Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Natal
fevereiro de 2015
1
Orientação:
Professor Dr. Francisco das Chagas
Fernandes Santiago Júnior
Natal
fevereiro de 2015
2
AGRADECIMENTOS
Os últimos meses foram árduos e de muita renúncia, mas, ao fim do longo caminho
que se mostrou o mestrado, agradeço a Deus e às várias “mãos” que me ajudaram na
confecção desse trabalho.
Ao meu amado amigo Thiago Alves Dias, que me incentivou, apoiou, criticou e
ajudou do inicio ao fim dessa caminhada. Amigo de palavras duras, mas, por vezes,
necessária para me mover da inércia, e de bondade tamanha capaz de mover o mundo para
ajudar aqueles a quem ama. Se estou aqui hoje, agradeço especialmente a você, Thiago.
Ao meu amigo/amor Maurício Moinho, quando, em meio aos “aperreios” de sua vida,
sempre encontrou tempo para ajudar nos meus escritos e na minha vida. Amigo que exala
generosidade e sabedoria em seus poros, assim sendo, impossível não amá-lo. Basta um olhar,
um abraço, e parece que toda tormenta é acalmada. Seu espírito libertário e sua garra diante
das dificuldades da vida tornam-o ainda mais especial. Sempre quando me refiro a ele afirmo
sem pestanejar: ele é um ser humano lindo!
À Elisângela Andrade, que, pacientemente, corrigiu esse trabalho, mesmo não
gostando da tarefa, mas realizando-a para me ajudar. Uma amiga/irmã que encontrei nas
cadeiras do setor II e que, desde então, a admiro pela inteligência, dedicação, competência e
amor com que realiza suas tarefas diárias, inclusive, regando nossa amizade com os mesmos
atributos.
À querida professora Margarida, exemplo de profissional. Por vezes, quando estava na
difícil tarefa de conclusão deste trabalho, desejava ser a mulher batalhadora, a profissional
exemplar, a cidadã engajada, que, para mim, Margarida Dias é. Pensar em falhar nesse
momento é, ao mesmo tempo, ter medo de decepcioná-la, pois ela se tornou uma das
mulheres que mais admiro na vida. Parte do que sou e do que penso hoje se devem, em grande
medida, ao aprendizado do convívio com Margarida Dias, minha eterna e inesquecível
professora.
Ao professor Santiago, que chegou com tanta inteligência e erudição que conquistou,
sem muito esforço, a turma do mestrado, inclusive a mim. Assistir a suas aulas era como
visualizar o mundo inteiro pela frente. Não tinha papel, nem caneta, nem memória que
suportasse a imensidão do mundo que ele nos trazia naquele momento. Profissional exemplar
e sensível às dificuldades nessa jornada, a quem agradeço pela ajuda, principalmente nos
4
últimos meses de finalização desse trabalho. Se os dias foram difíceis, sem sua ajuda teriam
se tornado impossíveis.
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela formação profissional e pelas
oportunidades de convívio que me possibilitaram ser a cidadã que hoje sou.
Ao PPGH-UFRN, pela oportunidade do aprofundamento dos estudos. Concluir os
componentes curriculares, trabalhar com metodologias diversas dos professores, construir os
trabalhos de final de curso, terminar essa dissertação, não se mostraram enquanto tarefas
fáceis, mas que, ao final, prevaleceu a certeza do aprendizado enquanto historiadora.
À CAPES, pela bolsa concedida. Essa ajuda financeira foi essencial para a realização
dos meus estudos na pós-graduação.
Aos professores do departamento que contribuíram para a minha formação, em
especial, ao professor Helder Viana, pela preocupação constante de trazer para as aulas
materiais que dialogassem com nossas pesquisas, e a eterna generosidade com a qual sempre
atende a seus alunos; à professora Juliana Teixeira Souza, pelas contribuições no processo de
qualificação, pelas discussões em sala de aula e pelo riso frouxo, que tornava a aula mais leve
e prazerosa; ao professor Renato Amado Peixoto, pelas construtivas discussões durante a
disciplina de Teoria da História, que foi “suada” demais, mas, ao final, a aprendizagem foi
enorme. Gostaria de agradecer também à professora Inês Sucupira Stamatto, pelas
contribuições durante as aulas no Departamento de Educação, como também pela constante
disponibilidade em sugerir, orientar e ajudar as dificuldades surgidas na pesquisa.
Ao grupo de pesquisa Espaço, Poder e Práticas Sociais, pelas discussões promovidas e,
consequentemente, pelas contribuições que forneceram para pensar o meu objeto de pesquisa
em relação ao ensino de História, às relações de poder e às questões culturais.
À minha turma do PPGH, companheiros de “aperreios” acadêmicos e também de
conversas descontraídas dentro e fora da UFRN. Em especial à Leda, que, além de
compartilhar comigo as angústias relacionadas aos nossos objetos de pesquisa, apoiou-me e
tranquilizou nos momentos de desespero. A Carlos, Ariane, Adriana Ramos, Diego, Felipe
Tavares, Felipe Dantas, Gabriela, Islândia, Mayara, Naldinho, Thyago, Ruzemberg, Tiago
Tavares, Rafael, Regina, historiadores dedicados e batalhadores na tarefa de adquirir
conhecimento para transformar suas vidas e as do próximo.
Agora meus agradecimentos vão para aqueles que, mesmo indiretamente, me
ajudaram, apoiaram e foram – e são – determinantes em qualquer etapa de minha vida.
5
Aos meus avós/pais que me criaram com o maior amor que podiam me oferecer e até
hoje, mesmo sem noção nenhuma do que representa o mestrado em minha vida, orgulham-se
e me apoiam em todos os momentos.
À minha mãe, mulher guerreira, à “frente do seu tempo”, que, apesar das dores que a
vida lhe causou, não perde a determinação e otimismo à espera por dias melhores. À mulher
que até hoje abdica de si mesma para se dedicar aos pais, filhos e netos. Ao refúgio de todas
as horas e a eterna disposição de me ajudar, cuidando da minha filha como se fosse sua, meu
muito e eterno obrigada.
Ao meu pai, que, diante das perdas que sofreu, fez da vida dos filhos a sua própria.
Que a cada conquista e perda que sofri, vibrou e chorou junto a mim. Uma pessoa que mal
conseguira concluir a ensino básico e, até hoje, sofrendo as consequências que isso traz diante
do mercado de trabalho, compreendeu e ensinou aos filhos, a mim, que o estudo era a meta a
ser seguida, sempre.
À minha irmã, que foi a primeira na família a obter um diploma de nível superior,
servindo-me como um espelho, mostrando-me que eu também seria capaz. Por Cecília,
sobrinha linda e dedicada que amo como filha. Pelo amor que oferece à minha filha e a mim,
meu muito obrigada.
Ao meu irmão caçula, um eterno menino que, de coração bondoso e teimoso, está
sempre disposto a ajudar. À Anita, minha sobrinha e filha de coração, que transformou
tristeza em alegria no 02 de fevereiro... À Micaely, a “menina mulher” que me ofereceu ajuda
fundamental nos primeiros meses de vida da minha pequena. Meu muito obrigada pela família
que são para mim.
Ao meu maior amigo, Companheiro, esposo e amor, que por tantas vezes trouxe de
volta minha felicidade. Assim, agradeço a maior e eterna felicidade que me ofereceu: a
pequena Clarice, que ao mundo chegou apressada para me mostrar o sentimento mais puro e
grandioso que pode ser experimentado. Agradeço também pelo apoio, mesmo que, por vezes,
impaciente no último mês de finalização desse trabalho, sendo a mãe que não consegui ser.
Amo-te, Rafa.
À minha pequena... À Clarice, a melhor parte de mim.
Aos meus familiares que se foram e agora partilham a vida comigo através das
lembranças. À minha avó Iolanda e meu avô Arcênio, muito obrigada pela infância, pelas
eternas memórias debaixo do “pé de azeitona”; e aos meus tios, que foram cedo demais.
Aos amigos que a UFRN me deu... Agradeço à Universidade pelo encontro com
Adriana, a guerreira, mãe, amiga de todas as horas, que nunca limitou esforços para me apoiar
6
nos momentos mais difíceis. Com Aline, a nossa pernambucana, a “menina de engenho” mais
doce e amável que conheci, que nos encanta com a sua fala mansa e sempre pronta para nos
fazer feliz quando compartilha sua experiência de saber que o Egito é pobre em ouro e rico
em prata. Ao encontro com Margô, mulher de gênio difícil, mas impossível de não ser amada
à “segunda vista”. Ao encontro presencial com Myrica, porque, pelas coincidências e
semelhanças que se fazem presentes, nossas almas e vidas parecem ter se encontrado em
alguma espécie de plano espiritual. Agradeço também ao encontro mais rápido e marcante
com a inesquecível Tássia. Nossa estrelinha. Nossa menina doce. Lutadora. Que sem muito
tempo para se despedir, deixou-nos a lição de que a vida, mesmo que passageira, vale a pena
ser vivida; também nos ensinou muito “sobre sinos e as borboletas”... Meu muito obrigada a
vocês, a família que amo e escolhi ter.
Aos eternos amigos, Aline, Dany, Enio, Kibson, Moni, Paulo (Chico), Rodrigo,
Rodrigo Rodrigues, Thiago César, que há anos compartilham momentos de felicidade e
tristeza, e se alegram a cada conquista minha.
Aos meus pequenos/grandes alunos das aulas particulares, que me faziam perceber
como é bom ensinar/aprender História. Saudades imensas de Carolzinha, Gabi e Daniel...
Por fim, agradeço à História... O curso que me transformou. Tenho alguns marcos em
minha vida e um deles com certeza é a História.
7
RESUMO
ABSTRACT
This research attempts to problematize the history teaching, regarding its use to
"communicate" certain idea of what the Rio Grande do Norte culture and, consequently, how
this teaching is being used to build and/or set a local identity. To this end, we will use the
institutionalization of the "RN Culture" discipline, perceiving it as a state policy that aims to
bring to the attention of school subjects the cultural expressions that are connected to the RN
identity. We will analyze the narratives that were selected, organized and produced before the
discipline development process in 2007, which modified the Curriculum Structure of Basic
Education of the public schools of Rio Grande do Norte, in order to identify and understand
conceptions of mobilized culture and possibilities for developments in the history teaching.
