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PentagramA

2003 número 3
Revista bimestral do
Lectorium Rosicrucianum

A SABEDORIA É A VERDADE VIVIDA

RETORNO AO NÚCLEO ESPIRITUAL

A VOZ DA ETERNIDADE RESSOA NO SILÊNCIO

“Ó MEU CORAÇÃO, MORRE OU CANTA”

O SEGREDO DO SOL

A ROSA DO CORAÇÃO ESTÁ DESPERTA

SOHRAVARDÎ E O CAMINHO DA ILUMINAÇÃO

“A VIA SECRETA PARA O INTERIOR”

A RADIOATIVIDADE: BÊNÇÃO OU PERIGO MORTAL?


PENTAGRAMA

A sabedoria é ÍNDICE

2 A SABEDORIA É A VERDADE
a Verdade vivida VIVIDA

8 RETORNO AO NÚCLEO
ESPIRITUAL
“O rosacruz é um filósofo e um
12 A VOZ DA ETERNIDADE
alquimista. Filósofo porque ama RESSOA NO SILÊNCIO

incondicionalmente a Verdade; alquimista 15 “Ó MEU CORAÇÃO, MORRE


OU CANTA”
porque libera a Verdade e transforma
18 O SEGREDO DO SOL
as trevas em luz.”
24 A ROSA DO CORAÇÃO ESTÁ
DESPERTA

27 SOHRAVARDÎ E O CAMINHO
DA ILUMINAÇÃO

34 “A VIA SECRETA PARA


O INTERIOR”

40 A RADIOATIVIDADE:
BENÇÃO OU PERIGO
MORTAL?

ANO 25
NÚMERO 3
A sabedoria é a verdade vivida

“Naquela hora, aproximaram-se de Deus. Ser adulto é se converter, se


Jesus os discípulos, perguntando: voltar para o interior, se voltar para
Quem é, porventura, o maior no reino tornar a ser um filho de Deus.
dos céus? E Jesus, chamando uma Em primeiro lugar, é preciso voltar-
criança, colocou-a no meio deles. E se para o interior. E não podemos fa-
disse: Em verdade vos digo que, se não zer essa conversão senão quando nos
vos converterdes e não vos tornardes tornamos verdadeiramente adultos,
como crianças, de modo algum entra- quando nossa viagem terrestre finda e
reis no reino dos céus. Portanto, aque- chegamos no fim, na fronteira, quan-
le que se humilhar como esta criança, do nos tornamos um habitante do li-
esse é o maior no reino dos céus.” mite, um cidadão de Éfeso. No livro
(Mateus, 18:1-4) A Gnosis em sua atual manifestação*,
J. van Rijckenborgh diz que Éfeso é
uma cidade que se encontra no limite.
H á duas missões a serem realizadas: Um efésio habita no limite. Ele bebeu
em primeiro lugar, se converter, de- até a última gota a taça agridoce da
pois voltar-se, e somente então se tor- existência terrena e está pronto para
nar como as criancinhas. Tornar-se se voltar. No Apocalipse, é dito ao an-
uma criança remete à pergunta de sa- jo da igreja de Éfeso: lembra-te de on-
ber o que quer dizer tornar-se um de caíste, arrepende-te e pratica tuas
adulto. Afinal, Jesus se dirige a adul- primeiras obras.
tos. Será que são pessoas realizadas?
Será que isso corresponde a uma ida- Ofertar-se à eternidade
de precisa, a uma posição social?
Decerto não. Jesus tem outra coisa em Quem se torna adulto pode voltar-
mente. Quando nos tornamos verda- se para a Luz. Ser adulto significa pri-
deiramente adultos? Quando termi- meiro saber que a mônada é o filho da
namos de nos desenvolver segundo a Luz e que essa concepção encerra a
natureza, quando findou a viagem chave da libertação. É entregar-se ao
através da matéria, de encarnação em filho da eternidade que está em nós.
encarnação, quando, no final de todas Ser uma criança significa ter confian-
essas experiências, nos dizemos: Estou ça, viver se entregando e alimentando
saturado, não preciso ver mais nada, um profundo anseio. Confiança e en-
porque não há mais nada para ser vis- trega ao dispensador da vida, e como
to. Quando, do mais profundo de diz Pedro em sua primeira epístola
nosso coração, sentimos que não so- (2,2): desejai o puro leite espiritual.
mos um filho da terra, mas um filho Trata-se de confiar na base original di-
de essência divina. Um filho da eterni- vina, no verdadeiro doador de vida.
dade. Ser adulto é chegar à consciên- Significa entregar-se a esse fundamen-
cia de que o ser interior é um filho de to do Todo que penetra e carrega tu-

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do. Para isso, é preciso uma aspiração beber o leite puro, ele aspira à Ver-
irreversível pela Verdade, pelo “leite dade, a única verdade divina. Filósofo
puro”. Essa é a assinatura da filiação significa: aquele que ama a sabedoria.
divina. O verdadeiro filósofo ama a Verdade
Aquele que, depois de ciclos e ci- e a Sabedoria. Sem a Verdade, a vida é
clos de existência, se tornou adulto, se vazia para ele. Somente a Verdade é Perdido em seus
tornou, portanto, um filósofo, um al- libertadora. Mas o que é a Verdade? pensamentos. James
quimista. Como a criança que quer Seu sentido usual não é filosófico. Whistler, 1859.

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gia cristalizada. Podemos dizer que a
quintessência de toda e qualquer coisa
é energia, Luz. A verdade é: Deus é
Luz. Fora de Deus não há nada por-
que Deus é o infinito, a onipresença.

Transformar as trevas em luz

O rosacruz é um filósofo e um al-


quimista: filósofo em virtude de seu
amor imperecível à Verdade; alqui-
mista porque liberta a Verdade e
transmuta as trevas em luz. A Sabedo-
ria é, portanto, a verdade vivida. A Sa-
bedoria é viver diariamente a Verda-
de, comprovando-a mediante atitude
de vida. Isso é converter-se e voltar-
se. Por isso é dito: Arrepende-te e pra-
tica as primeiras obras.
O fruto da sabedoria é a alquimia.
O fruto da verdade vivida é a trans-
mutação, a transformação da totalida-
de do ser até o sangue, até a menor
célula corporal. Assim, há três coisas:
a Verdade, a Sabedoria e a Alquimia.
Essa é a via do pesquisador da verda-
de íntegro e a marca da filiação divina.
A verdade é: Deus é Luz, tudo é Luz.
A Sabedoria é: realizar essa verdade na
vida cotidiana. A Alquimia é: o efeito
da única sabedoria no seu próprio ser
Não é nem um conceito, nem um e no mundo circundante; reconduzir a
dogma, nem uma teoria. A Verdade é energia prisioneira do mundo tridi-
“Força”. É a força divina. A Verdade mensional para seu estado original.
é a Luz, na origem de tudo, em tudo e A aspiração pela verdade vem antes
através de tudo. A Verdade é, sob de tudo. Ela abre a porta. A Verdade
qualquer forma ou não forma, tudo o faz da vida sabedoria, e o resultado
que é Luz. A Luz é a energia univer- dessa vida é alquimia. Aquele que as-
sal divina. Tudo o que é visível ou sim vive na sabedoria é uma benção
invisível é constituído de energia cós- para si mesmo e para os outros. Ele
mica. O mundo material é constituí- liga o outro à filiação divina sem que
do de energia universal materializada. sua própria vontade interfira. Aqueles
O mundo físico, o homem material e que aspiram à verdade estimulam-se
tudo que corresponde a ele são ener- mutuamente a servir de exemplo para

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outrem. No entanto, isso pode acabar sim há a Verdade, a Luz, a Força e o João, a
mal. Mostrar o exemplo sem o querer Amor, palavras diferentes designando personalidade
ser é bom. Porém, querer ser um uma só e mesma realidade. nua, repeliu todo
o terrestre e diz a
exemplo sem sê-lo verdadeiramente A verdade interior vivente liberta.
Cristo: Emana de
induz ao erro, tanto a si mesmo como A sabedoria é, portanto, uma radia- mim. Cristo, a
aos outros. A personalidade pretende ção. Ela é perceptível. A luz possui Alma-Espírito,
ser um exemplo, reivindica-o e diz uma ação magnética. Quando todas sobe a escala de
para si mesma: É preciso que eu seja as facetas são reunidas, podemos falar treze degraus e
um exemplo. Quero ser uma pessoa de campo de vida, de um corpo vivo, carrega os
pecados do
ideal e todo mundo deve saber. É meu no qual o pesquisador da verdade, da
mundo. Ao pé da
dever. O grande perigo nessa história sabedoria, da luz e do amor encontra escada, Maria
é que o eu comece a desempenhar um seu caminho. Esses quatro elementos, Madalena segura
“novo” papel, porém são muitos os uma vez libertados, formam uma a taça do Graal.
que hoje, sobretudo entre os jovens, escola iniciática na qual o habitante Wouter Crabeth
percebem isso claramente. Eles são do limite adquire o poder de transpor (1530-1590?),
vitral, Gouda,
hábeis em discernir o que é autêntico a fronteira.
Holanda.
e o que não é. Eles percebem que tal Luz, Força de atração e Vida cami-
ou tal pessoa exemplar é falsa, que ela nham juntas. Embora infinitamente
representa um papel e violenta a ver- diversificadas, elas formam uma uni-
dade. Um verdadeiro exemplo não dade. Juntas elas possibilitam a trans-
provém da personalidade. Aquele que formação alquímica. Verdade é Luz,
se tornou “adulto”, no sentido descri- Luz é Força, Magnetismo e Vida.
to aqui, que compreendeu a filiação Tudo isso reunido é o Amor. Aquele
divina, só sujeita sua vida à imagem que é animado pelo Amor encontrará
perfeita no seu coração. Diretamente em tudo a Sabedoria. Em todas as cir-
do interior provém o exemplo. A cunstâncias, em todos os encontros,
imagem espiritual original é de onde em todos os acontecimentos por mais
surge o exemplo. insignificante ou por mais importan-
tes que sejam, em todos os impedi-
Conhecimento de primeira mentos e dificuldades, em todas as
ou de segunda mão? surpresas, em todas as alegrias, em
uma palavra, um olhar, um gesto, um
Assim, a sabedoria é a verdade vivi- acaso, ele experimentará a sabedoria.
da. Seguir regras e adotar uma linha Afinal tudo, em qualquer nível de ma-
de conduta é totalmente diferente, sig- terialidade que seja, resulta da força.
nifica viver por procuração, ou seja, Tudo no mundo é matéria para inicia-
de segunda mão. Algumas vezes útil e ção, para aquele que vive, enquanto
muitas vezes necessário, isso pode ter adulto, plenamente consciente na
uma função durante um certo tempo. filiação divina.
Mas a verdadeira sabedoria é a verda-
de na nossa vida, e a verdade vivida Dar forma à transmissão
representa força, a única força que
realmente existe e da qual tudo pro- O campo no qual Verdade, Sabedo-
vém. Essa força se chama Amor. As- ria, Força e Amor estão em atividade,

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“Na mão direita,
ele segurava um
clarim de ouro
puro [...] na mão
esquerda, um
grande maço de
cartas, escritas em
várias línguas que
ele devia, como
soube mais tarde,
levar para todos os
países.” Johfra,
1967, ilustração
d´As núpcias
alquímicas de
Christian
Rozenkreuz,
de J. van
Rijckenborgh.

transmite informação. A palavra “in- mesmo com o campo magnético aqui


formar” não significa somente com- descrito. A informação é recebida
portar dados, porém quer também pela respiração magnética das células,
dizer formar, dar forma à transmissão. pelo corpo, e também pelos corpos
O processo alquímico é um processo sutis. Mediante a transmissão é dada
de in-formação. Acontece algo na uma forma específica à mensagem ou
forma. E antes de tudo na forma que então são trazidas modificações a uma
é o próprio homem. Em todas as célu- antiga forma.
las do corpo se encontra material O que fazemos ou deixamos de fa-
magnético sensível, material que se zer, nossos pensamentos, nossos sen-
encontra muito concentrado, por timentos e tudo que ocorre dentro de
exemplo, no cérebro, que é constituí- nosso corpo são em parte determina-
do de bilhões de células. Acontece o dos por essas informações magnéticas

