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Módulo 304 - DRAMA 1

Problema 2
Leptospirose movimento; nas margens de córregos da selva, em
campos de arroz e em canaviais nos países tropicais.
A leptospirose é uma doença febril aguda causada por Porém, sobrevivem por pouco tempo, até 24 h, em água
dez Leptospira spp. patogênicas, encontradas em do mar.
diversos países. A maior prevalência da doença ocorre
em regiões tropicais, subtropicais e temperadas. Esta
doença acomete praticamente todos os estados
brasileiros, sendo considerada um importante
problema de saúde pública. Diferentes espécies de
animais são reservatórios de Leptospira. Água e solo
úmido contaminados com essa bactéria são os
principais veículos de transmissão para os seres
humanos.

Na maioria dos casos, após contato com Leptospira spp.


patogênicas observa-se quadro de infecção frusta ou
oligossintomática. Contudo, numa pequena parte da
população humana suscetível exposta à bactéria e em
condições ambientais apropriadas, a infecção pode
evoluir para formas sintomáticas, anictéricas ou
ictéricas.
Figura 1 Diferenciação das espécies patogênicas, intermediárias e
Sem dúvida, uma menor proporção dessa população não patogênicas

infectada com Leptospira spp. tem desfecho clínico para


Epidemiologia
formas clínicas potencialmente fatais, como a doença
de Weil ou a forma pulmonar hemorrágica, esta sem A leptospirose é uma zoonose na qual os principais
apresentar a disfunção hepática ou renal. A taxa de reservatórios são os ratos urbanos (ratazana,
mortalidade da leptospirose tem variado em diversos camundongo, rato de telhado) e pequenos roedores
estudos, mas se encontra entre 5% e 52%. Essa silvestres, que podem eliminar Leptospira em sua urina
mortalidade pode ser reduzida com o diagnóstico alcalina por toda sua vida. São considerados um dos
precoce e a implementação dos cuidados médicos principais responsáveis pela transmissão ao homem, e
adequados. sua ocorrência no mundo inteiro faz a leptospirose não
ter limites geográficos, sendo, portanto, de distribuição
Etiologia universal.
As leptospiras são bactérias helicoidais móveis, Entretanto, essas espiroquetas são excretadas na urina
constituídas por um corpo citoplasmático, um axóstilo de mais de 160 espécies de mamíferos, especialmente
enrolado em espiral e uma membrana envolvente que bovinos, equinos, porcos, cães, capivaras e, inclusive, em
recobre ambas as estruturas. Variam de 6 a 25 mcm de algumas aves e répteis. A contaminação do solo
comprimento por cerca de 0,25 mcm de diâmetro. agrícola pela urina de animais contribui para a
Possuem dois endoflagelos que são inseridos sobrevivência do microrganismo no meio ambiente,
subterminalmente. São aeróbias ou microaerófilas especialmente em solos alcalinos e encharcados.
obrigatórias, compartilham características de bactérias
Gram-positivas e Gram-negativas e, quando coradas, A transmissão ao homem pode ocorrer por contato
são facilmente visualizadas em microscopia de campo direto com sangue, tecidos, órgãos ou urina de animais
escuro ou de contraste de fase. Leptospira interrogans e infectados, ou, por via indireta, através do contato com
Leptospira borgpetersenii são as principais espécies que água ou solo contaminados com a urina dos animais
causam a leptospirose em seres humanos e animais. portadores. Há poucos relatos de casos de infecção
após mordedura de rato, pelo leite materno, congênita
Leptospiras sobrevivem livres no meio ambiente por e, curiosamente, após relação sexual durante a
dias ou semanas, em condições de calor (temperatura convalescença. A transmissão direta inter-humana
de 28°C a 30°C) e pH alcalino ótimo (7,2 a 7,6), pode ocorrer, mas é rara, pois a acidez da urina do
especialmente em água doce parada ou com pouco homem limita a sobrevivência da bactéria.