ÍNDICE
FIGURAS
TABELAS
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 146
12
INTRODUÇÃO
1
Ainda que esteja em constante litígio, em disputa, parte das elites cultural e política do Estado do Rio Grande
do Norte parece ter formado um consenso mínimo do que seja a “cultura nativa” ou “local”, a qual, pelo que se
pode apreender desse discurso, distinguiria um aquém de um além, definindo e particularizando esse potiguar.
Ver: GOMES NETO, 2011.
2
O “Conhecer” e o “divulgar” a cultura do Rio Grande do Norte, para a formação da identidade potiguar,
referem-se a um dos objetivos principais tanto para o Projeto de desenvolvimento do componente curricular
Cultura do RN quanto também das Diretrizes Curriculares Estaduais para o Ensino de Cultura do RN.
3
O Estado, neste trabalho, está sendo tomado a partir de uma perspectiva gramsciniana, isto é, compreendendo
que o Estado não limita-se ao aparelho repressivo de Estado, mas, sim, abrange uma série de instituições da
sociedade civil, tais como igrejas, escolas, sindicatos, academias etc. Ver: CHRITINNE, 1980.
13
estabelecimento da disciplina “Cultura do RN” para perceber como algumas dessas demandas
são postas por segmentos sociais diversos.
Sendo assim, pretendemos investigar o que o Estado vem entendendo como cultura do
Rio Grande do Norte e quais as demandas sócio-políticas que estão ligadas a essa necessidade
de instituir-se uma disciplina específica para se trabalhar “cultura do RN”. A análise dos
documentos oficiais, que institucionalizaram a disciplina – o “Projeto para o desenvolvimento
do componente curricular Cultura do RN”4 e as “Diretrizes Curriculares Estaduais para o
Ensino de Cultura do RN”5 –, e do livro – Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte –,
produzidos e relacionados a ela, possibilitará problematizar os elementos simbólicos que
foram, e/ou estão sendo, selecionados e/ou apresentados como constituintes de uma
concepção de cultura local. Neste processo, é imprescindível investigar também que
intelectuais estão inseridos nesse campo de produção (BOURDIEU, 1998), pensando esse
debate como um espaço no qual lutas simbólicas são travadas, levando determinados grupos
sociais a se sobreporem a outros de forma a se legitimarem.
A nova disciplina passou, então, a compor a estrutura curricular estadual em 2007,
ocupando parte da carga horária da disciplina de História e também, geralmente, ministrada
pelo profissional da área. Anterior à mudança curricular, o conteúdo disciplinar, referente à
parte diversificada, deveria ser trabalhado de forma interdisciplinar, como prevê o Artigo 137
da Constituição potiguar (RIO GRANDE DO NORTE, 1989):
4
O Projeto, para o desenvolvimento do componente curricular Cultura do RN, constitui-se em um documento de
13 (treze) páginas, não numeradas, que apresenta e desenvolve os seguintes tópicos: Apresentação, Objetivos,
Objetivos, Metodologia, Plano de ação, Cronograma de execução, Informações técnicas para cálculos do plano
de ação e Memória de cálculos.
5
As Diretrizes Curriculares Estaduais para o Ensino da Cultura do RN se constituem em um documento de 09
(nove) páginas, não numeradas, que apresenta e desenvolve os seguintes tópicos: Diretrizes – no total de três -,
Indicações de leitura, Conclusão e Referências.
14
6
Os componentes curriculares previstos para compor a Estrutura Curricular de 2007 foram: Língua Estrangeira e
Cultura do RN.
15
Uma pesquisa de campo também foi realizada em 05 (cinco)7 escolas públicas da rede
estadual de Ensino Fundamental e em todas constatamos que a grade curricular estava em
consonância com a fornecida pela Secretaria. Ou seja, depois da reforma, a disciplina de
História ficou apenas com duas aulas semanais, assim, passando uma ao novo componente
curricular. Quanto aos professores encarregados por ministrar “Cultura do RN”, em todas as
escolas, a direção se posicionou no sentido de afirmar que geralmente era o professor de
História quem se incumbia pela disciplina. A exceção dava-se apenas quando este professor já
tinha sua carga horária preenchida ou quando faltava. Nestes casos, as aulas poderiam ser
direcionadas a outros professores da área de humanas, como os de sociologia, filosofia, artes e
geografia.
A partir dessas informações preliminares, sugerimos, então, que o direcionamento do
desenvolvimento do componente curricular “Cultura do RN” ao ensino de História fez parte
de um “movimento natural”, no qual a disciplina de História foi tomada enquanto um espaço
ligado às questões culturais de uma sociedade e, por isso, relacionada à formação da
identidade de um povo. Nesse sentido, o deslocamento e, consequentemente, o encontro da
disciplina “Cultura do RN” com o ensino de História, na perspectiva deste trabalho, é possível
devido a uma tendência deste último a ser compreendido enquanto um espaço que exerce uma
funcionalidade de trabalhar as questões ditas culturais para a construção um sentimento
identitário entre os indivíduos.
Em outros termos, podemos dizer que parece haver um consenso na intelectualidade
local que ao ensino de História é reservado a tarefa de mobilizar a dimensão cultural e,
sobretudo, de despertar e/ou construir um sentimento de pertencimento entre os indivíduos de
uma comunidade. Assim sendo, existe um pressuposto de que a vinculação entre cultura e
ensino de História está inserida na própria concepção deste último, isto é, o ensino de História
enquanto espaço de práticas formadoras de identidades (CERTEAU, 1999). Nesse ponto
reside um dos objetivos dessa pesquisa: pensar os usos e funções do ensino de História em
relação à construção de identidades.
Partindo do pressuposto de que as identidades, antes de pré-existir, são frutos de
relações sociais distintas e, por isso, construídas de acordo com os desejos e necessidades dos
indivíduos. Para tanto, investigaremos a disciplina “Cultura do RN” – inserida no ensino de
7
As escolas pesquisadas foram: Escola Estadual Professora Zila Mamede, Escola Estadual Governador
Walfredo Gurgel, Escola Estadual Professora Maria Nalva Xavier Albuquerque, Escola Estadual Henrique
Castriciano de Souza e Escola Estadual as Marias; sendo que as 03 (três) primeiras localizadas no município de
Natal e as 02 (duas) últimas, uma no município de Macaíba e a outra sendo no distrito deste, “As Marias”.
16
8
Entendemos que não é tanto a coerência entre propostas teóricas diversas, mas como o conjunto destas
propostas permite pensar o objeto em questão de forma nova, criativa e funcional para seu momento.
19
Assim, caminhando nas veredas do que se definiu como uma cultura potiguar, a partir
das proposições do projeto de desenvolvimento da disciplina, procuramos discutir como as
questões culturais relacionadas a uma territorialidade potiguar estão ligadas ao processo de
patrimonialização e folclorização das chamadas expressões culturais, com base, sobretudo,
nas contribuições teóricas de Cecília Londres, Néstor Garcia Canclini, Michel de Certeau e
Durval Muniz de Albuquerque Júnior9. Detectamos como, neste processo, a “tradição” é
chamada enquanto elemento fundamental das políticas públicas que versam sobre cultura e
patrimônio.
Também no segundo capítulo, após analisarmos as concepções de cultura mobilizadas
na disciplina “Cultura do RN”, sobretudo a partir do livro Introdução à Cultura do Rio
Grande do Norte, investigaremos o seu campo de produção (BOURDIEU, 1998), ou seja, os
autores Tarcísio Gurgel, Vicente Vitoriano e Deífilo Gurgel, identificando as referências
intelectuais destes, a fim de apontar quais memórias foram colocadas em movimento no
componente curricular. Deste modo, toma-se a disciplina de História, no que tange ao
desenvolvimento de “Cultura do RN”, enquanto espaço de disputas, envolto por estratégias de
dominação (BOURDIEU, 1996) por parte de diferentes grupos que tentam legitimar valores e
práticas. Observamos na institucionalização discutida uma perspectiva reprodutivista para a
escola. O espaço escolar, em geral, e o ensino de História, em específico, é “alvo” de disputas
de grupos que tentam “comunicar” determinadas concepções da realidade.
Compreendendo que a definição de determinada ideia de cultura do Rio Grande do
Norte foi mobilizada a partir de uma demanda social direcionada à escola, com o terceiro e
último capítulo, denominado Os usos e funções do ensino de História na disciplina “Cultura
do RN”, buscaremos relacionar os usos e funções sociais do ensino de História em relação à
disciplina “Cultura do RN”, problematizando como o conhecimento histórico é utilizado
como espaço de lutas e interesses sociais diversos.
Essa utilidade social do saber historicamente construído busca um sentido de
orientação temporal e espacial, de acordo com o historiador e filósofo Jörn Rüsen. Dessa
forma, inicialmente, refletiremos sobre a função social da história (RÜSEN, 2010) referente à
construção de um sentimento identitário, no caso específico dessa pesquisa, dos indivíduos
que estão circunscritos no Estado do Rio Grande do Norte. De acordo com o historiador, a
movimentação do conhecimento histórico estaria vinculada exatamente a esse sentido de
9
Apesar de alguns desses autores pertencerem a escolas teóricas diversas, a instrumentalização de suas teorias
foram fundamentais para pensar o processo de patrimonialização e folclorização, bem como as concepções de
tradição que os transitam diante da institucionalização da disciplina “Cultura do RN”.
20
10
Os livros em questão foram: Para Conhecer a História do Rio grande do Norte, de autoria de Marlene da
Silva Mariz e Valda Marcelino Tolkmitt, e Rio Grande do Norte: história, cultura e identidade, de autoria de
Marlúcia Galvão Brandão.
