a-c); e, por fim, (v) a categoria, também constituída por verbos de raiz adjetival, mas que
indicam uma mudança de estado ou predicação descritiva (cf. 49a-c).
47
O mesmo comportamento se espraia para as primeira, segunda e terceira pessoas do
plural. Isso quer dizer que o sistema de marcação de pessoa pode ser resumido, parcialmente,
com a tabela abaixo:
48
(59) [tɛːwkʲa] (60) [tɛːkika] (61) [tɛːkɛːka]
ta e we-ka ta e ki-ka ta e keha-ka
3s.A 3s.O matar-IND 3s.S 3s.O tirar-IND 3s.A 3s.O comer-IND
‘ele o mata’ ‘ele tira algo’ ‘ele come algo’
E também:
Contudo, ainda de acordo com Costa (2005), uma análise mais acurada dos verbos
monoargumentais revela algumas nuances morfológicas não encontradas em verbos transitivos
da língua. Tal idiossincrasia pode ser discutida tanto em termos sincrônicos como diacrônicos.
Veja-se primeiramente os exemplos que se seguem:
49
(69) [ta fawneka] (70) [ta kfɛlneka]
ta fawne-ka ta kfɛlne-ka
3s.Sa gritar-IND 3s.Sa brincar-IND
‘ele grita’ ‘ele brinca’
Teria havido uma cristalização do /-ne/ nesses verbos, num processo de incorporação
do elemento interno ao verbo neka ‘faz/fazer’.
Todavia, tal processo morfológico - de adjunção do morfema /-ne/ a um dado núcleo
nominal ou verbal - ainda acontece sincronicamente na língua, em formação de novas palavras
(COSTA, 2005). Por exemplo, para emprestar do português brasileiro o sentido do verbo
mangar ‘fazer pilhéria de alguém’, ao nome walaka ‘manga’ foi adjungido o /-ne/, gerando o
verbo walakaneka, literalmente ‘faz/fazer manga’. Em Costa (1999), encontra-se uma variação
deste novo verbo na sentença:
22
A nasalização e prolongamento da vogal que precede o /ne/, o qual acaba por cair, é uma mudança fonológica
comum em raízes que recebem o morfema.
50
‘o outro menino disse ao amigo dele que eles mangam de mim’
Observa-se através dos exemplos 67-70 que alguns intransitivos, neste caso,
intransitivos ativos/inergativos (ou espécie de verbos transitivos de objeto incorporado) pedem
que o sujeito seja codificado através do clítico /ta/, o mesmo que marca sujeitos transitivos. Isso
explicita uma divisão entre os verbos intransitivos nesta língua, quanto ao tipo de clítico para
se referir ao sujeito. Toma-se por hipótese que o morfema /-ne/ autoriza uma posição
argumental externa e, sendo assim, o aparecimento do clítico agentivo nessa posição. Tal ideia
será melhor elaborada na seção 5.
Singular 3 ta e/ø
Fonte: autoria nossa.
51
(77) [doːkʲa tʃʰɔlʷakase] (78) [ɔtska doːkʸa tʃhɔlᶺnekase]
doːkʲa tʃʰɔlʷa-ka-se ɔtska doːkʸa tʃhɔlᶺ-ne-ka-se
panela quente-IND-PAST homem panela esquentar-CAUS-IND-PST
‘a panela esquentou/ficou quente’ ‘o homem fez a panela esquentar’
(79) ‘ma ‘pisar’: iemka ‘piso-o’ > iêmnenkya ‘faço que o pisem’
(80) futyí ‘pegar’: ifutykyá ‘pego-o’ > ifutyninkya ‘faço que o peguem’
(81) phüne ‘quebrar-se’: itat phü’neká ‘quebro-o’ > iphü’neneká ‘faço que se quebre’
> itat phü’neneká ‘faço que o quebrem’.
52
verbos monoargumentais, ergativo-ativo). Para as demais pessoas, o sistema é neutro,
pois sujeitos e objetos transitivos e sujeitos intransitivos são marcados através dos
mesmos clíticos.