Pedro Philippo
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Problema 2

Figura 2 Ciclo epidemiológico das leptospiroses


Figura 3 Ambientes com risco para desenvolvimento de leptospirose
A infecção por Leptospira spp. é encontrada em várias
áreas do mundo, exceto nas geleiras polares, nas Patogênese
tundras e nos desertos. A incidência da leptospirose é
A leptospirose é a consequência da invasão das
sazonal, em vários países, principalmente relacionada
barreiras naturais, pele ou mucosa, pelas leptospiras
com chuvas, inundações, enchentes ou catástrofes
patogênicas. O resultado da infecção depende da
ecológicas. Há uma forte correlação entre o número de
patogenicidade ou virulência da Leptospira spp. e da
casos e a curva pluviométrica, a presença de roedores
resistência inata do hospedeiro contra a infecção. Nem
no domicílio e no peridomicílio e com as condições
a virulência e tampouco a resistência do hospedeiro são
precárias de trabalho e moradia. A leptospirose é
elementos constantes. A virulência é influenciada por
considerada hoje uma doença infecciosa emergente
fatores como nutrientes, temperatura, pH, enquanto a
após as atuais mudanças climáticas nos países
resistência do hospedeiro depende da dieta, idade,
desenvolvidos e em desenvolvimento, onde observa-se
sexo, doença subjacente e fatores genéticos.
constantes ondas de desastres naturais, como furações,
inundações, tsunamis. Depois da penetração, os microrganismos proliferam,
atravessam barreiras teciduais e se disseminam por via
Os humanos são infectados após exposição com
hematogênica a todos os órgãos (fase leptospirêmica).
leptospiras patogênicas através de abrasões na pele,
Durante esse período de incubação inicial, leptospiras
mucosas intactas, como conjuntiva ocular e boca,
podem ser isoladas da corrente sanguínea. Os
incluindo a deglutição de água contaminada. É possível
microrganismos são capazes de sobreviver no
a penetração das espiroquetas pela pele íntegra que
hospedeiro não imune: eles evitam a morte mediada
tenha permanecido em contato prolongado com águas
por complemento por ligação com o fator H, um forte
poluídas com a urina de roedores urbanos ou rurais. A
inibidor do sistema complemento, em sua superfície.
leptospirose é uma doença infecciosa ocupacional para:
Além disso, as leptospiras patogênicas resistem à
veterinários, agricultores, manipuladores de pescados,
ingestão e à morte por neutrófilos, monócitos e
magarefes, trabalhadores de plantações de arroz e de
macrófagos. Durante a fase imune, o aparecimento de
cana-de-açúcar, mineiros, profissionais que trabalham
anticorpos (IgM) coincide com o desaparecimento das
com limpeza de canais ou tubulações de esgoto,
leptospiras do sangue. Entretanto, as bactérias
profissionais de laboratório que lidam com altas
persistem em vários órgãos, inclusive fígado, pulmão,
concentrações de Leptospira spp. em culturas.
rim, coração e cérebro.
Recentemente, relatam-se surtos da doença
relacionados a algumas atividades recreacionais, As toxinas produzidas pelas leptospiras patogênicas
sobretudo desportos náuticos incluindo natação, exercem papel importante na sua patogenicidade.
canoagem, triátlon, rafting. Leptospira tem uma arquitetura de membrana dupla
distinta, porém que compartilha algumas
A infecção ocorre principalmente no adulto jovem (20
características de bactérias gram-positivas e gram-
a 40 anos) e do sexo masculino, talvez pela maior
negativas. Sua membrana externa é rica em
exposição. A incidência anual da leptospirose nos países
lipoproteínas (Lip 21, Lip 32, Lip 41) chamadas OMPs
tropicais é estimada em 10 a 100 por 100.000 habitantes
(outer membrana protein), que atuam como porinas,
e 0,1 a 1 por 100.000 habitantes em áreas temperadas.
em particular a porina OMPL1. As OMPS são alvos de