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e por processos de assimilação. lhante. Esse poder é dado aos que são
Fala-se do auxílio secreto dos rosa- capazes de utilizá-lo da única justa
cruzes. Esse auxílio fundamenta-se na maneira. As condições são:
realidade do Amor. Aquele que se • viver da verdade;
tornou adulto experimenta interior- • dissolver-se na sabedoria e crescer;
mente a realidade do filho divino; o • e pela verdadeira alquimia, renascer.
filho da verdade se alimenta dessa ver-
dade e é o que se chama um homem Paradoxo divino
sábio. Emana dele algo de especial
que representa a ajuda secreta para E Jesus disse: Em verdade vos digo
todos os que a procuram, ajuda trazida que, se não vos converterdes e não vos
de modo desinteressado e impessoal. tornardes como crianças, de modo al-
A vontade e as motivações da perso- gum entrareis no reino dos céus. Por-
nalidade não mais intervêm. Um tal tanto, aquele que se humilhar como
homem se converteu, retornou e se esta criança, esse é o maior no reino
entregou completamente a essa nova e dos céus.
renovadora força. Ele não é nem mais O mais humilde é o maior. Tal é o
nem menos que um instrumento. paradoxo divino. Eu, o adulto, devo
Portanto, o auxílio secreto não pro- diminuir. Assim, Ele, o Outro em
vém da pessoa. O eu permanece fora mim, pode se tornar adulto. É uma
de tudo isso. Essa é a razão pela qual reversão radical. O homem adulto se-
o auxílio é considerado secreto. gundo a natureza deve se tornar pe-
queno, diminuto, humilde e submis-
Palavras podem propagar a Luz so. Ele deve decrescer para que a
criança de Deus nele cresça e se torne
A sentença a palavra é de prata, o adulta. Ele se tornará o maior no rei-
silêncio é de ouro possui um sentido no dos céus. O maior no seu próprio
profundo insuspeitado. A ajuda se- céu microcósmico que é uno com o
creta é trazida na calma e no silêncio. microcosmo divino. Não diremos
A fala é apenas um sustentáculo. Di- mais és pó e ao pó voltarás. Porém, Tu
zem que a prata é, de todos os metais és luz e voltarás a ser luz.
nobres, o que melhor reflete a luz. Ela O filho de Deus é o maior porque
reflete noventa e cinco por cento da sabe que é uno com o Pai; uno com a
luz. Como a prata, as palavras refle- Fonte universal divina, uno com o
tem e propagam a luz. Entretanto, Infinito. Nada é maior que o Infinito.
mesmo as palavras mais puras não Essa grandeza é compartilhada pelo
podem refletir a totalidade da luz e filho da Luz.
nem transmiti-la. Somente o ouro po-
de. O auxílio secreto é ouro. As pala-
vras são, no máximo, prata. A grande
obra provém do silêncio, o resto é
somente sustentáculo.
A verdade, a luz e o efeito magnéti-
co vivente formam uma unidade que é
o Amor. Quando nos tornamos cons-
cientes disso, adquire-se realmente o
poder de realmente servir o seme-

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Retorno ao núcleo espiritual

Perder o contato com o núcleo espiri- so. Perder a consciência de centro


tual significa mergulhar no sofrimen- espiritual equivale a uma separação da
to, na adversidade e no despedaça- ordem universal divina. As mônadas
mento. A tendência obstinada à expe- rompem o contato com o Sol espiri-
rimentação, em um mundo de contra- tual e se enredam nas esferas mais
dição, confronta a humanidade com densificadas. A reminiscência dessa
os seus limites. Separado de sua fonte ligação rompida com o campo de vida
espiritual interior, o homem aprende do Sol espiritual pode ser ativada pela
de maneira inexorável, freqüente- prática de um “culto a Deus autênti-
mente trágica, o significado oposto do co”. Em sua origem, todas as religiões
bem e do mal. solares eram consagradas ao campo
espiritual central.

O homem emite de seu cérebro uma A Luz se retira


força de investigação, a fim de com-
preender o mundo dos fenômenos, Entretanto, quando os sacerdotes
ordená-los, moldar a matéria, ora de um culto perseguem seus próprios
construindo, ora destruindo, e isto interesses, ele se cristaliza. A respira-
sem levar em conta o princípio nu- ção divina cede a vez à energia huma-
clear do ser, sem ligação com a árvore na que, não sendo eterna, assina a sen-
da vida. Assim, os frutos da árvore do tença de morte de um tal culto. Uma
conhecimento do bem e do mal não vez rompido o contato com a Fonte
têm nenhum valor constante. Pen- original, a Luz se retira e as trevas
sando apenas em função da lei dos envolvem o coração dos extraviados.
opostos, sem beber da fonte espiri- Esse processo de extinção lhes é fatal.
tual, o homem é conduzido direta- Eles não mais estão em harmonia com
mente ao declínio e à morte. O cen- o campo de vida original do qual se
tro, a Fonte, é a porta por onde entra desviaram. Doravante, o seu domínio
a energia universal. Essa concentração de existência está submetido à lei da
de Inteligência e de Bondade supre- “dualidade”. É o mundo do “subir,
mas, não humanas, deu nascimento a brilhar e fenecer”, onde todas as cria-
todos os mundos, através de incalcu- turas nascem, fazem suas experiências
láveis fases de condensação. e morrem. Denomina-se o estado de
Mas existe também uma contra ruptura do microcosmo com o mun-
criação, isto é, uma parte do universo do original a “primeira queda”. Este é
onde reina a decadência e a morte, o estado da humanidade atual, cujos
que entra em atividade quando uma microcosmos se precipitaram na ma-
onda de vida, proveniente do seu cen- téria, rompendo a ligação com a ori-
tro, não vibra e nem respira mais no gem. A noção de “queda” está presen-
mesmo ritmo do restante do univer- te no sangue de toda a humanidade.

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Através de sua peregrinação, seu Luz. Se sua rendição ao núcleo espiri-
errar através da matéria, a humanida- tual é total, ele aprende a discernir o
de viu nascer grandes civilizações e “mal” e a não mais reagir a ele, nem
muitos sistemas religiosos. Essas eta- mesmo ao suposto “bem” deste mun-
pas intermediárias, rituais e culturais, do. No fogo cruzado das forças opos-
tencionadas para que o homem pu- tas, mantém-se de pé, sólido como
desse tomar consciência do seu desti- uma rocha, completamente voltado
no, cristalizaram-se sempre mais e em direção à Fonte interior. E, como
mais, por falta de discernimento, em Jesus, ele descerá ao reino dos mortos
uma política autoritária, resultante de e ressuscitará no estado de homem
uma vontade de auto-afirmação. Mas Alma-Espírito e se elevará ao plano
as cristalizações causadas pelos inte- universal. As almas libertas, que se
resses pessoais, aqui embaixo e do sacrificam à Luz, estabelecem os fun-
lado de lá do véu, no além, não são damentos a partir dos quais todas as
irreversíveis. Mesmo que elas subsis- almas podem ser recebidas novamente
tam a alguns decênios, séculos ou no alento do Espírito. Um ser liberto
milênios, acabarão por desaparecer, não ambiciona nenhuma posição de
permitindo ao microcosmo valer-se poder neste mundo. O reino do Espí-
de novas oportunidades de progresso. rito busca reconduzir a si os inumerá-
No momento atual, a humanidade veis microcosmos perdidos nas trevas.
encontra-se em um período de ruptu- Para isso é necessário que o coração
ra com os valores estabelecidos. Para recomece a vibrar, a respirar, a viver
muitos a vida cotidiana é pontilhada em interação com a Fonte primordial.
por crises e violentas agitações. A ajuda divina é oferecida àquelas
almas que preparam, encetam e per-
O sacrifício do homem liberto correm o caminho de volta ao Lar.

Os últimos dois milênios colocaram A respiração no microcosmo


a humanidade diante do sacrifício do e no macrocosmo
amor divino feito por Cristo para a
humanidade sofredora. Novamente, A inspiração e a expiração são um
esse sacrifício é colocado diante da processo fundamental que ocorre em
consciência sonhadora do homem. todas as esferas do universo. Todas as
Jesus – o Cristo – isto é, a Alma religa- criaturas respiram, desde a menor à
da ao Espírito – impulsiona o homem maior, da mais rudimentar à mais evo-
para a libertação do microcosmo apri- luída. O alento é consciência, a cons-
sionado, em palavras e em atos. ciência é alento. A consciência e o
Aquele que se abre para isso entrega- alento de uma forma de vida que
se conscientemente ao princípio espi- rompeu a ligação com o Espírito vi-
ritual central, ao coração do seu mi- bram no reino da morte, extinguindo-
crocosmo. Ele recebe então como Je- se. Mas, quando uma forma de vida é
sus – e este é um processo gnóstico – a religada ao reino do Espírito, sua res-
pura compreensão de si mesmo e das piração e sua consciência entram em
leis do universo. Mas, também como ressonância com o universo. A imper-
Jesus, ele é confrontado interiormente manência é abolida, em proveito de
e exteriormente com as forças de auto- um eterno desenvolvimento.
conservação que querem rejeitar a Há uma infinidade de ciclos de res-

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piração. Pode-se ver miríades de mi- para que seja franqueada a fronteira
crocosmos emanados da Fonte origi- entre a vida e a morte.
nal como uma expiração, e seu retor- No Ocidente, as escolas sacerdotais
no à Fonte, como uma inspiração. orientam-se menos para a cultura da
Cada expirar e cada inspirar da Fonte respiração e mais para a repressão dos
tem uma duração incomensurável. desejos. Ao reprimir os impulsos bio-
Cada expiração, ou expulsão dos mi- lógicos, a alma deveria encontrar um
crocosmos, é uma criação dinâmica, livre acesso ao plano divino. As conse-
assim como cada inspiração, que li- qüências negativas deste método já são
berta os microcosmos de suas criações conhecidas. O recalque dos desejos
e os reconduz à Fonte da Vida. coloca a razão sob alta pressão e é o
O alento no grande e no pequeno que levou a humanidade a uma sub-
são um formidável mistério, com os missão à ciência. Sua arma predileta é
quais todos que buscam o retorno se- o pavor concreto, resultado da desar-
rão confrontados. As escolas de sacer- monia entre a cabeça e o coração. O
dotes das religiões orientais treinam e intelecto aguçado e suas especulações
cultivam a respiração, a fim de levar a são a origem de numerosos transtor-
alma a níveis de consciência superio- nos psíquicos e físicos. Denomina-se a
res. Mas a alma lá fica retida, porque isto “stress”. Busca-se compensação
este caminho não fornece o passapor- no esporte, no sexo, nos divertimen-
te para entrar no reino do Espírito. tos. É uma engrenagem que não favo-
A Rosa desabrocha
Para receber o passaporte, é necessário rece de modo algum o restabelecimen-
e irradia luz. que a alma restabeleça a ligação com a to da ligação com a Fonte espiritual
Ilustração fonte primordial da Vida, saciando-se primordial e não reaproxima, nem um
Pentagrama. e purificando-se. Esta é a condição pouco que seja, a alma de seu Criador.

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Nem a repressão dos desejos, nem os exerce irresistível coação. Magia extre-
exercícios de respiração, nem a ciência, mamente perigosa que aprisiona as
nem os cultos dogmáticos, nem o êx- almas nas redes de uma morte espiri-
tase místico libertam a alma do seu apri- tual. Muitas pessoas tornam-se prisio-
sionamento. Desde a noite dos tempos, neiras da armadilha da teia eletrônica,
o homem esbarra no muro de suas ilu- espalhada em torno do planeta, leva-
sões. E por quanto tempo ainda? das pela curiosidade e obsessão por
informações. A era digital tem, sem dú-
Inversão da polaridade vida, suas vantagens, mas pode sufocar
respiratória no homem o último vestígio da cons-
ciência de sua origem divina.
A humanidade está em um ponto
de reversão. O retorno em direção à A Rosa de Ísis desperta
Fonte, a fase de inspiração, começou. A no coração
mitologia egípcia conta que Ísis (a mãe
original) reuniu os pedaços de Osíris A Luz entra em contato com a cen-
(as centelhas de Luz do Espírito solar) telha espiritual no homem, despertan-
espalhados por Seth (princípio do fra- do muitos. Os homens tomam cons-
cionamento infinito) para reconstituir ciência, cada vez mais, do perigo que
um Ser vivente. A divisão é abolida. ameaça suas almas e procuram esca-
Mani, o mestre espiritual persa do ter- par das inúmeras teias enleantes. Vol-
ceiro século depois de Cristo, dizia tam seu anseio em direção à Verdade,
que, ao fim dos tempos, todas as cen- a verdade absoluta que não é imposta
telhas de Luz serão reunidas para for- por nenhuma autoridade, e esse dese-
mar uma coluna de Luz. Esse proces- jo atrai forças sublimes. Tornando-se
so de renovação alquímica já começou mais e mais conscientes, descobrem o
há muito tempo e toca o coração de caminho que conduz ao núcleo espi-
cada homem. ritual do seu microcosmo.
Atualmente a humanidade encontra- Na fase de inspiração, que agora
se em um período de mudanças revo- tem início, todos os microcosmos são
lucionárias. No mundo inteiro a sepa- chamados e reunidos. Mas as forças
ração entre a Luz e as trevas torna-se que os querem reter entram também
flagrante. O materialismo, a tecnocra- em ação. Estas forças têm muitos alia-
cia e a globalização aprisionam as jo- dos, que oferecem seu auxílio em to-
vens gerações em um campo de vibra- das as espécies de domínios. A quem
ções primitivas, ao nível do incons- escutar? O caminho mais seguro é o
ciente. Então é muito fácil manipulá- do silêncio interior perfeito. Mas isso
las e vitimá-las. parece de uma dificuldade insuperá-
Tensões, doenças físicas e psíquicas, vel, no meio dos clamores deste mun-
relações humanas caóticas se desen- do. Não obstante, a senda abre-se dian-
volvem por toda parte. Por exemplo, te daqueles que conseguem acalmar a
nas discotecas, a trepidação dos ritmos cabeça e o coração e assim escutam o
e a repetição sem fim de seqüências murmúrio da Rosa. Este caminho tem
sonoras despertam desejos e instintos início no ponto de contato do Es-
primitivos e obscurecem a consciên- pírito no coração do microcosmo, na
cia, levando-a ao estado de transe. A rosa do coração. A Rosa fala ao bus-
magia natural dessas baixas vibrações cador e lhe indica a senda a seguir.