Quanto ao estatuto dos clíticos de terceira pessoa não há total clareza em relação
a sua paridade. Não há dados que mostrem a coocorrência entre /ta/ e SNs plenos (sujeito)
no contexto de verbos intransitivos ativos. Diferentemente, /e/ aparece ao lado dos e
correferencia aos SNs-argumentais plenos de verbos intransitivos estativos, em sentenças
cuja leitura é do tipo não-marcado. Conforme exemplos:
A coocorrência entre /ta/ e sujeito pleno, com verbo transitivo, possui uma leitura
marcada:
53
(88) a. So (AgrSo) V
b. Sa V
Com base nas evidências arroladas, o Yaathê vem desenhando uma ergatividade,
no nível morfológico, a qual, contudo, deve ser estudada também em termos sintáticos
mais generalizáveis, tendo em vista a melhor tipologização dessa língua. Observe-se,
portanto, sentenças (anti)passivas, coordenadas e relativas comentadas por Costa (1999).
Segundo Costa (1999), verbos de atividade em /-ne/ podem ser passivizados sem
o acréscimo de morfologia. Ainda conforme a autora, esses verbos monoargumentais, em
alguns contextos, possuem dois argumentos, sendo um deles posposicionado (cf. 89 e 91).
Tais sentenças, supostamente, derivariam uma outra em que, na ausência do sujeito, o
argumento posposicionado ocuparia tal posição/função ( cf. 90 e 92).
54
instrumental é elevado à posição de sujeito e o agente é eliminado da
cláusula. (Costa, 1999, p. 275)
Outro dado não apresenta a mesma elisão, muda-se a natureza dos verbos nela
implicados, que são inacusativos:
(94) [ja tʃika keʃatka ke nema ja tʃadiheka dehe fejane liʃino edʒo ke
ja tʃi-ka keʃatka ke nema ja tʃadihe-ka dehe fejane liʃino edʒo ke
1p.So chegar-IND Ouricuri LOC CONJ 1pl.So sair-IND ADM mês(lua) três depois LOC
‘nós chegamos no Ouricuri e (então) nós saímos depois de três meses’
55
Idealmente, para entender como funciona o alinhamento na sintaxe, seriam
necessárias coordenadas entre sentenças transitivas e intransitivas, verificando a
possibilidade, por exemplo, de o objeto da primeira ser correferente do sujeito elidido da
segunda. Ou seja, verificar se os elementos supostamente absolutivos se alinham.
As sentenças relativas, por outro lado, podem ser uma outra instância para
descrição. Segundo Costa (2005), como o Yaathê não possui um pronome relativo, a
relativização da sentença é indicada pela forma do verbo no interior da construção
relativa. Este receberá um dado morfema, cuja forma depende da sua subcategoria verbal
e do argumento da sentença principal que está sendo correferenciado por ele. Verbos
transitivos, verbos intransitivos ativos (verbos em ne) e verbos recíprocos recebem o
sufixo /-ho/, no contexto de relativização do sujeito da sentença principal, enquanto
verbos intransitivos estativos recebem o sufixo /-dowa/, o qual também acontecerá com
verbos transitivos, caso o elemento correferenciado na sentença principal seja o objeto
direto. Nota-se um certo alinhamento ergativo-ativo até aqui. Para que fique mais claro,
tem-se os exemplos abaixo. No primeiro, vemos a relativização do sujeito da sentença
principal, enquanto o verbo da relativa é transitivo, o sufixo utilizado é /-ho/:
56
(97) ɔtska itʰlo se lᶺhokʰia wkʲase
ɔtska itʰlo [se lo-ho-kʰia] we-ka-se
homem cachorro [REF morder-REL-IMPF] matar-IND-PST
‘o homem matou cachorro que mordia’
(99) a. 𝐴𝑃 = 𝐴𝑅 : /-ho/
b. 𝑂𝑃 = 𝐴𝑅 : /-ho/
c. 𝑂𝑝 = 𝑆𝑜𝑅 : /-dowa/
d. 𝐴𝑃 = 𝑆𝑜𝑅 : /-dowa/23
23
Os subscritos P e R querem dizer, respectivamente, principal e relativa. De modo que AP quer dizer
Sujeito transitivo da sentença principal e assim por diante.
