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CAPÍTULO I

POSTULADOS ANTROPOLÓGICOS
ALGUMAS PREMISSAS

1. Preconceitos ideológicos)

1.1 Atitude isenta de preconceitos

No estudo da Antropologia Cultural é necessário manter uma atitude


isenta de preconceitos ideológicos e de juízos de valor sobre a própria
antropologia em quanto ramo da ciência e disciplina académica, ou
sobre algumas das suas esferas, ou sobre o uso feito dos conhecimentos
antropológicos ao longo da história.

1.2 Críticas à Antropologia cultural

Com tudo isto, não queremos ignorar o servilismo a que foi


submetida a Antropologia não só no continente
africano, mas também nas outras áreas geográficas, onde
De facto, desde diversos ramos da ciência (sociologia, história, política e
filosofia, especialñente) e até da religião, a Antropologia foi acusada de
subserviência a favor de determinados interesses políticos, económicos e
religiosos e até de constituir um grave obstáculo ao desenvolvimento da
sociedade. Segundo tais críticas, a Antropologia estaria a perpetuar o
atraso económico, a ignorância, a escravidão e o fundamentalismo.

Cft. algumas obras de carácter geral: Jesús AZCONA, Para compreÅder Ia Antropologia, Verbo
Divino, Estella 1989, 2 vols.; R. L BEALS y H. HOIJER, Introducciðn a Ia Antropologia, Aguilar,
Madrid 1971 ; J. BEATTIE, Oras culturas, Península, Barcelona 1979; Bernardo BERNARDI, Uomo,
Cultura, Società,
Franco Angeli, Milano 1974 (I a ed.); 2002 (19a ed.), trad. port., Introdução aos Estudos Etno-
Antropolðgicos, Edições 70, Lisboa 1978; L G. DE MELLO, Antropologia Cultural, Vozxs, Petrópolis,
(Brasil) 1986; Ralph. LINTON, The Study ofMan: An Introduction, New York 1936, trad. port., O
Homem: Uma Introdução à Antropologia, Martins Fontes, São Paulo 1987, 12 a; R. LLOBERA (Comp),
Antropologia como ciencia, Anagrama, Barcelona 1975; Harris MARVIN, Introducciðn a Ia antropologia
general, Alianza, Madrid 1998; P.J. PELTO, Iniciação aos Estudos "Antropologia, Zahar, Rio de Janeiro
1984, orig. ing., Thest dy ofAntropoloo 1965; Melville J. HERSKOVITS, Man andhis Works, Alfred A.
Knopf, New York 1948, trad. port., Antropologia Cultural, Mestre Jou, São Paulo 1963, 2 tomos; P.J.
PELTO, Iniciação aos Estudos da Antropologia, Zahar, Rio de Janeiro 1984, orig. ing., The study
ofAnrhropology, 1965.
I .3 Fidelidade ao próprio metodo ligadas a estes complexos, quaisquer_fogmasue.acismo e de
Qual é a resposta que damos a tais críticas e acusações sobre 0 lugar, discriminação ideológica, política, social, económica e religiosa.
a finalidade e a aplicação da nossa disciplina à realidade em que vivem os Por racismo se entende a classificação hierárquica das diferenças
nossos povos? Pensamos que a. Antropologia Cultural enquanto ciência,
com
se encontra no lugar próprio e ao mesmo nível das restantes áreas do saber
científico. Enquanto tro 610 0 for fiel ao método científico própriQ desta
Max CERRANS, "Cultura e desenvolvimento: uma relação ignorada", em Fontes
disciplina, o seu modo de roceder será correcto. 2
UNESCO, no 25/Abril 1991, pp. 7-8.
aplicação da Antropologia Cultural à realidade sócio-política em que base no património genético dos indivíduos ou grupos, para afirmar uma
se encontra uma determinada sociedade e o seu uso por terceiros, tal facto presumível superioridade e valor absoluto das diferenças culturais,
nada diminui ou acrescenta ao seu significado e ao seu valor científico. Por consideradas incompatíveis. Enquanto por descriminação entendemos a
outro lado, afirmar que este ramo da ciência seja obstáculo ao negaçao às pessoas e grupos dos direitos ou aceso aos recursos, por
desenvolvimento da sociedade e à união dos povos, significa ignorar que o motivos étnicos, linguísticos ou outros.3
progresso se fundamenta no homem e, ortanto na cultura, e que tantos
projectos de desenvolvimento fracassarn pelo facto de a economia prevalecer 2.2 A raça deixa de ser um conceito útil para a ciência
sobre a cultura. Ignorar a cultura, entendida no seu sentido antropológico, o
resultado é um desenvolvimento anárquico.
O preconceito racial permeia a sociedade em atitudes de segregação
No estudo antropológico devemos também evitar ideias já de vária espécie, facilmente observáveis na fala, na emoção das pessoas,
formuladas sobre a própria cultura ou sobre as culturas alheias que na publicidade, nos programas televisivos, no cinema e na Internet.
sejam objecto do nosso estudo ou sobre algumas das suas partes. Para
Trata-se de colocar em termos étnicos problemas que, de facto, são
que o nosso estudo seja adequado ao seu objectivo, exige-se uma
problemas sociais e políticos. Embora os povos possam ser divididos em
atitude isenta de qualquer classe de preconceitos.
diferentes grupos principais, baseados nas características físicas, hoje
podemos afirmar claramente que a raça deixa de ser um conceito útil
2. Complexos de inferioridade e de superioridade para a ciência e deve ser e sociólogos concluem que a noção de
raça não é uma realidade biológica e deve ser abandonada depois de tê-
2.1 A noção la usado durante muito tempo. As características físicas geralmente
associadas aos tipos raciais (estatura, cor, forma.. .), não expressam
Na Anoopologia Cultural devemos evitar toda forma de
complexos de superioridade e de inferioridade cultural, e, intimamente
necessariamente as nossas origens. Desde o ponto de vista biológico, as raças
não existem.4
A genética tem revolucionado toda a questão. Nos seres humanos o ADN
(Ácido Desossiribo Nucléico), está empþTares de cromossomas,
presentes no núcleo de cada uma dos 100 trilhões de células que compõem o
organismo. São, ao todo, em cada célula, três biliões de pares de base. pessoas
no planeta — negra ou branca, asiática ou 99,9 % idênticas. Uma
das lições do genoma, portanto, é que não há justificação para a superioridade
racial. 5
—O conceito de raça surgiu na Europa renacentista. Os seus ideólogos
fundamentavam-se em bases que hoje se demonstram falsas. Afirmavam, por
um lado, que a espécie humana seria composta por grupos bem dis-

3Anke MILTENBURG — Alessio SURIAN, Apprendimento e competenze interculturali, EMI, Bologna 2002, pp. 105-
106.
4
BBC, página deja de Web:<ser un concepto s ani , de 18.12.2002; 21.02.1995, cfr. p. MALEN 29;
RUIZ DE ELVIRA,
"La raza útil", em El ais (Madrid),
5
Erton ESCOBAR, "A fórmula da vida e seu impacto ,50 anos depois", em Estado de São Paulo,
(23.02.2003),
p. A-16.
untos de características biológicas diferentes; por outro, essas raças não existem. Mas as raças existem como interpretações sociaiš". Biólogos, antropólogos e sociólogos,
numa reunião da
seriam hierarquizadas segundo uma escala de valores.\As raças são
ASSOCIAÇÃO AMERICANA PAI O AVANCE DA CIÊNCIA, realizado em Atlanta (EEUU) em
um conceito cultural e existem como interpretações sociais. Hoje Fevereiro de 1995, afirmaram que a raça deixa de ser um conceito útil para a ciência e deve ser rejeitado e o
podemos afirmar que apesar de todas as teorias existentes e abandonam depois de usá-la durante muitos anos., cfr. http://news.bbc.co.uk/spanish/science/newsid.

originadas nos tempos passados, não há provas indiscutíveis das 3.3 Explicação
diferenças significativas em capacidade ou inteligência entre os O etnocentrissmo corresponde às tendências normais de todo indivíduo de
principais grupos humanos. valorizar a própria identidade em detrimento das alheias, que as considera
Não se descobriram características biológicas humanas que não inferiores, pelo facto de serem diferentes. Todos experimentamos em algum
tenham sido afectadas pela experiência de vida e condições do
grau o etnocentrismo. A nossa herança social influencia fortemente a forma
ambiente. Todas as diferenças significativas no comportamento entre
pela qual vemos e classificamos toda a experiência. Se trata de uma projecção
as pessoas são compreensíveis como padrões culturais apreendidos e
não como características herdadas biologicamente. deformante do próprio tipo de sociedade.
O etnocentrismo baseia-se na valorização abusiva da própria cultura
2.3 Conclusão ou de certos elementos. Mas não tem fundamento pois não há culturas
superiores e culturas inferiores e são todas igualmente nobres.
Concluímos afirmando que o racismo é um anacronismo histórico Numa mensagem dos Bispos de Africa sobre a tragédia de Burundi e
que é preciso combater desde os vários ramos da ciência, da política e Rwanda, mostram as atrocidades do etnocentrismo e afirmaram:"A etnicidade,
da como pertença a um grupo é uma realidade antropológica e um dado da história
e da geografia humana. Ela doa identidade social e cultural e segurança. A
pessoa situada em um grupo étnico encontra as suas raízes e os seus valores de
referência. Mas a etnicidade não se deve tornar etnocentrismo, que é negativo
3. Etnocentrismo por ser narcisismo e exclusivismo. Comprometemo-nos a denunciar o
etnocentrismo como uma ideologia perversa, anticristã, e codenamo-lo como
3.1 Etimologia meio de conseguir ou de conservar o poder".7
As consequências do etnocentrismo são a todas vistas negativas. Ao nível
O vocábulo etnocentrismo provém de duas palavras gregas: científico implica uma verdadeira falsificação de dados que pode ir até à
ethnos, que significa povo; e kentron, ponto, elemento central. cegueira intelectual, impedindo ver a realidade dos dados ou ingnorando-a.
Esta atitude intelectual conduz claramente a uma distorção da realidade e a
interpretações etnográficas falsas.
3.2 Definição
3.4 Conclusão
Entendemos por etnocentrismo considerar a própria cultura como
superior às outras culturas, e julgar e interpretar a cultura dos outros Concluímos dizendo: em primeiro lugar, que se trata de um risco
exclusivamente em base aos critérios da própria cultura.
normal que todos corremos, pois todo individuo experimenta em algum
grau o etnocentrismo,8 e ninguém pode renunciar à própria cultura; em
6
Um grupo de científicos da Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil) e da Universidade de Porto segundo lugar, não há nenhuma cultura superior a
(Portugal), descobriu que as características físicas geralmente associadas aos tipos raciais não
expressam necessariamente as nossas investigadorSERGIO PENA afirma que "Existe um grande qualquer outra; e em terceiro lugar, devemos estar constantemente
consenso entre os antropólogos e genetistas humanos de que, desde o ponto de vista biológico, as raças
atentos a vigiar-nos (vigilância epistemológica permanente), de tal modo culturais e o específico cultural. Trata-se de uma relatividade que procura
que possamos fazer um estudo antropológico cientificamente sério.9 respeitar a integridade das diferenças culturais, sem as tornar absolutas.
7 SECAM (Symposium des Conferences Espiscopais d'Africa et Madagascar), Message (18 avril 1997), 4
Positivamente se afirma:
8 Philippe LABURTHE-TOLRA, Jean Pierre WARNER, Etnologia/Antrop010gia, Vozes, Petrópolis 1999,
2a ed., p. 31.
9 Cfr. A obra de C.H. FAVRQT, A Sociologia, Publicações D. Quixote, Lisboa 1980. a) o reconhecimento da diversidade cultural;
4. Relativismo cultural b) a abertura às demais culturas como componente estrutural da própria
cultura e como factor dinâmico do seu crescimento e das suas
4.1 Generalidades
mudanças.