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A voz da eternidade ressoa no silêncio

Milhões de pessoas observam um tomada pela argila e modelada é pri-


minuto de silêncio em memória das meiro unida à mente do ceramista.
vítimas de uma ou outra catástrofe Porque então a Alma ouvirá e se re-
natural. No vale do Nilo, gigantescos cordará. E ao ouvido interno falará a
faraós de pedra, testemunhas de civi- Voz do Silêncio.
lizações seculares, fixam o horizonte, A Voz do Silêncio, como indicado
impassíveis. O firmamento estrelado no início do livro, é dedicada “aos
irradia no silêncio da noite. Por que o eleitos”. Ela não se dirige ao homem
silêncio se impõe? Por causa da angús- entregue ao tumulto interior, mas à
tia? Por causa do sentimento de opres- alma que encontrou o silêncio. Aqui,
são, ou de libertação? a noção de silêncio tem um sentido
particular: ele não é perceptível aos
órgãos dos sentidos.
É a valorização do silêncio uma rea- A forma impressa na argila existe
ção à algazarra inimaginável na qual primeiramente no pensamento do
vivemos? As religiões orientais o oleiro. A forma do vaso é uma ima-
associam a técnicas de meditação. Os gem concreta criada pelo pensamento
exercícios de ioga são ligados à práti- do Falante Silencioso. Obra de arte
ca do silêncio. Mas, traz essa prática o única da qual deve dispor o pesquisa-
aprofundamento desejado? Ela nos dor do tesouro espiritual. Nada deve
permite adquirir uma compreensão se interpor entre ele e o Falante Si-
do fundamento de nossa existência? lencioso, nem mesmo a imagem mais
Ela nos leva a uma mudança de com- tênue. É necessário eliminar toda ati-
portamento? Não queremos dizer uma vidade do pensamento, o qual é deno-
mudança momentânea, o tempo de se minado o grande assassino. A ativida-
recompor, mas uma transformação de dos pensamentos é alimentada pe-
radical, uma renovação de todo o ser. los sentidos e é arrastada, de lá para
O que é o silêncio? A ausência de cá, entre os pólos da existência terres-
ruído, de dissonâncias? É a ausência tre. O pensamento está sujeito aos li-
de estímulos cerebrais e sensoriais, mites das alternâncias dos opostos e
como durante o sono? É o vazio, a escravizado às exigências do eu. A
solidão das florestas, das montanhas, Voz do Silêncio continua: Quando ao
dos desertos? tumulto do mundo tua alma desabro-
Eis o que está escrito num trecho chando dá ouvidos; quando à rugente
extraído do Fragmento I do Livro dos voz da grande ilusão tua alma respon-
Preceitos Áureos, traduzido por H. P. de; quando, medrosa ante a visão das
Blavatsky, na Voz do Silêncio: cálidas lágrimas da dor e aturdida
Antes que a Alma possa compreen- pelos gritos de desespero, tua alma se
der e recordar-se, deve estar unida ao recolhe como tímida tartaruga na
Falante silencioso, como a forma a ser carapaça do egocentrismo, sabe, ó

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Discípulo, que do seu Deus Silencioso nele e à sua volta: o mundo da alma e
tua alma é um sacrário indigno. O o mundo da personalidade governa-
homem é prisioneiro de suas próprias da pelo eu.
imagens que formam um mundo de “A Voz magnética que chama aque-
ilusões e o forçam a ver as coisas dife- le que está fatigado.”
rentemente do que elas realmente são. No livro A grande revolução, J.
Supondo que os impulsos do mundo van Rijckenborgh escreve: Ouvir a
não consigam mais atingi-lo – uma voz, no sentido da Bíblia, é algo total-
Estátua da rainha
ilha deserta não dando nenhuma ga- mente diferente. Refere-se ao som
Hatshepsut, no
rantia de isolamento – ele ouviria o que emana do campo de força do rei-
terraço de seu
“Falante Silencioso” e veria a vida tal no imutável, pois cada força possui a templo em Tebas
como ela é na realidade. Ele poderia sua vibração e assim também o seu (Deir-el-Bahari),
constatar que existem dois mundos, som. Esta é a música das esferas con- Egito.

13
O silêncio do sagrada a Deus, que o aluno (o busca- forças divinas, com as idéias do Logos.
infinito é dor da Sabedoria, da Palavra) pode Quando o pensamento se tornou
interrompido por ouvir, quando, no silêncio do seu cora- perfeitamente silencioso na contem-
véus de trevas.
ção dilacerado, houver terminado to- plação do universo insondável, o pró-
Foto Pentagrama.
do o conflito segundo a natureza e to- prio silêncio o perturbará. Para voltar
da luta pela libertação do seu eu. É a a ser silencioso e empreender o cami-
voz magnética que chama o exausto; é nho real, é preciso olhar exclusiva-
a força que concede a verdadeira mente o que se fez até então, antes de
quietude. poder mudar de direção e continuar.
Esse silêncio é a condição essencial
para se dar início ao processo de trans-
formação. O silêncio puro, onde res-
soam a harmonia e a paz, é mais que a
ausência de ruído e de agitação. O
silêncio conduz a alma que se eleva à
sabedoria profunda. No livro XIV do
Corpus Hermeticum de Hermes Tris-
megisto, diz Tat: Não sei de que ma-
triz nasce o verdadeiro homem e de
que semente. E Hermes responde: Da Fontes:
BLAVATSKY, H. P., A voz do silêncio,
sabedoria, que pensa no silêncio. E J.
São Paulo: Pensamento, 1991.
van Rijckenborgh explica em seu li-
RIJCKENBORGH, J. V. E PETRI, C.D,
vro A arquignosis egípcia, volume 4, A grande revolução, São Paulo:
Capítulo XIX: A Sophia está no silên- Lectorium Rosicrucianum, 1986.
cio, que se encontra no espaço original, RIJCKENBORGH, J.V., A arquignosis egípcia,
livre, e todas as partículas dessa maté- v. 4, São Paulo: Lectorium
ria estão carregadas com as grandes Rosicrucianum, 1991.

14
“Ó meu coração, morre ou canta!”

Somente um sino e um pássaro sonha em se libertar da transitorieda-


interrompem o silêncio..., de e fluir no infinito, na eternidade.
como se conversassem com o sol poente. Talvez seja difícil acompanhar a
Áurea quietude, uma tarde talhada inspiração do poeta. Suas palavras for-
no cristal. mam, no entanto, a imagem de uma
Um suspiro de pureza embala as árvores realidade paralela ao mundo transitó-
e, do outro lado, um rio claro sonha; rio e que aí irrompe, realidade essa
destruindo pérolas, que pode aparecer à consciência gra-
liberta-se, fluindo no infinito. ças a uma nova faculdade da alma, no
(J. R. Jiménez, 1881-1958) momento em que o velho sol declina.

A viagem definitiva
O poeta espanhol Juan Ramón Jimé-
nez descreve o estado de alma que o E eu irei, e os pássaros permanecerão
penetra no momento em que nele e cantarão,
surge o pressentimento da existência e meu jardim continuará com sua
de um outro mundo mais sublime. árvore verde e sua branca fonte.
A beleza de uma paisagem sob um Cada tarde o céu será azul e pacífico
radiante sol de tarde de verão leva e os sinos do campanário soarão
interiormente o poeta à inspiração. como nesta tarde.
Ele expressa estes versos sob a in- Aqueles que me amavam falecerão,
fluência de uma força especial. e a aldeia, a cada ano, se renovará,
Desperto em uma outra realidade, e nesse canto de meu jardim de flores
bem diferente do mundo habitual, brancas meu espírito vagueará ébrio
com os seus fluxos e refluxos perpé- de nostalgia...
tuos de conflitos e desejos, ele ouve o
silêncio da onipresença com aquela Pode-se pensar, em uma primeira
intensidade somente alcançada pelo abordagem, que Jiménez descreve
apaziguamento dos pensamentos e sua morte próxima. Mas por que
das emoções. então dá a esse poema o título A via-
Jiménez experimenta como que gem definitiva? Por que escreve:
uma quietude áurea na qual entra em Aqueles que me amavam falecerão e
contato com algo de natureza espiri- por que não fala de sua própria mor-
tual; sentimento cuja radiação se pro- te? Estes versos testemunham um
paga para o exterior dele e que ilumi- desejo intenso de conhecer uma ou-
na a natureza como um cristal. Ele tra realidade, que desperta em cada
percebe como uma corrente translú- um daqueles que vivenciam os limi-
cida de inúmeras almas puras sonha, tes mais extremos da existência ter-
destruindo pérolas – as falsas pérolas, restre. Aquele que procura essa outra
as imitações do mundo material. Ela realidade empreende uma viagem

15
te ao mundo do Espírito. É essa nos-
talgia experimentada neste vale de lá-
grimas que impele a alma do homem
a se voltar para o vasto horizonte...

Ó meu coração, morre ou canta.


Meu coração é agora tão puro,
que não importa se ele morre
ou canta.
Ele pode preencher o livro da vida,
ou o livro da morte.
Ambos são virgens para o meu
coração,
que pensa e sonha.
Ele encontrará a mesma eternidade
em ambos.
Ó meu coração, já não importa:
morre ou canta.

Um homem que realmente aspira a


um outro estado de vida, que ele per-
cebe, distante, em seu interior, realiza
em sua vida uma reversão definitiva.
Essa reversão surge do coração cen-
tral de seu microcosmo e toca o cora-
ção humano que finalmente consegue
uma mudança total de orientação.
definitiva. Ele põe o pé num cami- Assim procedendo, o coração se des-
nho que leva a uma região acima do liga de sua vinculação energética com
plano terrestre. o mundo transitório e se funde com o
Essa viagem foi interrompida por mundo espiritual. A conversão se dá
nós, há muito, muito tempo, mas só progressivamente até o momento em
poderemos continuá-la quando o que não mais importa que o coração
homem original – que é também o morra ou cante.
novo homem em nós – reviver. Interiormente isto corresponde,
Aqui no campo de vida terrestre, para o candidato, a uma travessia do
na aldeia que a cada ano se renova, o deserto, onde outros poderão encon-
pesquisador está no seu ambiente fa- trar uma forma de realização, mas
miliar, com os seus hábitos e suas pai- onde, para ele, há somente aridez e
xões. É por isso que seu espírito va- ausência de vida, com talvez uma
gueia ébrio de nostalgia? Visto de miragem aqui e ali para desviá-lo de
O poeta modo superficial, é bem assim. sua rota. Nesse deserto, o coração se
espanhol Juan
Mas aquele que procura a ligação abre como uma rosa na luz e já não
Ramón Jiménez
com uma outra realidade e, no mais participa essencialmente da natureza
recebe o prêmio
Nobel de profundo do ser, aspira pelo Espírito, da morte. A vida terrena nada mais é
literatura em experimenta uma outra saudade. A que um grande “frio”. A morte e o
1956. saudade da pátria original pertencen- morrer são para um tal homem, em

16
sentido especial, características evi-
dentes do ser natural e não mais o EU não sou eu,
assustam. Ele sabe: a todo momento EU sou aquele
desaparece uma parte da manifesta- que caminha ao meu lado,
ção da vida atrás dos véus da morte, sem que eu o veja,
exatamente como, ao mesmo tempo, aquele a quem muitas vezes
nasce uma outra parte. Mas não só rogo conselhos, e de quem geralmente
isso. Também as expressões da vida, também esqueço.
os movimentos dos sentimentos, dos ELE, que silencia quando falo,
pensamentos e da vontade surgem na que calmamente se retrai quando
sua vida, mas ele já não se agarra nem me enraiveço,
se prende a eles. Ele aprendeu a dei- que está onde não estou,
xar morrer em si esses movimentos que permanece quando eu feneço.
que são a essência do eu, mas nos
quais ele já não está centrado.
O coração vive de uma nova força.
Ele agora respira na eternidade. Ele se Juan Ramón Jiménez – sua vida
tornou uma página branca, virgem. Já
não é importante se ele vive no mun- Juan Ramón Jiménez nasceu em
do terrestre ou se ele morre, pois, 1881, em Moguer, uma aldeia de pes-
fundamentalmente, já não participa cadores no extremo oeste da Andalu-
de nenhum dos dois estados. O cora- zia, no sul da Espanha. Realizou seus
ção encontra em ambos a mesma estudos de direito na Universidade de
eternidade, porque está no silêncio Sevilha e foi, então, viver em Madri.
do novo pensar e ele “sonha” e cria Tornou-se famoso como poeta. Co-
uma outra vida perfeita. Ó meu cora- mo não gozava de plena saúde, viveu
ção, já não importa: morre ou canta. retirado o mais que pode. Mas isso
não o impediu de viajar para a França,
Itália e Suíça. Em 1917, visita os Esta-
dos Unidos, onde encontra sua com-
panheira, que permanecerá sempre ao
seu lado. Juntos, empreendem a tra-
dução para o espanhol da obra de Ra-
bindranath Tagore, o poeta indiano
prêmio Nobel de literatura. Depois
da guerra civil espanhola (1936-38), vi-
ve nos Estados Unidos dedicando-se
Na igreja St. Jans, em Gouda, totalmente à literatura. Juan Ramón
Holanda, encontra-se a lápide Jiménez tornou-se célebre na Espa-
de um discípulo de Jacob nha e na América Latina já algumas
Boehme, com o nome: décadas antes de receber o prêmio
Hermannus Herberts. Nobel de literatura, em 1956. É um
Ela traz a inscrição: dos representantes mais importantes
do modernismo, considerado como
Aprende a morrer antes de um inovador pelas jovens gerações.
morrer, a fim de saber morrer. Passa os seus últimos anos em Porto
Rico e morre, em 1958, em San Juan.