57
4.2. Bororo
Os inergativos (iii) possuem duas concordâncias, sendo que uma delas (aquela
adjacente ao verbo) é anafórica. Tendo isso em vista, a ordem - note que marcas de sujeito
inacusativo e objeto transitivo são adjacentes ao verbo, enquanto marcas de sujeitos
transitivos e inergativos são separadas do verbo pelos morfemas de tempo, negação e
modo (TNM) - já sugere algum alinhamento quanto à organização linear dos argumentos.
O Sistema de Caso, em seguida, é descrito a partir da observação do fenômeno de
concordância, uma vez que a língua não possui marcação morfológica de caso. Nessa
língua, a concordância revela um alinhamento semelhante ao de línguas ergativo-ativas,
como o Basco e o Georgiano (NONATO, 2008).
A concordância entre verbo transitivo e objeto (cf. 100 e 101) e entre verbo
inacusativo e sujeito (cf. 102 e 103) é obrigatória.
24
Adaptado de Nonato (2008).
58
N Suf Agr M N Suf V
‘As onças mataram os cachorros’
Por outro lado, ela é opcional quando entre verbo transitivo e seu sujeito (cf. 104
e 105) e entre verbo inergativo e seu sujeito (cf. 106 e 107).
59
N Agr M V Agr P
‘O homem me bateu’
25
Minimalist Inquiries (CHOMSKY, 2000 apud NONATO, 2008) e Derivation by Phase (CHOMSKY,
2001 apud NONATO, 2008).
60
4.3. Maxakalí
61
‘O menino se banha’
Essa adjacência sugere uma incorporação do objeto pelo verbo que, segundo o
autor, pode ser atestada pela redução de certos nomes26 que aparecem na posição pré-
verbal.
26
Aqueles cujo padrão fonotático é caracterizado pela presença de uma sílaba VXV, no interior da palavra,
em que X é uma consoante fricativa glotal ou uma consoante oclusiva glotal e os Vs são vogais idênticas.
62
(115) a. Forma Plena: b. Forma Reduzida:
Kũnũhũn Kũnũn
[kɯ̃nɯ̃ˈhɯ̃ɜ̯n] [kɯ̃ˈnɯ̃ɜ̯n]
‘Quati’ ‘Quati’
Já sujeitos inacusativos são correferenciados por -ũ (cf. 116) - quando o verbo é
inacusativo da classe I -; e, em alguns situações - quando o verbo é inacusativo da classe
II -, correferenciados (ou não) por ũ- e (necessariamente) pelo reflexivo yãy (cf. 117 e
118), nas terceiras pessoas singular e plural.
Sobre essa distinção em duas classes há uma interessante elucidação feita por
Campos (2009, p. 105-106):
63
aquele observado entre A e Sa, os quais se distinguem de O e So (também distintos entre
si). Sendo assim, aquele alinhamento aponta um comportamento ergativo-ativo, mas as
demais diferenciações fazem com que o sistema de caso dessa língua seja sintetizado
como ergativo-ativo tripartido, [A Sa] [O] [So], cf. Campos (2009).
O que a tipologia denomina caso absolutivo, aqui, parece se diferenciar em dois
Casos abstratos, aquele referente a O e aquele referente a So (CAMPOS, 2009).