Entende-se por relativismo cultural a concepção segundo a qual Negativamente, se nega:


não existem princípios gerais que permitam julgar os valores e as
instituições das culturas. Em base a este enunciado, ocornportamento a) a superioridade de qualquer cultura sobre outra;
humano e qualquer normativa moral dependem exclusivamente das
condições culturais de uma determinada sociedade. b) e a incomunicabilidade entre as culturas. Qualquer cultura fechada sobre si
própria, morre. O mundo categorial leva impresso o sinal do relativo, do
O relativismo cultural tem como consequência imediata a absolutização perfectível, do incompleto; enquanto o transcendental não é relativo. 10
Neste sentido se considera as culturas como
absolutamente su e completas em ordem à satisfação do ser 4.3 Síntese de diversas visões do mundo
humano como individuo e como membro de uma determinada sociedade. Afirma-se I
a diversidade cultural de uma maneira absoluta e a incomunicabilidade entre O estudioso L J. Luzbetak apresenta a noção do relativismo cultural e
asßulruras•, consequentemente negam-se os universais Culturais. confronta as duas acepções de absoluto e de relativo num esquema sintético
Um tal relativismo prejudica toda a possibilidade de entendimento que nos pode facilitar a compreensão global do tema em estudo ll ' cfr. p. 24.
cultural e negaria os processos aculturativos de que a história é
testemunha. O seu seria a clausura ermética de toda a 5. Reducionismo
cultura, como se a cultura fosse um círculo fechado e perfeito na sua
integridade, sem necessidade das outras culturas para o seu 5.1 Noção
funcionamento e para a seu crescimento e transformação, o que é
negado pela evidência dos acontecimentos históricos. A história indi
que as mudanças se operam nas culturas pela interferência de
—Na Antropologia Cultural entende-se por reducionismo a tendência
factores externos e não apenas por causas endógenas.
de limitar o valor de uma cultura a um seu aspecto
4.2 Relativismo cultural relativo parcial. Normalmente se identificam traços culturais superficiais, isolados
e geralmente negativos, como denominador comum de uma determinada
Pensamos que é necessário abandonarmos tal relativismo absoluto, e cultura, usando-os seguidamente para descrevê-la e interpretá-la. Trata-se
assumirmos o que consideramos uma relatividade equilibrada, que chamamos
de uma explicação simplista de fenómenos culturais complexos, que não
cultural relativo", unindo estreitamente os universais
tem na devida conta o conjunto da realidade em que estão mergulhadas as
culturas.

A. N. TERRIN, "Antropologia culturale e humus religiosus», em G. BOF (a cura di), Antropologia 'Wlturale e
antropologu teologica, EDB, Bologna 1994, p. 100.
II Louis J. LUZBETAK, The Church and Cultures. New perspectives in Missiological Anthropoloo, Orbis Books,
Maryknoll 1988, trad. ital., Chiesa e Culture.Nuove prospettive di antropologia delia missione, EMI, Bologna
1991, pp. 71-72.
Relativismo cultural absoluto Relativismo cultural rclativo
5.2 Consequências negativas
Que Alógica

Que orientação Orientação natural, antropocéntrica Orientação natural e Uma tal abordagem reduz a longa história e o património cultural deum povo a alguns traços
sobrenatural negativos que logicamente nunca faltam às sociedades. Deprecia-se e ignora-se praticamente a
realidade de uma cultura e a sua proKindidade, ficando apenas uma imagem superficial,
Sobrenatureza 1. Deus é uma criação cultural. 2. 1. O Absoluto pode ser
insignificante, desfigurada e falsa da mesma.
O conhecimento e a experiência comprensível multiculturalmente
humanas são a única e a última através da contextualização.
5.3 Causas
fonte de verdade. 2. A fé pode coexistir com
3. A missão cristã é imperialismo. a experiência humana. As causas do reducionismo são:
3. A missão é legítima em o etnocentrismo que nos conduz a considerar superficialmente as culturas, a procurar o exótico e
quanto respeitar as outras o anedótico e a sublinhar o negativo dos outros; a recolha de dados insuficiente, limitando-nos a
religiões e respeitar a
liberdade de consciência. experiências isoladas; a extrapolação dos elementos recolhidos, considerando-os fora do
próprio contexto.
Natureza A diferença humana é maior e mais Tanto a diferença como a
importana æsemelhança. semelhança humana são 5.4. Conclusão
• Os seres humanos estão grandes e importantes.
submetidos deterministicamente Os factores biológicos, Não se pode reduzir uma cultura a um dos seus traços culturais mais
às forças biológicas, ecológicas e negativos, esquecendo deliberadamente, por cego etnocentrismo ou por
psicológicas. Os critérios de ecológicos e psicológicos
fraternidade humana são coexistem com o conceito de ignorância, toda a sua complexidade. Também não podemos basear-nos em
determinados culturalmente. liberdade. experiências isoladas, em dados fora do contexto cultural ou em factos
A fraternidade humana anedóticos que facilmente criam uma caricatura do povo em questão. Das
universal coexiste com culturas é necessário ter um conhecimento adequado e profundo, que
sistemas culturais específicos. compreenda tanto os elementos positivos como os negativos.
Conclusão Salvar as culturas. O progresso humano exige
Não interferir nas culturas mudanças culturais e
conservação das culturas.
6. Tendência a negar as diferenças

6.1 Uma outra atitude negativa, que também tem o seu fundamento no etnocentrismo, é a tendência a negar as diferenças culturais que encontramos nos
outros povos. Nega-se o valor a tudo o que se apresenta culturalmente diferente à própria cultura.
6.2 Gs problemas humanos mais profundos são Actualmente têm-se conhecimentos sobre o funcionamento do
essencialmente seme lhantes em todas as sociedades: a universo desconhecidos antigamente;
luta pela subsistência, a procura da alimentação, o Hoje conhecemos cientificamente as causas de muitas doenças que
domínio do meio ambiente, a defesa dos animais e das
inclemências do tempo, o combate contra a doença, a antigamente se ignoravam.
transmissão da vida, as relações de.amizade, os laços
familiares, as interrogações sobre as questões 7.3 Todo sistema cultural humano é lógico e coerente dentro
fundamentais da existência e outras mais. de seus próprios termos, segundo as suposições e
conhecimencos básicos à
6.3 Perante tal complexo de necessidades, cada cultura responde disposição da comunidade. peuo
com respostas lógicas e satisfatórias, mas extremamente
diferentes. Perante os mesmos problemas, as sociedades agem pæYEcc.
de tal maneira que evidenciam as suas diferenças culturais:
perante problemas fundamentalmente iguais, as soluções são 8. O animismo e outras teorias super
diferentes. As desigualdades naturais e culturais geram entre os
seres humanos consideráveis diferenças, que não podemos mi- 8.1 0 termo animismo não é científico para falar da religião em
Africa.
Muitos antropólogos dos séculos XIX e estudando a origem da
Religião nos mais diversos povos da terra, não encontraram os
7. Uso de termos inadequados elementos que eles consideravam constitutivos de uma religião, isto é,
templos, livros sagrados, culto organizado, classe sacerdotal, tempos
litúrgicos, o termo religião e mais outros. Concluíram então, que eram
7.1 No estudo antropológico devemos evitar o uso de termos povos sem religião, embora tivessem algumas formas embrionárias de
ov abusivos e desacertados, superados pelo estado actual das religião. Dai surgiram as várias hipóteses sobre a religião: animismo,
ciências. Termos como i , povos ilógicos, mentalidade pré-lógica, magia, totemismo, feiticismo, politeismo, etc. Referindo-se
homem primitivo, religião primitiva, grandes religiões, animismo, particularmente ao continente africano, usaram comumente o termo
magia, matriarcado, sociedades arcaicas, etc. animismo.

7.2 Em base aos estudos antropológicos, baseados em trabalhos de 8.2 Hoje torna-se necessário abandonar definitivamente tal
campo, podemos afirmar hoje que não há povos de mentalidade pré- terminologia depreciativa e infamante, pois continuar a usá-la
lógica, isto é, povos com incapacidade "infantil" de tirar conclusões não é científico nem respeitoso, segundo se expressam os
adequadas da experiência. As diferenças de reflexão entre o assim
chamado "homem primitivo" e o t"homem moderno" parecem estar
nas suposições fundamentais sobre o mundo e as coisas que neles
existem, condicionadas pelas diferenças de informação que cada um
tem.
estudiosos nigerianos N. O. Opeloye e D. F. Asaju. 1 Tal - 10. Funções latentes
denominação foi rejeitada por antropólogos e teólogos e mais
outros estudiosos, no Colóquio Internacional de Abdijan (Costa 10.1 A análise das funções do comportamento cultural deve ter em
de Marfim), em 1961, e em seu lugar propuseram a seguinte: conta as crenças explícitas e as intenções em causa; mas devem
"Religião Tradicional Africana" (RTA), pelos seguintes também ser analisadas as consequências não observadas e não
motivos: intencionais de de terminados actos e crenças, que são chamadas
"funções latentes"
a) negativamente: o termo animismo implica um juízo
pejorativo; é impreciso; não tem nenhum significado 10;2 Os significados culturais encontram-se a três níveis:
para qualificar devidamente as Religiões Africanas;
a) a nível manifesto, que é plenamente consciente e observável;
b) positivamente: as RTA são autênticas religiões: são
as religiões naturais e tradicionais dos povos da b) a nível latente, que é marginalmente consciente e só
Africa Sub-sahariana; encontramos nelas um corpo
em parte observável;
de verdades (fé no Ser Supremo e criador), os
antepassados que são intermediários e intercessores;
ritos e cerimónias para as mais diversas c) a nível oculto, que é totalmente inconsciente e logicamente inobser
circunstâncias; os responsáveis pelos ritos e a våvel.
comunidade que celebra e reza. 13
COLLOQUES SUR LES RELIGIONS, Abdijan, 5-12 avril, 1961, Prése Africaine, Paris 1962, p.
97.
9. Universais culturais CAPÍTULO II
9.1 Todos os seres humanos, em toda a parte, procuram comer e A ANTROPOLOGIA: OBJECTIVO E MÉTODO
beber o suficiente, abrigar-se e defender-se do perigo e do
desconforto físico, conseguir reacções favoráveis dos seus
colegas, ser tratados quando se encontram doentes, protegidos 1. A Antropologia14
quando ameaçados, e encontrar explicações satisfatórias dos
fenómenos do mundo observado. 1.1 Etimologia
9.2 Há um grande número de universais culturais comuns a O termo antropologia é composto por dois
todos os grupos culturais: a linguagem, a existência de um vocábulos gregos: "anthroPOS", significa homem; e
sistema de parentesco, a regulamentação do "logia", estudo, ciência.
comportamento sexual, o uso do fogo, as crenças num
mundo sobrenatural, a música e outras artes, o domínio do 1.2 Definição
meio ambiente, a preparação dosealimentos, etc.
Entendemos por Antropologia Cultural o estudo sistemático do
1 M. O. OPELOYE & D. F. ASAJU, "Christian-African religious interac ions in Nigeria", in Studia homem e de suas e comportamento.
Missionaria (Roma), vol. 43, (1994), p. 295.
1.3 Objecto material cultural, passada e presente, combinando esses diversos materiais, numa
abordagem integrada. 14 Esta disciplina é paradoxal. É uma das disciplinas
O objecto material da Antropologia Cultural é o estudo mais especializadas e ao mesmo tempo uma das mais generalizadas:
do homem. Mas é necessário ter em conta que há mais
outras ciências que também se ocupam do homem. De facto especializada: enquanto trata apenas de assuntos relacionados
é assim com a genética e a psicologia, entre outras. com o homem enquanto ser cultural e com a sua experiência;

1. 4. Objecto formal
14 HERSKOVITS, M., Antropologia Cultural op. cit.,Tomo I, p. 18, no prólogo desta mesma obra, na p. 1
A antropologia Cultural trata do homem e do seu comportamento como 1 , afirma que "como disciplina científica, a antropologia acumulou uma impressionante soma de materiais
chegando a conclusões substanciais sobre a natureza, processos e funcionamento dos grupos -•manos e
um todo; leva em conta todos os aspectos da existência humana biológica e seus modos de existência".
generalizada: considera uma variedade incrível de aspectos da
FIGURA 2
realidade humana, que envolve temas relacionados com os
diversos campos da ciência, como, por exemplo, a biologia, a
Ser
psicologia, a sociologia, a história e outros ramos do saber
Biológico Individual
humano.