17
O segredo do sol

Maravilhosa é Tua aurora no horizonte lhas da engenharia recolhem dados


do céu, sobre os processos que ocorrem no
Ó Aton, Criador anterior à origem de interior, na superfície e ao redor do
toda a vida! sol, transmitindo-os à terra por sinais.
Quando Te elevas no oriente do céu, Essas informações permitiram a revi-
todos os reinos abaixo brilham de beleza; são de várias teorias antigas e o desen-
Tu és belo e bom e cintilante e muito volvimento de outras novas.
acima da terra. A ciência descreve o sol como um
Tu abraças amorosamente, com as mãos globo de gás incandescente que, pela
dos Teus raios, força de gravitação, por causa do ta-
os reinos e toda a Tua criação. manho enorme de sua massa, mantém
Tu és Ra, que os conduz e protege. os planetas em suas órbitas, condu-
Por Teu amor, religas tudo a Ti. zindo-os em seu curso através do uni-
Ainda que estejas longe, Tuas radiações verso. Segundo as mais recentes no-
aquecem a terra, ções astrofísicas, o sol tem a idade de
Teu rosto eternamente voltado para nós 4,6 bilhões de anos e poderá atingir 10
no Teu percurso.1 bilhões de anos. O diâmetro do seu
globo visível é de cerca 1,4 milhões de
quilômetros e sua distância da terra se
N este hino ao sol, o faraó Akenaton eleva a 150 milhões de quilômetros.
(século XIV a.C.) expressa de modo Sua massa é avaliada em trezentas mil
maravilhoso sua veneração pelo Cria- vezes a da terra. A temperatura em
dor. Em latim, a palavra solus, “o úni- sua superfície é de 5.500 ºC. Em seu
co” ou “ele sozinho”, deriva da pala- núcleo – grande o suficiente para alo-
vra sol, “sol”. Em grego, sol é Helios, jar um milhão de globos terrestres! –
“o mais alto”. A humanidade, desde o ela se eleva até 15 milhões de graus
início, venerava o sol como um ser Celsius.
divino. Somente nas grandes religiões
dos últimos dois mil anos essa adora- Circulação sanguínea =
ção não teve mais lugar, em virtude energia solar
não somente das novas noções teoló-
gicas, mas também como resultado da No coração do sol, o hidrogênio é
evolução das pesquisas científicas fusionado em hélio, liberando enor-
sobre o universo. mes quantidades de energia, as quais
Irrupções de
Atualmente giram em torno do sol iluminam e aquecem o inteiro sistema
chamas solares
podem alcançar
dois satélites artificiais: “Helios”, que planetário. A cada onze anos e meio,
uma altura de foi lançado em 10 de dezembro de aproximadamente, aparece o máximo
mais de meio 1974, e “Soho” (Solar & Heliospheric das chamadas manchas solares. Essas
milhão de Observation), lançado em 18 de de- manchas que se destacam por serem
quilômetros. zembro de 1997. Essas duas maravi- pretas revelam um calor intenso. Ao

18
A triunidade mesmo tempo, os pólos magnéticos essas ondas de luz e de calor, do mes-
do Sol, do deus se alteram, após o mesmo lapso de mo modo que as ondas sonoras, ali-
mais elevado
tempo, criando um ciclo de 23 anos. mentam e mantêm o completo siste-
(Vulcano), e da
Podemos associar estes processos ao ma solar, inclusive os seus habitantes.
Lua. Estela de
Palmira, século I
batimento do coração solar. Uma vez Suas correntes magnéticas têm o po-
d.C., Musée du a cada onze anos e meio aproximada- der de criar e ordenar.
Louvre, Paris. mente, o coração do sol se contrai e Todas estas informações da ciência
envia a energia liberada como um so- dizem respeito apenas ao aspecto per-
pro através do sistema solar. É o que ceptível e físico do sol, contudo reme-
se denomina “vento solar”, o qual po- tem a uma imagem que às vezes se
de ser detectado até nos planetas mais opõe às idéias difundidas nas antigas
distantes. Diz-se, então, que o corpo civilizações.
solar é alimentado e conservado por
essa circulação de energia, compará- A separação entre Deus
vel à circulação sanguínea no corpo e a natureza
humano.
Além disso, o sol gira uma vez a ca- No período caldeu-assírio-babi-
da quatro semanas ao redor de seu lônico (cerca de 2000 a 500 a.C.),
eixo, também como um coração com adorava-se o sol sob o nome do deus
suas vibrações e pulsações. Esse globo Shamash; no tempo dos persas, gre-
de gás incandescente envia, por se- gos e romanos (500 a.C. a 500 d.C.)
gundo, uma quantidade de energia como Ahura Mazda e Helios, e
maior que a utilizada por toda a hu- durante o período romano como
manidade no curso de milhares de Mitra e Sol Invicto. Em sua obra
anos de sua evolução. O sol também é Der Sonnenspiegel 2 (O espelho do
semelhante a um gigantesco pião que sol), D. Vollmer mostra como a ado-
produz um som ao girar. De onde ração do sol como um deus desapa-
vem ao certo essa sonoridade é ainda receu do mundo ocidental:
um enigma, mas percebe-se bem que O cristianismo teve de aprender a

20
se adaptar durante os trezentos anos iniciado Juliano, o Apóstata. Ele se
de luta com o mundo das divindades esforçou por ser útil ao mundo, des-
gregas, onde o deus solar apresentava- vendando, ao menos em parte, os
se de diversas formas: Hélio, Apolo, segredos do sol, do qual diz: “ele é
Dionísio, Serápis, Elagabalo, e, sobre- três em um. O sol central é o prote-
tudo, com a dualidade Mitra/Sol tor da natureza. Em primeiro lugar
Invicto. Essa adaptação foi possível ele é a origem universal de todas as
graças à filosofia platônica e neoplatô- coisas; em segundo, ele é a inteli-
nica que tinha preparado o caminho gência suprema e reina sobre todos
para a separação ente Deus e a natu- os seres dotados de razão; em tercei-
reza, facilitando o trabalho dos bispos ro lugar, ele é o sol visível.”
cristãos. Desde então, o deus solar do Em seguida, Blavatsky cita os dis-
sincretismo helênico passou a não re- cursos herméticos do pitagórico
presentar o sol natural em si, mas a Filolau: O sol é um espelho de fogo;
idéia por trás dele. a irradiação de suas flamas, ao refle-
Se os cristãos repeliram a tir-se nesse espelho, se derra-
adoração do sol, existi- Cego é aquele ma sobre nós e a toma-
ram, todavia, gran- que não vê o sol; mos por sua ima-
des pensadores e doido gem.4
que lhe atri- quem não o conhece; Estas palavras
buíram um e miserável da grande teó-
lugar central quem não lhe rende sofa mostram
na vida graças. claramente
espiritual. Ele é a luz, que impor-
Assim, ele é o bem, tantes mis-
Giordano ele é a salvação. térios estão
Bruno Dele irradia, a s s o c i a dos
(1548-1600), dele atua, ao sol. H.P.
em seu poema dele doa Blavatsky os
intitulado A o Senhor do Espírito, descreve em
Besta Destro- o Pai do Ser, minúcias, assim
nada3, proclama que o Criador. como os mistérios e
o sol possui três aspec- formas de cultos solares.
tos essenciais (ver ao lado): Rudolf Steiner, fundador da
Antroposofia, dá, em suas obras, pre-
Ele é três em um ciosas indicações a respeito do sol:
...Toda a matéria terrestre libera al-
O tríplice aspecto do sol foi no- go que é absorvido pelo sol. Por-
vamente enfatizado no século XX tanto, não encontrareis um gás
através da Teosofia e da ardente no interior do sol, mas sim
Antroposofia. A russa Helena aquilo que ele absorveu, pois o sol é
Petrovna Blavatsky, fundadora da um sorvedouro. Essa esfera de suc-
Teosofia, escreveu, na última parte ção não é uma bolha de gás; pode-se
da Doutrina Secreta, síntese da compará-la a uma pérola no uni-
ciência, da religião e da filosofia verso cujo interior não possui nada
(1888): O último sacerdote do sol, daquilo que se busca dentro dela.
na Europa, foi o imperador romano […] Dessa forma, o interior do sol

21
não é uma bolha de gás, mas algo Grandes concentrações de
que é menos do que espaço, algo antimatéria
cujo espaço, na realidade, foi remo-
vido. Se pensarmos no espaço como Esta observação de Rudolf Steiner
algo que se está dilatando, expan- é ainda mais misteriosa que a de H.P.
dindo, então deveremos imaginar o Blavatsky. “Matéria negativa” e “es-
interior do sol como se estivesse paço absorvente” são dois conceitos
contraindo, um espaço negativo, pouco usuais. Mas a ciência mostrou,
mais vazio do que o próprio espaço! depois de algum tempo, que aquilo
5
[…] que ela denominava antimatéria exis-
Não que o sol seja um corpo te, e que a maior parte do universo é
Cabeça de
celeste de matéria rarefeita compa- daí resultante. O conceito científico
Akenaton,
rada à terrestre, simplesmente ela é de antimatéria é, no entanto, muito
provavelmente
negativa. […] A matéria positiva diferente do conceito esotérico.
a mais antiga.
Diorita, ca. (terrestre) é dilatante, já a negati- A noção de “espaço absorvente” é
1350 a.C. va, contraente, absorvente.6 comum em Física, pois, após o início

22
da Astronáutica, o universo é apre- microcosmo. O microcosmo origina-se
sentado como um vácuo, a uma tem- do corpo solar, a personalidade origi-
peratura de -273,13 ºC, o ponto do na-se da terra. Existem, então, dois
zero absoluto. estados de vida que, em um dado mo-
J. van Rijckenborgh, o fundador da mento, se ligam: uma vida provenien-
Escola Internacional da Rosacruz te da terra e uma vida proveniente do
Áurea, escreveu em seu livro A gran- corpo solar.
de revolução 7 (1960): É com razão que a verdadeira vida
O sol não possui nem luz, nem humana só tem início quando ela se
calor, nem outros fluidos, e não irra- prepara e se desenvolve para se elevar
dia. Ele é um campo magnético que da terra. Compreende-se, então, por
possui um foco magnético primário e que Cristo é chamado um ser solar, e
diversos outros poderes magnéticos. que ele nos disse que deveríamos ser
Chamamos “Vulcano” a este com- como Ele. (capítulo II)
plexo campo magnético, extrema-
mente vasto e misterioso. Ele envia A ciência materialista e as religiões
suas influências sobre a nossa esfera exteriores chegaram ao ponto de
terrestre e a toca até em seu coração. negarem os mistérios do sol. No en-
(capítulo XII) tanto, Cristo é e permanece o deus so-
Em O advento do novo homem 8, lar, que não somente ilumina, aquece,
Rijckenborgh escreve ainda: penetra e mantém a vida terrestre –
O sol divino projeta sete espécies de tanto no plano material como no
raios neste mundo decaído e perdido. espiritual – mas também a vida do
Esses raios formam um espectro com- inteiro corpo solar. E quando essa
pleto: vermelho, laranja, amarelo, ver- força, que tudo engloba, religou-se
de, azul, índigo e violeta. [...] Ele des- novamente ao nosso planeta, há cerca
perta, no coração dos homens, o átomo de dois mil anos, foi ofertada à huma-
centelha do Espírito. (capítulo III) nidade uma nova oportunidade de
evolução espiritual.
O microcosmo tem sua origem
no corpo solar Fontes:
1 VREDE, E., Astronomie und Anthroposophie,
2. ed., 1980, p. 47.
No livro Reveille! (Desperta!) –
2 VOLLMER, D., Der Sonnenspiegel,
um apelo à juventude para a renova- Rotenburg: 1983, p. 331.
ção fundamental da vida, como saída 3 BUDZINSKI-WECKER, Giordano Bruno
de uma existência sem esperanças 9, Buch, Oldesloe: 1927.
J. van Rijckenborgh e Catharose de 4 BLAVATSKY, H.P., Geheinlehre, Bd. 3, 1. ed.,
Petri escrevem: 1999, p. 212, p. 214.
Nosso planeta é uma parte determi- 5 STEINER, R., Vortrag vom 13.9.1924.
nada do corpo solar [...] Pode-se dizer 6 STEINER, R., Vortrag vom 18.1.1921.
7 RIJCKENBORGH, J.V. e PETRI, C.D.,
que a terra é, de fato, um órgão per-
A grande revolução.
tencente ao sol [...] No entanto existe
8 RIJCKENBORGH, J.V., O advento do
uma outra vida que nos afeta ao mes- novo homem, 2. ed., São Paulo:
mo tempo; uma vida cuja origem não Lectorium Rosicrucianum, 1988.
é terrestre, que a esfera terrestre não 9 RIJCKENBORGH, J.V. e PETRI, C.D., Réveille!,
explica. Falamos do microcosmo e da 2. ed., São Paulo: Lectorium Rosicrucianum,
mônada, que irradiam através desse 1983.