Recuperando os trabalhos de Legate (2006 apud CAMPOS, 2009) e Woolford (2006
apud CAMPOS, 2009), o autor mostra que o objeto recebe Caso Nominativo, do núcleo
Tº, enquanto o sujeito do inacusativo recebe Caso Acusativo do núcleo vº. Aquele seria
uma espécie de Caso estrutural licenciado por Concordância Verdadeira, nos termos de
Woolford, o que está de acordo com o fato de que verbos inacusativos concordam com
seus sujeitos por meio de prefixos pessoais, em Maxakalí. O mesmo não é verdade para
o objeto. Além disso:
4.4. Mebengokre
Em Mebengokre, embora não exista marca morfológica de caso, este pode ser
visualizado através do sistema pronominal, o qual evidencia três formas distintas, a saber:
as formas presas, os pronomes livres e as formas ergativas (independentes) (SILVA,
2001). Esses paradigmas possuem distribuições próprias, as quais devem revelar o
Sistema de Caso multifacetado da língua.
Trata-se, cf. Silva (2001), de uma língua ora ergativa, ora acusativa. Esse tipo de
sistema parcial é desencadeado por determinados contextos sintáticos. No caso do
Mebengokre, em sentenças relativas ao sistema acusativo, a posição final da sentença é
ocupada pelo verbo, enquanto em sentenças relativas ao sistema ergativo a posição final
é ocupada por elementos funcionais, os quais seguem o verbo. Como exemplo do
alinhamento acusativo, observe as sentenças a seguir:
64
(119) ba i-kra mɣ
NOM 1POSS-filho segurar
‘eu segurei (seguro) meu filho’
Nota-se que tanto sujeito intransitivo como sujeito transitivo de primeira pessoa
são codificados com o pronome livre ba. Distinguindo-se do objeto de terceira, o qual
não possui, neste caso, marca explícita de codificação do acusativo. Demais, a marca de
modo irrealis27 dʒa aparece na periferia esquerda, antes do verbo, que está em posição
final. Em contrapartida, quando um elemento aspectual, como a posposição usada para
indicar o prospectivo28, aparece ao final da sentença, verifica-se a mudança de
alinhamento, conforme os exemplos abaixo:
Há, aí, um alinhamento do tipo ergativo, em que S e O são codificados através dos
mesmos morfemas de absolutivo, enquanto A recebe a marca ergativa. Nesse caso, os
sujeitos transitivos são codificados através das formas ergativas, enquanto os sujeitos
intransitivos e objetos através das formas presas ao verbo. Esse alinhamento pode ser
desencadeado não só pela posposição de aspecto na posição pós-verbal, mas também por
marca de negação - também em posição pós-verbal (cf. 124-127):
27
definição de irrealis.
28
Esse aspecto “(...) descreve uma ação ou evento que está prestes a se realizar.” (SILVA, 2001, p. 62)
65
(124) ba i-kra mɣ (125) [ije i-kra mɣi] ket
NOM 1POSS-filho segurar [1ERG 1POSS-filho segurar] N
‘eu segurei (seguro) meu filho’ ‘eu não segurei meu filho’
Com base nos exemplos arrolados, Silva (2001) faz as seguintes generalizações:
29
O que pode se dever ao fato de que as relativas sempre apresentam uma informação funcional em posição
final, como o elemento nominalizador explícito em 131, já que essas sentenças se comportam como
sintagmas nominais.
66
Assim considera-se, por hipótese, que no sistema acusativo a oração é
encabeçada por um verbo temático, enquanto que no ergativo a oração é
encabeçada por uma cabeça funcional30 que toma como seu
complemento uma oração não-finita. (p. 65)31
30
Esse núcleo funcional pode estar no nível da morfologia, e não da sintaxe, como o nominalizador de um
verbo em sentença relativa.
31
A asserção está alinhada ao fato de que o Mebengokre é uma língua de núcleo final.
67
(expresso apenas na 3ª pessoa do singular). Em Bororo o sistema se expressa nos
fenômenos de concordância e ordem, no Maxakalí está expresso através de morfologia
de caso, concordância e ordem, em Mebengokre sobretudo através de suas formas de
pessoa e em estruturas interrogativas. No Yaathê ele é observado através de seus clíticos
de pessoa. Pouco pôde ser dito sobre o alinhamento em nível sintático nessa língua.
