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LITERATURA DE FORA

Literatura de Fora – Hans


Ulrich Gumbrecht
by CASa • 3 de dezembro de 2015 • 0 Comments

Nosso amplo
presente

Nosso amplo
presente é o titulo
do último livro de
Hans Ulrich
Gumbrecht lançado
no Brasil. O volume
foi publicado há
poucas semanas pela Editora Unesp (2015, pp. 160).
Pretendemos elencar aqui os motivos que tornam esse trabalho
de Gumbrecht, assim como os últimos que foram recentemente
traduzidos no Brasil, de crucial relevância.

Uma das preocupações constantes desta coluna quinzenal é a


identificação e a análise das formas do contemporâneo,
observadas através do nosso olhar “de fora”. Vêm disso as tantas
perguntas que direcionam as leituras que estamos fazendo:

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como se articulam as estéticas dentro dos fenômenos culturais


do nosso tempo? Quais as relações entre produção, discurso e
poder? Existem margens de emancipação na convergência entre
o signo e o Real? Gumbrecht é um dos poucos intelectuais de
hoje que, além de sugerir novas perguntas, tenta elaborar
respostas. Trata-se de um motivo a mais para aprofundar-se na
leitura deste último precioso contributo teórico traduzido por Ana
Isabel Soares.

Nosso amplo presente realiza uma nítida radiografia das


realidades estético-culturais dos tempos que estamos vivendo.
Gumbrecht se concentra nas culturas que define como “culturas
da presença” e aproveita a ambiguidade semântica da palavra
“presente”, a qual remete tanto a uma colocação cronológica (a
contemporaneidade) quanto à condição de algo estar presente
na nossa frente. Não é por acaso que a palavra “presença” vem
do latim prae-esse, como o autor oportunamente lembra.

Se pensarmos nessa “presença” como uma das expressões


correntes de materialismo, não podemos compreender por
completo as novidades abertas pela perspectiva teórica afirmada
em Nosso amplo presente. De fato, encontram-se muito mais
diferenças do que afinidades entre o atual pensamento de
Gumbrecht e, por exemplo, o materialismo à la Spinoza de Jane
Bennet, a teórica que cinco anos atrás, graças ao texto Vibrant
Matter – mistura deleuziana de ecologia e pós-modernismo –,
obteve um sucesso importante entre os intelectuais europeus e,
principalmente, norte-americanos. Da mesma forma, a
concepção de Gumbrecht diferencia-se significativamente do
materialismo pós-lacaniano – o materialismo psicanalítico da
“falta” – de Jacqueline Rose, do “materialismo sem matéria” à
la Quentin Meillassoux ou, por fim, do materialismo da
continuidade estrutural entre palavras e coisas, característicos
dos Cultural Studies.

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Prosseguindo o caminho inaugurado com outros trabalhos


como Produção da presença (Rio de Janeiro, PUC, 2010)
ou Depois de 1945 (São Paulo, Editora Unesp, 2014), Gumbrecht
especifica a sua peculiar noção de materialidade. A premissa da
argumentação gumbrechtiana é que a contemporaneidade
representa a época na qual as “culturas do sentido” – assim ele
define as hermenêuticas e as estéticas ameaçadas pelas
“culturas da presença” – entram em forte crise. O impasse,
porém, tem a vantagem de estimular outras abordagens, a
circulação de questões geralmente pouco valorizadas. Uma das
perguntas que norteiam o livro é: “qual poderia ser um modelo
alternativo que permitisse pensar através das realmente tensas
oscilações harmoniosas entre linguagem e presença, em sua
variedade?” A resposta que Gumbrecht fornece é o modelo da
“presença”, um pattern que privilegia a materialidade concebida
como condição interna à linguagem e não como experiência,
materialistamente, em conflito com a linguagem, com os
dispositivos simbólicos.

Gumbrecht recupera de Bakhtin o conceito de cronotopo, de


combinação entre o espaço e o tempo no âmbito da narração. O
autor de Nosso amplo presente indica com o termo cronotopo a
“premissa para a nossa experiência da realidade” dentro de uma
determinada conjuntura cultural e histórica. O cronotopo moderno
– “do sentido” – fundamenta-se na convicção de que “tudo o que
seja expresso tem de ser puramente espiritual”, que, além da
superfície física, existe um sentido, conservado na absoluta
imaterialidade, nas mais densas e sobreabundantes profundezas.
Existe, de fato, uma correspondência entre a erosão dos
paradigmas modernos – a crise da metafísica ocidental, do Eu
enquanto identidade, do sujeito cartesiano, do historicismo
hegeliano – e o esvaziamento desse cronotopo, em prevalência
lógico-abstrato, no nível do significado. Nas “culturas do sentido”,
em suma, a dinâmica da perda determina um esvaziamento

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semântico, prejudicando o processo de produção de sentido.