23
A rosa do coração está desperta
O epitáfio de Rainer Maria Rilke

No cemitério da Igreja St. Romanus, as pessoas, oscilou entre a eterni-


em Raron, Suíça, se ergue dade e o tempo, entre a rosa do
uma discreta cruz de madeira coração, o verdadeiro ser que, em
com as iniciais R.M.R. princípio, está desperto, e o eu que,
qual pálpebra, encobre o olho do
coração, fazendo com que as pes-
O poeta Rainer Maria Rilke exer- soas durmam como egos pela eter-
ceu uma grande influência sobre nidade?
inúmeros jovens poetas por meio A rosa visível é o símbolo dessa
de sua arte de delicadeza extrema. contradição entre o eu verdadeiro,
Nascido em Praga em 4 de dezem- desperto e eterno e o eu transitório
bro de 1875, falecido em Montreux que tolda a conscientização da
em 1926, passou os últimos anos de eternidade.
sua vida na Suíça, com o apoio Essa noção fica mais clara quan-
financeiro de uma princesa. Rilke do concebemos a rosa como a alma
estudou arte e literatura em Praga, da humanidade, a rosa mundial. Seu
Munique e Berlim, e finalmente cálice é como um olho aberto para o
decidiu tornar-se escritor. Como sol espiritual, sempre desperto,
epitáfio, escolheu uma enigmática “dormindo o sono de ninguém”. O
inscrição, sobre a qual muitos se ser crístico da humanidade encon-
interrogaram. Trata-se de palavras tra-se vigilante. Contudo, as muitas
que beiram o inexprimível. O leitor pétalas da rosa, as personalidades-
deve decifrar por si próprio a men- eu do homem terreno, fecham
sagem que aí se oculta e vivificá-la: como “tantas pálpebras” esse olho
vigilante. Elas se interpõem entre
Rosa, ó genuína contradição, ele e o sol espiritual.
Anelo de dormir o sono de ninguém Embora o “anelo” desse ser ver-
em tantas pálpebras.1 dadeiro esteja desperto, “dormindo
o sono de ninguém”, todas as
O que o poeta quis dizer? Qual é personalidades-eu ainda estão cer-
essa “genuína contradição”? Qual é radas como pálpebras sobre ele.
esse “anelo”? O que significa esse O anelo de vigilar, a saudade de
“sono em tantas pálpebras”? estar desperto, pode chegar às
Rilke tinha aguçada percepção pálpebras a partir da alma mundial.
espiritual. E muitas de suas poesias Ele pode fazer com que essa pálpe-
são tentativas de expressá-la. Não é bra se abra e deixe a luz do sol pe-
possível que o epitáfio que ele netrar o olho da alma. Cada eu,
escolheu represente a quintessência cada pálpebra da rosa da huma-
dessa percepção? A quintessência nidade pode, a partir desse anelo da
de uma vida que, como a de todas alma, acordar, ser tocado, se abrir e

24
assim contribuir para o despertar
de toda a humanidade. Podemos
dizer que Rilke foi um homem que,
como uma pálpebra, se abriu e com
essa abertura possibilitou o desper-
tar. E ainda, por meio de sua poe-
sia, auxiliou outros a também se
despertar.
Dia virá em que todas as pálpe-
bras fechadas e dormentes nova-
mente se abrirão, isto é, em que
todas as personalidades-eu se
transfigurarão e velarão em comu-
nhão. Então, a contradição será
solucionada. A alma-espírito, o
cálice da rosa, e as novas personali-
dades-eu de todos os homens – as
pálpebras –, em vigilância coletiva,
reconhecerão o espírito e dele
viverão.

1. Texto do epitáfio em alemão: O poeta austríaco,


Rose, o reiner Widerspruch, nascido em Praga,
Lust, niemandes Schlaf zu sein Rainer Maria Rilke
unter soviel Lidern. (1875-1926).

25
Sohravardî e o caminho da iluminação

Shihâboddîn Yahyâ Sohravardî nas-


ceu no século XII em Zamjan, na
Pérsia. Seu destino assemelha-se ao
de Mani. Sempre ensinando, viajou
através do Irã e conquistou para a
sua doutrina o filho de Saladino, sul-
tão de Alepo, na Síria. Suas idéias e
seus escritos despertaram muita hos-
tilidade e, à idade de trinta e oito
anos, os fanáticos chefes da religião
dominante terminaram por derrubá-
lo. Em 1191, foi feito prisioneiro por
ordem de Saladino, morrendo pouco
depois, provavelmente assassinado.
Apesar da sua vida curta, deixou
uma obra considerável, em árabe e
em persa, sendo denominado “O
Mestre da Teosofia Oriental”, em
virtude de suas alegorias panteístas e
herméticas.

Uma etapa decisiva para Sohravardî


foi a sua compreensão de que um
ensinamento espiritual vivenciado é
bem mais importante que uma expe-
riência mística. Sua obra mais impor-
tante, A Filosofia da Iluminação,
expõe diferentes graus de desenvolvi-
mento: ele reconhece os teó-sofos – Sohravardî diz explicitamente que
aqueles que conhecem Deus pela sua obra é destinada a este tipo de
O Khângâh tinha experiência interior – e os filó-sofos – pesquisadores. As explicações deste
duas portas, uma aqueles que especulam sobre Deus. livro se dirigem exclusivamente àque-
dando para a
Há, evidentemente, uma forma mista les que são plenos de aspiração, que
cidade e a outra
e os melhores pesquisadores são aque- possuem a experiência do divino, ou,
para o deserto
e o jardim.
les cuja busca implica, ao mesmo ao menos, que se esforçam por conse-
Ilustração tempo, em experiências interiores e guí-lo. A condição mínima exigida do
Pentagrama. conhecimentos filosóficos.1 leitor é que o raio da luz divina já o

26
tenha tocado e que esse contato se lhe foram contestados. Com efeito, se
tenha tornado habitual. alguém argumenta contra suas idéias,
Sohravardî pronuncia-se clara- é porque apreende apenas a aparência
mente sobre a sua tradição espiritual: exterior, não a significação interior,
Graças ao que eu transmito do conhe- pois não se pode refutar um símbolo.
cimento das luzes e de tudo que está É igualmente sobre os símbolos que
fundamentado nisso, sustento todos está alicerçado o ensinamento oriental
da Luz e das trevas, que constitui a
religião dos sábios da antiga Pérsia.
Sohravardî considerava que sua
missão era insuflar uma nova vida à
sabedoria antiga que, para ele, conti-
nha uma força vivente capaz de pre-
parar um caminho para o futuro. A
religião dos sábios da antiga Pérsia
não é aquela dos mazdeístas, magos
ímpios, nem a heresia de Mani ou
qualquer outra doutrina que leve à
multiplicação do Deus único.
Evidentemente, dadas as circuns-
tâncias, Sohravardî considerou Mani,
de início, como herético. O tema da
“multiplicação do Deus único” deu
motivo para as atrozes perseguições
aos discípulos de Mani. O ensina-
mento aparentemente dualista de
Mani, a oposição entre Luz e trevas,
estava em oposição direta às opiniões
então correntes sobre a unidade divi-
na absoluta (Tauhîd). Todavia, após
um exame mais rigoroso, é evidente
que o ponto de partida das proposi-
ções de Mani é a unidade absoluta de
Deus, do mesmo modo que para
Sohravardî, o qual, mais tarde, rene-
gou o seu julgamento, e cuja obra,
ademais, contém muitos temas mani-
queus. O Relato do exílio ocidental,
aqueles que seguem o caminho de um de seus principais escritos, inspi-
Deus. Esta foi a experiência interior ra-se na Canção da Pérola de Mani. A
de Platão e, antes dele, de Hermes, o obra de Sohravardî, como a de Mani,
pai dos sábios. Mesmo na época de é inteiramente consagrada à Luz e
Platão existiram sábios sublimes, pro- banhada por ela.
pagadores da sabedoria como Empé- Naquela época, a questão da ori-
docles, Pitágoras e ainda outros. Eles gem do mundo e de sua significação
transmitiram seus ensinamentos sob a ocupava um ponto central. Nas re-
forma de símbolos, os quais jamais giões onde se propagava o seu ensina-

27
mento, as antigas representações cos- beleza, seus cabelos de neve, seu com-
mológicas sobre este assunto eram portamento, fui tomado por tamanho
tidas por heréticas e não tinham lugar estupor, que perdi o uso da fala. Do-
na religião oficial, a qual apenas indi- minado pelo medo […] dei um passo
cava os princípios e leis a serem se- adiante e, imediatamente, um passo
guidos para conquistar-se o paraíso atrás. Disse a mim mesmo: “Mostra
após a morte. No entanto, os pensa- coragem! Prepara-te para abordá-los,
mentos propostos por Mani e Sohra- aconteça o que acontecer!”.
vardî eram conhecidos dos sufis, den- Passo a passo, me pus a avançar e
tre os quais muitos eram ascetas que preparei-me para saudar o Sábio que
procuravam purificar-se fugindo do me estava mais próximo, mas sua na-
mundo e desafiando os perigos ter- tural extrema bondade o fez anteci-
restres. par-se e ele me dirigiu um sorriso tão
cheio de graça que seus dentes refleti-
O bater das asas de Gabriel ram-se em minhas pupilas. Apesar do
seu comportamento afável […] o
Este é o título da mais maravilhosa medo que ele me inspirava predomi-
narrativa de Sohravardî, que assim nava. Perguntei: “Digam-me, nobres
principia: senhores, de que lugar destes-nos a
Eu (aqui a alma) consegui, em de- honra de vir?” O sábio: “Somos uma
terminado momento, abrir uma pas- fraternidade de seres imateriais. Vi-
sagem para fora do aposento das mu- mos do país “Nenhures.” Não cheguei
lheres e desembaraçar-me do assédio a compreender: “A que região perten-
das crianças. Era uma noite em que ce essa cidade?” O sábio: “A uma
uma profunda escuridão havia envol- região cujo caminho o dedo não pode
vido a abóbada celeste. As trevas, indicar.”
aliadas fraternas do não-ser 2, haviam Desta vez compreendi que o sábio
preenchido até às extremidades o possuía o conhecimento divino: “Por
mundo inferior. Os ataques de sono favor, instruí-me. Em que ocupais
me deixaram em desespero. Preso de vosso tempo?” Ele me respondeu:
inquietação, peguei um candelabro e “Saiba que nosso trabalho é de coser
me dirigi para a ala dos homens de vestimentas. Ademais, somos os guar-
nosso palácio. diães da palavra de Deus e viajamos.”
Essa noite, circulei até ao nascer da Perguntei ainda: “Os sábios que se
aurora. Subitamente veio-me o desejo encontram acima de ti, por que per-
de visitar o “khângâh” (monastério manecem em silêncio todo o tempo?”
sufi) de meu pai. Este khângâh tinha O sábio: “Porque tu e teus semelhan-
duas portas. Uma dava sobre a cida- tes não estais aptos a entrar em rela-
de, a outra, sobre o jardim e o deserto ção com eles. Sou o intérprete deles,
com a sua imensa planície. Fui, fechei pois eles não podem conversar contigo
firmemente a porta que dava para a e com teus semelhantes.”
cidade e abri a porta que levava ao Assim inicia a narrativa de Sohra-
deserto. Então, vi dez sábios, de uma vardî O bater das asas de Gabriel.
bela e amável fisionomia [...] sua no- Este fragmento já mostra o duplo
breza, sua majestade e seu esplendor aspecto da doutrina do autor: a alma
maravilharam-me até o mais alto está aprisionada no mundo e dele
grau [...] Diante de sua graça, sua deve fugir. Deve começar por desper-

28
tar, depois retornar, para finalmente Si mesmo. Sei o que desejas e estou
atingir o estado celestial. Esta narrati- contigo por toda parte. E eu disse:
va mostra o fundamento universal de Desejo ser instruído a respeito das coi-
sua mensagem. sas essenciais, compreender a sua
Trevas e “não-ser” formam o mun- natureza e conhecer Deus. Oh!
do inferior. Quando a alma desperta e Quanto eu desejo compreender! 3
deseja desprender-se do mundo, deve
corajosamente abandonar o caminho Aí se encontram as almas
que seguia como indivíduo e arran- humanas
car-se do sono da vida terrestre
comum. Enfim surge a aurora, mo- Os dez sábios que a alma encontra
mento decisivo nos ensinamentos de no deserto formam uma imagem per-
Sohravardî. Abre-se uma fenda. O tencente às tradições filosóficas.
herói entra na célula de seu pai e Sohravardî fundamenta-se em segui-
pode, após fechar a porta que dá para da sobre o ensinamento do filósofo
a cidade, abandonar o tumulto do árabe Ibn Sina (981-1037), conhecido
mundo e entrar no deserto para como Avicena pelos latinos. As teo-
encontrar os dez Sábios. Ele observa rias de Aristóteles e também as de
que aqueles vêm do país de “Ne- Platão e dos neoplatônicos são as
nhures”, inexistente para a consciên- mais conhecidas, mas com Ibn Sina e
cia e sentidos comuns. Então tem iní- Sohravardî há uma demarcação entre
cio uma conversação em que o co- a filosofia dos peripatéticos (discípu-
nhecimento divino se revela à alma. los de Aristóteles) e a filosofia da ilu-
O encontro com o sábio divino – minação. Sohravardî continua a obra
símbolo da conquista da compreen- de Avicena, embora pense que este
são superior – reaparece muitas vezes não encontrou a fonte da verdadeira
nos escritos de Sohravardî. Este sím- sabedoria.
bolo encontra-se nos escritos hermé- Os dois tomam como estabelecida
ticos, naquele que registra, por exem- a idéia de um ser supremo, do qual
plo, o encontro entre Hermes e provém uma hierarquia de dez ema-
Pimandro: nações, as “inteligências” compará-
Um dia, estando eu refletindo so- veis aos dez sefirotes da Cabala. Cada
bre as coisas essenciais e tendo o meu uma dessas inteligências cria uma
coração se exaltado, aconteceu que os esfera celeste e uma alma que move
meus sentidos corporais adormeceram essa esfera. A décima inteligência, a
completamente, assim como ocorre mais inferior da hierarquia, não cria
com alguém que se vê vencido por uma esfera particular, porém uma
profundo sono, após lauta refeição ou plenitude. São as almas humanas.
por motivo de grande cansaço. E me Todas as inteligências são luzes
pareceu como se visse um impressio- imateriais divinas. Da primeira inteli-
nante ser, de contornos indetermina- gência procede o ser, o mundo mani-
dos, chamar-me pelo meu nome e festado, sobre o qual irradia a Pri-
dizer-me: Que é que queres ouvir e meira Luz: em seguida, as inteligên-
ver e o que queres aprender e conhe- cias multiplicam-se pela multiplicação
cer em teu Nous? – Perguntei: das emanações; e quanto mais descem
“Quem és?” E recebi como resposta: na hierarquia, mais se enfraquecem,
Sou Pimandro, o Nous, o Ser que é de escreve Sohravardî.