Observou-se, por fim, que em Bororo o Caso do objeto (O) e sujeito inacusativo (So) é o
nominativo, enquanto o do sujeito inergativo (Sa) e sujeito transitivo (A) é o ergativo; e
aí se expressa a sua cisão. Em Maxakalí, por outro lado, O e So checam Casos distintos,
aquele checa o nominativo, este, o acusativo; aí se expressa a sua tripartição. Uma questão
importante para que se passe à análise é especificamente quais os Casos que o Yaathê
checa e se ele pode se aproximas do Maxakalí e/ou do Bororo nesse aspecto.
Ergativo x
Ergativo-ativo x x x
Tripartite x ?
Neutro x
Nominativo x
Fonte: autoria nossa.
68
5. Esboçando uma análise para o Sistema de Caso do Yaathê: algumas hipóteses
Esta seção procura elaborar uma análise, ainda que de forma preliminar, para o
Sistema de Caso do Yaathê. É necessário ter-se em mente que se vai até onde os dados
permitem que se chegue, utilizando-se das ferramentas discutidas nas seções 2.2.2, 2.2.3
e 2.2.4. Lança-se mão de hipóteses, com base no que foi observado nas demais línguas
Macro-Jê. Sobretudo, a partir das análises das línguas Bororo (NONATO, 2008) e
Maxakalí (CAMPOS, 2009), as quais põem luz sobre o comportamento da língua em
foco.
69
vP]. Aqui, o complemento de v é necessariamente um VP. O núcleo V move-se para ser
concatenado ao núcleo v (cf. 137 e 139), cujo spell out é um morfema vazio:
32
Os traços serão utilizados como forma didática de indicar o local em que surgem os elementos.
70
argumental interna a V, enquanto em inergativos o XP é o elemento em posição
argumental interna, sendo que do núcleo v. Isso fica mais claro se pensarmos que, em
Yaathê, verbos inergativos são, diacronicamente, derivados da composição entre neka
‘faz/fazer’ e objeto, o qual é incorporado pelo verbo. Como foi mencionado, as duas
formas, verbo e objeto, não são mais depreendidas, pelo menos não aparentemente,
devido à sua ausência nos dados. Mas fenômenos de empréstimo como walaka ‘manga’
> walakaneka ‘fazer manga’, indicam a presença de um nome e um verbo leve que
formam um complexo.
(144) indica a possibilidade de alternância pela concatenação do núcleo v, o qual
licencia também uma posição [Spec vP], enquanto (146) é o exemplo trazido em Yaathê.
(145) e (147) indicam o movimento de V, que é concatenado ao núcleo v.
Alternância incoativa-ativa:
(147’)
71
5.2. Checagem de Caso
À posição [Spec vP], está associada a checagem do Caso ergativo, tido como
inerente nos termos de Woolford (2006). Dois fatores levam a essa consideração: por um
lado, os sujeitos de transitivos (supostos argumentos externos) possuem de forma
majoritária o papel-θ Agente; por outro, paralelamente ao aparecimento do morfema /-
ne/, suposto spell out do núcleo v para inergativos e transitivos que sofreram aumento de
valência, o qual autorizaria a posição [Spec vP] para argumento externo, aparecem
sujeitos com papel temático de Agente. E, cf. Duarte:
/ta/ ocupa a posição argumental [Spec vP]. Conforme sugere (158), trata-se antes
de argumento do que de resultado de concordância.