21
Chegando a um dos pontos fundamentais que motivou este trabalho: quais as noções de
aprendizagem e ensino de História que estão sendo perspectivadas/projetadas para a disciplina
“Cultura do RN”.
Não é de hoje que a escola é compreendida como uma instância capaz de resolver e
pensar os problemas sociais. Sua criação nos mais diversos tempos e espaços veio a responder
diferentes anseios da sociedade. Nas sociedades modernas, principalmente, devido à
complexificação dos processos científicos, preparar os indivíduos para atuarem nos processos
práticos destas sociedades constituiu-se numa tarefa fundamental e estratégica para a
sustentação das organizações sociais.
Contudo, de acordo com novas relações sociais, tempos e espaços vivenciados pelas
sociedades modernas, as concepções de ensino e aprendizagem alteraram-se no sentido de
responder às novas demandas. Assim, se há algumas décadas, no Brasil especificamente,
buscava-se na escola a função de “transmissão” e “assimilação” do conhecimento nas diversas
áreas de ensino, atualmente, o ensino escolar pauta-se pela necessidade de diálogo entre os
agentes escolares e as instâncias sociais no sentido de construir um pensamento crítico e
reflexivo.
Com as transformações ocorridas no Brasil, no final da década de 1970 e início da
década de 1980, provocadas pelo declínio das relações sociais e políticas autoritárias,
22
emergiram nas várias instâncias sociais questionamentos em relação à escola e seu processo
educativo. De acordo com Caimi (2001, p. 16),
Diante desse quadro, a escola constitui-se como um espaço garantidor dos desejos e
direitos que a sociedade considera como fundamentais. No exercício com a cidadania e o
mundo de trabalho, várias demandas foram direcionadas ao espaço escolar a fim de serem
atendidas. Estado, família, movimentos sociais e a sociedade como o todo formam grupos e
instituições que buscam responder suas necessidades no tempo por meio da escola, tornando-
se, assim, um espaço de práticas e lutas que são travadas pelos diferentes grupos, isto é,
11
Redação do artigo 26-A da LDB/1996 conforme a Lei 11.645 de 2008.
24
[...] pode-se afirmar que o ensino em ambiente escolar representa, em igual título
com a pesquisa científica, o trabalho industrial, a tecnologia, a criação artística e a
prática política, uma das esferas fundamentais de ação nas sociedades modernas, ou
seja, uma das esferas em que o social, através de seus atores, seus movimentos
sociais, suas políticas e suas organizações, volta-se reflexivamente a si mesmo para
assumir-se como objeto de atividades, projeções de ação e, finalmente, de
transformações.
Sabendo disso, mesmo que de forma limitada, as mais diversas áreas científicas vêm
ocupando-se em discutir a escola e seus agentes, desde as ciências sociais, a filosofia, a
história e, sobretudo, a educação. No Brasil, ocorreu a predominância de estudos sobre a
escola naquele último campo, o que, muita vezes, impediu que essa instituição fosse vista em
suas múltiplas relações, entendendo que cada área tem sua contribuição específica dentro de
uma situação pedagógica. Em outras palavras, podemos dizer que não devemos reservar
apenas aos estudos pedagógicos a tarefa de compreender o espaço escolar em sua totalidade,
uma vez que cada disciplina deve pensar os seus usos e funções numa situação didática que
excede o campo consagrado da pedagogia em suas dimensões sociais e históricas. Assim, o
historiador e filósofo Jörn Rüsen, por exemplo, desenvolveu para o ensino de História, ou seja,
o saber construído pela ciência da História em uma situação de aprendizagem histórica, o que
ele chamou de uma Didática da História:
[...] a teoria da História assume, pois, no campo da formação histórica, uma função
didática de orientação. A teoria da História torna-se, assim, uma didática, uma
teoria do aprendizado histórico [...]. Essa função didática de orientação da teoria da
história pode ser exemplificada com o ensino de história nas escolas. Trata-se de um
equívoco comum (e não só dos historiadores, que não têm a menor noção do
25
Assim, várias instituições foram alvo de desenvolvimento do poder disciplinar. Em sua obra
Vigiar e Punir, ele elencou instituições como quartéis, hospitais, escolas e manicômios como
espaços que passaram a ser pensados minuciosamente em sua estrutura e regras de
convivência, de modo a permitir um controle eficaz sobre os sujeitos que nelas se
encontravam.
Em Vigiar e Punir, trabalhou a teoria de que a escola desempenhava a função de
instituição disciplinadora, utilizada para “docilizar” os corpos, isto é, “[...] um corpo que pode
ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”
(FOUCAULT, 1986, p. 126). Nessa perspectiva, a instituição escolar serviria ao fim
disciplinar, levando os sujeitos a caminharem de acordo com regras pré-estabelecidas.
Referente ao espaço escolar, Foucault (1986, p. 134) exemplifica as classes e as fileiras como
mecanismos disciplinadores, uma vez que
Dessa maneira, percebemos que a organização da escola não era de forma alguma
natural, tanto no passado como hoje em dia. Existe uma racionalidade que envolve sua
estrutura arquitetônica, currículo, regras, rotina, tornando-se, assim, alvo de interesses de
grupos que buscam controlar disciplinarmente seus valores e práticas. Para Foucault, tanto a
estruturação física do espaço na escola (distribuição dos lugares como salas e pátios para fins
específicos) como o estabelecimento de ordens em rotinas (horários, afazeres), aprendizado
(currículo), compunham a instituição como disciplina. Uma vez que os elementos desta escola
do século XVIII persistem no século XX, a ideia de escola como domesticadora de corpos e
saberes continha, no fundo, uma crítica de Foucault ao mundo que lhe era contemporâneo.
Ao longo do século XVIII, de acordo com Foucault, as instituições modernas
desenvolveram formas mais intensas de caráter disciplinador. Aquele contexto, especialmente,
sofreu profundas alterações em suas relações sociais, econômicas e na vida dos trabalhadores,
27
12
Ver: NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2006.
28
se não pela ausência de inteligência ou práticas de raciocínio dos sujeitos, mas sim pelo
trabalho eficaz com que os símbolos são estruturados de modo a atuarem silenciosamente.
Neste processo, o campo de produção se faz fundamental, uma vez que é por meio dos ditos
especialistas (intelectuais e letrados, em geral) que as estruturas serão estruturadas, ou seja, os
símbolos serão mobilizados pelos especialistas de forma a produzir uma ideia de realidade e,
consequentemente, produzir um consenso sobre a mesma.
As produções simbólicas, dessa forma, tornam-se interessantes para grupos sociais que
desejam produzir determinadas concepções de realidade, haja vista que o consenso que
“aparentemente” provocaria uma harmonia, funciona na prática como um instrumento de
grupos para impor determinadas regras e distinções sociais:
Forjada através das estruturas estruturantes, a distinção social também produz o que o
autor chamou de violência simbólica. De acordo com ele, a violência simbólica se daria
exatamente nos momentos em que determinados símbolos e significados de grupos são
impostos em detrimento de outros grupos sociais, criando uma relação de dominação. Pelas
características de como as formas simbólicas são utilizadas, sua ação é silenciosa e sem uso
de força física, produzindo uma violência que na maioria das vezes não é identificada. Assim,
Bourdieu (1998, p. 8) entendeu que “[...] o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível
o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão
sujeitos ou mesmo que o exercem.”
Compreende-se, a partir dessas questões, que os estudos de Bourdieu contribuíram
significativamente para perceber as estratégias de utilização do sistema escolar pelos
diferentes grupos sociais, com o intuito de legitimar seus valores e práticas. Pois, de acordo
com ele, “[...] as escolas também desempenham grande parte da distribuição dos tipos de
elementos normativos e das propensões exigidas para fazer dessa desigualdade algo natural”
(BOURDIEU, 1996, p. 81). Isso se torna ainda mais significativo levando-se em consideração
as relações entre o ser social e o conhecimento histórico, analisadas pelo referido intelectual:
29
podemos compreender que o ser social é aquilo que foi; mas também que aquilo que
uma vez ficou para sempre inscrito não só na história, o que é óbvio, mas também
no ser social, nas coisas e no corpo. [...] O processo de instituição, de
estabelecimento, quer dizer, a objetivação e a incorporação como acumulação nas
coisas e nos corpos de um conjunto de conquistas históricas, que trazem a marca das
suas condições de produção e que tendem a gerar as condições de sua própria
reprodução (quanto mais não fosse pelo efeito de demonstração e de imposição das
necessidades que um bem exerce unicamente pela sua existência), aniquila
continuamente possíveis laterais. À medida que a história avança, estes possíveis
tornam-se cada vez mais improváveis, mais difíceis de realizar, porque a sua
passagem à existência suporia a destruição, a neutralização ou a reconversão de uma
parte maior ou menor da herança histórica – que é também um capital –, e mesmo
mais difíceis de pensar, porque os esquemas de pensamentos e de percepção são,
em cada momento, produto das opções anteriores transformadas em coisas
(BOURDIEU, 1998, p. 100-101).
O conhecimento histórico foi entendido pelo autor como integrante do ser social, isto é,
“somos” aquilo que nosso passado foi; e, por isso, as experiências históricas têm grande peso
na realidade, além de, potencialmente, pela importância que adquiriram com o passar do
tempo, possibilitarem um processo de reprodução de sua herança, uma vez que a ideia de
“novas” experiências poderia gerar um sentimento de destruição daquilo que outrora fora
constituído. Nesse ponto, o ensino de História, especificamente, poderia desempenhar um
papel fundamental, haja vista ser compreendido como o grande responsável, no ensino regular,
de mobilizar a história e seus acontecimentos. Dessa forma, a escola e, principalmente, o
ensino de História configuram-se enquanto espaços de disputas pela manutenção e reprodução
de determinada herança histórica.
Desenvolvido por Bourdieu (1996), o conceito de espaço social contribuiu para
pensarmos as disputas e tensões sociais entre os diferentes grupos pela instalação e/ou
reprodução de determinadas estruturas históricas no espaço escolar, entendendo que “a
instituição escolar contribui para reproduzir a distribuição do capital cultural e, assim, a
estrutura do espaço social.” (BOURDIEU, 1996, p. 35). Não apenas a função de reprodução,
mas também a escola funciona como legitimadora de uma “ordem social”, assim, alcançando
através da violência simbólica o que socialmente seria obtido por meio da força.
