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Disciplina: História da América II

Docente: Rafael Cupello Peixoto

Discente: Gianluca Salvarezza

O filme “Lincoln”, apesar de levar o nome do 16º presidente do Estados Unidos, não é
um filme biográfico. O mesmo retrata, na verdade, o empenho do então do presidente e seus
aliados em abolir a escravidão nos Estados Unidos.

O contexto em que se passa o filme é a Guerra de Secessão, em que sulistas e nortistas


divergiam sobre a questão da escravidão no país. Essa guerra “dividiu u a União criada pela
Declaração da Independência (1776) e pela Constituição norte-americana (1787) em duas
regiões distintas: o Norte livre e o Sul escravista.” 1 Mas, apesar disso, o longa não mostra cenas
de guerra, este é apenas o pano de fundo em que a história se constrói. O foco são as
manobras políticas em torno da aprovação da 13ª emenda.

Para a compreensão do filme, é necessário ter conhecimento dos motivos que levaram
à Guerra de Secessão, retomando pontos importantes da história dos Estados
Unidos. Sabemos que o território que deu origem aos Estados Unidos foi dividido desde o
princípio em seu processo de colonização. Enquanto os estados do Sul eram fortemente
marcados pela sua capacidade agrícola, utilizando-se da mão de obra escrava para sustentar a
sua economia, os estados do Norte desenvolveram outras capacidades econômicas, valendo-
se, majoritariamente, da mão de obra livre e assalariada.

No momento da independência dos Estados Unidos podemos perceber certa


aproximação entre as duas regiões em torno de um interesse em comum: a autonomia em
relação à Inglaterra. Ambas partilhavam, inclusive, do mesmo temor: “o de que um movimento
pela independência acabasse virando um conflito interno incontrolável, em que os negros ou
pobres interpretassem os ideais de liberdade como aplicáveis também a eles.” 2

Após o processo de independência as diferenças entre o Norte e o Sul acentuaram-se


novamente, os interesses manufatureiros do Norte, influenciados pela Grã-Bretanha 3,
apoiavam tarifas e protecionismo, enquanto os plantadores do Sul exigiam livre comércio.
Ademais, como nos mostra Parron, “protecionismo e abolicionismo se complementavam” 4, o
que fez com que nortistas e sulistas divergissem em mais uma questão: a escravidão. Mas,
apesar dos estados do Norte se posicionarem contrários à escravidão, isso não significava uma
crença na igualdade social. Esse ponto, inclusive, é abordado no filme.

Stevens, um personagem que, diferente da maioria, acreditava na igualdade racial,


teve que negar o seu pensamento diante do Congresso a fim de conseguir mais apoio para a
causa. Isso porque, se a emenda passasse a ser vista como um passo na tentativa de conseguir
1
IZECKSON, Vitor, "Escravidão, federalismo e democracia: a luta pelo controle do Estado Nacional norte-
americano antes da Secessão. In: Topoi, Rio de Janeiro, mar. 2003, p.47-81, p.47.
2
KARNAL, Leandro. O processo de independência/ A ruptura e o novo país. In (et al.). História dos
Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2007, p. 71-97, p.83.
3
Ver mais em: PARRON. Tâmis Peixoto. “A política da escravidão nos Estados Unidos”. In: ________. A
Política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba, 1787-1846. Tese (Doutorado
de História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2015, p. 224-266.
4
Ibidem, p.243.
a igualdade completa das raças branca e negra, não haveria nenhuma chance de ser aprovada.
Eles precisavam afirmar que buscavam somente a igualdade perante a lei.

Retornando ao contexto em que se passa o filme, o presidente Lincoln tinha pressa em


aprovar a 13ª emenda – que extinguiria a escravidão do país – antes de um eminente acordo
de paz entre as duas regiões em guerra, pois isso poderia anular as leis favoráveis à abolição já
instauradas pelo presidente no período de guerra.

Assim, o presidente e seus aliados dão início a uma verdadeira corrida para a
aprovação dessa emenda no Congresso, que era dividido entre republicanos e democratas.
Uma das estratégias utilizadas é a de se concentrar sobre os democratas que estão de saída do
congresso, que poderiam dar o seu voto sem o peso da preocupação de uma reeleição. Outra
tática era a de oferecer cargos para esses políticos, uma vez que estariam sem emprego em
breve.

O clímax do filme ocorre já no momento da votação da lei no Congresso, quando um


boato que circulava sobre haver representantes da Confederação em Washington prontos
para discutir a paz é anunciado diante de todos, fazendo com que democratas e republicanos
conservadores começassem a defender o adiamento da votação sobre a emenda. No entanto,
o recado rapidamente chega ao presidente Lincoln, que prontamente nega a informação,
mesmo sendo verdadeira. Assim, há continuidade na votação.

Por fim, em meio a dificuldades e muito suspense, a lei é aprovada no país. No


entanto, o filme mostra que, tempo depois, o presidente Lincoln foi assassinado por sulistas
inconformados.

Quanto a produção do longa, o mesmo foi produzido e dirigido por um dos diretores
mais conhecidos dos EUA, Steven Spielberg, biografia Team of Rivals: The Genius of Abraham
Lincoln, escrita pela historiadora vencedora do Pulitzer Doris, Kearns Goodwin. Um ponto
importante a ser destacado em relação ao seu contexto de produção é que o filme foi lançado
em um momento próximo a reeleição do primeiro líder negro na presidência do país, Barack
Obama. O diretor chega a fazer alusão a Lincoln quando falar sobre Obama em uma entrevista,
dizendo que

Obama é também fruto de uma emancipação racial que


Abraham Lincoln não teve tempo de ver aplicada, embora
tenha lutado por ela. E aí entra uma questão que nos leva até a
eleição: o daltonismo social e racial do meu país, que não
amaciou em nada a vida dos negros mesmo depois de eles
conseguirem a sua liberdade. Até Obama chegar, nunca houve,
na presidência, um líder que fosse uma espécie de sucessor
ideológico de Lincoln em seu olhar para os negros. Imagino
como esta nação teria sido diferente, talvez melhor, se ele
tivesse vivido 20 anos mais.5

5
Entrevista de Steven Spielberg ao jornal “O Globo”. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/cultura/steven-spielberg-fala-de-lincoln-favorito-ao-oscar-ao-globo-de-ouro-
7205885>
Um ponto importante a ser destacado é que Barack Obama integrava o Partido
Democrata, enquanto Lincoln era líder dos republicanos. Dessa forma, o filme também traz
uma reflexão sobre como o cenário político se altera com o tempo. No período apresentado na
obra de Spielberg, os republicanos eram anti-escravagistas, enquanto os democratas eram os
conservadores e não aceitavam a igualdade entre as raças. No entanto, os EUA passaram por
grandes transformações políticas desde então. Parte do Partido Democrata fundiu-se ao
Partido Republicano, fazendo com que o último se tornasse mais conservador; por outro lado,
o Partido Democrata adotou um viés mais progressista, invertendo assim a base de cada
partido, como apresentado no filme.

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