1.5 Ninguém se dedica hoje ao vasto campo da antropologia geral nem tenta
abrangê-lo completamente. O próprio tempo encarregou-se de promover a
divisão desta disciplina. Vive-se hoje a época das especializações, tanto
nas ciências como nas outras actividades humanas. Assim também
acontece no vasto campo da antropologia. Impõe-se a especialização, que
decorre da própria necessidade de maior experiência sob um determinado
argumento. Restringe-se o objecto do estudo para que a sua compreensão
se torne mais profunda Por isso hoje antropologia apresentaése dividida

FIGURA N. 1

em várias partes.

2. Divisão das ciências


antropológicas14

Ser
2.1 0 homem em quanto ser biológico
2.1.1 Antropologia física: estuda o homem em relação à sua origem, ao seu desenvolvimento somático, à sua adaptação à terra e a sua divisão em
diversos grupos. Trata dos seres humanos como organismos biológicos.

2.1.2 Divisão

15 MESQUITELA LIMA, A, MARTINEZ, B-, LOPES, J., Introdução à Antropologia Cultural, Presença, Lisboa 1991 ed, pp. 25 e 45; Lucy MAIR, An Introduction to Socialinthropology, Oxford University Press, Oxford 1965,
trad. port., Introdução à Antrc ologia Social, Zahar, Rio de Janeiro 1969, Ia ed., 1984, 6a ed.,p.14.
Paleontologia (palaios = antigo + onto = ser; + lógia = estudo): estuda a origem do homem, a sua evolução e distribuição, através dos restos orgânicos fósseis,
estabelecendo uma classificação;

Somatologia (soma = corpo + logia = estudo): estudo da estrutura e funcionamento das formas humanas (características físicas) contemporâneas.
2.1.3 Ciências auxiliares dos seres e a vida social a partir dos aspectos
exteriores dos factos sociais;
antropometria (anthropos = homem + metron =
medida): estuda as medidas do corpo humano e suas fisiologia humana (physis = natureza): estuda as
partes; funções orgânicas do homem;

biometria (bios = vida + metron = medida): aplica a psicolOgia humana (psyké = alma): ciência que
estatística para analisar os fenómenos biológicos e estuda o comportamento e os processos mentais do
médicos; homem.

genética (genesis = nascimento, origem): estuda a 2.? O homem em quanto ser cultural
geração dos organismos e a transmissão dos caracteres 2.2.1 Antropologia Cultural: descreve, analisa e confronta os
hereditários; elementos humanos distintivos dos povos, modos de
vida e mentalidade das socidades humanas viventes.
morfologia humana (morphê = forma + logia =
Como escreve B.Bernardi: "A Antropologia Cultural
estudo): estuda as formas externas e estruturas internas
indaga o significado e as estruturas da vida do homem 2.3.2 Ciências au-\iliares: sociologia, economia, história, política,
como expressão da sua actividade mental" 2 ética, direito, religião, estética, arte, demografia.

2.2.2 Divisão 2.4. A terminologia usada


arqueologia (arkaios = antigo): estudo das realidades
O termo "antropologia" indica coisas diferentes conforme os países em
antigas desde o ponto de vista histórico e artístico;
descreve, analisa e interpreta as sociedades antigas já
a) Na Europa continental, indica o estudo físico do homem, o que
desaparecidas;
corresponde à Antropologia Física; e para a Antropologia
etnologia (ethnos = povo): estudo histórico das Cultural, usa-se Etnologia, pelo que há a tendência de
considerá-los sinónimos.
culturas viventes em oposição, analisando as
características comuns do comportamento b) Na Inglaterra, usa-se Antropologia Social como sinónimo de
Antropologia Cultural.

humano; c) Nos Estados Unidos de América, e na maioria dos países: usa-se


etnografia (ethnos = povo + grafos = escrever, descrever): Antropologia Cultural, que se divide em Etnologia e Etnografia.
descrição
Toda esta imprecisão nos termos deve-se ao facto de se tratar de
das sociedades.
2.2.3 disci-
Ciências auxiliares plinas relativamente novas. E no nosso caso específico está em curso um
processo de sistematização e reformulação da matéria.
linguística: estudo da linguagem através do tempo e
do espaço, línguas vivas e desaparecidas; a
comunidade humana e as várias funções sociais da 33
linguagem; 3. Princípios do mêtodo antropolÓgico
outras ciências auxiliares: mitologia, folclore, religião. 3.1. O princípio holístico
2.3 0 homem em quanto ser social
2.3.1 Antropologia Social, também chamada sociologia FIGURA N. 3
comparada: estudo comparado dos sistemas sociais;
estuda os valores, as instituições e as actividades das
sociedades.

2 B.BERNARDI, op. cit., p. 1 9: "É este tipo de pesquisa que nos interessa: actua numa
multiplicidade de ramos que formam especializações da antropologia cultural"

questão:
Um segundo exemplo pode completar a compreensão.
PRINCÍPIO HOLÍSTICO Imaginemos um arquitecto que tem na sua imaginação a ideia da
obra que planeja realizar. Ele tem uma imagem global da sua obra.
Sistemas Sistemas sociais
3.1.3 Características
SER HUMANO
O estudo antropológico deve abranger plenamente todos as
peculiaridades e atributos possíveis do ser humano: a) a este estudo
Sistemas biológicos Sistemas Hsicos
interessam tanto os elementos comuns como as diferenças; b) há-de
compreender os seres humanos de todo o tempo e espaço; c) o seu
3.1.1 Etimologia conteúdo há-de ser sempre o grupo humano e não tanto o indivíduo;
I d) a pesquisa antropológica há-de coordenar, sistematizar e integrar
O termo holístico é derivado do vocábulo grego dos, que as diversas visões do ser humano. 17
significa: total, completo, global. Princípio Componentes: Resultado final:
holístico
3.1.2 Explicação - Os seres humanos: de ontem e Coordenação Visão global e
de hoje de todos os sistemática
Enquanto a maioria das ciências estudam o homem desde elementos
- Com todas as características
uma específica dimensão, a Anrro_pologiaCuJcuraJ vai mais longe da - O elementos comuns e as
compreensão de um s' ponto de vista, olha para a humanidade como al e diferenças
um todo-eæxaminaq temática na óptica da globalidade. - A sociedade
No caso do estudo antropológico pode ser enganoso concentrar- 3.2. Princípio histórico
se num aspecto específico. O resultado seria uma visão deformada e 3.2.1 Esquema
incompleta de uma determinada cultura ou de um seu elemento.
Deve-se considerar e analisar todas as concepções, modelos e
aspectos possíveis da cultura em questão, e têm de ser postos em
relação entre si e vistos como uma única realidade. 3.2.2 Com o princípio histórico a pesquisa antropológica visa
Um exemplo que nos pode ajudar à compreensão do colectar o máximo de informações sobre uma determianda
princípio holístico é a anedota dos quatro cegos, que tocam cultura e sobre os contactos havidos através do tempo e do
cada um na parte de um elefante; posteriormente, ao espaço. Os povos, de facto, caminham, têm um passado
descrevê-lo, fazem-no tal como o imaginam segundo a parte muito antigo, um passado mais recente, um presente e um
que tocaram. Ficam com uma ideia incompleta e deformada futuro projectado, pelo que nos estudos antropológicos é
do que fia verdade é um elefante. necessário ter em conta as várias etapas da história dos povos
em questão.
34
17 HIEBERTJ P.G., cultural anthropolou. Baker Book, Gand Rapid 1998: (2'ed.), p-24; cfr. LJ. LUZBETAK, op. tempo; elas não são umgpga de museu que se possa
cit. pp.34-35.
observar como algo estático, independentemente dos
3.2.3 Na antropologia devemos ter em conta
acontecimentos históricos.
a) a história no sentido sincrónico (do grego syn = junto, e
krdnos = tempo) : isto é, a consideração do conjunto de
factos de um preciso momento, independentemente do 3.3 Princípio comparativo
seu desenvolvimento no tempo; 3.3.1 A metodologia antropológica é essencialmente
comparativa. Alguns autores chegam a afirmar que é
b) e a história no sentido diacrónico (do grego dia =
este único método verdadeiramente antropológico: o
um + kronos = tempo): a consideração dos factos
método comparativo. Só através da comparação de
desde o ponto de vista da sua evolução no tempo.
formas particulares se torna possível apurar e esclarecer
3.2.4 No passado aplicara-se à Antropologia a teoria da os conceitos Kindamentais de uma cultura.
evolução linear, querendo demonstrar que a cultura
obedece a uma evolução universal e linear. Deste ponto B.BERNARDI, op. cit., pp. 122-123.
de vista defendia-se que todos os povos e em toda a parte
passavam pelas mesmas etapas culturais. 18 Esta teoria 36
hoje é abandonada pois, com os conhecimentos
3.3.2 Este princípio refere- se ao confronto dos
antropológicos que actualmente dispomos, demonstrou-se
fenómenosAue pertencem a ambientes cultural, geográfica e
a sua inconsistência. Os
historicamente distintos.
estudos dos contactos culturais demonstraram a
diversidade das eta as culturais, havendo povos que Ao estudar uma sociedadc automaticamente confrontaremos a
inventaram certos traços, outros receberam traços cultura que estamos a estudar e as outras culturas que já
semelhantes através de outros processos (difilsão, conhecemos, a começar pela nossa própria cultura.
aculturação). As populações não são simples arquivos de 3.3.3 Mas este método é mais alguma coisa. Verificam-se e
um passado remoto, mas agentes vivos de processos analisam-se as semelhanças e as diferenças entre os traços de
dinâmicos extremamente complexos. uma cultura e entre as várias sociedades. E é necessário estudar
3.2.5 Diversos estudiosos tentaram explicar o funcionamento de mais outros aspectos que possam contribuir a u melhor
uma cultura num determinado momento, conhecimento da sociedade em questão.
independentemente da sua história, baseando-se apenas na A tendência moderna é para as comparações limitadas regionalmen-
lógica dos sistemas culturais. Tais autores, chamados
funcionalistas, são do parecer que se pode fazer um estudo
3.3.4 Esquema:
antropológico da cultura sem necessidade de referir-se à sua
história, isto è, aos contactos culturais havidos
anteriormente. Também esta teoria demonstrou-se
inconsistente. As culturas vão mudando e transformam-se
com o passar do
3.4. Princípio interdisciplinar questão; esforçarse-á por criar confiança nas pessoas
através do relacionamento humano respeitoso, atento à
3.4.1 0 método antropológico é
escuta; e não se há-de admirar pelas diferenças culturais
que seguramente encontrará no seu trabalho.
por diversas
4.2 Planificação do trabalho
disciplinas.
4.2.1 Antes de iniciar o trabalho, o pesquisador deverá
enado
preparar-se documentalmente, começando pelo conhecimento
actualizado da proble t måtica de iniciação de base á

biologia, história e filosofia. antropologia na antropologia. cultural Com e fará este leituras fim
participará adequadas, em para cursoster uma base fundamental,
sobre a qual orientar o seu trabalho.