Nesse processo, o habitus desempenha função fundamental, haja vista que se
constituem em “[...] princípios geradores de práticas distintas e distintivas” (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 1996, p. 63). Em outras palavras, podemos dizer que o espaço social é
composto de indivíduos e grupos distintos que tendem a buscar uma hegemonia em relação a
suas posições e práticas sociais.
30
uma vez que as teorias são instrumentos de análise que não devem ser aplicadas no sentido de
“enquadrar” os objetos. E aqui cabe uma ressalva: em que pese a historicamente forte
apropriação das teorias francesas no Brasil, sobretudo no âmbito do sistema educacional,
carecemos atentar para o fato de que, ao nos apropriarmos das teorias, devemos pensar em
suas possibilidades e limites diante dos diferentes objetos estudados, considerando a
diversidade das realidades temporal e espacial das práticas e instituições educacionais .
Além disso, é importante compreender que Foucault trabalhou com formas muito
gerais de mecanismos disciplinadores, agregando instituições distintas como hospitais,
manicômios, prisões, quartéis, escolas em uma mesma lógica. “[...] Foucault trata as
organizações disciplinares tal como são sintetizadas pela prisão e pelo manicômio –
‘instituições totais’, na frase de Goffman” (GIDDENS, 2003, p. 181). Assim, não observou
suas especificidades e, consequentemente, desenvolveu uma teoria geral na qual
desconsiderou a dinâmica específica de cada espaço:
Nessa perspectiva, a escola não pode ser tomada enquanto uma “instituição total”,
uma vez que não está limitada a um confinamento constante. Crianças e adolescentes
frequentam a escola apenas em uma parte do tempo, isto quer dizer que, em outros momentos,
têm contato com ambientes distintos, como, por exemplo, o familiar. Ademais, na própria
organização do tempo escolar, a disciplina varia de acordo com momentos distintos, havendo
alguns mais flexíveis (intervalo para o lanche) e outros mais severos (avaliações). Dessa
forma, embora seja permeada por mecanismos de poder e disciplina, a escola não pode ser
concebida enquanto uma instituição hermeticamente fechada, na qual prevalece o poder
panóptico.
A teoria de Foucault não apenas apresenta limites em analisar a escola à luz de uma
lógica de “confinamento completo”, como também em não pensar a maneira pela qual os
sujeitos apropriam-se desses mecanismos. Isto é,
[...] os “corpos” de Foucault não são agentes. Até as mais rigorosas formas de
disciplina pressupõem que os que lhes estão submetidos são agentes humanos
“capazes”, sendo essa a razão de eles terem de ser “educados”, ao passo que as
máquinas são meramente projetadas. Mas, a menos que estejam sujeitos a mais
extrema privação de recursos, os agentes capazes são suscetíveis de se submeterem à
32
desde que a docência moderna existe, ela se realiza numa escola, ou seja, num lugar
organizado, espacial e socialmente separado dos outros espaços da vida social e
cotidiana. Ora, a escola possui algumas características organizacionais e sociais que
influenciam o trabalho dos agentes escolares. Como lugar de trabalho, ela não é
apenas um espaço físico, mas também um espaço social que define como o trabalho
dos professores é repartido e realizado, como é planejado, supervisionado,
remunerado e visto por outros. Esse lugar também é o produto de convenções
sociais e históricas que se traduzem em rotinas organizacionais relativamente
estáveis através do tempo. É um espaço socio-organizacional no qual atuam diversos
indivíduos ligados entre si por vários tipos de relações, mais ou menos formalizadas,
abrigando tensões, negociações, colaborações, conflitos e reajustamentos
circunstanciais ou profundos de suas relações.
significados que estão para além de sua estrutura física. Embora os autores citados
anteriormente entendam os conceitos de “lugar” (espaço significado) e “espaço” (estrutura
física) a partir de nomenclaturas distintas da ideia de espaço escolar trabalhada neste texto, as
definições da escola no que tange as suas relações sociais dialogam, uma vez que o “lugar” –
na perspectiva de Maurice Tardif, Claude Lessard e Yi-Fu Tuan – e o “espaço escolar”
aproximam-se, na medida em que concebem a escola a partir de uma dimensão social, envolta
por signos que operacionalizam determinadas relações sociais.
Pensando nessa perspectiva, na qual a escola é um constructo social ou, nos termos
dos autores citados, um lugar formado a partir de relações sociais distintas, pretendemos
agora trazer algumas contribuições, sobretudo, de historiadores que, de certa forma, têm se
debruçado em discussões sobre o espaço escolar e/ou, mais especificamente, o ensino de
História. Assim, serão problematizados elementos que constituem este espaço, tais como
currículos, materiais didáticos e formas de apropriações realizadas pelos agentes escolares.
Tal reflexão historiográfica é significativa para pensar nosso objeto de estudo, uma
vez que, embora a disciplina tópico desta pesquisa seja de “Cultura do RN”, entendemos que
a mesma foi deslocada para o ensino de História a partir de um consenso ou tendência de
concebê-lo enquanto um campo disciplinar ao qual se destinam as questões culturais e
identitárias de uma sociedade. Dessa forma, perceber os usos e funções sociais do ensino de
História é imprescindível para pensar as relações que estão inseridas na institucionalização da
disciplina “Cultura do RN”, como as disputas de grupos, demandas sociais, constituições
curriculares, políticas identitárias etc.
Ponderando especificamente no ensino de História, inserido na constituição do espaço
escolar, historiador e teórico da história, o alemão Jörn Rüsen nos ofereceu significativas
contribuições no desenvolvimento do conceito de quadros de orientações autoritárias13. De
acordo com ele, esses quadros fariam parte de uma perspectiva na qual o conhecimento
histórico é abordado de forma determinista, não reconhecendo sua historicidade e
potencializando a repetição de uma “falsa realidade”. Falsa porque diria respeito apenas a
uma determinada concepção do conhecimento histórico, isto é, não levaria em consideração a
diferença entre experiência histórica e produção do conhecimento histórico, negando a
diversidade social e, consequentemente, sobrepondo à concepção de determinados grupos em
detrimento de outros.
13
Ver: RÜSEN In: SCHMIDT; BARCA; MARTINS, 2010, p. 89.
35
a história não constituía apenas uma disciplina escolar, e sua inserção era
considerada indispensável em todas as camadas sociais e faixas etárias, uma vez que
tinha o papel de formar os juízos de valor e o patriotismo, necessários à constituição
da identidade nacional (CAIMI, 2001, p. 28).
[...] o caráter “cultural” que tiveram e têm os discursos e saberes sobre o espaço, a
função curricular (empírica, oculta, subliminar) que a arquitetura escolar
desempenhou na aprendizagem e na formação das primeiras estruturas cognitivas e
os usos didáticos do espaço-escola nos manuais de ensino da escola tradicional
(ESCOLANO, 2001, p. 25).
tomados por Escolano (2001, p. 26) como análises importantes para se entender a relação
entre escola, currículo e sociedade:
as pesquisas sobre ensino de História têm uma visão da escola numa linha
reprodutivista. Vista como um bloco coeso, sem contradições, mesmo quando
declara algumas experiências inovadoras, a escola é sempre o espaço de reprodução
da cultura, sistema e ideologia dominante.
14
Por orientações temporais, tomando de empréstimos as contribuições teóricas do historiador alemão Jörn
Rüsen, entendemos como o agir do homem no tempo de maneira a responder a suas necessidades sociais. No
entanto, embora Rüsen não trabalhe a ideia de orientação espacial, compreendemos que se orientar
temporalmente é também orientar-se espacialmente. Tempo e espaço aqui estão sendo tomadas como categorias
complementares e indissociáveis. Ver: RÜSEN In.: SCHMIDT; BARCA; MARTINS, 2010.
15
Transmissão aqui está sendo empregada no seu sentido mais “tradicional”, quando o ensino era pensado a
partir de uma perspectiva unidimensional, na qual os professores, únicos portadores do saber, transmitiam
conhecimento, cabendo aos alunos apenas a assimilação e repetição do conhecimento aprendido.
40
16
Sobre políticas educacionais no Brasil, ver: PAIM; LIMA; MARTINS, 2008, p. 21-34.
17
Em 2014, a Estrutura Curricular do Ensino Fundamental no Estado do Rio Grande do Norte passou por
algumas transformações devido, sobretudo, à efetivação da Lei nº 11.738/2008 – também conhecida por Lei do
Piso do Magistério – que prevê que a carga horária docente seja concernente a 2/3 em sala de aula e 1/3 para
atividades extraclasse. Embora seja uma legislação que entrou em vigor no ano de 2008, o Estado só de fato
efetivou no início do ano de 2014. Dessa forma, a Secretaria de Estado da Educação e da Cultura, através da
Coordenadoria de Desenvolvimento Escolar e da Subcoordenadora de Ensino Fundamental, rearticularam a
estrutura escolar e, nesse processo, a “Cultura do RN” passou a ser conteúdo e não mais disciplina específica.
Enquanto conteúdo obrigatório, embasado no Artigo 137 da Constituição do Estado, deve ser ministrado nas
42
mesmo: a mudança na estrutura curricular atinge diretamente ao ensino de História, uma vez
que a estrutura curricular do Ensino Fundamental do Estado do Rio Grande do Norte, antes de
2007 – ano de implementação do projeto de desenvolvimento da disciplina “Cultura do RN”
–, era composta por 03 (três) aulas de História semanal, sendo que a cultura local, referente à
parte diversificada, deveria ser trabalhada de forma interdisciplinar; após a mudança da
estrutura curricular estadual de 2007, a disciplina de História passou a ter apenas 02 (duas)
aulas semanais, a terceira aula foi cedida para o novo componente. Este, na maior parte dos
casos, passaria a ser ministrado pelos professores de História. Nesse sentido, entendemos que
a criação da referida disciplina faz parte de uma conjuntura de mudanças dos currículos do
ensino de História, iniciadas já nos anos 2000.