72
(152) [𝑣𝑃 𝐷𝑃𝐸𝑅𝐺 [𝑣′ ø𝐸𝑅𝐺 [𝑉𝑃 𝑤𝑘ʸ𝑎𝑠𝑒 𝑘𝑙𝑒𝑘𝑒𝑦𝑛𝑖ː𝑠𝑜] ] ]
(153) [𝑣𝑃 ɔ𝑡𝑠𝑘𝑎𝐸𝑅𝐺 [𝑣′ 𝑤𝑘ʸ𝑎𝑠𝑒𝑖 ø𝐸𝑅𝐺 [𝑉𝑃 𝑡𝑖 𝑘𝑙𝑒𝑘𝑒𝑦𝑛𝑖ː𝑠𝑜] ] ]
Porém ainda não está claro quais os Casos que devem checar os argumentos
gerados em posição interna ao VP: os objetos de transitivos (O) e os sujeitos de
intransitivos inacusativos (So). Duas diferentes hipóteses dependem de a língua ser
sintática ou morfologicamente ergativa, cf. Duarte (2012). O caso do objeto pode ser
checado numa posição externa ao complexo vP-VP, em [Spec TP], caracterizando-se
especificamente como nominativo, ou em posição interna a esse domínio, em uma
segunda posição [Spec vP], caracterizando-se como acusativo. Mas, línguas
morfologicamente ergativas fazem uma divisão entre verbos intransitivos, aqui, captada
pelo v. Assim, verbos inacusativos não possuem projeção encabeçada por v, de modo que
eles não possuem posição [Spec vP] para checagem, sendo aos seus sujeitos,
possivelmente, relegada a posição [Spec TP] mais acima, onde devem checar o
nominativo. Uma proposta de vP para estes verbos não captaria a sua diferenciação
necessária com relação a verbos transitivos/inergativos, contudo. E sabe-se a importância
dessa diferenciação para os intransitivos em Yaathê. A cisão de intransitivos, portanto,
pode desencadear uma distinção entre So e O, levando o sistema morfologicamente
ergativo a ser tripartido, pois [A e Sa], O e So acabarão por se distinguir entre si. Línguas
sintaticamente ergativas, ao contrário, não fazem a cisão entre inacusativos e inergativos,
de modo que ambos podem ser encabeçados por v. Consequentemente, essas línguas não
73
fazem a diferenciação entre O e So e, por conseguinte, não possuem um sistema tripartido,
com três Casos distintos.
Nonato (2008) propõe, com base no Bororo, a utilização de um verbo leve
defectivo v (CHOMSKY, 2001 apud NONATO, 2008), que capte construções do tipo
incoativas, as quais possuem verbos transitivos que recebem um morfema
detransitivizador (o verbo leve), resultando em inacusativos da língua. Assim v seria o
verbo leve que encabeça inacusativos, incapaz de licenciar argumento externo, e v*, o
que encabeça transitivos e inergativos. Uma solução interessante, mas que por falta de
possibilidades de teste não pode ser considerada aqui. A ausência de coocorrência entre
/e/ (para concordar com o objeto) e o morfema /-ne/, no contexto de aumento de valência33
- embora não existam dados que comprovem a sua agramaticalidade - pode apontar uma
relação de “complementaridade”, sugerindo que /-ne/ e /e/ são resultado da concatenação
de núcleos com funções semelhantes, a de verbalização, mas que aparecem em estruturas
argumentais distintas (algo como v* e v).
Pode-se assumir, por um lado, que em Yaathê So e O são sutilmente distintos,
revelando certo desalinhamento entre seus comportamentos. So pleno e clítico /e/, que
prefiro tomar como concordância, costumam coocorrer; enquanto tal coocorrência
(quase) não se verifica entre O e /e/, embora revele-se algumas vezes, como em (157) e
(158).
33
Algo como: klayʃiwa ɔtskai ei=kfafanekase ‘o padre dormiu o homem’. No entanto, esse tipo de
construção não é encontrado nos dados.
74
(161) ɔtska ø kfafᶺkase
homem 3s.So dormir-IND-PST
‘o homem dormiu’
Essas construções poderiam indicar que o verbo é alçado para uma nova posição,
fora de vP-VP e de VP, deixando para trás o advérbio que modifica VP. No entanto, não
há testes de (a)gramaticalidade para sentenças com o advérbio em diferentes posições, o
que impede uma asserção mais categórica quanto a essa movimentação do verbo.