4.2.2 Se deve escolher livremente o tema da pesquisa,


de vários estudiosos. fazendo uma tríplice limitação: temática, geográfica
e histórica. Neste sentido se faz a seguintes
4. Pesquisa antropológica3 perguntas: Que cultura ou que elementos culturais
desejo estudar? Sobre que determinado aspecto?
4.1 Técnicas do método antropológico Qual é a sua situação geográfica (país, região,
4.1.1 Atitudes basilares cidade, aldeia, bairro)? Qual é o período histórico a
que se refere o meu estudo?
A pesquisa antropológica requer, logo de início,
algumas atitudes basilares que o estudioso deverá 4.2.3 Uma vez escolhido o tema, se devem fazer
cultivar antes de iniciar o seu trabalho. Referimo-nos obrigatoriamente algumas leituras específicas, como
e liberdade. Neste trabalho ele não se deve orientar passo prévio. Torna-se necessário conhecer a literatura
por ideologias ou preconcertos; mostrar-se-á modesto existente sobre o argumento escolhido. Neste sentido
no sentido de evitar toda a obstentação da sua formação se deve visitar uma biblioteca, consultando, em
académica ou da sua cultura ou dos objectivos que quer primeiro lugar, dicionários e enciclopédias que pouco
atingir; não intentará conhecer totalmente a cultura em a pouco vão-nos levar até ao nosso tema. Por
exemplo: Se escolher como tema "O matrimónio entre o Povo
3Leituras aconselhadas: B. BERNARDI, op. cit., pp. 151-162; L. G. De Macua de Maúa (Moçambique)" , começarei por consultar num
MELLO, op.cit., pp. 6577; M. TITIEV, op. cit., pp. 187-190; M. dicionário as palavras "matrimónio", "povo"; e numa
MARCONI - Z. PESOTTO, op. cit.,pp. 34-35. enciclopédia os vocábulos "Macua" , "Maúa",
"Moçambique".Com a informação recolhida farei as primeiras 39 >
"fichas bibliográficas", resumindo e anotando tudo o que for de 4.3.3 Os elementos que o pesquisador deverá ter em
interesse (nomes, datas, notas bibliográficas, etc.). Assim já dei conta são: a recolha de dados directamente "no
o primeiro passo. Hão de vir os seguintes sem me aperceber.
campo" de trabalho; o conhecimento mínimo da
4.2.4 Nesta fase inicial também deverei começar o estudo da língua língua local; o tempo suficiente de permanência
local, ao menos para ter umas noções mínimas, que me permitam para conhecer e partilhar; a escolha bem feita em
algum contacto directo com os membros da sociedade onde se vai mais de um informador, pois um só informador é
desenvolver o meu estudo. Também deverei estabelecer o metodologicamente falso, e nem todos têm a
objectivo, o plano geral do trabalho, indicando etapas, momentos capacidade de serem bons informadores; o uso de
periódicos de revisão, a meta a atingir, o tempo, os meios e a um ou mais tradutores sempre que se tornar
metodologia.
necessário, mas atenção, os tradutores facilmente
podem atraiçoar o sentido das informações; a
4.3 Observação participante sistematização e o momento da interpretação dos
4.3.1 A pesquisa faz-se por meio do chamado "trabalhQ_decampo", isto é, dados recolhidos; em momentos sucessivos, outras
realiza-se no próprio ambiente em que se dá o fenómeno ou os recolhas de dados e novas interpretações com os
acontecimentos do estudo. Com este fim, o antropólogo esforçar-se- novos dados recolhidos; síntese final e redacção.
á por integrar-se de alguma maneira na sociedade da cultura em
estudo, participando, possivelmente e muito discretamente, das suas 4.4. O modo mais adequado
actividades e manifestações; procurará pôr-se no lugar dos seus 4.4.1 Chegado a este ponto podemo-nos perguntar: Qual
pesquisados e entender a população a partir dos valores e do sentir é o modo mais adequado para descrever uma
local e estará em guarda para evitar qualquer atitude de
cultura? Sabemos que, do modo como um
etnocentrismo. A partilha consciente e sistemática, tanto quanto as
circunstancias o permitirem, nas actividades comuns da sociedade, antropólogo escreve, depende o êxito do seu
nos seus interesses, sentimentos e emoções, será a melhor fonte de trabalho. Há diversidade de estilos que vão desde
recolha de dados. os questionários até formas de narração literária.
Também através da história da Etnografia, os
4.3.2 Este trabalho exige por algum tempo dedicação exclusiva, estudiosos, no seu trabalho de pesquisa, usaram
permanência prolongada, partilha e relacionamento constante. O modelos diferentes, sublinhando este ou aquele
antropó10{0 observa com todos os seus sentidos, com todo o aspecto. Vejamos.20
ser. O longo período que passa no lugar lhe permite sentir a
dinâmica da vida local: conhecerá as festas e ritos, ouvirá 4.4.2 Etnografia a distância. Trata-se daquela que se fazia
histórias, mitos e lendas, e chegará até partilhar sentimentos no fim do Nove—centos, através das narrações de
mais profundos, alegrias e tristezas. Neste método, não há gente que vivia no lugar (funcionários públicos,
respostas feitas, cada um vai fazendo o seu caminho. comerciantes, missionários) e enviava aos
antropólogos, que, longe "do campo", orientavam a
recolha do material etnográfico e se serviam desse
trabalho para formular as suas questões. Era o tempo 4.5.2 Entrevistas em geral: o antropólogo deve manter colóquios com
dos pioneiros E.Tylor, Morgan, Frazer, etc. uma ou mais pessoas com objectivo de obter informações e
opiniões, pois são um elemento muito importante, •que exige
4.4.3 Períodò de transição: a etnografia se separa da orientação arte, sensibilidade e clareza de objectivos. Como no registo de
evolucionista e se orienta à formulação de lei¾gerais dados, é necessário anotar a identificação das pessoas
com poucas referências históricas; pertence a.esta época entrevistadas, o lugar e a data da entrevista.
Alfred Reginald Radkliffe-Brown (1881-1955).

4.4.4 Etnografia objectiva e impessoal, asséptica, rigorosa, 4.4.5 Etnografia monográfica, com grande insistência no trabalho de cam- vai o
exclui os sentimentos do autor e dos pesquisados. representada por Bronislaw Malinowsk (1884-1942), pai fundador da etno
Esta orientação foi seguida por Edward E. Evans-
Ugo FBIETTI [Vicenzo MATEM, Etnografia, Carocci, Roma 1999, pp. 81-83.
Pritchard (1902-1973).
4.4.6 Etnografia dialógica: descripção em forma de diálogo
4.5.3 Entrevista livre organizada: se trata de uma série de perguntas
entre o pesquisador e o informador do que que
aconteceu no campo de pesquisa e explicação dos feita a uma ou mais pessoas para conhecer opiniões, atitudes,
processos através dos quais o autor conheceu o que descreve no etc. As per-
seu texto etnográfico. É seu representante especial Kevin 4.5.4 Entrevista livre não organizada: as perguntas não foram
Dwyer (autor contemporâneo). sistematizadas anteriormente nem dependem de
4.4.7 Narração etnográfica: esta orientação sublinha os aspectos nenhum modelo existente.
subjectivos, pessoais dos pesquisados e do próprio autor em
forma de narração literária através da qual dá a informação 4.4.5 Entrevistafechada: fazem-se perguntas alternativas
etnográfica. Segue esta orientação o antropólogo contemporâneo (escolha de uma
Amitau Ghosh solução ou de outra) e exclusivas (a resposta escolhida
4.4.8 Seja qual for o estilo ou tendência seguida, deve-se agir sabendo exclui as outras).
que a cultura é fundamentalmente uma configuração de
significados que o antropólogo deverá descobrir para representar 4.5.6 Entrevista repetida: fazeh-se as mesmas perguntas a
satisfatoriamente o seu objecto. Não se trata de observar os outras pessoas segundo os mesmos critérios, ou às
membros de uma cultura a partir de fora ou de se identificar com mesmas pessoas em tempos e circunstâncias
eles; a questão definitiva é recolher o sentido do que eles pensam diferentes.
que fazem 21 A representação etnográfica éb fruto do encontro de
conceitos dos membros de uma cultura com os do antropólogo, 4.5.7 Questionário: lista de perguntas sobre
onde o objecto da pesquisa está a meio caminho entre a visão do determinados argumentos para submeter a várias
antropólogo e a dos seus interlocutores. pessoas, formuladas com critérios precisos para
4.5 Técnicas específicas efectuar um inquérito.
4.5.1 Registo de dados: o pesquisador deve escrever sempre e quanto
mais melhor; e classificar por temas; indicar lugar, nome das
pessoas, data e qualquer outra circunstância.
4.5.8 Diário de pesquisa: caderno para anotar dia a dia os prestar atenção ao que a gente diz, e nos daremos conta facilmente desta
factos considerados de relevo, lembranças, variedade de sentidos.
observações, ihpressões da pesquisa antropológica. Façamos neste momento um pequeno exercício de recolha de dados.
Consiste em analisar as páginas de alguns jornais ou revistas nacionais
4.5.9 Recolha de objectos: objectos que podem ter um ou estrangeiros e ver o que se entende por cultura nestes meios de
certo valor etnográfico em ordem a um melhor comunicação social: cultura, a nossa cultura, culto, pessoa culta, inculto,
conhecimento da cultura: utensílios domésticos, cultura geral, cultura física, património cultural, tarde cultural, sessão
instrumentos de trabalho, símbolos, e outros que se cultural, actividades culturais, problema cultural, página cultural, teatro,
considerem significativos. música, dança, literatura, produções literárias, esculturas, ministério da
cultura.
4.6 Gravação e fotografias Ao longo da história o conceito de cultura foi evoluindo até aos nossos
gravação de cantos, poesias, literatura oral dias. Junto ás diversas escolas de pensamento, os autores criaram teorias e
definições, que configuraram o edifício do que hoje
(provérbios, enigmas, adivinhas, histórias).
consideramossylguræno sentido antropológ@.Com as suas teorias os
Fotografias, filmagens de paisagens, de pessoas, de estudiosos enriqueceram o sentido de cultura e lhe abriram perspectivas
acontecimentos civis e religiosos. novas. Este movimento de constante sistematização do conceito de
cultura, chegou até aos nossos dias, aparecendo novas teorias e novas
CAPÍTULO III reformulações. A cultura é um conceito que—
A CULTURA est£env crise, afirma Ugo Fabietti, 23 e deve ser reformulado. O próprio
processo de globalização em que estamos mergulhados, levanta novas
questões e desafios novos à reflexão antropológica.