Isso, no entanto, não quer dizer que a construção de uma identidade potiguar, através
do ensino, tenha sido pautada apenas a partir desse momento de institucionalização da
disciplina “Cultura do RN”. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
recomenda, em seu artigo 26, que
os currículos do Ensino Fundamental e Médio devem ter uma base nacional comum,
a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma
parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da
cultura, da economia e da clientela (BRASIL, 1996)
Antes mesmo da LDB/96, pareceres estaduais já previam nos currículos escolares uma
parte comum (nacional) e outra diversificada (local/regional). De tal modo, a estrutura
curricular do Estado do Rio Grande do Norte não fugiu a essa regra. No início da década de
1990, anterior à LDB, já existia um parecer estadual (Parecer nº 16/72 CEE) que estabelecia
uma parte diversificada no currículo escolar estadual18, a diferença reside no fato de que esse
componente poderia ser trabalhado a partir de uma perspectiva interdisciplinar, isto é, não
sendo preciso uma disciplina específica para ministrar aspectos da cultura local.
Nas estruturas curriculares anteriores ao ano de 2007 verificamos a preocupação em se
trabalhar aspectos da cultura local. De acordo com o texto da Estrutura Curricular de 199819,
aulas de História do Brasil, preferencialmente nos 6º e 7º anos. No que tange ao ano de 2015, as estruturas
curriculares ainda estão para serem aprovadas, aguardando um parecer do atual Secretário de Educação
Francisco das Chagas Fernandes.
18
O Parecer Estadual nº 16/72 CEE prescreve que a parte diversificada do currículo poderia trabalhar as
disciplinas de Língua Estrangeira Moderna (inglês e francês), Folclore, Estudos da Atualidade e Desenho
Geométrico.
19
A Estrutura Curricular de 1998 faz parte de uma organização curricular que perdurou do final da década de
1980 até os anos 2000.
43
com base na Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, Art. 137 “as escolas
públicas de 1º e 2º graus deverão incluir entre as disciplinas oferecidas o estudo da
cultura norte-riograndense, envolvendo noções básicas de literatura, artes plásticas e
folclore do Estado”. Cabe ao ensino fundamental trabalhar os conteúdos
mencionados de forma interdisciplinar (prioritariamente através dos componentes
curriculares de Língua Portuguesa, História e Ensino da Arte). (RIO GRANDE DO
NORTE, 1998).
componente específico, apenas no ano de 2007, mas já havia orientações no sentido de estudo
da cultura embasadas no que prevê a Constituição do Estado de 1989. Assim, podemos tomá-
lo como um espaço profícuo ao desenvolvimento determinado pelo projeto de construção
identitária, fazendo com que os indivíduos reconheçam-se enquanto um grupo que partilha
referências e valores comuns.
Nesse cenário, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) foram chamados a justificar a institucionalização da disciplina,
posto que, ao trabalhar com os chamados temas transversais – Ética, Pluralidade Cultural,
Meio Ambiente, Saúde e Orientação Sexual –, estariam respondendo às recomendações feitas
por tais documentos. Esses documentos foram utilizados para respaldar a disciplina “Cultura
do RN”, que deveria ser desenvolvida a partir de dois documentos: o “Projeto para o
desenvolvimento do componente curricular Cultura do RN” e as “Diretrizes Curriculares
Estaduais para o Ensino de Cultura do RN”, ambos instituídos no ano de 2007.
Coube à professora e técnica Rita de Lourdes Campos Feitoza a responsabilidade pela
elaboração do Projeto, ela é membro da equipe pedagógica da Subcoordenadoria do Ensino
Fundamental (SOEF) – órgão integrante da Secretaria de Estado da Educação e Cultura do
RN (SEEC)22. A área de atuação da professora era em História e Gestão Ambiental, com
enfoque principalmente nos processos do meio ambiente em geral, dano ambiental e
ecoturismo. Já as Diretrizes foram elaboradas em conjunto pela referida técnica do Projeto e
pela professora e técnica Edna Telma Vilar, que, à época da institucionalização, também era
membro da SOEF23. A senhora Edna possui graduação em Pedagogia pela Universidade
Estadual do Rio Grande do Norte (1990), especialização em Gestão e Coordenação de
Processo Pedagógico pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2001), mestrado em
Educação pela Universidade Federal Fluminense (2003); atualmente, ela é professora do
Centro de Educação (CEDU) da Universidade Federal de Alagoas, sua área de atuação
profissional é em Educação, focalizando o processo de ensino-aprendizagem, principalmente,
no que tange à formação docente e o ensino de Geografia. No Rio Grande do Norte, atuou
profissionalmente como professora na Prefeitura Municipal de Natal, na Secretaria do Estado
de Educação e Cultura (SEEC) e no SESI/RN.
No texto do Projeto, foi apresentada uma série de ações que deveriam ser
desenvolvidas para disciplina. Em sua apresentação, especificam-se algumas, tais como:
22
A servidora pública Rita Lourdes Campos Feitosa encontra-se atualmente de licença médica que a afastou da
Secretaria Estadual de Educação e Cultura por tempo indeterminado.
23
Desde o ano de 2009, a professora Edna Telma Vilar desvinculou-se da SEEC para assumir o cargo de
professora na Universidade Federal de Alagoas.
45
aquisição de 36.850 livros Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte para serem
utilizados como acervo bibliográfico e referencial de pesquisa. Serão distribuídos 50
livros para cada uma das 737 escolas que atendem ao ensino fundamental. [...] A
aquisição de livros em quantidade suficiente apenas para ser utilizado como fonte de
pesquisa, justifica-se na medida em que o livro citado atende necessidades imediatas
por apresentar linguagem acessível ao seguimento em questão, reunir em um único
volume vários aspectos da cultura norte-rio-grandense propostos em nossas
Diretrizes Curriculares Estaduais para o Ensino de Cultura do RN, mas
especialmente por sua autoria assinada por três ícones da cultura potiguar (RIO
GRANDE DO NORTE, 2007a) [grifo nosso].
O referido livro foi produzido no ano de 2003 e previsto para ser amplamente
distribuído nas escolas da rede pública estadual em 2007, ano de criação da disciplina
“Cultura do RN”. Organizado em três eixos (Literatura, Artes plásticas e Folclore), seguindo a
ideia tripartida de cultura apresentada pela Constituição do Estado, tem, de acordo com o
Projeto, caráter enciclopédico e não de um livro didático, pelo menos não teoricamente. No
47
25
Reflexões relacionadas a similitudes do livro enciclopédico, produzido para a disciplina, com um livro
didático serão exploradas apenas no capítulo 03 desta dissertação.
26
GURGEL, Tarcísio. Os de Macatuba. Natal: A.S. Editores, 2003.
48
Trabalhar em um espaço didático com uma ideia de cultura do Rio Grande do Norte é
uma prática institucional-educacional, explicitamente, ligada à construção de uma identidade
espacial, a do norte-rio-grandense. No caso em questão, compreendemos que a identidade
liga-se primordialmente à dimensão “cultura”. Tanto no Projeto quanto nas Diretrizes28 que
institucionalizaram a disciplina, uma de suas finalidades era: “perceber que ensinar e aprender
sobre a cultura do RN tem por objetivo a produção e divulgação de conhecimentos e valores
locais, relativos à formação da identidade de um povo”, como também “reconhecer, valorizar
e respeitar a diversidade étnica e cultural na formação da identidade potiguar” (RIO
GRANDE DO NORTE, 2007b).
A partir dessa assertiva, explicita-se que a criação da disciplina foi executada para
trabalhar especificamente a cultura local ligada a um projeto de construção de identidade, no
qual os indivíduos se “reconheçam’’ enquanto grupo. Cabe direcionar uma atenção especial
ao termo “reconhecer”, no sentido de dar conhecimento a algo que já exista. “Reconhecer’’ os
bens e expressões culturais já definidos se faz preciso para que a cultura do RN seja,
consequentemente, valorizada e difundida.
Partindo dessa questão, cabe ressaltar que o termo cultura é bastante complexo e
problematizações referentes a ele não se constituem novidades. Desde a década de 1970, a
chamada História Cultural ressurgiu nos debates acadêmicos. No entanto, ocorreram algumas
modificações, principalmente, em relação à concepção do termo, e, a partir de uma maior
aproximação da ciência histórica com a antropologia, houve uma ampliação no seu sentido,
27
Por narrativa, tomando de empréstimo as contribuições de Jörn Rüsen, entendemos como “[...] um processo de
poiesis, de fazer ou produzir uma trama da experiência temporal tecida de acordo com a necessidade de
orientação de si no curso do tempo.”. Isto é, a narrativa está sendo tomada enquanto um processo criativo, no
qual as experiências históricas são postas em movimento para responder a determinadas necessidades de
orientações temporal e espacial. Ver: RÜSEN In: SCHMIDT; BARCA; MARTINS, 2010, p. 95.
28
Os objetivos do “Projeto para o Desenvolvimento do Componente Curricular Cultura do RN” e das “Diretrizes
Curriculares Estaduais para o Ensino de Cultura do RN” são idênticos. Por isso, sempre quando forem
apresentados, estaremos nos referindo aos dois documentos.
49
originando o que veio a chamar-se de Nova História Cultural. Tal mudança também está
ligada à própria “virada cultural” vivenciada nas últimas décadas, na qual grupos sociais
distintos discutem e reivindicam determinadas percepções sobre sua realidade. A respeito
disso, Peter Burke (2005, p. 9) afirma que essa “virada cultural” tem sido “manifestada em
expressões cada vez mais comuns, como ‘cultura da pobreza’, ‘cultura do medo’, ‘cultura das
armas’, ‘cultura dos adolescentes’”. Em outras palavras, podemos dizer que atualmente as
questões sobre cultura encontram-se no centro dos debates contemporâneos.