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adesão da imunidade mediada por anticorpos progridem no tempo para edema intersticial e necrose
antileptospira e, principalmente, da resistência inata tubular aguda. Nefrite grave é observada em pacientes
do hospedeiro. Porém, a imunidade inata do ser que sobrevivem tempo suficiente para desenvolvê-la e
humano não é tão eficaz na defesa da leptospirose parece ser uma resposta secundária à lesão epitelial
quando comparada com alguns roedores, como os ratos aguda. A desregulação relatada da expressão de vários
domésticos. As lipoproteínas são elementos transportadores ao longo do néfron, inclusive trocador
reconhecidos na patogenicidade das leptospiras, por 3 proximal de sódio-hidrogênio (NHE3), aquaporinas 1 e
desencadearem resposta inflamatória no hospedeiro, 2 (AQP1 e AQP2), Na+-K+ ATPase e o cotransportador de
sobretudo a Lip 32, a mais abundante lipoproteína e Na-K-2Cl, NKCC2, contribuem para a espoliação tubular
somente presente nas espécies patogênicas. A adesão a de potássio, hipopotassemia e poliúria. A histopatologia
proteínas da MEC indica a existência de múltiplas do fígado mostra necrose focal, focos de inflamação e
moléculas de adesão, e a ligação a proteínas da MEC oclusão de canalículos biliares. Necrose hepatocelular
inicia o processo de invasão/colonização. disseminada não é encontrada. Petéquias e
hemorragias são observadas no coração, pulmões, rins
A membrana externa das leptospiras possui
(e suprarrenais), pâncreas, fígado, trato gastrintestinal
lipopolissacarídeos (LPS) de composição semelhante
(inclusive gordura retroperitoneal, mesentério e
aos das bactérias gram-negativas, que exercem ação de
omento), músculos, próstata, testículos e cérebro
endotoxinas, mas que são 12 a 20 vezes menos tóxicas
(sangramento subaracnóideo).
do que as daquelas bactérias. A principal atividade dos
LPS de leptospiras patogênicas é a ativação da Vários estudos mostram uma associação entre
resistência inata do hospedeiro via o receptor toll-like hemorragia e trombocitopenia. Embora os mecanismos
2 (TLR2) – ativação de macrófagos via TLR2 ao invés de subjacentes da trombocitopenia não tenham sido
TLR4, como nas bactérias gram-negativas –, resultando elucidados, parece provável que o consumo de
dessa interação a produção de NFK e citocinas pró- plaquetas desempenhe um papel importante. Uma
inflamatórias, tais como IL-1, IL-6, IL-8 e TNF-α. Essas coagulopatia de consumo pode ocorrer, com
citocinas participam como mediadoras de uma síndrome marcadores elevados de ativação da coagulação
de resposta inflamatória local e sistêmica e causarão (complexos trombina-antitrombina, fragmentos 1 e 2 de
inflamação e danos nos tecidos-alvos. protrombina, dímeros-D), marcadores anticoagulantes
diminuídos (antitrombina e proteína C) e atividade
Embora a patogênese da leptospirose ainda seja um
fibrinolítica desregulada. Coagulação intravascular
campo aberto para investigação, os estudos
disseminada (CID) franca foi documentada em
histopatológicos em humanos e outros animais revelam
pacientes da Tailândia e da Indonésia. Níveis
que há vasculite difusa. O dano endotelial e a
plasmáticos elevados de E-selectina solúvel e fator de
fragilidade capilar propiciam as hemorragias internas
von Willebrand em pacientes com leptospirose refletem
nos órgãos acometidos pelas leptospiras patogênicas.
ativação de células endoteliais.
♣ Fatores de risco para doença de Weil: pacientes com
idade inferior a 5 e em maiores de 65 anos; pacientes
com comorbidades descompensadas; nos
imunossuprimidos; e, conforme a experiência de um dos
autores (PVD), em pacientes com hepatopatia alcoólica.

♣ Fatores de risco para forma grave pulmonar: não tem


fatores conhecidos para sua ocorrência, registrando-se
que a gravidade da doença respiratória não guarda
relação com a presença ou a intensidade da icterícia. Figura 4 Hemorragia pulmonar severa

Patologia Tem sido demonstrado que plaquetas se agregam


sobre o endotélio ativado no pulmão humano, enquanto
Achados de necropsia ilustram o envolvimento de a histologia revela tumefação de células endoteliais
múltiplos sistemas orgânicos na doença grave. A ativadas, mas sem vasculite ou necrose evidente.
patologia renal mostra tanto lesão tubular aguda como Depósito de imunoglobulina e complemento tem sido
nefrite intersticial. As lesões tubulares agudas