22 Leituras aconselhadas: B. BERNARDI, Introdução aos Estudos Etno-AntropolJgicos,


op. cit.; L. G de MELLO, Antropologia, op.cit., pp. 40-60; Clifford GEERTZ, A interpretação
das culturas, op.cit.
23 UGO FABIETTI, Identità Étnica, Carocci, Roma 2002, p. 51. Cfr. CECILIA GATTO
TROCCHI, Etnie, miti èulture, Bulzoni Editore, Roma 1999, p. 30 e ss.
Há teorias que põem em relevo a tendência sociológica;
outras, que consideram a cultura como algo indefinido, algo
1. O conceito de cultura que já não serve para a pesquisa científica; um obstáculo, um
enredo de difícil solução, uma atrapalhação; algo assim como
1.1 Introduçã022 um texto estruturado de símbolos e significados, uma
O conceito de cultura é o ponto central do nosso estudo, pelo que é sobrevalorização do conceito, uma invenção dos
necessário precisar bem o sentido que lhe damos e como é utilizado antropólogos.24As definições são de tipo analítico, umas, e de
como ponto de referência. tipo mais sintético, outras.
A cultura é usada pela nossa sociedade com uma infinidade de Mantendo uma devida cautela é necessário uma
sentidos. Basta abrir as páginas de um jornal, escutar uma emissão sistematização dos conceitos para nos entendermos. Algumas
radiofónica ou assistir a um programa televisivo, visitar a Internet ou definições ajudar-nos-ão a compreender melhor o sentido
antropológico de cultura. O aspecto crucial da reflexão
antropológica sobre a cultura, é o aspecto sistemático e a sentido social: a parcir dc século XVII, o termo cultura
possibilidade de reencontrar os percursos inerentes. Também é começoU a usar-se no sentido colectivo, algo que tem que ver
relevante o aspecto diferencial, que evidencia a importância não apenas com o indivíduo, mas com as populações e nações.
que tem a alteridade e a diversidade cultural; e o aspecto
dinâmico, que sublinha os processos de encontros sentido étnico: também começou o uso particularista e étnico (a
interculturais, de complementaridade, de mudança e de cultura de uma determinada sociedade);
transformação. sentido universalístico: no sentido universalista (a cultura de
toda a humanidade, a cultura universal). Neste sentido cultura
1.2 Etimologia
equivale a civilização.
O vocábulo cultura provemsdo ,particfpio passivo do 1.3 Definições
verbo latino colo, colis, colere, colui, cultum, que A definição clássica
significa: cultivar, cuidar, ter cuidado, prestar atenção.
Expressa a relação dinâmica e estável a um lugar. Os seus Nos fins do oitocentos aparecem duas descrições de cultura que
derivados são: agri-cola = cultivador da terra; agri-cultura representam orientações tão importantes que enriqueceram e
=cultivo do campo; in-cola = morador; colonus = a pessoa influenciaram toda a antropologia os m 9, Matthew Arnold,definiu a
que cultiva; colónia = o local cultivado. cultura como o conseguimento da perfeição, que implica uma condição
interna da mente e do espírito (doçura e luz), através do bom e do
Uso do termo com diversos sentidos: melhor que se pensou e se diz na história 25 Este conceito de cultura
sentido material: colere terram = cultivar a terra; é o conserva um certo sentido criativo e estético e sublinha o ue se pode
primeiro sentido de cultura; considerar cultura objectiva.
Em 1871, Edward B. T lor, o pai da antropologia moderna,
sentido espiritual: colere deos loci; cultus deorum: venerar formula a sua definição, que se tornou clássica na antropologia
(prestar atenção) os deuses protectores do lugar, cuidar cultural. É uma definição descritiva.lîeonjunto complexo que
os deuses da terra; inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes e
sentido humanista: o termo cultura foi usado no sentido várias outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como
humanístico de cultura animi, conhecimento e membro de uma sociedade" 26
elegância da pessoa culta. Na Idade Média encontram- A definição de Tylor contem afirmações importantes que devemos
se unidos os dois significados (material e espiritual) no sublinhar: a cultura é adquirida, não transmitida biologicamente; o
ideal dos centros da cultura ocidental, isto é nos homem adquire a cultura como membro de uma sociedade; existem
tantas culturas quantas são as sociedades; todas as culturas são
igualmente dignas; a cultura é um conjunto complexo, isto é, composta
mosteiros: ora et labora = reza e trabalha; por entidades que se podem

24 Cfr CLIFFORD GEERTZ, A interpretação das culturas, Rio de Janeiro, 1989; JAMES 25 M. ARNOLD, Culture and Anarchy, a cura di R.H. SUPER, University of
CLIFFORD, IfruttiPuri impazziscono. Etnografia, letteratuwz e arte nelseculoXX, Michigan Press, Ann Arborr 1965, pp.95, 112, trad. ital., Cultura e anarchia, Einaudi,
Torino 1975, citado por M. P. GALLAGHER, Fede e Cultura, op. cit., pp. 23-24.
Bollati Boringhieri, Torino (ed.orig. 1988). ROYWAGNER, l'invenzione della cultura,
26 "That complex whole which includes knowledge, belief, art, morals, law, customs
Mursia, Milano 1992; J. BOON, Other Tribes, Other Scribes, Cambridge University and any Other capacibilites and habits acquired by man as a member of society",
Press, Cambridge 1983. Edward B. TYLOR, Primitive Culture, Murray, London 1871, p. 1. cfr. também Roest
princípios para a promoção cul tural: e
cultura e autonomia da cultura (nn.
deveres e direitos com relação à
A. A. CROLLIUS, Teologia dell'inculturazione, op. cit., p.17; L.G.de MELLO,
(símbolos, ritos, normas, cultura: cultura integral, conciliação símbolos cujos
Antropologia.. .,op. cit., p. 40; e ClaudeLÈVlSTRAUSS, Antropologia estrutural, entre cultura
Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro 1967, p. 397.
interpretados
humanidade, Tylor O estudioso C. Geertz define a no próprio
decompor nos seus variados elementos ou traços nificados, transmitidos historicamente,
concegrupo social. contexto. 4
instituições); necessidade do estudo comparativo. comunicar e desenvolver o
Foi este
Junto à cultura como património de toda a be-a conhecimento vida, uma lógica informal
Posteriormente foram feitas
como património es ecífico de um da vida real e que funciona também
como uma série de
determinado o signi ca o que-prevaleceu •na Dá-se o exemplo do como controlo" significados que encerra
Antropologia. reformulações para superar a cultura, os sistemas em que se
e quea está sempre culturas enquadram as dotado de sentido; e
concepção da vida humana entidades delimitadas, não são frutos dinamismo da
isoladas, circunscritas e fechadas. contaminação. As culturas O arcebispo e teólogo colombiano
polvo que tem um núcleo central e tentáculos pessoas, pelo que não como um conjunto de relações do
periféricos em movimento. Se afirma ao mesmo transformação permanente, semelhantes e com Deus, com as
e entre as sociedades. suas
tempo que as puros, mas estão sujeitas a
em que os agentes e comportamentos.31
processos constantes de
significados devem ser George de Na oli tropólogo
se concebem como processos comunicativos entre as G ornna oma), deu uma breve
e valores artilhados eaceites_por aln
são algo definido para sempre, mas estão em algo mais, dizendo que cultura é a
que emana da interacção criativa entre as pessoas outros contributos que c m os se es e comportamentos.
Concebe-se a cultura como um processo cultura na Antropologia. UNESCO define a cultura vos,
comunicativo fazem um texto com infinidade de espirituais e materiais, intelectuais
que "a cultura é toda sociedade ou um grupo social. Ela
ser concretas que modos de vida, os direitos valores, as
ientamos a cultura como tradições e as crenças. reflexão sobre si
mesmo. A cultura nos, racionais, críticos
membro integrante de
e eticamente discernimos os valores e
uma pensamento e da fazemos toma consciência de si, se
vontade partilhadas com reconhece questão as suas realizações, e
o resto do culturais. cria obras que o transcendem" cialmente
constituição Gaudium et quatro elementos, que de conjunto, que
considera a dimensão encontramos
aspecto histórico e social, o CONCÍLIO VATICANO 11,
29

Documentos,
de culturas (n. 53). Denova
CLIFFORD GEERTZ, A
30

era, novas formas e interpretação 31 J. L. CASTRO


responsabilidade e do QUIROGA, Dizionario
mundo, evangelho licopiado.
4 Cfr. GEERTZ,
32 op.cit., CLIFFORD,
G. de NAPOLI, op.cit., BOON, op.cit., 28V. L.
Antropologia
conciliar indica alguns
GROTANELLI,Roma
Etnologia. L'uomo
1985/86, e 1a civiltà,
apontamentos dosEd.33
UNESCO, "Encontro de México,
e WANGNER, op.cit. rapporto cruciale e conflittuale, San
Labor, Milano 1965, p.311. Paolo,
1.3.2 Desenvolvimento do conceito americano e professor na Universidade d
significados uma comunidade" 32 Podemos sintetizar
O conceito de cultura foi-se enriquecendo com maneira de viver de um grupo humano,
completaram o que actualmente se entende por Vejamos.
como: "um conjunto de traços distintie afectivos, que
O antropól caracterizam uma abrange, além das artes e as letras, os fundamentais
e do ser humano, os sistemas de A cultura dá ao homem a capacidade
o o italiano Vini i L.Grotanelli, afirma de faz de nós seres especificamente humacomprometidos. Através da
activi e de era
consciente como o omem cultura,
uma sociedade eõCðiijQióódåš- opções. Por meio dela a pessoa se expressa, como projecto
mÂKffestações derivamd@íiéla act1v1daæ DestõdefiniÇáðV
n8
inacabado, põe em procura incansavelmente novos significados 33
expressão do homem, como individuo e como sociedade; a Nesta extensa definição destaco especonsidero da maior importância:
distinção entre acções, fruto do e outras de ordem fisiológico, a ideia na maioria dos autores; a centralidade da
estas últimas, mundo animal, podem transformar-se em acções Paulus, Paulo, 2001, pp. 606-620. das culturas, op. cit., p.
O Concílio Vaticano II, trata da cultura na Spes deli'inculturazione, IMC, Roma 1988, texto po
(nn. 53-62). Na definição que dá de cultura
humanista ("bem e valores da natureza"), o sentido Sócio-Religiosa, Corso delia Facoltà di Missiologia, PU alunos, dactilografado, p.l.
1983" , em Michael Paul GALLAGHER, Fede e cultura: Cisinello Balsano 1999.
sociológico e etnológicore a pluralidade pois fala-
se do contexto cultural contemporâneo:
de cultura, o homem artífice da cultura, autonomia
contradições (nn.54-56). A seguir, humanização e
cultura e autonomia da cultura. O documento

