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ISSN 2596-1640
RESUMO
Conhecido pela alcunha de o “pior inimigo da ciência”, Paul Feyerabend esclareceu que a definição se
dera pelo fato de ter dito que “abordagens não ligadas a instituições científicas podiam ter algum valor”.
Além desta, outras críticas destinadas ao epistemólogo austríaco são provenientes do fato de que a
epistemologia de Paul Feyerabend defende a pluralidade de teorias e o pluralismo metodológico.
Entretanto, o que defende não é que qualquer coisa pode ser ciência, mas sim que a fronteira entre o que é
científico e o que não é científico não é rígida e intransponível. Para desfazer a tradição monocultural,
surge a visão de uma Ecologia de Saberes, onde diferentes saberes são valorizados e além da valorização,
esta visão defende uma coexistência harmoniosa entre os conhecimentos de distintos grupos. Neste
sentido, o trabalho apresenta que é necessário promover um diálogo entre as culturas e a preocupação em
definir maneiras para que o diálogo possa efetivamente acontecer. Tendo dito tudo isto, conclui-se que o
“fazer ciência” e a educação científica precisam de “pessoas que sejam adaptáveis e inventivas, não
rígidos imitadores de padrões comportamentais estabelecidos”.
Palavras-chave: Paul Feyerabend. Pluralidade de saberes. Pluralidade de teorias.
[...] Uma sociedade livre é uma sociedade em que todas as tradições têm
direitos iguais e igual acesso aos centros do poder.
UM PROCESSO CONTRA-INDUTIVO
Feyerabend no prefácio de sua obra Contra o Método (2007), aborda o aspecto
de que alguns filósofos suspeitavam que não há apenas uma entidade chamada “ciência”
em que seus princípios permanecem claramente definidos, mas sim que tal ciência
compreende grande variedade de abordagens e que até mesmo algumas ciências
particulares também são coleções dispersas de assuntos.
“A ideia de um método que contenha princípios firmes e imutáveis para
conduzir os negócios da ciência depara com considerável dificuldade”
(FEYERABEND, 2007, p. 37), dito isto, o epistemólogo austríaco recomenda verificar
e aceitar que não existe um preceito sequer que não possa ser transgredido em alguma
ocasião e tais transgressões são fundamentais para o progresso. Desta maneira, não
devemos concebê-las como frutos de um conhecimento insuficiente ou algo que a
atenção plena a teria evitado.
Neste sentido, uma compreensão recente sobre a história e filosofia da ciência é
que “a invenção do atomismo na Antiguidade, a Revolução Copernicana, o surgimento
do atomismo moderno [...] ocorreram apenas porque alguns pensadores decidiram não
Desta maneira, temos que a tarefa do cientista é tornar forte a posição fraca
partindo do pressuposto que “algumas das mais importantes propriedades formais de
uma teoria são descobertas por contraste, e não por análise” (FEYERABEND, 2007, p.
46).
Entretanto, se pensarmos que o que Feyerabend defende é a troca de um método
empirista (teoria-observação) por um método em que se utilize “multiplicidade de
teorias, concepções metafísicas e contos de fadas” estaremos fazendo uma leitura errada
de sua proposta (FEYERABEND, 2007, p. 49). É válido ressaltar, pois, que assim como
ele, o que se defende neste ensaio é que mesmo metodologias vistas como inequívocas
possuem demarcações. Ainda que, defendendo tais demarcações, o epistemólogo
esclarece que não sustenta que a ciência deva decorrer sem padrões e regras.
Entretanto, precisam existir regras contextuais e regras absolutas, e que as
primeiras não devem substituir as segundas, mas sim complementá-las.
Enquanto, por outro lado, mesmo as versões mais sofisticadas de empirismo
exigem que o conteúdo empírico cresça tanto quanto for possível. Para isso, um passo
importante nesta crítica é:
[...] pular fora do círculo e/ou inventar um novo sistema conceitual – por
exemplo, uma nova teoria, que entre em conflito com os resultados
observacionais mais cuidadosamente estabelecidos e confunda os princípios
teóricos mais plausíveis – ou importar tal sistema de fora da ciência, da
religião, da mitologia, das ideias dos incompetentes, ou das divagações dos
loucos. Esse passo é, mais uma vez, contra-indutivo. A contra-indução é,
assim, tanto um fato – a ciência não poderia existir sem ela – quanto um
A ciência não é nem uma tradição isolada nem a melhor tradição que há,
exceto para aqueles que se acostumaram com sua presença, seus benefícios e
suas desvantagens. Em uma democracia, deveria ser separada do Estado
exatamente como as igrejas ora estão dele separadas (FEYERABEND, 2007,
p. 319).
A unanimidade de opinião pode ser adequada para uma igreja rígida, para as
vítimas assustadas ou ambiciosas de algum mito (antigo ou moderno), ou
para os fracos e voluntários seguidores de algum tirano. A variedade de
opiniões é necessária para o conhecimento objetivo. E um método que
estimula a variedade é também o único método compatível com uma
perspectiva humanitarista (FEYERABEND, 2007, p. 60).
Tendo admitido isto, se observa que algumas perguntas são feitas em diversos
ambientes sem que sejam considerados que podem ser provenientes de estratos
históricos distintos. Isto somente seria coerente para quem não conhece ou não valida o
conceito de ecologia de saberes e adotando-se que todos os conhecimentos são
“entidades atemporais” (FEYERABEND, 2007, p. 157) e que são igualmente
REFERÊNCIAS
DAMASIO, F.; PEDUZZI, L. O. Q. Considerações sobre a alcunha atribuída a Paul Feyerabend de “pior
inimigo da ciência” e suas implicações para o ensino de ciências. Alexandria: Revista de Educação em
Ciência e Tecnologia, v. 10, n. 1, p. 329-351, 2017.
FEYERABEND, P. K. Matando o tempo – uma autobiografia. São Paulo: Editora UNESP, 1996.
FEYERABEND, P. K. A Ciência em uma sociedade livre. São Paulo: Editora UNESP, 2011.
SANTOS, B. de S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Editora Cortez,
2006.
SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice: o social e o político na Pós-Modernidade. São Paulo: Editora
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SANTOS, B. de S. Toward a new common sense: law, science and politics in the paradigmatic
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SANTOS, B. de S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In:
SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P. (org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Editora Cortez, 2010.