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demonstrado no tecido pulmonar envolvido na frequentemente observados nestes pacientes. Na pele,
hemorragia pulmonar. pode ocorrer exantema maculopapular eritematoso,
urticariforme, petequial ou hemorrágico. Outros
Manifestações Clínicas sintomas menos frequentes podem ocorrer, como
Após um período de incubação de 2 a 20 dias (em adenopatia cervical, parotidite, orquite, epididimite,
média, 7 a 10), essa enfermidade infecciosa sistêmica prostatite e outros, ainda mais raros.
evolui para duas apresentações clínicas clássicas: a
forma anictérica, observada em 90% dos casos, de baixa
morbidade e letalidade; e a forma ictérica-
hemorrágica, encontrada numa minoria de pacientes,
com maior morbidade e letalidade. A forma ictérica-
hemorrágica é conhecida como doença de Weil e
caracteriza-se por febre, insuficiência renal, icterícia e a
diátese hemorrágica.

Tanto a forma clínica anictérica quanto a ictérica da


leptospirose, classicamente, apresentam curso bifásico,
este, mais observado na forma anictérica. O primeiro
período é o de leptospiremia, que dura de 4 a 7 dias.
Figura 6 Sufusão conjuntival com hemorragia subconjuntival em
Segue-se um período de defervescência, de 1 a 2 dias, paciente com leptospirose
seguido de período de recrudescência da febre e dos
sintomas, que pode durar de 4 a 30 dias, ♣ Fase Imune: de 1 a 2 dias depois da defervescência,
correspondendo ao segundo período ou fase imune da começa a fase imune, quando os anticorpos específicos
leptospirose. Este modelo bifásico comumente não é começam a ser detectados no soro. A principal
observado nas formas mais graves da doença. manifestação clínica na fase imune das formas
anictéricas é a meningite do tipo linfocitária benigna,
caracterizada por cefaleia intensa, vômitos e sinais de
irritação meníngea. As manifestações clínicas são
semelhantes àquelas que ocorrem nas meningites virais.
Diversas manifestações neurológicas têm sido mais
raramente descritas, como encefalite, paralisias focais,
espasticidade, nistagmo, convulsões, distúrbios visuais
de origem central, neurite periférica, paralisia de nervos
cranianos, radiculíte, síndrome de Guillain-Barré e
mielite. Hemorragia cerebral, meníngea ou pulmonar
pode ocasionalmente ocorrer na ausência de icterícia ou
insuficiência renal.

Figura 5 Natureza bifásica da leptospirose O acometimento ocular caracterizado por uveíte pode
surgir da 3ª semana até 1 ano após o desaparecimento
Forma Anictérica da sintomatologia, variando, em média, de 4 a 8 meses.
A leptospirose se apresenta como uma síndrome febril Caracteriza-se clinicamente por irite, iridociclite e,
aguda, de início súbito, tal como uma “gripe forte”. A ocasionalmente, coriorretinite, podendo ser uni ou
doença tem um curso caracteristicamente bifásico. bilateral, autolimitada, com ou sem episódios
recorrentes, ou, ainda, como processo crônico. As
♣ Fase Leptospirêmica: A doença tem início abrupto alterações oculares costumam desaparecer
com febre, acompanhada de calafrios, cefaleia e espontaneamente.
mialgia, principalmente nos músculos da panturrilha,
podendo acometer outros grupos musculares. A rigidez ♣ Laboratório: o hemograma costuma demonstrar
de nuca pode refletir acometimento meníngeo. leucocitose com desvio à esquerda, tal como outras
Anorexia, náuseas, vômitos, diarreia, prostração, dores infecções bacterianas clássicas. A leucometria encontra-
articulares e hiperemia ou hemorragia conjuntival são se na faixa entre 3.000 - 26.000/mm3. A plaquetopenia