46
humanização do mundo, relação; fé 57-59). E, finalmente se refere
aos direito de todos à cultura, obstáculos, humana e a Igreja (nn. 60-62).
29
cultura como "uma estrutura de sigencarnados simbolicamente, para
humano e as atitudes para com a do sentido comum de uma sociedade,
"Nesta definição põe-se em relevo os expressos através da linguagem
simbólica; culturas, que formam como um tecido cultura que a mantém
viva.
José Luís A. Castro, se refere à cultura
homem com a natureza, com os seus
expressões, instituições, significados
princípios para a promoção cul
cultura e autonomia da cultura
decompor nos seus variados elementos ou traços (símbolos, deveres e direitos com relação à humanista
Instituições); necessidade do estudo comparativo. cultura integral, conciliação entre ("bem e
ritos, normas,
Junto à cultura como património de toda a humanidade, be-a valores da
como património específico de um determinado ca o Tylor nificados, transmitidos historicamente, natureza"), o
que - prevaleceu na Antropologia. Posteriormente comunicar e desenvolver o vida, uma
concegrupo social. Foi aspecto
reformulações para superar a concepção da vida humana lógica informal da vida que funciona
este foram feitas como também como significados que encerra sentido
entidades delimitadas, isoladas, circunscritas e fechadas. polvo
uma série de Dá-se o a cultura, os sistemas em que se sociológico e
que tem um núcleo central e tentáculos periféricos exemplo do e que está enquadram dotado de sentido; e etnológicore a
em movimento. Se afirma ao mesmo tempo que sempre
as culturas não são dinamismo pluralidade de
puros, mas estão sujeitas a processos constantes de contaminação. As
frutos O arcebispo e teólogo pois fala-se do
culturas pessoas, pelo colombiano como um conjunto de
se concebem como processos comunicativos entre as contexto
que não relações semelhantes e com Deus,
são algo definido para sempre, mas estão em com as cultural
permanente,
transformação algo que emana da interacção criativa
entre as sociedades. e comportamentos.31
entre as pessoas e Concebe-se a cultura como um em que os agentes George de Na oli tropólogo G
processo comunicativo fazem um texto com significados devem orlana orna), deu uma e valores
ser partilhados eaceites_por arn&a
infinidade de símbolos cujos interpretados no mais, dizendo que cultura
próprio contexto. c m os se es e comportamentos.
1.3.2 Desenvolvimento do conceito UNESCO define a cultura vos,
espirituais e materiais, sociedade ou
O conceito de cultura foi-se enriquecendo com contributos que um grupo social. modos de vida, os
na Antropologia.
outros completaram o que actualmente se entende direitos valores, as tradições e as
por cultura Vejamos.que "a cultura é toda ser crenças. reflexão sobre si mesmo. A
raGÍðhÄl-€GðhRo cultura nos, racionais, críticos e
O es concretas eticamente discernimos os valores e
e antropólo de • era o ornemo que a cultura como fazemos toma consciência de si, se
integrante de uma e questão as suas realizações, e cria
italiano Vini • L.Grotanelli, afirma actiV1 obras que o transcendem" cialmente
consciente e como da vontade com o
quatro elementos, que de conjunto,
uma sociedade e o conJúñÕdas resto do culturais.
que encontramos
constituição Gaudium et
manifestaçõ derivam daquela
considera a dimensão CONCÍLIO VATICANO 11,
29

ientamos expressão do homem, como individuo e como Documentos,


histórico e social, o
membro sociedade; a distinção entre acções, fruto do CLIFFORD GEERTZ, A interpretação
culturas (n. 53). Deera,
pensamento e outras de ordem fisiológico, estas 31 J. L. CASTRO QUIROGA,
novas formas Dizionario
últimas, partilhadas mundo animal, podem transformar-se responsabilidade e licopiado.
em acções mundo, evangelho G. de NAPOLI, Antropologia
O Concílio Vaticano II, trata da cultura na Spes
conciliar indica alguns Roma 1985/86, apontamentos dos
(nn. 53-62). 'Na definição que då de cultura alunos,
UNESCO, "Encontro de México,
WANGNER, op.cit. rapporto cruciale e conflittuale, San
Milano 1965, p.31 1. Paolo,
contemporâneo: nova de cultura, o homem artífice da 1-1
cultura, autonomia e contradições (nn.54-56). A pessoa humana e da sociedade; a cultura material e
seguir, humanização do e cultura e autonomia da espiritual, as expressões culturais e a transcendência
cultura. O documento Torna-se difícil escolher entre as definições apresentadas.
Completam-se entre elas e todas juntas ajudam-nos na
27
Cfr. GEERTZ, op.cit., CLIFFORD, op.cit., BOON, op.cit., e compreensão adequada do sentido profundo de cultura.
28V. L. GROTANELLI, Etnologia. L'uomo e 1a civiltà, Ed. Labor,
1.4 Explicação
46 A cultura é um produto humano, é criação do homem, pelo
tural: humanização do mundo, relação; fé (nn. 57-59). E, que implica consciência, vontade e liberdade. Neste sentido, a
finalmente se refere aos cultura: direito de todos à cultura, cultura distingue o homem do resto do mundo animal, embora
obstáculos, cultura humana e a Igreja (nn. 60-62). 29 se possam encontrar fenómenos comuns entre os homens e
demais animais, a diferença está na consciência e liberdade
encarnados simbolicamente, para conhecimento humano e as presentes sempre no acto humano. Por mais perfeito que os
atitudes para com a real e do sentido comum de uma sociedade, passarinhos façam um ninho ou as formigas vivam um certo
controlo" 30 Nesta definição põe-se em relevo os expressos através da tipo de forma associada, é sempre um acto privo de consciência
linguagem simbólica; as culturas, que formam como um tecido da e de liberdade, fazem sempre o mesmo ninho e repetem sempre
cultura que a mantém viva. as mesmas acções.
José Luís A. Castro, se refere à cultura do homem com a A cultúra é uma tarefa social, pertence à comunidade,
natureza, com os seus suas expressões, instituições, significados ao grupo social de que o individuo forma parte. É um
americano e professor na Universidade breve
conjunto de experiências vividas pelos homens e
definição:"Conjunto de significados uma comunidade" 32 mulheres, através da história, que forma o património
Podemos sintetizar é a maneira de viver de um grupo humano, cultural de um determinado povo. A transmissão é feita
socialmente e o próprio indivíduo mergulha nesse mar,
como: "um conjunto de traços distintiintelectuais e afectivos, que junto com os outros membros da sociedade, embora tenha
caracterizam uma Ela abrange, além das artes e as letras, os necessariamente a sua parte individual neste processo.
fundamentais do ser humano, os sistemas de A cultura dá ao A cultura não é transmitida biologicamente; é transmitida
homem a capacidade de faz de nós seres especificamente
de geração em geração. Ela é adquirida, através de um
humacomprometidos. Através da cultura, opções. Por meio
dela a pessoa se expressa, reconhece como projecto inacabado, põe processo de aprendizagem e socialização que chamamos
em procura incansavelmente novos significados 33 Nesta extensa enculturação ou endoculturação.
definição destaco especonsidero da maior importância: a ideia na A cultura não é um objecto, uma coisa material, uma
maioria dos autores; a centralidade da estátua de museu, ou algo estático e inamovível. Ela é um
Paulus, São Paulo, 2001, pp. 606-620. das culturas, op. cit., p. modo de pensar e de agir das pessoas, com os seus
dell'inculturazione, IMC, Roma 1988, texto po- SI•gnificados, valores e expressões. Não devemos
Sócio-Religiosa, Corso della Facoltà di Missiologia, PUG, dactilografado, p. 1.
confundir as expressões culturais com a cultura na sua
1983", em Michael Paul GALLAGHER, Fede e cultura:un Cisinello Balsano 1999. profundidade e globalidade.
A cultura é um modo de vida total, e não apenas elementos Neste sentido também se pode afirmar que um indivíduo não
parciais de usos e costumes. Ela permeia e condiciona os consegue conhecer a sua cultura na totalidade.
sentimentos do homem, a compreensão que há do mundo e A transcendentalidade da cultura: cultura abre a pessoa humana
o seu comportamento. à transcendência, põe o homem em relação com o ser transcendente
.com Deus e os valores do mundo transcendental).
Entendemos por cultura ideal o comportamento que as
pessoas acreditam 2. Características da cultura
e dizem que deveriam ter; enquanto por cultura realmente 2.1 A cultura é simbólica
2.1.1 Generalidades
real, se fazem entende e vivem.o compor- 3 tamento concreto
das pessoas, isto é, o que O símbolo é uma chave para a compreensão da cultura. Ao
estudar uma cultura é necessário referir-se à função e simbolismo de
Se entende por cultura subjectiva o conjunto de valores, determinados objectos, acções e instituições. O homem vive entre
conhecimentos e experiências presentes nos indivíduos dois letamespaços, dois mundos que se Com a) o mundo do
como membros de uma sociedade; enquanto por cultura refe ente, : isto é, o espaço exterior; b) o mund SI
objectiva, entendemos a exteriorização desse conjunto de ou o ólic espaço imagético, como afirma C.
valores e significados, que formam o património cultural de Levi- o Strauss. 35 0 tura problema do simbólico toca ac
um povo. e a sociedade naÂiag1ðbäfiaaa¿îoda a cultura pode ser considerada
como um conjunto de sistemas simbólicos e constitui, de facto, um
34
Cfr. L.G.de MELLO, Antropologia.. .,op.cit., pp. 44-46. conjunto de comunicações.
Podemos considerar a pessoa humana como um animal
48 simbólico. só a emNeste sentido não verbal, mas
A cultura depende também da natureza, do local geográfico, do também os lin ritos, as instituições culturais, as
clima. Dai a importância que tem a ecologia para a sua compreensão. re açóes, os costumes, etc., não são mais do
O mundo cultural do homem tem uma abrangência muito que formas
grande, envolvendo também o mundo natural. Tanto é assim que se
pode dizer que a natureza conhecida pelo homem não é aquela 35 Cfr. C. LÉVI-STRAUSS, "Introdução à obra de Marcel MAUS", em Socilolgie
natureza pura e selvagem; toda a natureza que o homem conhece, et Anthropologie, PUF, Paris 1968, p. XIX; Ernest CASSIERER, Ensaio sobre o
conhece-a culturalmente, isto é, toda a naturaa tem para ele um homem, Guimaráes Editora, Lisboa 1960, pp. 51-55; e MESQUITELA LIMA
significado, uma relação de valores e de significados. Antropologia do simbólico, Presença, Lisboa 1983, pp. 12 e 15-21.
Um objecto natural pode receber significados por parte do simbólicas. Continuando a nossa reflexão chegaremos à
homem que se diferenciam segundo as culturas. Por exemplo, o conclusão de que, ao tentar formular a cvltura, faz-se por
sol, a chuva e outros elementos da natureza podem significar coisas intermédio de uma linguagem que é eminentemente
diferentes segundo a cultura em questão. simbólica. De facto, a nossa linguagem falada situa-se no
Aos traços particulares das culturas dá-se o nome de valores sistema linguístico, sistema cultural em que o símbolo e o
culturais. O valor possui um conjunto de significados e sugere simbólico são preponderantes. Qualquer interpretação
outros objectos e outras realidades às quais faz referência. antropológica vai sempre carregada de aspectos simbólicos.
A cultura supera o próprio indivíduo, pelo que ninguém pode Devemos aprender a ler e escutar esse mundo específico:
abranger nem viver todos os elementos de uma determinada cultura. a) ler, pois esse mundo tem um discurso ue lhe é descodificar
e tra uzir ara Oder com e os si ificados; b) escutar, pois os A relação entre sinal e coisa significada vai além da
símbo10s ormam entre si sistemas que "falam", e na sua simples conveniência racional: trata-se de uma relação
inter-relação transmitem mensagens às quais é necessário estabelecida pelo grupo social em questão.
prestar a devida atenção para as captar. 5 Enquanto sinais, os símbolos foram escolhidos pela sua
O mundo simbólico não é compreensível sem uma aptidão natural e afinidade com a coisa significada.
iniciação, pois cada povo veste os absolutos com uma Os sinais usados pelos símbolos (objectos, gestos, linguagem)
roupagem simbólica própria. degradam-se com o tempo: podem perder a sua compreensão ccm as
2.1.2 Etimologia mudanças que vão apa recendo ou até pela rotina.
Os símbolos são expressões da vida que se enquadram no
O voçåbulo símbolo, provém do verbo grega comportamento social, pelo que se tornam formas comuns de
sumbalo, que significa lançar conjuntamente, reunir, expressão de acções dos membros da sociedade.
amontoar. Expressa a ideia de aproximar e juntar duas 2.1.4 Análise do símbolo
partes de uma mesma coisa que originariamente
a) Os sinais
estiveram unidas, com o fim de chegar a conhecer ou
Os sinais podem ser: a) naturais isto é, aqueles que a própria
identificar algo. Trata-se de um sinal de natureza fornece, por exemplo, o fumo sinal do fogo; b)
reconhecimento. Símbolo é, pois, a metade de um convencionais isto é, atribuídos livremente num determinado
objecto, sinal de reconhecimento, que representava um contexto cultural, sem olhar a sua afinidade natural, por
laço de hospitalidade: uma das metades do objecto era exemplo, a linguagem; c) simbólicos, são sinais usados nos ritos
dada ao hóspede; futuramente, ele deveria apresentar a com determinados significados, que podem ser objectos,
referida metade que devia encaixar com a eventos, pessoas, relações, gestos, lugar, períodos de tempo,
correspondente para que se desse o reconhecimento da cores, música, luzes.
amizade entre quem ofereceu o sinal e quem o recebeu.
Esquema:
Poderíamos adiantar já uma definição. O símbolo
seria um fenómeno físico que tem o significado a) NATURAIS — os ró rios da natureza
conferido por aqueles que o utilizam e que só eles SINAIS b) CONVENCIONAIS — atribuídos :
conhecem. a) à linguagem
b) às cores
2.1.3 Noções c) outros...
Os símbolos não são objectos ou gestos directamente c) SIMBÓLICOS — atribuídos pela própria cultura
com determinados fins no campo
utilitários, que se tornaram simbóficos ao perderem a sua
ético, religioso, social.
significação. Não se trata, pois, de sinais sem significação
actual.
b) O símbolo situa-se entre a natureza e a convenção:
O seu significado não é arbitrário: o seu significado não NATUREZA: SINAL ESCOLHIDO COMO SÍMBOLO CONVEN -O:
pode ser determinado arbitrariamente pela fantasia ou Todo o que entre os vários sinais existentes na o significado
imaginação de um indivíduo. compreende natu- reza, escolhe-se um acordado para o sinal
o cosmos concretamente (objectos, palavras, escolhido como
cores, etc.) símbolo
5 M. LIMA, ibidem.
c) O símbolo é meio de comunicação: O símbolo é social, pois é meio de de comportamentos, processos de transmissão e de mudança são
comunicação de mensagens entre os membros da sociedade. Por isso no processos sociais.
símbolo consideramos o que chamamos pólo emissor, pólo receptor, e A cultura pertence à sociedade, pois ela representa uma
código:
conquista e um cúmulo de conhecimentos, valores e
comportamentos de séculos, isto è, o património cultural
que a sociedade foi formando durante toda a sua história.
FIGURA N. 4 A pessoa é formada pela cultura e o seu comportamento é
pautado pela cultura interiorizada. E' o que entendemos
O SÍMBOLO quando falamos do homem. Neste sentido nenhum
Sintonia membro da sociedade é desprovido completamente