Ao longo dos últimos tempos, o conceito de cultura passou por diversas
transformações históricas e discussões em relação aos seus significados, assumindo em
diferentes tempos e espaços interpretações naturalistas, idealistas, etnográficas,
antropológicas, que ora o colocava como natural ao ser humano, ora como produto das
relações sociais; ora como consenso, ora como diversidade. É nesse panorama de diferentes
ideias de cultura que o termo mostra-se em toda sua complexidade. Terry Eagleton (2005, p.
52), por exemplo, defende a tese de que “[...] estamos presos, no momento, entre uma noção
de cultura debilitantemente ampla e outra desconfortavelmente rígida, e que nossa
necessidade mais urgente nessa área é ir além de ambas”.
O autor marxista fez uma abordagem histórica sobre o conceito de cultura, iniciando
pelo seu aparecimento e analisando as diferentes mudanças que passou até os dias atuais. A
tese por ele lançada analisa o fato de o termo cultura ter assumido, em determinadas
abordagens, um significado antropológico que o deixou demasiadamente amplo e, em outras,
significados extremamente específicos, implicando no que Eagleton denominou de “guerras
culturais”, as quais ele classifica em três frentes: cultura como civilização, cultura como
identidade e cultura como produto comercial ou pós-moderno. Além disso, também
apresentou algumas discussões sobre a relação entre as regras e sua aplicação, isto é, perceber
o processo de ressignificação e aplicação criativa das regras em questão. Inclusive, ao que
parecem, essas três frentes explicitadas pelo autor estão presentes na ideia de uma cultura do
RN, como fora exposta pela disciplina a partir do livro Introdução à Cultura do Rio Grande
do Norte.
Sabendo disso, é interessante notar determinado conceito de cultura que foi
“chamado” a justificar a disciplina, a partir de uma citação do ex-ministro da cultura Gilberto
Passos Gil Moreira, declarada na Comissão de Educação do Senado Federal:
é preciso entender que a cultura é a estrada pela qual todos os aspectos da sociedade
transitam. Tudo se passa e se reflete nessa estrada. Essa é a via única que leva ao
grande espetáculo da identidade singular e plural do povo brasileiro. [...] A cultura é
50
como uma argamassa que permeia todo o tecido institucional e social (RIO
GRANDE DO NORTE, 2007b).
Reafirmando que a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços
distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma
sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos
de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as
crenças.29
Essa definição deu início ao eixo “Folclore” no livro Introdução à Cultura do RN. A
expressão “em um determinado momento” confere uma conotação narrativa e revela ao aluno
29
Definição conforme as conclusões da Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais (MONDIACULT,
México, 1982), da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento (Nossa Diversidade Criadora, 1995) e da
Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento (Estocolmo, 1998).
51
que uma cultura (a brasileira) teve seu processo de criação bem definido no passado, isto é,
comungando com uma perspectiva passadista da cultura. O passado, assim, passa a ser
buscado pela importância já concretizada de suas experiências históricas.
Na introdução do livro supracitado, nos deparamos com a seguinte afirmação: “[...]
assim, a literatura, as artes plásticas e o folclore aqui estudados são resultados da criatividade
e da ação coletiva, dentro de um conjunto de predicados que é portador o homem potiguar.”
(GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 5). Neste trecho, inferimos que a ideia de
cultura parte de uma perspectiva naturalizada, uma vez que parece constituir-se enquanto
“resultado”. Os bens e elementos culturais que são movimentados para constituir uma
identidade norte-rio-grandense propõem-se já existentes, podendo, inclusive, serem
“portados”, num sentido metafórico, por qualquer potiguar que deles tenham conhecimento.
Mais do que prontos, os elementos culturais constituintes do “ser potiguar’’, ou de forma
geral, de um “ser cultural”, foram instituídos, muitas vezes, em tempos remotos, mas que pela
força da tradição, mantêm-se vivos, desta maneira,
No entanto, ao mesmo tempo em que nos deparamos com tais concepções do que seja
a cultura e identidade norte-rio-grandense, surgem outras perspectivas nas narrativas do livro
em questão, a partir da citação de Roberto Emerson Câmara Benjamim, estudioso do folclore
e da cultura popular:
embora o Folclore seja universal e tradicional nas suas raízes e temáticas, ele é
regional e atualizado em suas ocorrências que são o resultado da criatividade do
portador do folclore e de sua comunidade (apud GURGEL; VITORIANO;
GURGEL, 2003, p. 78).
mas três aspectos fundamentais da mesma [cultura] serão abordados: a sua literatura,
suas artes plásticas e o seu folclore, produções que, afinal, resultam da ação do
homem em sociedade, sua tradição e evolução enquanto ser humano criador de uma
linguagem estética (GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 5).
53
30
Para verificar mais informações sobre o projeto, ver: GOMES NETO, 2011.
54
coordenação de Helder Alexandre Medeiros de Macedo, foi apresentado em 2007, mesmo ano
de institucionalização da disciplina. De acordo com este projeto,
Nesse trecho, ficou evidente a junção das noções de patrimônio e folclore que estão
presentes no que se consideraram como constituintes da cultura do RN. Desse modo,
objetivamos discutir no tópico seguinte como se deram esses processos a partir das narrativas
do livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte, como também utilizando trechos das
Cartas Patrimoniais indicadas para o desenvolvimento da disciplina.
denominação de “patrimônio histórico” para “patrimônio cultural” a partir dos anos de 1950
(CHOYA, 2011), embora só nas últimas décadas este processo tenha se consolidado no Brasil.
Como consta no subprojeto Patrimônio Imaterial (FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO, 2006, p.
5), integrante do projeto Patrimônio Cultural Potiguar em Seis Tempos,
Assim como Medeiros, Carlos Henrique Pessoa Cunha (2014) também problematizou,
em sua dissertação de mestrado, esse momento patrimonial, marcado por mudanças
principalmente no tocante à ideia de patrimônio assim como também nas concepções
preservacionistas, a ampliação do conceito de patrimônio e dos valores a ele agregado. O
valor econômico e mercadológico, até então, pouco explorados, surgiram para complexificar
ainda mais as questões patrimoniais.
Neste século, houve uma ampliação ainda maior em relação às questões patrimoniais.
No Estado do Rio Grande do Norte, ocorreram várias iniciativas nos anos 2000: em 2000, a
Lei Municipal de Tombamento do patrimônio Histórico, Cultural e Natural; em 2001, o
Espaço Cultural Casa da Ribeira; em 2005, o projeto Corredor Cultural de Natal; em 2006, o
projeto Patrimônio Cultural em Seis Tempos; em 2008, o Museu de Cultura Popular Djalma
Maranhão e o Departamento de Patrimônio Cultural, dentre outras ações e políticas
patrimoniais e culturais. A criação da disciplina “Cultura do RN”, portanto, esteve inserida
nesse processo como parte de um conjunto de esforços para a salvaguarda e conhecimento do
que seria o patrimônio e a cultura do Estado.
Ao falar de um patrimônio cultural norte-rio-grandense, algumas das palavras tônicas
– comunicadas nas narrativas e documentos selecionados e produzidos para o
desenvolvimento da disciplina – são: “preservação” e “valorização”, ou, como se observa nos
objetivos do Projeto e Diretrizes que a institucionalizaram, “estimular a preservação e
valorização do patrimônio cultural e natural, em particular do patrimônio oral imaterial” (RIO
GRANDE DO NORTE, 2007a, 2007b).
Os documentos oficiais, que tratam de outras espacialidades, como a nacional e
mundial, também caminham no mesmo sentido salvacionista, como: “o Programa Nacional
do Patrimônio Imaterial/PNPI [...] [que] viabiliza projetos de identificação, reconhecimento,
salvaguarda e promoção da dimensão imaterial do patrimônio cultural” (IPHAN, 2000, p.1); e
os respectivos documentos da UNESCO (2003, 1972) que consideram
[...] que a comunidade internacional deveria contribuir, junto com os Estados Partes
na presente Convenção, para a salvaguarda desse patrimônio, com um espírito de
cooperação e ajuda mútua.
[...] que se torna indispensável a adoção, para tal efeito, de novas disposições
convencionais que estabeleçam um sistema eficaz de proteção coletiva do
patrimônio cultural e natural de valor universal excepcional, organizado de modo
permanente e segundo métodos científicos e modernos.
57
Figura 1 - Barco de papel. Festa dos Santos Figura 2 - Galo de cerâmica de Santo Antônio,
Reis. localidade do município de São Gonçalo do
Amarante, símbolo do folclore potiguar.
Os textos que acompanham essas imagens geralmente são bastante descritivos, como
podemos observar no fragmento abaixo, sobre o Fandango de Canguaretama:
consideradas folclóricas, não apenas as mantém “vivas” dentro das comunidades que a
praticam, como também a “reconhecemos” em sua importância na constituição da cultura do
Estado ou, consequentemente, de conhecer-se enquanto “ser potiguar”. Dessa forma, as
narrativas se propõem como integrantes de uma “cultura comum” formada por valores,
crenças, práticas e significados produzidos e partilhados por todos que estão circunscrito nos
limites do Estado.
Nesse panorama, o patrimônio tem sido constantemente reivindicado e as noções do
que seja patrimônio têm sofrido alterações que ampliaram o que outrora entendia-se como
bens patrimoniais. Entretanto, a ampliação da noção do que seja o patrimônio, chegando ao
ponto de conferir a “quase”31 tudo o status de bem patrimonial, tem incorrido num problema:
de não entender o patrimônio enquanto um processo que sofre transformações com a mudança
do tempo e desejo dos sujeitos, envolto por disputas e contradições sociais. Desse modo, os
bens patrimoniais estão sendo tomados como algo natural, já postos, bastando apenas sua
identificação, reconhecimento e preservação. Esta noção remete às primeiras concepções de
patrimônio surgidas no Brasil, na década de 1930. De acordo com as discussões de Cecília
Londres (2011), durante o governo de Getúlio Vargas a partir das ações empreendidas pelo
ministro Gustavo Capanema, formou-se no país uma ideia de patrimônio bastante particular,
que o caracterizava enquanto testemunhos de um passado que deveria ser preservado, uma
vez que era fundamental para formação da memória e identidade nacional.