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é um achado frequente na leptospirose (provavelmente misto. As alterações hemodinâmicas na leptospirose são
por “consumo” de plaquetas em consequência à semelhantes às observadas na sepse, caracterizadas por
ativação endotelial), ocorrendo em até 50% dos casos, diminuição da resistência vascular sistémica, diminuição
geralmente com valores entre 50.000 - 100.000/mm3. O da pressão arterial, aumento do índice cardíaco e da
hematócrito pode estar elevado (hemoconcentração), resistência vascular renal.
normal ou levemente reduzido. O VHS geralmente está
Os fenômenos hemorrágicos são frequentes na
elevado. As enzimas musculares, como a CPK, estão
síndrome de Weil, podendo ocorrer na pele, mucosas ou
elevadas em 50% dos casos.
órgãos internos. As hemorragias pulmonares podem
Forma Íctero-Hemorrágica ou “síndrome de Weil variar desde leves, com presença de escarros
hemoptoicos, até hemorragias maciças com hemoptises
Nesta forma da doença, é preciso associar o quadro asfixiantes. Também em graus variados de intensidade,
clinico anteriormente descrito com disfunção hepática podem ocorrer hemorragias gastrintestinais, como
demonstrada pela presença de icterícia, combinada ou melena, hematêmese ou enterorragia. O
não com IRA, presença de fenômenos hemorrágicos, comprometimento pulmonar é demonstrado no exame
alterações cardíacas, hemodinâmicas, pulmonares e radiológico pela presença de infiltrado pulmonar difuso
da consciência. A taxa de letalidade nesses casos pode ou localizado, uni ou bilateral, porém sem um padrão
passar de 10% na síndrome de Weil e ser muito mais típico de expressão radiológica. A insuficiência
elevada na hemorragia pulmonar. respiratória é atribuída às alterações da difusão do
A icterícia ocorre de 3 a 7 dias após o início da doença. oxigênio através da membrana alvéolo-capilar
Seu início é abrupto e, algumas vezes, se caracteriza por decorrente do edema e extravasamento de sangue no
coloração amarelo-avermelhada, a icterícia-rubínica. A interstício pulmonar, no interior de alvéolos, assim
icterícia pode ser intensa e, com frequência, os níveis de como pelo aumento do shunt arteriovenoso pulmonar.
bilirrubinas são superiores a 15 mg%. A urina é escura
(colúria) e geralmente não se observa acolia fecal.

O comprometimento renal na leptospirose caracteriza-


se por elevação de ureia e creatinina, aumento da fração
de excreção de sódio e alterações variáveis no exame de
urina, como leucocitúria, hematúria, proteinúria e
cristalúria. Oligúria ocorre com frequência variável A
IRA pode ser agravada por alterações hemodinâmicas,
Figura 7 Radiografia e TC de tórax de paciente com hemorragia
como desidratação e hipotensão arterial. É interessante pulmonar decorrente de leptospirose
observar que a acidose metabólica ocorre mais
comumente nos pacientes oligúricos. Alcalose O hemograma é semelhante ao da forma anictérica,
respiratória pode ocorrer na vigência de IRA. porém, com uma leucocitose mais acentuada e maior
Diferentemente de outras formas de IRA, na frequência de plaquetopenia. O VHS pode ultrapassar 90
leptospirose, os níveis de potássio plasmático estão mm/h – uma característica marcante desta síndrome. A
normais ou diminuídos, raramente elevados. Tal hiperbilirrubinemia tem predomínio nítido da fração
fenômeno é explicado pelo achado de alta fração de direta, refletindo um fenômeno de colestase intra-
excreção de potássio que acompanha a fração de hepática. Geralmente é acentuada, atingindo
excreção de sódio. eventualmente valores entre 60-80mg/dl. Enquanto
isso, as aminotransferases elevam-se pouco, não
O envolvimento cardíaco ocorre na forma de uma ultrapassando 200 U/L na maioria dos pacientes. Não há
miocardite aguda. As manifestações mais comuns são disfunção hepatocelular significativa, sendo as provas
alterações eletrocardiográficas e arritmia cardíaca e, de função hepática próximas ao normal (excluindo-se a
menos frequentemente, podem ocorrer insuficiência bilirrubina). Quando o TP alarga, costuma voltar ao
cardíaca e choque. O choque determinado pela doença normal após administração de vitamina K.
tem padrão hemodinâmico similar ao choque séptico,
com queda da resistência vascular sistêmica e aumento Diagnóstico
do índice cardíaco. Não raramente, pode haver
O diagnóstico deve ser feito com base em elementos de
associação de vários mecanismos, produzindo choque
ordem epidemiológica, associados a manifestações

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clinicas sugestivas e confirmação laboratorial. creatinofosfoquinase encontram-se elevadas, em graus
Considera-se caso confirmado de leptospirose quando variáveis. A hiperbilirrubinemia pode ser intensa, à
há: custa da fração direta.