52
de cultura; ele é uma criação da cultura, até ao ponto que antes de
fazer o seu primeiro acto consciente, já tem uma conduta padronizada
que modela os seus comportamentos e processos intelectuais. Ele
Código poderá modificá-los no futuro, em base à sua maturidade e liberdade.
A cultura é social quanto aos agentes dos processos de
Pólo emissor Pólo receptor
transmissão e aprendizagem. Quem transmite age em nome da
Entendemos por "pólo emissor", o indivíduo que quer sociedade e quem a recebe, o faz como indivíduo e como membro de
transmitir alguma mensagem (pensamento, sentimento, um grupo com status próprio na sociedade (iniciandos, noviços,
ideias). alunos.. .). Os processos de transmissão são sociais, tanto nas
O "pólo receptor", é apessoa a quem é dirigida a sociedades de pequena como nas de grande escala: instituições de
mensagem e a recebe de facto. iniciação, escolas, universidades e outras instituições de educação e
O "código", é o símbolo usado como meio de comunicação, e que de formação.
só é compreendido pelas pessoas daquela determinada
cultura. Só elas é que podem entrar em sintonia" com o "pólo 2.2.2 Relação cultura-sociedade
emissor", só elas é que podem captar as mensagens que emite o "pólo Uma sociedade é o maior número de seres humanos que agem
emissor". Torna-se necessário ser iniciado nessa cultura para conjuntamente para satisfazer suas necessidades humanas,
compreender as suas mensagens. individuais e sociais e compartilham uma cultura comum.
2.2 A cultura é social Consideramos dois tipos de facto social:
2.2.1 Explicação 1) o chamado bio-social: isto é, um fenómeno comum entre alguns
Trata-se de uma das características básicas da animais e transmitido biologicamente;
cultura. O seu carácter simbólico permite que ela com 2) e um outro que podemos chamar sócio-cultural: fenómeno social
todos os seus elementos mais profundos seja comunicada entre próprio da espécie humana e transmitido culturalmente.
os membros da sociedade. Os hábitos, costumes, padronização
Seria possível a existência do fenómeno cultural entre os animais, Hoje fala-se muito de culturas autênticas,
como acontece com o fenómeno social? O fenómeno social é de reivindicando a própria identidade.6A procura da
natureza distinta do fenómeno humano, que é consciente e livre. A estabilidade chamamos autenticidade. A procura da
sociedade humana jamais prescinde do fenómeno da cultura. própria identidade cultural tornou-se frequente no
Concluindo, pode-se afirmar que todo facto cultural é social, mas
panorama científico e social do nosso tempo e responde a
nem todo facto social é cultural.
uma reacção espontânea perante o nivelamehto geral
2.3 A cultura é estável e dinâmica provocado pela globalização. O mesmo fenómeno do
fundamentalisrnu se s
pode -compreenderse o
ACULTURA É ESTÁVEL E DINÂMICA relacionamos com a ideia da autenticidade; é um querer
tornar às origens como reacção aos modelos culturais
anónimos da modernidade.
Estas atitudes fazem referência ao conceito abstracto de
A) Estática cultura. Devemos estar atentos neste ponto. Pode-se
1. Cultura repetitiva 2. Cultura dinåmica endurecer e eternizar em uma fórmula (cultura, etnia), uma
Sentido tradicional negativo Sentido tradicional positivo realidade parcial recolhida em um certo momento do
tempo e do espaço onde está inserida. A procura da
2.3.1 A cultura é estável identidade é o fruto do dúplice universalismo do
pensamento filosófico sobre a igualdade de dignidade de
Um elemento fundamental da cultura é o aspecto todos os homens e de que cada um deve ser reconhecido
sistemático e os percursos inerentes que na própria identidade, ue é única.
manifestam a estabilidade. Os elementos
que sublinham a tradição e a erenças e e
institucionalização de padrões de Existe o risco de cair no relativismo absoluto isto è,
comportamento se referem directamente à proteger as diferenças e mantê-las sempre, isto è,
estabilidade cultural, que se expressa atrave da Kinção estabelecer confins e excluir os outros. Todo isto teria
normativa, do controlo social, do carácter institucional e dos como consequência criar identidades mutuamente
padrões de comportamento. exclusivas, excluindo a comunicaçao intercultural, que
A estabilidade cultural leva-nos a reflectir sobre a consideramos componente inte ral da cultura.38
autenticidade cultural, tema que nos faz pensar no conceito de
cultura original, como se fosse uma entidade pura. O conceito
A modernidade por sua vez, corre o risco de ser
de realidade complexa que aplicamos à cultura, torna difícil acusada de negar essas querer impor uma visão do mundo
aceitar tal ideia, embora reconheçamos que na cultura há totalizante. Uma longa tradição antropológica levou a
sempre algo de estável que de alguma maneira a protege dos denunciar a violência e a vexação contra as minorias. Fiel
inevitáveis processos de mudança. a esta orientação a Antropologia Cultural se esforça para

6 Ugo FABIETTI, Identità Etnica, Carocci, Roma 2002, 4a


ristampa, pp. 82-83. Ibidem.
38
que todas as culturas s©arn reconhecidas dignas da mesma crescimento e as mudanças acontecem em primeiro lugar por forças
consideração. Existe endógenas. Uma cultura abstracta, estática, repetitiva, sempre igual
a si mesma está chamada a desaparecer.
A soma de variações inconscientes acaba por determinar uma certa
eliminação de traços em relação ao modelo de cultura precedente.
A cultura é dinâmica graças a mais outras causas. forças
54 exógenas à cultura que a fazem mudar e transformar. A cultura se
de facto a necessidade de preservar a diversidade das culturas, mas desenvolve como um movimento em espiral, que, em cada giro, vai
isto não implica o endurecimento das culturas em entidades encontrando elementos novos que pode incorporar na sua
fechadas e incomunicáveis. A diversidade considerada "fechada" constituição. Cf. figura no 5, p. 53 con-
conduz à etnicidade. A este propósito C. Lévi-Strauss escreve: "A
diversidade das culturas humanas está atrás de nós, à nossa volta e à 39 Claude LÉVI-STRAUSS, Race et Histoire. Race et Culture, Albin
nossa frente. A únita exigência que podemos fazer valer no seu Michel/Editions UNESCO, Paris 2001, p. 120 ; a tradução do texto citado é nossa.
confronto é que se realize em formas onde cada uma seja uma 40 U. FABIETTI, idem, pp. 148-149.
contribuição à maior generosidade das outras 39
Antropólogos contemporâneos como Carlo Tullio-Altan, Antony
D. Smith e Ugo Fabietti,40 analisando o conceito de identidade
55
étnica, apresentam cinco elementos que devem estar relacionados forme vai-se desenvolvendo à volta do seu núcleo
entre eles. Não é necessário que estejam presentes todos central, vai adquirindo novos traços com os que reformula a sua
simultaneamente; variam segundo as circunstâncias do tempo e do composição. Em algumas ocasiões as mudanças são violentas,
espaço; e tem um significado simbólico. provocadas por encontros culturais imprevistos i a que a sociedade
Estes elementos são: 1) memória histórica comum; 2) instituições e
é submetida. Podem ser catástrofes naturais que obrigam a
normas religiosas e civis; 3) língua; 4) parentesco; 5) território.
emigrar, guerras ou qualquer outro tipo de conflito (político,
2.3.2 A cultura é dinâmica económico, cultural, etc.), que impõe novos padrões de
O conceito "tradição" não significa necessariamente repetição, pelo comportamento.
que a cultura também hão é necessariamente repetitiva. A cultura é A transformação/mudança da cultura é exigida pelos
sobretudo dinâmica, no sentido da sua permanente vitalidade, que se próprios acontecimentos históricos. O devir histórico
materializa em processos de mudança e de transformação. Por lei de implica situações novas, cujas respostas a cultura há-de
vida, a cultura muda,
procurar no seu próprio contexto ou pedir por
como um ser vivo que cresce e se vai transformando constantemente.
A cultura que se fecha à mudança, fenece ela sozinha. "empréstimo" às outras culturas, através do que
Dão-se mudanças ao nível interno da própria cultura, chamamos processos culturais, isto é, a difusão, a
consideradas como despercebidas ou inconscientes. Trata-se de aculturação e a globalização.
mudanças que consideramos estruturais, pois é próprio da cultura o A cultura também é dinâmica através de acção directa
movimento interno de funcionamento e de crescimento, dos próprios I membros da sociedade que provocam mudanças
reformulando-se constantemente. Neste sentido podemos afirmar
conscientes: a cultura experimenta a mudança desejada e consciente.
que a cultura nunca é a mesma. Ela cresce e se desenvolve como um
ser vivo, que, se deixar de respirar, morre. O Rincionamento, o
Perante certas situações, os próprios membros da cultura acometem 2.4.2 Factores de influência
conscientemente as mudanças. No processo de selecção influem vários factores: a) factores de
utilidade prática; b) factores culturais, baseados na tradição cultural;
2.4 A cultura é selectiva c) factores psicológicos; d) factores sociais; e) e factores internos de
receptividade. Segundo A IÃOi Gourhan, a rejeição se pode dar: a)
2.4.1 PrOcesso de selecção
por um estado que ele chama de inferioridade técnica", isto é a
FIGURA N.6 sociedade não está preparada para assumir as inovações; b) ou por
"inércia técnica", pois não se considera oportuno assimilar a
Às vezes a novidade; c) ou por um estado de "plenitude técnica", não se
integração de SELEC O CULTURAL
Reformulação Elementos do processo: Resultado: sabe o que fazer com os novos elementos, pois na própria
certos cultura já existem elementos equivalentes.41
elementos cultural - Valores relegados - Nova síntese cultural
novos é tão - Valores integrados - Novo patrão de vida 2.4.3 Reinterpretação
rápida que a - Valores permanentes - Novo comportamento Para ser integrado um elemento novo passa-se por
selecção é
mudanças ou transformações de maior ou menor medida, depende
praticamente nula. É o caso da adopção de técnicas avançadas, que
dos casos, isto é, dá-se uma reelaboração do novo com os anteriores
implica necessariamente um problema económico; isso faz com que,
elementos, atribuindo-lhe funções e significados diferentes dos
ao lado de técnicas avançadíssimas, sobrevivam técnicas obsoletas,
originais. Uma vez integrado, o novo elemento faz parte da cultura
mas relativamente eficientes.
que o adopta, de uma maneira estável e orgânica.
2.5.1 A cultura é universal
FIGURA N. 7
De fronte a contactos entre culturas diferentes surge o processo de selecção
A CULTURA É UNIVERSAL
que é fundamentalmente um processo de reformulação cultural. Este processo,
composto por uma fase inicial de avaliação dos novos elementos, termina com Grupo social Aspirações Respostas Diferênciação
a aceitaçao ou rejeição dos mesmos na cultura em causa. O resultado é um Sociedade A-B-C Exigências: 1-2-3... Universalidade Expressões