29
Ibn Sina não fornece qualquer ima- tantes são opressores (citação do
gem mental do drama cósmico da Alcorão). Lá são acorrentados com
queda que causa o aprisionamento do cadeias de ferro, jogados e aprisiona-
homem e de sua alma de luz no mun- dos em um poço de uma escuridão e
do inferior. As trevas estão incluídas profundidade infinitas.
na primeira inteligência, em estado Aqui Sohravardî faz alusão aos
latente, e tornam-se mais e mais es- mundos da Luz e das trevas, radical-
pessas quando se desce na hierarquia mente separados um do outro, e
das inteligências. Na décima inteligên- sobre a necessidade de libertar-se das
cia, as trevas são tão profundas que trevas:
daí emana o mundo material escuro. O Poder do mundo superior é in-
Sohravardî ilustra este fato por destrutível, pois ele não participa da
meio de símbolos. O sábio do deser- natureza submissa ao “não-ser”. Não
to instrui a alma: há libertação para aqueles cuja mais
Tudo o que desce nas quatro partes alta aspiração não é o mundo divino e
do mundo inferior provém das “asas cujo pensamento não está voltado em
de Gabriel”. – Como compreendê-lo?, primeiro lugar para o mundo da Luz
disse eu. – Sabe que o Deus supremo [...] Sabe que existem três mundos:
dispõe de um certo número de pala- 1. Um mundo que os filósofos deno-
vras maiores provenientes do resplan- minam “mundo da inteligência”. A
decer de sua augusta face. Essas pala- inteligência, em sua terminologia,
vras formam uma ordem hierárquica. designa uma substância que não
A primeira Luz emanada é a Palavra pode ser percebida materialmente e
suprema, pois nenhuma outra palavra que não dispõe de um corpo;
lhe é superior [...] A última de suas 2. Um mundo chamado mundo da
palavras é Gabriel, de onde saem as alma. Embora a alma não seja cor-
almas humanas [...] Sabe que Gabriel pórea, nem associada a um lugar
tem duas asas. Uma, a da direita, é particular, ela age no mundo dos
pura luz. Esta asa, em sua totalidade, corpos. As almas se repartem entre
faz a ligação entre Gabriel e Deus. E aquelas que agem nos domínios
há a asa da esquerda, tenebrosa em celestes e aquelas que estão nos cor-
parte, como uma mancha sobre a face pos humanos;
da Lua [...] O mundo do erro é o 3. Um mundo do corpo em duas par-
reflexo e a sombra da asa esquerda de tes: o mundo etérico sutil e o
Gabriel, enquanto que as almas de mundo material dos elementos.
luz provêm de sua asa direita.
Sohravardî continua. Ele liga sua O primeiro mundo é espiritual, ele
filosofia às considerações gnósticas é a razão de todas as manifestações.
de seu tempo. O drama da queda é, Entre o mundo espiritual e o corpo-
para ele, de uma importância capital. ral encontra-se a pátria original da al-
Por isso, em outra narrativa, refere-se ma que, na qualidade de alma falante
à Canção da Pérola de Mani e descre- não é prisioneira do mundo dos cor-
ve a queda como o Exílio Ocidental, pos, mas antes o governa.
de onde a alma deve regressar. O
herói desta narrativa viaja com seus Uma relação temporária
irmãos para caçar no país do oeste.
Eles caem em uma cidade cujos habi- A alma divina original é imortal e

30
unida ao Espírito de Deus.
Sabe que a alma não cessa de exis-
tir, que ela não ocupa lugar algum e
não tem adversários. Seu princípio é
eterno e, assim, ela mesma é eterna.
Entre ela e o corpo existe apenas uma
relação temporária nascida do desejo.
Quando da ruptura desta relação, a
essência da alma não se dissolve.
Em seu estado original, para onde
deve regressar, ela é isenta dos desejos
do corpo:
É possível que o agradável e o
desagradável atinjam um ser sem nele
provocar alegria nem sofrimento.
Como se, por exemplo, fosse tomado
por um ataque de apoplexia ou pene-
trado por uma enorme ebriedade, ele
não os sentirá mais do que se recebes- As almas falantes pertencem à
se golpes violentos ou experimentasse substância do reino das almas e são
a felicidade na presença da pessoa retidas pelas forças corpóreas do
amada. Por isso, a alma que não mais mundo. Quando a alma é forte, gra-
se ocupa do corpo não sofre mais dos ças às suas virtudes espirituais, e o
vícios e das ignomínias, como tam- poderio das formas corpóreas se en-
bém não sente prazer nas virtudes fraquece – porque quanto menos vós
que encontra na narcose engendrada as alimentais, mais tendes o poder de
pela natureza. estar vigilantes – habitualmente a
A forma pela qual Sohravardî des- alma adquire acesso ao mundo divi-
creve a libertação da alma é gnóstica e no. Ela se eleva para perto de seu Pai
reconhece-se nela idéias maniqueís- e recebe sua Força, de tal modo que
tas. Ele sempre fala da vitória a se pode se unir às almas das esferas que
obter sobre o mundo das oposições, conhecem os fundamentos e razões de
vitória possível pela orientação para a sua existência. De seu Pai ela recebe,
Luz e o desejo da Luz. no estado de sono ou em vigília, as
E o que pensais dessas pessoas de verdades divinas, como um espelho
nobre aparência, dotadas de uma reflete as imagens do objeto à sua
forma eterna e de um corpo temporá- frente.
rio, que estão certas que o seu ser não Porém Sohravardî adverte repeti-
se perderá na corrupção, pois elas se damente, para não confundir as
distanciaram do mundo das oposi- visões e revelações espirituais com as
ções? Elas não se inquietam, pois percepções dos sentidos terrenos.
jamais se separaram da radiação da Como não existe uma relação entre
Luz suprema, nem da ajuda e do tes- as faculdades sensoriais e a alma –
A árvore da vida,
temunho da graça sutil de Deus, para porque as percepções da alma são afresco da tumba
as quais seu desejo se volta de modo mais amplas e perfeitas que as percep- de Panehsy.Tebas,
indefectível. Deveriam elas cessar de ções sensórias – também as luzes de séculos XIV-XVI
existir? Deus e dos santos não têm nenhuma a.C.

31
ginal da Pérsia, que é, para ele, uma
realidade vivente. O resplandecer da
“felicidade da Luz da Glória”, Xvar-
nah, que, segundo alguns, possuíam
os antigos reis da Pérsia, é a luz divi-
na que irradia da alma-espírito.
Sohravardî testemunha que toda
alma preenchida de desejo pode
ascender a essa luz.
Quando abandonamos todas as
preocupações e ocupações da vida
corpórea e experimentamos o esplen-
dor da Verdade divina, a felicidade
da “Luz da Glória” é a Luz que aflui
à alma como o relâmpago – essa luz
relação com as faculdades sensoriais, da aurora que se eleva no oriente –
nem a alegria divina com a sensorial. então percebemos a Luz e executa-
[…] Às almas, quando saem das tre- mos nossa missão […] Àquele que
vas dos corpos, quando entram no possui esta sabedoria, que reverencia
brilho do mundo espiritual e brilham e louva constantemente a Luz das
sobre as ameias do reino das almas, é Luzes, como o temos escrito, é-lhe
revelado o que de modo nenhum é dado um “Resplandecer real” e
parecido com as revelações das coisas enviada a “Luz da Glória”. Um raio
corpóreas pela luz do sol. divino o envolve em uma veste plena
de dignidade e de esplendor. Ele se
O caminho da iluminação torna mestre da natureza. A ajuda do
interior mundo superior lhe é concedida e sua
fala é ouvida no mundo celestial.
O que é único no ensinamento de Suas percepções e inspirações tornam-
Sohravardî é seu conceito de ilumi- se perfeitas.
nação ao nascer do sol, no oriente, Segundo Sohravardî, a alma decaí-
ishrâq. Atingir o oriente espiritual da é liberta pela iluminação unica-
significa o acesso a uma nova realida- mente quando segue o caminho da
de. Esta noção simbólica do oriente preparação e da iniciação pelos
deu seu nome à escola de Sohravardî. Sábios do deserto. No entanto, ele
Esta é uma antiga imagem gnóstica, pouco diz sobre este processo. Para
importante, por exemplo, na gnosis ele, o encontro e a conversa entre a
de Valentino e na Pistis Sophia. Fala- alma e um dos dez Sábios é uma
Os três grandes se dos lados direito e esquerdo, que experiência interior, que sua alma
médicos da indicam, respectivamente, o oriente e realizou em conseqüência de sua
Idade Média, o ocidente, a Luz e as trevas, o Es- orientação voltada para a Luz. O
Avicena, Galeno
pírito e a matéria. Entre estes dois sábio é, para ele, uma forma celeste
e Hipórates.
Página de rosto
encontra-se a alma, que deve esco- que aparece em todas as religiões e
de uma edição lher um dos dois lados. doutrinas de sabedoria. São as dez
do século XVI, Sohravardî une, com inspiração, a inteligências, as emanações dos filó-
New York. iluminação oriental à sabedoria ori- sofos, que aparecem sob a forma de

32
anjos em teorias similares. No her- XII é revelada por Sohravardî, graças
metismo, tem-se Pimandro ou o Pai, à experiência concreta e à viva com-
no cristianismo, o Espírito Santo ou preensão que ele possuía disso, a
Paracleto e, na gnose árabe, o arcan- exemplo dos gnósticos. Esta visão e
jo Gabriel. compreensão desvendam-se interior-
A iniciação pelo Sábio simboliza, mente por uma orientação incessante
ao mesmo tempo, o encontro pessoal ao oriente da Luz das Luzes.
da alma com a sua forma celeste e sua
submissão à atividade do Pai de
todas as almas humanas.
Pois cada alma tem um Amado no
mundo superior, isto é, uma luz vito-
riosa e abençoada que é a causa de
seu ser, que o alimenta com a sua Luz
e é o intermediário entre ela e o pri-
meiro Ser supremo. Por esta Luz ela
contempla sua glória e recebe suas
bênçãos... O criador do homem, o
autor de nossas almas, aquele que as
aperfeiçoa na perfeição do conheci-
mento e da ação, é uno com todos os
poderes da Luz. Os filósofos o deno-
minam a inteligência ativa.
Esta forma celeste é, do ponto de
vista microcósmico e macrocósmico,
diretamente acessível à alma desper-
ta. Ela anuncia à humanidade o mun-
do divino. O bater das asas de Ga-
briel prepara e guia a criação huma-
na. Da asa direita de Gabriel, que é
pura luz, emana a força salvadora em
direção às almas humanas. Porque a
revelação disso foi transmitida aos
profetas, mas a explicação mais pro-
funda e a interpretação, à mais eleva-
da aparição divina, ao Paracleto,
como anunciado por Cristo: Vou para
meu Pai e vosso Pai, e Ele vos envia- 1 Adaptação das citações de Sohravardî por
Henri Corbin, L’archange empourpré,
rá o consolador, para que vos revele o Fayard, 1976.
sentido oculto. Disse ainda Cristo: 2 “Não-ser” assume aqui um sentido contrário
“Mas o consolador, o Espírito Santo a esta noção como empregada, por exemplo,
que meu Pai enviará em meu nome, na Gnosis Chinesa, capítulo I, e representa
aquilo que é terrestre.
vos ensinará tudo!” 4
3 Rijckenborgh, J. v., A arquignosis egípcia, v.1,
A mensagem de salvação de todas São Paulo: Lectorium Rosicrucianum, 1a.
as religiões e de todas as sabedorias edição, 1984.
acessíveis ao mundo árabe no século 4 João, 14:16 e 26; 15:26; 20:17.

33
A via secreta para o interior
O poeta Novalis e o hermetismo.

Sonhamos em viajar através do universo. "Para onde vamos então?