As “culturas da presença” funcionam de forma exatamente


oposta. Traçando o perfil dessas culturas alternativas, geradas e
consolidadas a partir do esgotamento do cronotopo moderno,
Gumbrecht propõe ao leitor algumas intuições teóricas de
inegável força inovadora, seja do ponto de vista filosófico, seja do
ponto de vista antropológico-literário. Acompanhando o raciocínio
gumbrechtiano, descobrimos que no modelo “da presença”, ao
esvaziamento semântico não segue um curto-circuito no plano do
sentido, sim uma abertura, densa e plena, em favor da
materialidade. Dentro das “culturas da presença” o enfraquecer-
se da linguagem corresponde a um fortalecer-se da dimensão
material interna ao texto estético.

Para o autor do Nosso amplo presente, a “saída” da linguagem é


um processo textual extremamente concreto. Tal característica
constitui um dos pontos de força do pensamento gumbrechtiano,
alinhando-o do lado oposto, por exemplo, das teorias biopolíticas:
estas últimas também referem-se ao “fora” da linguagem; esse
“fora”, porém, revela-se algo místico, impalpável, confusamente
transcendente. Pelo contrário, uma das propriedade da
materialidade sobre a qual Gumbrecht teoriza é ser tangível.

Encontramos materialidade na escrita de Céline: “aí o ritmo da


prosa copia o ritmo dos movimentos ou de eventos a serem
evocados e assim estabelece uma relação analógica com estes
movimentos ou eventos, que também evitam o principio digital de
representação”, exemplifica Gumbrecht. E conclui: “os textos de
Céline surgem abertos para serem afetados pelas coisas e a
ecoarem com elas”. Nada a ver, portanto, com os hierofantes do
culto biopolítico nem com a “obra aberta” de Umberto Eco.

A materialidade resgata o mundo das coisas, tanto quanto a


própria linguagem, se concebida como entidade “física”.
Consideramos “o ligeiro toque de som na nossa pele”

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determinado pela fala: o percebemos, “mesmo quando não


conseguimos compreender o que a palavras querem significar”,
sendo que o que interessa, de fato, é o ritmo da fala, “que
podemos sentir e identificar, independentemente do sentido que
a linguagem ‘carrega’”.

No inicio da década de 1970 Fredric Jameson acusou o


estruturalismo de reduzir a linguagem a uma “casa-prisão”. Em A
imagem sobrevivente (Rio de Janeiro, Contraponto, 2013), o
filósofo da arte Georges Didi-Huberman, analisando a produção
de Aby Warburg, descreveu os “fantasmas” – “fantasmas para
gente grande”, segundo Warburg – como figuras capazes de se
evadirem do cárcere do “a priori histórico”. Configurando-se como
sobrevivências de cronotopos ultrapassados, os fantasmas
warburguianos perturbam a episteme dominante, dentro da qual
tais fantasmas têm visibilidade, mas não são dizíveis pelo fato de
serem inconsistentes.

Já mencionamos nesta coluna os fantasmas, comentando Event,


de Slavoj Zizek, o qual indica com a referência aos fantasmas, as
interferências discursivas geradas pelas rupturas
epistemológicas. No caso de Didi-Huberman, a coisa é diferente:
o espectro é uma dissonância icônica que sobreviveu por ser
proveniente de um passado ancestral, transversalmente “a
qualquer recorte cronológico”, desorientando, anacronizando.

As interferências da materialidade na forma estética, que


Gumbrecht evoca ao longo de Nosso amplo presente, não são
espíritos sem corpo: para ir além da “casa-prisão” linguística,
segundo a visão de Gumbrecht, é preciso de corpo, sim: de
matéria, de volume. E isso no presente; tanto que a presença
não configura-se como um reflexo do passado, mas como uma
produção viva. É dessa valorização do presente que vem o
segundo adjetivo do título, ou seja, “amplo”. A dissolução do
cronotopo da modernidade e a afirmação do novo cronotopo – a

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formação discursivo-material da “presencia”, na qual sempre


mais mergulhamos – tornou o presente um espaço
surpreendentemente extenso: “ao invés de deixar
constantemente para trás os nossos passados, no novo
cronotopo somos inundados pelas memórias e pelos objetos do
passado”.

Gerou-se assim um presente sempre em expansão, sempre mais


amplo, “entre o futuro ameaçador e o passado em que nos
vemos emergidos”.

Prof. Yuri Brunello

e-mail: ybrunelloomatic@gmail.com

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