A despeito de todas essas ressalvas, pode-se assumir hipoteticamente que: (i)
objeto e sujeito inacusativo têm se diferenciado quanto à coocorrência com a
concordância/marca /e/, que expressa o absolutivo; e (ii) a posição final dos advérbios
nas sentenças acima sugere que eles surgem em VP junto ao verbo. O verbo acaba se
movendo para uma posição de núcleo em uma projeção mais acima ([Spec vP] (caso haja)
e, depois, [Spec TP]), onde checa traços de tempo e modo, deixando o advérbio para trás.
75
(i), no entanto, não é uma regra inquebrável como denotam os exemplos acima. Por fim,
caso se assuma que ambos (So e O) checam Caso acusativo, isto é, na fase vP-VP, seria
necessário repensar o que diferencia inergativos e inacusativos - possivelmente,
assumindo um v defectivo. A outra possibilidade seria assumir que O também checa o
Caso nominativo, como no Bororo.
Como determinar, então, se uma língua é sintática ou morfologicamente ergativa?
Como já apontado, segundo Duarte (2012), em línguas sintaticamente ergativas, o
argumento absolutivo está particularmente implicado em uma série de mecanismos
sintáticos que o aproximam do sujeito de línguas acusativas.
Reiterando, os dados não são exatos na confirmação do local de checagem dos
Casos de objetos e sujeitos inacusativos, uma vez que não dizem sobre as suas possíveis
movimentações e se de fato a língua é ou não é morfologicamente ergativa (não há testes
claros como esses com relativas, sentenças de controle e coordenadas). Mas, a cisão entre
intransitivos pode apontar para uma ergatividade morfológica, nos termos de Duarte
(2012), de modo que os argumentos O e So podem portar traços distintos de Caso os quais
bem poderiam ser checados em lugares diferentes. A argumentação anterior também
caminha nesse sentido.
Tome-se como verdade, então, que o sujeito de inacusativo é alçado junto ao verbo
para checar Caso em [Spec TP]:
76
(164) [𝑣𝑃 𝐷𝑃𝑖 𝐴𝐶𝐶 [𝑣′ 𝐷𝑃𝐸𝑅𝐺 [𝑣′ 𝑣[𝐸𝑅𝐺,𝐴𝐶𝐶] [𝑉𝑃 𝑉 𝑡𝑖 ] ] ] ]
77
‘você viu aquele homem que canta (agora, está cantando)?’
Ou seria ela uma língua sintaticamente ergativa? Ou, ainda, estaria ela de fato
mudando seu paradigma de checagem de Caso? Aproximando-se do Maxakalí, afastando-
se do Bororo?
5.3. Causativização
Em vista desses fatos, preferiu-se, no presente trabalho, tratar o que Costa (1999)
chama de causativização de inacusativos como na verdade um fenômeno de alternância
incoativa-ativa (cf, 144-147). A causativização, nos termos de Pylkkänen (2000) (seção
3.2.5), através de um núcleo Voice, ocorre apenas como processo perifrástico, sobre os
verbos transitivos. O seu spell out é o verbo teteka.
[𝑣𝑃 𝑙𝑒𝑓𝑒𝑦𝑎𝑠𝑎𝑘𝑎𝑗 𝐴𝐵𝑆/𝐴𝐶𝐶 [𝑣′ 𝑒𝑗 = 𝑘ʰᶺ𝑘𝑎 𝑖 ø𝐴𝐵𝑆/𝐴𝐶𝐶 [𝑉𝑃 𝑡𝑗 [𝑉′ 𝑡𝑖 [𝑃𝑃 𝑜ː𝑦𝑎 𝑘𝑒] ] ] ] ] ] ]
78
(173) (174)
Uma última problemática diz respeito à ordem e à fase CP/TP da derivação, pois,
à exceção das intransitivas estativas, as demais representações não nos dão respostas
quanto à ordem final e ao modo de checagem dos traços de tempo das sentenças.