O valor de testemunho, atribuído ao patrimônio, transcendia às vicissitudes do tempo e
os interesses diversos dos sujeitos. Assumindo, desse modo, tons de naturalidade que
potencialmente tenderiam ao esquecimento dos processos de organização, seleção e disputas
envoltos na constituição do patrimônio, haja vista que
31
Diferentemente da amplitude que o termo patrimônio tem sugerido, a operação de patrimoniliazação e
monumentalização colocada em movimento pelos autores do livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte
tem limites. Isto é, para os autores já existe os universos prévios que devem ser patrimonializados: folclore, artes
e literatura.
61
embora não se precise a data de sua construção, a Igreja de São Gonçalo, em São
Gonçalo do Amarante, é historicamente muito importante por preservar as
características barrocas de seu desenho original (GURGEL; VITORIANO;
GURGEL, 2003, p. 62).
[...] independente de sua origem, o Forte [dos Reis Magos], além de ser o principal
marco histórico do Rio Grande do Norte, é um importante patrimônio em nível
nacional. Infelizmente, o pouco cuidado prestado à memória histórica não permitiu
que se mantivesse a grande parte dos exemplos de arquitetura colonial edificada no
Rio Grande do Note (GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 61).
62
32
O folclore foi apresentado, em sua morfologia, enquanto verbo para se referir à operação na qual o folclore é
valorizado e difundido enquanto as manifestações mais primitivas das comunidades e, por isso, sua manutenção
significa a permanência daquilo que existe de mais original dentro de uma comunidade. Nesse sentido,
“folcloriar” é tornar “vivas” expressões consideradas originárias de um povo.
63
superstições etc. Há, no entanto, uma forte corrente que equipara as duas expressões
e o Folclore estudaria, então, todo o acervo de manifestações culturais do povo: seja
no campo espiritual, seja no simplesmente material, tal como faz a Cultura Popular
(GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 78).
O “morto” é apresentado para que seja “ressuscitado” e é a partir desse processo que, de
acordo com o autor, surgiram os mecanismos de fabricação do folclore e da cultura popular:
apesar das advertências feitas ao longo desses anos pelos especialistas no assunto,
precisa-se cuidar da preservação do Folclore, diante do avanço inexorável da cultura
de massa sobre os últimos redutos de nossas tradições populares. Caso contrário, ele
tenderá a desaparecer.
Preservar as tradições é importante, haja vista que representam um patrimônio
singular da cultura popular e regional. Pode-se comparar a sua destruição à extinção
de espécies animais e ou à destruição de antigas civilizações, visto ser a preservação
o registro de um modo de ser e viver de um povo (GURGEL; VITORIANO;
GURGEL, 2003, p. 84).
Ou, de acordo com Câmara Cascudo (apud GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003,
p. 79),
ser considerada uma expressão cultural “genuinamente potiguar”. Ainda sobre o grupo de
dança Araruna, o livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte expressou:
há, entre os grupos de danças norte-rio-grandenses, um que se destaca dos demais por
uma característica importante. Ele é genuinamente potiguar. Tal grupo é a
SOCIEDADE ARARUNA de Danças Antigas e Semi-Desaparecidas. Enquanto os
demais grupos se inspiraram em danças semelhantes existentes já em estados do
Nordeste, o Araruna nasceu em Natal, de forma original, sob a orientação de mestre
Cornélio Campina, ainda hoje vivo e comandando as danças do seu grupo. Não
obstante essa característica de seu nascimento no Rio Grande do Norte, o Araruna
ainda possui outros fatores que o distinguem dos demais grupos: é o único no Estado
com personalidade civil e estatuto registrado em cartório. É igualmente o único no
Estado que possui uma sede própria situada no bairro das Rocas (GURGEL;
VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 101).
Observando as ilustrações acima, elas nos fornecem elementos ainda mais ricos, uma
vez que o grupo foi a única expressão cultural que se repetiu em duas imagens. A partir disso,
podemos inferir que a repetição dessa figura forma uma narrativa na qual essa manifestação
se sobressai sobre as demais. Isto, possivelmente, estando ligado ao fato de que o referido
grupo é reconhecido como uma manifestação “genuinamente potiguar” (GURGEL;
VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 101) e, portanto, a mais adequada para “dizer/ver” o Rio
Grande do Norte.
Além disso, podemos também identificar o elemento da alteridade fazendo-se presente
na narrativa, haja vista que o grupo de dança Araruna se sobressaiu em importância aos
demais pelo fato de não ter nenhuma influência de expressões culturais de outras
espacialidades. Por acreditarem que o referido grupo não sofreu nenhuma influência externa
em seu processo de criação, ele parece representar de fato a cultura “do” Rio Grande do Norte,
pertencente exclusivamente ao Estado, que não transita, não sofre a ação dos encontros
culturais diversos.
Essa narrativa nos ajuda a refletir como, no projeto de construção de uma comunidade,
as diferenças são apagadas em prol de uma homogeneização. Concomitante a esse processo
de matização das diferenças, há outro fenômeno de igual importância: o estabelecimento das
especificidades, visto o que torna possível a definição do “eu”, do “verdadeiro potiguar”, é
que exista, portanto, o outro, o “não potiguar”. É quando a construção da identidade revela
sua outra face, a alteridade. Ao mesmo tempo em que se consideram outras influências
espaciais, como o fato de ser humano e brasileiro, o importante é entender que existe “o norte-
rio-grandense”, um ser supostamente singular e coeso que se identifica, ou antes, é
identificado enquanto tal. A partir dessa percepção, nega-se a diferença e exalta-se a
uniformidade, provocando uma operação de homogeneização, posto que a ideia seja carregar
apenas no poder de unir, imaginar a comunidade, em detrimento de poder separá-la, dividi-la.
Por isso, o grupo de dança Araruna tornou-se elemento chave nesse processo, representando o
“original” que o Rio Grande do Norte poderia ter, minimizando as influências culturais
externas33.
Deífilo Gurgel fez uma breve discussão do termo folclore no livro criado para
disciplina, para ele,
33
Retomaremos essa discussão ainda neste capítulo.
68
que, àquela época, havia um excesso de vocabulários para definir o estudo da cultura
do povo, Thomas sugeriu, então, ao jornal, que fosse a referida palavra Folk-lore, de
raízes anglo-saxônicas, significando saber do povo, para padronizar tais estudos.
Com o passar dos anos, o vocábulo foi se divulgando através de todos os países e,
hoje, o termo Folclore é praticamente um consenso universal (GURGEL;
VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 78).
esta definição implicava em reduzir o folclore a um saber oral, das classes mais
inferiores da sociedade, particularmente dos analfabetos. [Mas que], modernamente,
com a evolução da sociedade e dos costumes, o folclore também evoluiu (GURGEL;
VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 78).
O autor, do trecho em questão, utilizou uma definição do termo que data de 1846,
fazendo logo uma ressalva posterior, uma vez que tal definição restringe a expressão cultural
enquanto produto de “classes inferiores”. Nesse momento, verificamos – embora a ressalva
tente não produzir uma noção de folclore enquanto uma manifestação inferiorizada, ao passo
que se utiliza de juízo de valor, entendendo que, de fato, para ele, existem classes inferiores e
superiores e que o folclore surgiu com esses mesmos grupos – claramente a perspectiva
inferiorizada que o folclore assumiu. Continuando na tentativa de não limitar e inferiorizar as
expressões ditas folclóricas, o autor apresenta outros conceitos:
“1. Que alguém faz por si mesmo, sem ser excitado ou constrangido por outrem; voluntário. 2.
Sem artificialismos ou elementos ensaiados ou estudados; natural, sincero, verdadeiro. 3. Que
vegeta sem intervenção humana, nativo, silvestre, selvagem’’ (HOUAISS, 2008). Pesando
nessas definições do termo, os novos conceitos que se pretendem mais atuais parecem
caminhar na mesma direção das primeiras definições, como demonstra Deífilo Gurgel, que
chamou atenção para a definição do termo, em 1846, pelo arqueólogo inglês William John
Thoms.
O folclore parece está ligado a processos primitivos, naturais, como estágios primeiros
de um determinada comunidade, processos sociais considerados mais simplificados, de
relações sociais não complexificadas. Em outras palavras, processos remotos e inferiores,
ligados à espontaneidade e não a processos de saber/conhecer. Partindo de uma perspectiva de
que a sociedade passou por um processo de evolução, a qual parece ser o caso no livro,
podemos inferir que, mesmo havendo um esforço do autor em não relacionar a produção do
folclore com grupos sociais inferiores, no momento em que coloca os elementos folclóricos
enquanto espontâneo e primitivo, acaba incorrendo nessa perspectiva inferiorizada.
Apresenta-se assim uma hierarquização da cultura. Enquanto o eixo temático
“Literatura”, produzido por Tarcísio Gurgel, diz respeito à cultura erudita, à cultura dos
letrados, o eixo “Folclore” refere-se à cultura popular, aquela proveniente dos grupos mais
simples e desfavorecidos economicamente, considerados, muitas vezes, inferiores. Gustavo
Barroso, cearense, folclorista e estudioso do popular, no seu livro Ao Som da Viola sobre a
cultura popular e o folclore, afirma que
mal sabendo ler ou não o sabendo de todo, não tenho nenhum outro meio de
comunicação do pensamento, criou canções. A ausência do hábito de leitura deu a
essas produções, às mais das vezes, formas que permitem ser facilmente guardadas,
recitadas ou cantadas. O seu acompanhamento musical é composto de melodias
muitos simples como toda música primitiva. Outrora as executava nas cordas da viola
– as velhas ‘vielles’ dos troveiros. Depois, adotou o violão. Agora, prefere,
infelizmente, a sensaboria das sanfonas (apud ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2013, p.
42-43).