 Isolamento da leptospira em algum espécime O comprometimento renal se revela pela elevação dos
clinico; níveis plasmáticos da ureia e creatinina. A fração de
 Aumento de 4 vezes o título inicial ou título excreção de sódio se eleva, e a depuração da creatinina
único maior ou igual a 1:800 pela reação de cai nos casos que evoluem com IRA. O potássio, mesmo
soroaglutinação microscópica; na presença de IRA, apresenta nível sérico normal ou
 Detecção de anticorpos da classe IgM pela diminuído. As alterações mais comuns do exame de
reação de ELISA. urina são leucocitúria, proteinúria e cilindrúria,
constituindo achados inespecíficos e de ocorrência
O isolamento da leptospira no sangue, urina ou liquido
variável.
cefalorraquidiano (LCR) pode ser feito em meios de
cultura apropriados. A cultura só pode ser considerada O LCR encontra-se frequentemente alterado. A
negativa após 6 a 8 semanas de crescimento em meio e pressão liquórico geralmente é normal, e o aspecto do
condições apropriadas, todavia, possui baixa LCR é límpido; nos casos com icterícia, é xantocrômico.
sensibilidade mesmo quando coletada nos primeiros A pleiocitose geralmente não ultrapassa 500
dias de sintomas. células/mm3 por conta de linfócitos, embora, numa
menor porcentagem de casos, possa haver predomínio
Na prática, a maioria dos casos de leptospirose é
de polimorfonucleares, principalmente no início da fase
diagnosticada por sorologia. Os anticorpos da classe
imune da doença. As proteínas se elevam pouco, e a
IgM são detectáveis no sangue após 5 a 7 dias do início
glicorraquia costuma ser normal.
dos sintomas e podem persistir por semanas ou meses
após a cura. Os testes mais utilizados são ELISA-IgM e No coagulograma realizado na fase aguda, pode haver
microaglutinação (MAT). A MAT é o padrão-ouro, alongamento do tempo de protrombina, o qual
entretanto, poucos laboratórios no Brasil estão aptos a geralmente se normaliza com a administração de
realizar esse exame, principalmente por requerer vitamina K. Não ocorre coagulação intravascular stricto
laboratório bem estruturado e treinamento técnico sensu na leptospirose humana.
especializado.
A gasometria arterial geralmente revela alcalose
A PCR tem se mostrado útil no diagnóstico de respiratória e acidose metabólica; nos casos mais
leptospirose, principalmente em grandes centros de graves, ocorre hipoxemia e acidose mista. O estudo
pesquisas. Os principais fatores limitantes são o custo, a radiológico do tórax pode ser normal ou mostrar
falta de padronização e a necessidade de tecnologia infiltrado intersticial e/ou parenquimatoso localizado ou
apropriada. difuso, uni ou bilateral. Mais raramente, pode ocorrer
derrame pleural. Não existe um padrão radiológico
Laboratório Inespecífico típico do comprometimento pulmonar na leptospirose.
Dentre os exames laboratoriais inespecíficos, podem O eletrocardiograma (ECG) pode expressar o
ser citados o leucograma, em que o mais característico comprometimento do miocárdio na doença, como
é a presença de neutrofilia e de desvio à esquerda. A alterações da repolarização ventricular, do ritmo
leucocitose, em geral, está presente em graus variados, cardíaco, bloqueios ou sobrecarga das câmaras.
podendo, em alguns casos, ser observada leucopenia ou
mesmo a contagem normal de leucócitos. A Tratamento
plaquetopenia é muito frequente na síndrome de Weil
que ocorre em nosso meio, e a intensidade é variável, A leptospirose grave deve ser tratada com penicilina
desde discreta até grave. A anemia pode ser de grau intravenosa (IV) assim que o diagnóstico seja
leve a moderado, podendo também ser consequente ao considerado. As leptospiras são altamente sensíveis a
quadro hemorrágico uma ampla variedade de antibióticos, e a intervenção
precoce pode prevenir o desenvolvimento de
As enzimas hepáticas (aminotransferases) estão pouco insuficiência de sistemas orgânicos importantes ou
alteradas, em geral, em níveis inferiores a 200 UI. A diminuir sua gravidade. Embora estudos dando suporte
fosfatase alcalina, a gamaglutamiltranspeptidase e a à terapia com antibióticos tenham produzido resultados