Pois o universo não está em nós? Sempre para Casa.”
As profundezas de nosso espírito
Hans Ritter, especialista em No-
nos são desconhecidas.
valis, escreve: Se existe alguém de
quem se poderia dizer que ele é um
A via secreta conduz ao interior. espírito de um outro plano encarna-
Em nós, e em nenhum outro lugar, do na terra por um curto período,
está a eternidade com seus mundos, esse alguém seria Novalis. Ele reagia
o passado e o futuro.1 com entusiasmo a tudo o que se apre-
sentava. Ele irradiava ao seu redor
brilho e encanto. Mas somente com
dificuldade reprimia seu anseio por
sua pátria eterna. Ele foi um autênti-
Friedrich von Hardenberg (1772- co romântico, não um desses român-
1801), mais conhecido sob o nome ticos exaltados e confusos. Era um
de Novalis, foi um dos incompará- intrépido cavaleiro e um corajoso
veis representantes do Roman- esgrimista; era também um aguçado
tismo alemão. Proveniente do pré- lutador espiritual… Ele vivia em um
romantismo da escola de Iena, esta mundo de imagens originais. Ele
corrente de pensamento, espiritual representa o arquétipo do homem
e social, surgiu no fim do século para os dias de hoje e para o futuro.
xviii e exerce, ainda nos dias atuais, Virá o tempo em que a sua estrela
uma importante influência cultural. brilhará no firmamento.2
A Flor Azul, freqüentemente evo- Que mensagem Hardenberg-
cada, é o seu símbolo. É preciso Novalis traz para os homens que
saber que essa flor é emprestada do atualmente aspiram à liberdade inte-
simbolismo alquímico, e que a vida rior e procuram o reino divino?
e a obra de Novalis foram profun- O herói do romance Heinrich von
damente inspiradas pela sabedoria Ofterdingen segue a via hermética
hermética. que todo pesquisador espera um dia
Quem foi esse personagem enig- encontrar. No princípio, ele é impul-
mático que, como jurista, adminis- sionado pela vaga intuição de que
trador, pesquisador científico e existe um mundo superior, um
engenheiro de minas, fez uma bri- mundo divino. Ele se submete às leis
lhante carreira como funcionário da natureza e realiza a experiência
público, e ainda provocou uma do amor antes de ascender à cons-
revolução em muitas mentes e ciência da ligação direta e indissolú-
corações de sua época? Essa revo- vel que o une a Deus. O poeta Hein-
lução tinha por objetivo "tornar rich recebe, por essa ligação, a força
poético" até suas raízes o homem e divina criadora, a "palavra criado-
o seu mundo. Ela foi um reflexo ra". Novalis considera esse resultado
claro da utopia da idade de ouro. como a vocação dos artistas inspira-

34
dos pelo Romantismo. marca de outros místicos e de outros
Novalis encontrou uma fonte de gnósticos. Na Universidade de Iena,
inspiração em Jacob Boehme, percep- Novalis entrou em contato com o
tível sobretudo no romance Heinrich ensinamento radical de J. G. Fichte,
von Ofterdingen. Ferdinand van filósofo tão célebre quanto contro-
Ingen escreve sobre as imagens rela- verso, que se apoiava, entretanto,
tivas à Criação que Boehme utiliza: sobre teses gnósticas. Da mesma
Na concepção de Boehme a palavra forma, As núpcias alquímicas de
criadora "Fiat" ocupa um lugar cen- Christian Rosenkreuz, de Johann
tral […] A idéia revolucionária de Valentin Andreæ, está entre as suas
Boehme é que o homem, recebendo o fontes de inspiração. Estudos recen-
Espírito, o alento da vida, possui o tes mostraram a semelhança existen- A Flor Azul,
poder, em princípio, de pronunciar o te entre As núpcias alquímicas de símbolo da
Nome de Deus e de insuflar a vida CRC e a sua obra: Heinrich von transformação.
pela mesma força criadora do Nome. Ofterdingen. Novalis leu As núpcias Ilustração
A consciência de Novalis traz a alquímicas em 1798 e se inclinou, Pentagrama.

35
O romance inacabado Heinrich von Ofterdin- com atenção, sobre a estrutura sétu-
gen é uma das maiores obras de Novalis. Trata- pla da narração, em relação às sete
se da história de um jovem, Heinrich, que se fases do Opus Magnum. Andreæ
torna poeta. Ela se passa durante as cruzadas interrompe voluntariamente seu
medievais, num tempo de alienação poética. O texto na sétima etapa. Esse estado de
"inacabado" do sétimo nível de um
jovem Heinrich está fascinado pelo relato de um processo é um método retórico
estranho viajante que faz alusão a uma maravi- essencial em Novalis.
lhosa flor azul. Em sonho, ele encontra essa flor, Em Andreæ, ele também encon-
e vê no meio de seu cálice "um tênue rosto". trou uma forma de utilizar o voca-
Rebelde e fogoso, Heinrich aproveita a ocasião bulário alquímico para descrever o
de ir com a sua mãe e alguns mercadores a que se passa interiormente durante
Augsburg, onde habita seu avô. No caminho, o um tal processo. Novalis surge
jovem sem experiência escuta seus companheiros como um artista que trabalha na
linha dos alquimistas e hermetistas.
falarem da vida comercial e social do mundo.
Para se preparar para as suas
Durante uma parada num castelo, ouve relatos novas funções como administrador
de cavalaria e de cruzadas. Em sua imaginação, das salinas do Eleitor da Turíngia,
uma dama oriental o leva para sua longínqua e ele empreendeu, em 1797, estudos
suntuosa residência. Na continuação da viagem, de exploração de minas e de quími-
ele encontra um velho mineiro e um misterioso ca. Paralelamente, sua pesquisa pes-
eremita que o iniciam na arte poética. soal o fez mergulhar na história da
Em Augsburg, ele conhece o poeta Klingsor e sua alquimia, considerada, então, como
filha Mathilde. Ele logo a reconhece como a face uma ciência pertencente ao passado.
O que procuravam os antigos alqui-
que estava incrustada na flor azul. Heinrich e a
mistas? Eles tinham por objetivo
jovem apaixonam-se um pelo outro. Mas rapida- fabricar o "ouro", também chamado
mente a felicidade é ameaçada por um novo "rei". Em um alambique, eles sub-
augúrio anunciando a morte de Mathilde. metiam diferentes substâncias a pro-
Só conhecemos o restante da narrativa por esbo- cessos de fusão e liga para obter o
ços. Após a morte de Mathilde, Heinrich empu- elixir da vida e realizar a Pedra dos
nha seu bastão de peregrino e deixa Augsburg; Sábios. Um poema intitulado
vai a um eremita que lhe ensina a linguagem da "Conhece-te a ti mesmo", escrito
natureza e lhe fala da vindoura idade de ouro. por Novalis em 1798, termina assim:
Em suas notas, Novalis refere-se a uma "poeti-
Bem-aventurado aquele que se
zação" do gênero humano. Ele descreve como tornou sábio
Heinrich ascende ao mundo divino. Ele e Mathil- que já não especula sobre o
de passarão por transformações antes de serem mundo e busca em si mesmo a
novamente unidos para as núpcias alquímicas. Pedra da Sabedoria eterna.
Heinrich von Ofterdingen segue a via hermética Somente o sapiente é digno de ser
que todo pesquisador espera um dia encontrar. adepto –
No princípio, ele é impulsionado pela vaga intui- ele transmuta tudo em vida e
ção de que existe um mundo superior, um mundo ouro, sem precisar de elixires.
A retorta sagrada nele exala –
divino. Ele se submete às leis da natureza e expe-
o rei presente nele está –
rimenta o amor, antes de ascender à consciência Délfos também;
da ligação direta e indissolúvel que o une a Deus. e finalmente ele compreende:
O poeta Heinrich recebe, por esta ligação, a força "Conhece-te a ti mesmo".
divina criadora, a "palavra criadora". Novalis
considera este resultado como a missão específica O homem sapiente (isto é, que sa-
dos artistas inspirados pelo Romantismo. be) tornou-se, ele mesmo, a retorta

36
alquímica. Novalis mostra que os
processos alquímicos são estágios do
autoconhecimento, processos de
depuração e purificação no interior
da alma.4

"O microcosmo é para o homem


o que há de mais sublime"

O verso A via secreta conduz ao


interior da poesia inicial deste artigo
é considerado por certos especialis-
tas como uma profissão de fé de
Novalis, como uma declaração da
sua primeira e tão importante desco-
berta. E o poeta confirma isso,
dizendo: A idéia do microcosmo é,
para o homem, a mais sublime. O
ensinamento do microcosmo e do
macrocosmo é, para ele, a base
incontestável de seu pensamento e
foi sobre ela que o poeta estabeleceu
sua concepção do homem e do
conhecimento científico. Como o
macrocosmo e o microcosmo, o
superior e o inferior, estão intima-
mente ligados, o homem é capaz de
reconhecer o mundo, pois o seme-
lhante somente reconhece o seme-
lhante. O olho nada vê como olho; o
órgão do pensamento nada pensa
como órgão do pensamento ou como o
elemento apropriado. Aqui Novalis
usa o paradoxo para formular seu pen- Novalis, o homem é responsável No meio, a flor
pelo destino da natureza. O homem azul simboliza a
samento.
sabedoria
Para Novalis, a transmutação e a natureza se apresentam ambos
(flos sapientum),
alquímica consiste na transformação como um núcleo e o seu envoltório.
que se origina
do próprio homem. Somos filhos de O homem é a unidade em relação à
do ovo hermético
Deus, sementes divinas. Um dia, natureza, o ponto de convergência
com o Ouroboro.
seremos o que nosso Pai é. Esta de todas as irradiações, o foco Hieronymus
tendência reside em nós enquanto microcósmico do universo. E, ao Reussner, Pandora,
seres microcósmicos. Ele também mesmo tempo, ele salvará a nature- 1582.
fala do Ato de se superar, porém sabe za, divinizando-a. O homem é o
que tal ascenção é gradual e somente Messias da natureza. Esta concepção
realiza-se progressivamente, de for- provém da doutrina alquímica da
ma análoga ao processo alquímico Summa Perfectionis, de Gerber, um
de sete fases. tratado alquímico fundamental, que
Será que sempre se trata apenas do Novalis leu em 1798. Lá encontram-
aperfeiçoamento do homem? E a se as seguintes considerações: A
natureza em tudo isto? Deve o substância dos corpos perfeitos e dos
homem se desinteressar por ela? De corpos imperfeitos – dos metais, por
modo algum, porque, segundo exemplo – era originalmente a

37
Citação do
Engenheiro
Hardenberg, que
como poeta se
chamou Novalis:
“O verdadeiro
poeta compreende
a natureza melhor
do que o cientista.”

mesma. A imperfeição dos corpos é A Flor Azul do Romantismo


uma propriedade secundária e subor-
dinada, criada por uma deterioração Novalis escolhe a Flor Azul
cósmica, que transformou a matéria como o símbolo da transformação
desses corpos, que se corromperam. alquímica do mundo. Ela é mencio-
Uma alquimia curativa fornece aos nada no romance Heinrich von
metais imperfeitos aquilo de que eles Ofterdingen e é, aos olhos dos
carecem e retira aquilo que lhes é especialistas, o símbolo por exce-
supérfluo. lência do Romantismo; provavel-
Assim, o alquimista se esforça pela mente emprestada do tratado alquí-
redenção da matéria, da natureza, de mico Pandora (1582) de Hiero-
seu estado de corrupção. Para isso não nymus Reussner, no qual se encon-
é preciso apenas trabalho, mas, no tra uma gravura representando três
momento certo, o contrário: humilda- flores reunidas por uma haste
de e paciência. A Grande Obra, o comum, plantada no ovo hermético
Opus Magnum, se desenvolve e finali- contendo o Ouroboro. A flor ver-
za por si mesma. O alquimista apenas melha simboliza o ouro, a flor
cria as condições favoráveis à "inter- branca, a prata e a flor azul, a sabe-
venção auxiliadora do alto". Novalis doria (flos sapientum).
confirma a lei da ação indireta em Foi Novalis realmente um alqui-
vigor: O trabalho necessário para le- mista que manipulava cadinhos e
var a bom termo um processo não con- retortas? Com todo o respeito de-
siste, em geral, em mais que um impul- vido aos antigos, para o poeta No-
so indireto preparatório. Em uma justa valis, como para o cientista von
atmosfera, as coisas se fazem por si Hardenberg, a transmutação do
mesmas… Neste sentido, toda obra se mundo é realizada pela palavra
realiza de modo indireto.6 Não a ela- criadora da poesia, nova e eterna.
boramos, tornamo-la possível. Por ela se dissolvem as formas cris-

38
Novalis, pseudônimo de Friedrich von Hardenberg (1772-1801), descende de uma famí-
lia da aristocracia antiga da Alemanha central, mas sem grande fortuna. Ele e seus
irmãos foram educados pelo pai na pura tradição da fraternidade de Hernhuter. Por ser
destinado a prestar serviço ao príncipe da Saxônia, foi admitido em 1790 na
Universidade de Wittenberg para cursar direito. Tornou-se um honorável jurista; no
entanto, seu espírito tinha sede de algo mais. Aprofundou-se nos estudos de filosofia, arte,
história, ciências naturais e matemáticas, mas com tanto rigor que, embora apenas um
estudante, tornou-se um privilegiado interlocutor de grandes eruditos. Já era entusiasta
da obra e da pessoa de Friedrich Schiller, com quem tinha sido educado no colégio de
Iena, e tinha estabelecido laços de profunda amizade. Na mesma época, preocupado com
o seu projeto de fusão das ciências, iniciou a redação de uma enciclopédia intitulada:
Conceito Universal. Não ambicionando as carreiras de professor nem de escritor,
empreendeu, em 1794, uma formação para tornar-se funcionário na administração regio-
nal do Eleitorado da Saxônia-Turíngia. Encaminhado para as funções de administrador
da exploração de minas de sal, entra, em 1797, para a Berg-akademie Freiberg/Sachsen.
Lá, descortina-se para ele um novo mundo. Os professores, tendo estabelecido a reputa-
ção mundial da academia, iniciam-no nas técnicas de exploração de minas e no estudo da
natureza. Ele consagra o pouco tempo que lhe resta à redação de sua obra poética e filo-
sófica. A partir de 1798, adota o pseudônimo de Novalis, que significa "aquele que explo-
ra uma nova terra". Hardenberg termina seus estudos na academia e entra na adminis-
tração das minas de sal. Porém, uma doença põe fim a seus dias, já no ano de 1801.