determinado elemento ou elementos culturais que é seleccionado e integrado cultural culturais


na cultura. Daí se afirma que "a cultura é selectiva". Todos os povos... Sentem as mesmas As culturas respon- Os modos de
res-
O processo de reformulação cultural se acentua na sucessão das gerações. necessidades funda- dem de maneira posta são
mentais... lógica, satisfatória diferentes...
Durante o mesmo um núcleo central de valores permanece, alguns valores dos e harmoniosa...
existentes são relegados ao esquecimento e outros novos são integrados. Tal
2.5 A cultura é universal e regional

selecção não é necessariamente consciente e desejada, pode acontecer também


41 A LEROI GOURHAN, Milie tecnique, Paris 1945; cfr. V. L. GROTANELLI, op.cit., p. 60.
inconscientemente.
A cultura é antes de tudo um fenómeno universal. Nunca foi constatado culturais são, de facto, diferentes segundo cada cultura, isto é, o modo de
pela história a existência de seres humanos desprovidos de cultura, pelo que não responder de cada cultura é que é diferente. Por isso é que falamos de
há povos sem cultura nem homens incultos. Qualquer outra afirmação em diferenciação cultural, da existência de culturas diferentes.
contrário é simplesmente entnocentrismo e cegueira intelectual.
AO afirmamos que a cultura é universal queremos referir-nos aos 2.5.2 A cultura é regional
aspectos que são comuns a todas as culturas e que denominamos "universais
Pode-se falar de culturas regionais, não no sentido de que elas sejam
culturais". Se trata dos aspectos da cultura que são atribuídos a todos os de
grupos humanos. ueremos afirmar, em primeiro lugar, que todos os povos diferentes do fenómeno geral de cultura, ou no sentido de serem cultur
sentem as mesmas necessidades de subsistência, de alimentação, de abrigo inferiores, não. Quando falamos de culturas regionais nos estamos a
perante as inclemências do tempo, de defesa dos perigos da natureza e dos referir
animais, da comunicação com os outros seres humanos, da satisfação das se- a formas diferentes de um mesmo fenómeno cultural. São as que também
apetências xuais, da descendência, do respeito, da amizade, da ordem social, chamamos culturas particulares.
da abertura ao transcendente. Não há povos, por pequena que seja a sua Em qualquer cultura particular vamos encontrar as várias instituições
escala, que não sintam tais necessidades. familiares, sociais, políticas, económicas e religiosas. Muito embora elas
Mas, onde, como, quando e com que meios vão satisfazer as referidas representam o carácter universal da cultura, nas suas formas concretas
mais outras necessidades e desejos individuais e sociais? Encontramos a dependem do contexto em que estão inseridas. As denominadas culturas
resposta na cultura. É através da cultura que os seres hunianos encontram os regionais são mais fácil percepção.
instrumentoš adequados em ordem a satisfazer as suas necessidades
fundamentais e secundárias. Dentro •deum grupo cultural é que se encontram 2.6 A cultura é determinante e determinada
os mecanismos apropriados, as normas que regulam todo o comportamento, A cultura faz o homem e este faz a cultura. A cultura se impõe aos indivíduos
as instituições necessárias para que o funcionamento seja eficiente e e estes pouco podem fazer no sentido de fugir aos padrões culturais.
harmonioso. A cultura determina, em parte, o comportamento humano, e dela depende a
Por isso, que, avançando no nosso pensamento, afirmamos que as sua padronização. A herança cultural é suficientemente forte para a
culturas têm respostas lógicas, satisfatórias e harmoniosas para todas as conformação dos hábitos e costumes e o modo de pensar e de agir do homem.
necessidades do ser humano como indivíduo e como membro de uma Nesse aspecto, é correcto dizer que a cultura é determinante para o ser humano.
sociedade. Não há cultura que não responda a tais necessidades. Cada uma É precisamente este carácter determinante da cultura que permite o estudo
das culturas antigas e científico do compðrtamento, que visa a regularidade ou leis do comportamento
de agora, responderam à exigências da alimentação dos seus membros, humano; o status social do qual depende a normalização do comportamento; e o
todas cnaram as próprias línguas, que permitiram comunicar-se entre eles; próprio comportamento no seu devir contextualizado.
todas organizaram a vida social e a economia e o exercício do poder em A cultura é também determinada pe o omem Ele é o agente activo da própria
benefício de todo o grupo; regulamentaram a vida sexual e o parentesco; e cultura. As mudanças culturais as geralmente pelas modificações geofísicas,
cultivaram a abertura ao transcendente. Não se pode afirmar que haja sociais, demográficas, económicas ou políticas, encontram no homem o
sociedade onde estes aspectos fundamentais do ser humano em sociedade não condutor nato dos processos em causa; pelo que a nova reformulação obtida é o
estejam padronizados. resultado da acção dos indivíduos de cada geração. De facto, cada geração vai
As respostasconcretas, que as culturas deram a estas necessidades, processando as própria reformulações culturais.
diferem umas das outras. As expressões que materializaram as respostas
Determinada geração pode modificar sua cultura? A cultura representa o a visão do mundo. Significados do mundo, da natureza, do
esforço adaptativo do homem frente à realidade que o cerca: à cultura cabe o universo todo, as crenças do povo, a sua explicação ou respostas
domínio do meio ambiente, a da sobrevivência humana e do conforto, bem aos porquês profundos, a abertura ao transcendental;
como a satisfação humana, seja no domínio da estética, da inteligência, da
biologia ou do transcendental. c. significados morais:
2.7 Cultura e sub-cultura a ética. Os significados dos valores, o que é desejável, bom, belo; e
o contrário, não desejável, não bom, não belo: os valores, a ética.
2.7.1 Esquema:
2.8.2 As consequências comuns destes significados:
CULTURA
a previsibilidade: o padrão normalizado permite-nos
SUB-CULTURA
POLÍTICA prever um certo tipo de comportamento em vez de um
ECONOMIA outro;
RELIGIÃO
2.7.2 Explicação a mudança social é uma mudança no mundo do

O uso do termo sub-cultura não significa que se trate de uma cultura pensamento, e segue-lhe uma mudança no modo de agir;
a pessoa humana torna-se cultural através do processo
inferior. Não. Não tem uma conotação valorativa.
de aprendizagem (enculturação ou endoculturação);
Também devemos dizer que não está unida ao problema do espaço.
cada um torna-se o que é, em grande parte, devido aos diversos acontecimentos
A sub-cultura quase sempre se identifica com a cultura regional ou históricos, mas sempre existe a possibilidade de mudar, pois o ser humano é
com parte da cultura nacional. fundamentalmente livre;
A sub-cultura em certas sociedades pode estar ligada a certos estratos
todas as culturas, enquanto culturas, são iguais; habituemo-nos a pensar deste
sociais, castas ou classes sociais.
modo: nós e outros, os outros e nós; o que nós fazemos, fazem-no também os
As sub-culturas são partes constitutivas da cultura global outros em outras partes;
considerada.
normas: ideias e conceitos sobre como se devem comportar os indivíduos; são
2.8 Aspecto cognitivo da cultura transmitidas; em geral são aceites e partilhadas pelos membros de uma
2.8.1 Podemos distinguir três aspectos: sociedade; e são precisadas pela tradição; valores: são parâmetros para julgar o
comportamento; sanções: ajudam a manter os valores e observar as normas.
a. significados operativos:
a normativa:São os significados de como agir, procuram a maneira
justa de agir;
b. significados cosmológicos:
2.7.2 Explicação a mudança social é uma mudança no mundo do
pensamento, e segue-lhe uma mudança no modo de
O uso do termo sub-cultura não significa que se trate de uma
cultura inferior. Não. Não tem uma conotação valorativa. agir; a pessoa humana torna-se cultural através do
Também devemos dizer que não está unida ao problema do espaço. processo de aprendizagem (enculturação ou
A sub-cultura quase sempre se identifica com a cultura regional endoculturação);
ou com parte da cultura nacional.
cada um torna-se o que é, em grande parte, devido aos diversos
A sub-cultura em certas sociedades pode estar ligada a certos estratos
acontecimentos históricos, mas sempre existe a possibilidade de mudar,
sociais, castas ou classes sociais.
pois o ser humano é fundamentalmente livre;
As sub-culturas são partes constitutivas da cultura global
considerada. todas as culturas, enquanto culturas, são iguais; habituemo-nos a pensar
deste modo: nós e outros, os outros e nós; o que nós fazemos, fazem-no
2.8 Aspecto cognitivo da cultura também os outros em outras partes;
2.8.1 Podemos distinguir três aspectos: normas: ideias e conceitos sobre como se devem comportar os indivíduos;
a. significados operativos: são transmitidas; em geral são aceites e partilhadas pelos membros de uma
a normativa:São os significados de como agir, procuram a sociedade; e são precisadas pela tradição; valores: são parâmetros para julgar
maneira justa de agir; o comportamento; sanções: ajudam a manter os valores e observar as
b. significados cosmológicos: normas.
a visão do mundo. Significados do mundo, da natureza, do
universo todo, as crenças do povo, a sua explicação ou
respostas aos porquês profundos, a abertura ao
transcendental;
c. significados morais:
a ética. Os significados dos valores, o que é desejável,
bom, belo; e o contrário, não desejável, não bom, não belo: os
valores, a ética.

2.8.2 As consequências comuns destes significados:


a previsibilidade: o padrão normalizado permite-
nos prever um certo tipo de comportamento em
vez de um outro;

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