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conflitantes, os ensaios clínicos são difíceis de serem devem ser adotadas para controlar os animais
realizados em situações onde os pacientes portadores, em especial roedores e animais domésticos.
frequentemente se apresentam à assistência médica Entretanto, medidas de saneamento básico são
com estágios tardios da doença. Os antibióticos têm fundamentais, como redes de esgoto adequadas,
menor probabilidade de beneficiar pacientes nos quais retificação e canalização de córregos e coleta e destino
lesão de órgãos já tenha acontecido. A ceftriaxona, a adequado do lixo. Campanhas educacionais podem ser
cefotaxima ou a doxiciclina são alternativas implementadas com orientação da população quanto à
satisfatórias à penicilina para o tratamento da utilização de medidas protetoras, como o uso de botas
leptospirose grave. de borracha e luvas durante a limpeza do domicílio e
peridomicílio ou nos períodos imediatos após as
Em casos leves, o tratamento oral com doxiciclina,
enchentes, na manipulação do lixo e em outras
azitromicina, ampicilina ou amoxicilina é
situações de risco. Recomenda-se também orientar a
recomendado. Em regiões onde doenças por riquétsias
população para evitar atividades recreacionais em locais
também são endêmicas, doxiciclina ou azitromicina é o
com possibilidade de contaminação, como natação cem
fármaco de escolha. Em casos raros, uma reação de
lagos e pequenos rios, e que se utilize calçado adequado
Jarisch-Herxheimer se desenvolve dentro de horas após
em locais de pescarias.
o início da terapia antimicrobiana
Para indivíduos que vão atuar em áreas de risco, pode-
Um tratamento de suporte agressivo para leptospirose
se recomendar a administração de antibiótico
é essencial e pode salvar vidas. Pacientes com disfunção
profilático. Os grupos mais propensos a receber esse
renal sem oligúria precisam de reidratação agressiva
tipo de profilaxia são os militares, que vão atuar em
com líquidos e eletrólitos para prevenir desidratação e a
áreas de risco por um tempo limitado. A doxicidina é o
precipitação de insuficiência renal com oligúria. Diálise
antibiótico mais recomendado, pois tem se mostrado
peritoneal ou hemodiálise deve ser providenciada para
eficaz na proteção de indivíduos expostos. Recomenda-
pacientes com insuficiência renal e oligúria. Tem sido
se dose de 200 mg/dia, via oral, em intervalos semanais.
demonstrado que o início rápido de hemodiálise reduz
o risco de mortalidade e, geralmente, é necessário Em relação à profilaxia secundária, os estudos são
somente por períodos curtos. Pacientes com limitados. O antibiótico profilático está indicado após
hemorragia pulmonar podem ter complacência contato com água de enchentes ou após exposições de
pulmonar diminuída (como visto na SARA) e se risco. Nesses casos, recomenda-se o uso de doxiciclina
beneficiar de ventilação mecânica com volumes na dose de 100 mg, 2 vezes/dia, durante 7 dias.
correntes baixos para evitar pressões de ventilação
As vacinas disponíveis para humanos são baseadas em
altas. As evidências são contraditórias quanto ao uso de
extrato bruto da bactéria e só protegem contra os
glicocorticoides e desmopressina como terapia adjunta
sorotipos contidos nesta. Essas vacinas não produzem
para o envolvimento pulmonar associado à leptospirose
imunidade duradoura nem imunidade cruzada contra
grave.
sorotipos não incluídos na preparação, portanto, para
ser eficiente, a vacina precisa ter agrupados os sorotipos
mais prevalentes em cada região geográfica. Vacinas
para animais de agricultura e de companhia geralmente
estão disponíveis, e seu uso deve ser encorajado. A
vacina veterinária usada em uma dada área deve conter
os sorovares que se sabe estarem presentes ali.

Diagnósticos Diferenciais
Malária; Dengue; Zika; Chikungunya; Influenza; Febre
tifoide; Erliquiose; Hepatites virais; Infecção aguda por
Profilaxia HIV; Doenças por riquétsias; Infecção por Hantavírus;
Febre amarela.
Evitar que o homem entre em contato com água ou
coleções de água contaminadas constitui a base das
medidas profiláticas. Desta forma, diversas providências

Pedro Philippo

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