Sentenças como aquelas em (159) e (160) (repetidas aqui como 175 e 176) podem ser
uma primeira evidência do movimento de verbo para fora de vP-VP:
79
(175) i lefetiya w-kʸa-se hle
1s boi matar-IND-PST imediatamente
A O V-M-T Adv
‘eu já matei o boi’
Verbo Intransitivo:
(177) [𝑇𝑃 ɔ𝑡𝑠𝑘𝑎𝑘 𝐸𝑃𝑃 [ 𝑇′ 𝑤𝑘ʸ𝑎𝑠𝑒𝑖 𝐸𝑃𝑃 [𝑣𝑃 𝑘𝑙𝑒𝑘𝑒𝑦𝑛𝑖ː𝑠𝑜𝑗 [𝑣𝑃 𝑡𝑘 [𝑣′ 𝑡𝑖 [𝑉𝑃 𝑡𝑖 𝑡𝑗 ] ] ] ] ] ]
Verbo Inergativo:
Não parece plausível postular-se a existência de núcleos Agr (AgrS e AgrO), uma
vez que a checagem dos traços de concordância com objeto parece se dar dentro de vP-
VP, pelo menos não há nada que prove o contrário. Sugiro que o verbo deve ser movido
para checar traços de tempo, carregando consigo o sujeito, o que se deveria,
possivelmente, ao traço de EPP. A ordem no caso de sentenças transitivas, contudo, fica
sem a devida representação. Deixo essa questão em aberto, para ser discutida em
pesquisas futuras.
Assim, o Yaathê, como língua que apresenta cisão entre So e O na checagem do
Caso estrutural e uma cisão quanto à checagem do Caso de sujeitos intransitivos ativos
(Sa) e estativos (So), supostamente aproxima-se do Maxakalí, com um sistema ergativo-
80
ativo tripartido e checa, portanto, três casos distintos, ergativo (não estrutural, inerente),
acusativo (estrutural) e nominativo (estrutural), para os argumentos nucleares. Distingue-
se do Bororo à medida em que este checa o nominativo também para o objeto,
configurando-se como língua ergativo-ativa, apenas, com cisão somente entre os sujeitos
de intransitivos ativos e estativos.
Em Yaathê, o Caso ergativo é checado inerentemente (cf. WOOLFORD, 2006),
em posição [Spec vP]. O nominativo/absolutivo é checado em [Spec TP], enquanto o
acusativo/absolutivo, em [Spec vP]. Tais constatações estariam de acordo com as
discussões em Duarte (2012), considerando que a ergatividade dessa língua é do tipo
morfológica.
6. Considerações Finais
81
abrem um campo de possibilidade também para pesquisa no âmbito da tipologia formal:
seria extremamente interessante a proposta de microparâmetros que capturassem as
variações entre as línguas Macro-Jê, nos seus modos de checar Caso, tendo em vista a
hipótese de que elas normalmente são ergativas. Esses microparâmetros podem ser um
passo chave no refinamento filogenético do tronco e, inclusive, culminar com uma
detecção mais precisa do parentesco entre Yaathê e as línguas do tronco. É válido ressaltar
que a utilização de um banco de dados mostrou-se profícua no estudo do aspecto em
questão, facilitando a busca por construções específicas, em meio a uma grande
quantidade de lexemas e sentenças dadas em Costa (1999). Essas sentenças nem sempre
estavam segmentadas e a utilização do FLEx facilitou consideravelmente esse
procedimento.
82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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HASPELMATH, M. (eds.). The World Atlas of Language Structures Online.
Leipzig: Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology, 2013. Disponível em:
http://wals.info/chapter/98. Acessado em: 05 ago. 2019.
DUARTE, F. B. O que difere uma língua ergativa de uma língua nominativa? Revista
de Estudos da Linguagem, Minas Gerais, v. 20, n. 2, p. 269-308, 2012.
83
KAZAKOV, D. et al. Learning implicational models of Universal Grammar Parameters.
In: The Evolution of Language, 12, 2018, Poland. Proceedings of the 12th
International Conference (EVOLANGXII). Poland, 2018.
84