talizadas. Por poesia, Novalis com-


preende muito mais que a arte poé-
tica. Ela é um ato criador, praticado
na vida cotidiana e que contribui
para o desenvolvimento das sete
fases do processo de transmutação.
A alquimia poética dissolve (solu-
tio) os entraves que sujeitam o
homem e o mundo, ao mesmo
tempo em que realiza a união (coa-
gulatio) íntima do finito e do infi-
nito. O geólogo e engenheiro de 1
Novalis, Werke in 2 Bänden, v.2, Colonha:
minas, von Hardenberg pensa que Könemann, 1996, p. 103.
o poeta está mais apto a com- 2
Ritter, H., Der unbekannte Novalis,
preender a natureza do que o cien- Göttingen: 1967, p.295.
tista. 3
Ingen, F.v., in: Erkenntnis und Wissenschaft
Novalis representa o tipo de her- – Jacob Böhme (1575-1624), Görlitz:
metista que, voltado para o mundo, Oberlausitzische Gesellschaft d. Wissenschaft
via claramente que devia fazer o (Hg.), 2001, p. 120.
contrário. Ele sabia viver criativa- 4
Roder, F., Novalis, Die Verwandlung des
mente no paradoxo. Um paradoxo Menschen, Stuttgart, 1992, p.383.
significa uma vida ativa no mundo 5
Gaier, U., Krumme Regel – Novalis,
e, ao mesmo tempo, vivenciar, no Konstruktionslehre des schaffenden Geistes,
mais profundo interior, o anseio de Tübingen, 1970, p.127.
sair deste mundo fundamentalmen- 6
Novalis, Werke in 2 Bänden, v.2, Colonha:
te estrangeiro à verdadeira pátria. Könemann, 1996, p.324.

39
A radioatividade: bênção ou perigo
mortal?

Em sentido literal, a radioatividade é


A "Caixa de Pandora" é, na ver-
uma "radiação ativa". A palavra dade, um vaso ou uma taça que
radiação provoca apreensão em mui- encerra todos os tormentos e
adversidades suscetíveis de se
tas pessoas, pois, para elas, é sinônimo abaterem sobre a humanidade.
de perigo, sendo do domínio do invisí- Depois que Prometeu furtou o
fogo dos deuses, Zeus quis puni-lo
vel. Elas preferem não refletir demais
(isto é, punir a humanidade). Ele
sobre isso. Uma radiação, entretanto, encarregou Hefestos de formar,
pode também constituir algo bom. com argila e água, uma mulher
de divina beleza e de enviá-la
sobre a terra. Mas Hermes,
segundo o mito, depositou em seu
U m número incontável de radia- coração a malignidade e sobre sua
ções está em atividade em nosso língua, a mentira. Quando
campo de existência. A primeira
Epimeteu, irmão de Prometeu,
fonte da radioatividade, sem a qual
nenhuma vida sobre a terra seria apesar de todas as advertências,
possível, é o sol, no centro do cosmo acolheu Pandora, ela abriu o
ao qual pertence nosso planeta. A vaso, espalhando sobre a humani-
radiação do sol não é constante; ela dade todos os males nele contidos.
varia regularmente e sua influência é No fundo do vaso só permaneceu
evidente sobre a terra: seu giro sobre a esperança.
o próprio eixo engendra a alternân-
cia dos dias e das noites. Ao mesmo
tempo, a grande elipse que ela des- ções. Essas ordens de grandeza
creve em torno do sol causa a suces- ultrapassam nosso entendimento.
são de invernos e de verões. Por A diversidade das radiações não
meio desse movimento ao redor do pára aí. Nosso sistema solar faz
sol, a terra (com sua lua) se aproxima parte de um conjunto de bilhões de
e se distancia periodicamente dos sistemas solares que o submetem
outros planetas do sistema solar. igualmente a suas radiações. A vida
Esses movimentos provocam, depende desses inumeráveis influxos
também, flutuações nas atividades provindos do universo ao qual per-
das radiações. Além disso, todo o tencemos que desenvolveram for-
sistema solar leva aproximadamente mas de vida como as dos reinos
26000 para atravessar a esfera zodia- naturais que conhecemos; mas há
cal e precisa aparentemente de 12800 também as que escapam à observa-
milhões de anos para efetuar sua ção científica.
revolução em torno do centro de O sistema nervoso humano é sen-
nossa galáxia. Ela recebe, portanto, sível às radiações (o olho é o melhor
também a influência de outras radia- exemplo disso); a secreção hormonal

40
Primeira
Conferência
Solvay para o
desenvolvimento
da Física, Bruxelas,
1911. Presentes
entre outros:
Max Planck, Eva
Curie, Lorentz,
Rutherford,
Kamerlingh Onnes
e Einstein.

interna depende delas bem como a conferiu ao homem um grande


composição e o estado do sangue. poder. Mas nem por isso os efeitos
As radiações obedecem a leis; elas colaterais deixam de ser pequenos. A
possuem um ritmo e uma intensida- emissão de CO2, por exemplo, ultra-
de que lhes são próprios. passa em muito o que a terra,
No decorrer dos últimos séculos,
as pesquisas científicas sobre as
radiações (com os perigos nos quais O cientista austríaco Victor F. Hess (1883)
incorreram os pesquisadores) foram descobriu radiações cósmicas e ganhou, por
o objeto de aplicações experimen- isso, em 1936, o preço Nobel de Física. Essas
tais. Mas, fazendo isto, eles abriram radiações provindas do espaço penetram na
a lendária "Caixa de Pandora", pois
terra. Elas carregam a atmosfera de eletrici-
se as radiações constituem a fonte da
vida, elas podem preludiar o seu fim. dade possibilitando sua condutividade por-
Os últimos dois séculos de pes- que rompem as moléculas e ionizam os áto-
quisas causaram mudanças conside- mos. Essa carga se encontra sobretudo nas
ráveis na atmosfera da terra, mudan- camadas superiores da atmosfera e contri-
ças essas que já repercutem sobre as bui com a circulação da eletricidade em
condições de vida. O pensamento torno do planeta. As partículas que alcan-
materialista, isto é, o pensamento çam a terra, à razão de uma por minuto em
voltado para a matéria, nos faz per- média, possuem uma energia que vai de 4 a
der de vista as conseqüências de nos-
100 bilhões de volts. O conhecimento esoté-
sos empreendimentos sobre os
outros planos e nas esferas mais rico indica que também há uma radiação
sutis. Desde a primeira máquina a cósmica provinda do coração da terra, que
vapor até o mais aperfeiçoado as duas correntes se cortam formando uma
foguete espacial, a utilização de cruz, o que fez Platão dizer: "a Alma do
combustíveis fósseis certamente mundo é crucificada."

41
enquanto corpo natural, pode assi- O Sunday Times de 13 de março
milar. de 2003 informou o seguinte:
Fenômenos vibratórios (eletricida-
de, eletromagnetismo, radioatividade)
são meios de ação mais sutis, porém A relação entre o GSM [Global
muito poderosos. A descoberta de System for Mobile Communication] e
partículas carregadas permitiu toda o tumor do cérebro parece ter
espécie de aplicações da eletricidade. sido estabelecida.
Em nossos dias, tenta-se ampliar a
utilização da eletricidade, do eletro- Os pesquisadores suecos descobri-
magnetismo, da radioatividade em ram que o risco de tumor cerebral
todos os setores da vida: armamento, aumentou em 30% nos usuários
medicina, agricultura, criação animal,
regulares de um GSM, especial-
construção civil. Na assim chamada
sociedade moderna não existe ne- mente para os que ultrapassam
nhum aspecto da vida cotidiana que uma hora por dia de conversação.
não seja dependente disso, o que não O tumor aparece, em geral, no
transcorre sem graves conseqüências contorno da orelha onde o apare-
que colocam o homem diante de lho é segurado. Nos animais de
escolhas difíceis. laboratório foram constatados a
É preciso considerar toda mudança modificação do funcionamento
artificial das condições de radiação de das células cerebrais, alterações de
nosso campo de existência como desas-
memória e o surgimento de cânce-
trosa para a humanidade […] Uma
tal desnaturação entrega a humanida- res. A pesquisa abrangeu, num
de a uma morte ainda mais terrível, a período de dez anos, 1.600 pessoas
saber, a morte por degenerescência psí- atingidas por tumores cerebrais. O
quica que ameaça o mundo todo sem professor Kjell Mild, da universi-
exceção. Eis o que escreviam, já em dade de Orebrö, conduziu a
1964, J. van Rijckenborgh e Catha- pesquisa e declarou: "A prova de
rose de Petri diante dos rápidos pro- que existe uma ligação entre o uso
gressos da Física Atômica. do celular e o câncer é manifesta e
convincente. Quanto mais seu uso
é freqüente e duradouro, maior é
o risco de tumor cerebral."

Como foi dito anteriormente, são


radiações naturais que regulam os
órgãos de secreção interna. Radia-
ções artificiais produzem uma secre-
ção hormonal artificial com, como
efeito colateral, uma alteração da
personalidade acompanhada de
comportamentos anormais. Os mei-
os de comunicação atuais utilizam
freqüências idênticas às do cérebro.
Assombramo-nos de constatar o
emprego das mesmas freqüências
que as das ondas cerebrais alfa, beta
As sondas espaciais
e delta nos DECT (Digital European alemãs Helio I e II
Cordless Telecommunications) e nos (371kg) investigaram
UMTS (Universal Mobile Telecom- as radiações do
munications System). Essas ondas espaço entre o sol
afetam muito fortemente a atividade e a terra, a uma
cerebral do homem, e essas pertur- distância de 43
bações acarretam um comportamen- milhões de
to não natural. quilômetros do sol,
A rede de utilizadores de celulares de 1974 até 1986.
se torna cada vez mais densa e não há
mais espaço que não seja percorrido
por essas micro-ondas, as quais ser-
vem igualmente para elevar a tempe-
ratura das moléculas de água nos
fornos micro-ondas. Que efeito
pode ter essa malha cada vez mais
fina sobre a atmosfera composta em
grande parte de água? O de elevar a Pode-se encontrar na Internet maiores informações e
temperatura. O efeito estufa poderá conselhos em relação aos perigos inerentes a toda
certamente ter outras causas além de espécie de radiação.
apenas a emissão de gás carbônico.
A radioatividade mantém a vida
na terra, no cosmo e no macrocos-
mo. Devemos, entretanto, distinguir nucleares, por exemplo) e confian-
a radioatividade da natureza da do-se à força crística cósmica, é pos-
morte daquela da natureza imortal sível criar condições favoráveis para
que penetra a natureza mortal. trilhar o caminho libertador da
Somente a radiação crística pode alma.
subtrair o homem e toda a criação às Ao tomar consciência desses fatos,
radiações imperfeitas da natureza encontramo-nos diante de uma
comum. Há, pois, duas naturezas: a escolha difícil; afinal são justamente
da vida mortal e a da vida imortal. as radiações produzidas artificial-
Podemos dizer, portanto, que a alma mente que prevalecem em nossa
humana é influenciada por duas sociedade. É, portanto, muito im-
espécies de radiações: a da natureza portante escolher sua linha de con-
comum, com a qual ela está harmo- duta conscientemente, sem temor, e
nizada, e a da natureza superior, que aceitar as conseqüências. Não há
a eleva a um plano transcendente. inconveniente em imergir-se na
A era de Aquário intensifica o radiação crística e examinar, sem
afluxo dessa radiação supranatural precisar recorrer a uma autoridade
libertadora. Podemos perceber cada exterior, o efeito que ela pode pro-
vez mais conscientemente sua força duzir sobre nossos pensamentos,
porque ela se exerce e se concentra nossos sentimentos e nossos atos, se
na atmosfera. Em relação a isso, ela é prejudicial ao desenvolvimento
uma secreção hormonal interna e da alma ou, ao contrário, favorável
funções cerebrais em bom estado ao seu crescimento. Uma escolha
são fatores que preservam o homem dessas faz nascer um intenso confli-
da degenerescência psíquica e da to interior, uma vez que é preciso ser
morte. Defendendo-se das influên- capaz e, sobretudo, ter a coragem de
cias destruidoras, especialmente das reconhecer esses dois tipos de radia-
radiações artificiais (experimentos ção, assim como seus efeitos.

43
EU não sou eu,
EU sou aquele
que caminha ao meu lado,
sem que eu o veja,
aquele a quem muitas vezes rogo conselhos,
e de quem geralmente também esqueço.
ELE, que silencia quando falo,
que, calmamente se retrai quando me enraiveço,
que está onde não estou,
que permanece quando feneço.

(“Ó meu coração, morre ou canta”, p.15)

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