Deífilo Gurgel define o artista popular como aquele de origem humilde e que produz
as obras não seriadas [...] Em termos de crítica e história da arte, o artista popular é
tido em geral como primitivista ou naif (do francês, ingênuo) (GURGEL;
VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 72).
Sobre os artistas eruditos, no eixo “Literatura”, afirma Tarcísio Gurgel (2003, p. 16)
que “bastante culto, Henrique Castriciano tinha, como poucos poetas do Estado, a exata noção
da importância adquirida pelos avanços da ciência, que acabaram influenciando a própria
literatura no final do século XIX.”. O ser culto, nesse caso, parte de uma perspectiva da
cultura enquanto acúmulo de conhecimento científico e enciclopédico. Permanecendo com
uma ideia de cultura já ultrapassada de acordo com os estudos históricos e sociológicos (que
concebem a cultura a partir de uma perspectiva não hierarquizada), existiria a alta e baixa
cultura, a cultura popular e a erudita. No próprio texto de apresentação do livro didático,
[...] com frequência ouvimos sobre alguém o comentário de que é ‘culto’. E tal
significa que a pessoa referida é ilustrada, já leu bastante, é um estudioso ou erudito.
Chegando ao campo que nos interessa (e de que resultam os assuntos explorados
nesse livro), diremos que tal palavra será usada no sentido provavelmente mais rico:
o antropológico (Antro = homem. Logos = estudo) (GURGEL; VITORIANO;
GURGEL, 2003, p. 5).
Vale ressalvar, no entanto, que folclore e/ou a cultura popular, mesmo partindo de
uma perspectiva inferiorizada, tornam-se algo importante, uma vez que os intelectuais
enxergam determinado valor nessas manifestações. Quando isso ocorre, o popular, antes
inferiorizado, torna-se algo que merece ser conhecido, valorizado e perpetuado.
Ambiguamente, são determinados autores (intelectuais reconhecidos) e seu livro que atribuem
valor e legitimidade. Por isso, mesmo possuindo narrativas sobre cultura popular e o produto
no qual tal valor é firmado, o livro aqui discutido torna-se ele mesmo exemplo da mais “alta”
cultura, haja vista que os intelectuais e estudiosos atribuem valor e legitimam a cultura
popular. Assim como foi narrado na obra Introdução à Cultura do RN,
Cumpre entender, portanto, o lugar do intelectual que nomeia de popular uma dada
cultura, que a classifica como folclore a partir de uma dada autoridade. Porém antes de nos
73
debruçarmos mais sobre essa relação dos intelectuais com as manifestações culturais,
entendemos também como imprescindível a discussão do que sejam os sistemas tradicionais
vinculados tanto ao processo de folclorização quanto ao de patrimonialização de uma ideia de
cultura. A tradição apresenta-se enquanto palavra de ordem nessas narrativas culturais. Assim,
discutiremos no tópico seguinte como este processo de constituição de uma cultura norte-rio-
grandense liga-se a elementos tradicionais e de que forma eles foram percebidos e
movimentados a partir de uma lógica de resistência às relações ditas modernas, que se
caracterizam enquanto frágeis e efêmeras.
noção de tradição que pressupõe persistência; se é tradicional, uma crença ou uma prática tem
uma integridade e continuidade que resistem ao contratempo da mudança” (Apud GIDDENS,
2001, p. 31).
No livro Introdução à Cultura do RN, encontramos a seguinte afirmação: “constituem-
se fatores de identificação da manifestação folclórica: a aceitação coletiva, tradicionalidade,
dinamicidade e funcionalidade” (GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 78). Embora a
dinamicidade seja apresentada neste trecho assim como em outras passagens do livro, como já
discutimos, a tradição, como debatido por Giddens, costuma ser concebida como uma noção
de permanência e resistência.
Pensando nisso, ao elencar e definir o que sejam as chamadas danças folclóricas nas
narrativas do livro criado para disciplina, contamos com a seguinte descrição de uma dessas
manifestações:
política de Estado visando a localizar quais elementos e características formam o “ser norte-
rio-grandense”,
nesse sentido que produzimos o livro. Que a partir dele possamos valorizar o fato de
que, embora humanos – habitantes do planeta Terra – latino-americanos, com a
grandeza e a dramaticidade que isso implica e mais: brasileiros do Nordeste, somos
verdadeiramente potiguares (GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 5).
Então, independente das relações com o mundo, com o país, região, existe algo
“verdadeiramente” potiguar. Elementos originários do que se constitui o Estado do Rio
Grande do Norte e, por isso, no intuito de que isso não seja perdido, precisa-se combater o
que vem de “fora” dos limites de nossa fronteira. Caso contrário, consideram os produtores do
livro, encaminha-se a um processo de desaparecimento ou de uma transformação de maneira
que não será mais possível dizer e saber o que de fato é o “ser” potiguar. Diante disso,
Vicente Vitoriano, produtor do eixo temático “Artes plásticas”, reconhece as dificuldades nos
dias atuais de produzir obras de cunho local:
o que podem dizer os elementos materiais sobre a cultura? Hoje em dia, quando o
mercado de materiais artísticos encontra-se estabelecido internacionalmente ou
globalmente, torna-se complexa a coleta de informações culturais numa obra de arte
do tipo tradicional, especialmente pintura ou várias formas de acabamento de desenho,
como as aquarelas e os pastéis. Mesmo um artista do Rio Grande do Norte sempre
terá entre os seus equipamentos uma tinta óleo holandesa, uma aquarela inglesa ou
um papel italiano. Podemos dizer que as formas tradicionais de produção artística se
tornaram internacionalizadas e de que pertencem à cultura global (GURGEL;
VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 52) [grifo nosso].
artistas impregnam suas obras com elementos materiais oriundos de sua própria
realidade, conscientes de que a arte é um testemunho sobre sua cultura (GURGEL;
VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 52-53).
A passagem textual acima revela uma ideia de retorno a terra pelo próprio material que
a constitui, produzindo uma marcação territorial local que se pretende natural, essencial, livre
de influências externas. Utilizar elementos da natureza local pareceu permitir buscar
testemunhos que de fato “digam” o que é o “ser local”, no caso de que se trata esse texto, do
que está na essência “verdadeira” do “ser potiguar”. Essa apropriação de elementos materiais,
originados da própria realidade, faz parte das discussões dos estudos das artes
contemporâneas, que muitas vezes consideram as mudanças provocadas pelos processos
globalizantes a partir de um ponto de vista negativo e autor do texto, Vicente Vitoriano,
parece está atento a essas questões contemporâneas. No entanto, o traço conservador da
narrativa residiu em entender que a tradição, caracterizada enquanto elemento de permanência,
poderia constituir-se em enfrentamento contra este cenário. Assim, a globalização parece
apresentar-se como um “inimigo” que deve ser combatido pelo regionalismo. A imagem
abaixo coloca-se como mais uma narrativa regional de enfretamento aos processos
globalizantes.
A legenda utilizada por Vicente Vitoriano, para explicar a imagem, também foi
bastante significativa para pensar esse retorno aos “elementos da terra”. O bastidor da
bordadeira, algumas espécies da fauna, a manifestação da dança Araruna são ícones
importantes para se pensar o regionalismo nordestino-potiguar. O primeiro representa uma
importante atividade cultural e comercial muito valorizada até os dias atuais no Estado: o
bordado. Milhares de turistas, que vem até o Rio Grande do Norte, dirigem-se aos diversos
centros de artesanatos, principalmente na cidade de Natal, para adquirir os famosos trabalhos
das bordadeiras, principalmente as seridoenses. As bordadeiras de Caicó, por exemplo, são
famosas e conhecidas no Brasil todo por seus bordados. O bastidor da bordadeira
representaria, nesse sentido, o ícone de uma atividade “tipicamente” local, capaz de conduzir
a arte também a esse status de se configurar a uma produção local.
Utilizar algumas espécies da fauna local como o camaleão ou iguana, a cobra cascavel
e o besouro (nome científico: Coelosis bicornis) funcionaram também como orientadores
espaciais, uma vez que são espécies comumente encontradas na fauna de vários municípios do
Estado. No plano central dessa narrativa local, encontra-se o grupo de dança Araruna,
aclamado como uma das principais manifestações da cultura popular, por ser considerada uma
dança genuinamente potiguar.
Ao observamos essas narrativas, tanto a textual quanto a visual, notamos que existe
um esforço, um movimento por parte de artistas e intelectuais ligados à cultura, de buscar
elementos “tipicamente” norte-rio-grandenses para, assim, resistir ou minimizar os males que
podem ser provocados pelos processos globais. Diante desse quadro, artistas que conseguem
produzir suas obras, a partir de elementos considerados originários das fronteiras do Rio
Grande do Norte, destacam-se nas narrativas do livro em questão:
dentro dos ideais regionalistas, Newton Navarro preencheu sua obra com a paisagem
e os tipos humanos do nosso estado e é considerado o mais perfeito tradutor visual
de sua terra, particularmente Natal (GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p.
58).
vamos reconhecer a pluralidade cultural [...] Cultura que viceja neste território seco
as raízes úmidas dos saberes e fazeres dos povos indígenas, das comunidades
quilombolas e sertanejas, de originalidade pluricultural-índia, afro-descendente e
europeia (UNICEF, 2006, p. 9).
cultural quando o Estado, por meio de uma política pública, indica e distribui um livro que
tem como finalidade o esforço em se “proteger” de possíveis elementos culturais que
“pertencem” a outras espacialidades e culturas? Podemos então sugerir que, embora a
elaboração da disciplina “Cultura do RN” tenha por objetivos pensar um projeto de identidade
respeitando a diversidade e pluralidade cultural norte-rio-grandense, em sentido contrário, as
narrativas, produzidas a partir do livro citado, foram tomadas como aliadas contra a ameaça
que os encontros culturais com outros povos poderiam acarretar. Existe toda uma narrativa
histórica que aparentemente não é problematizada. Antes, é amada e defendida com tamanho
ufanismo e regionalismo que assusta. Regionalismo esse que parece ser a chave identitária do
potiguar, um ser coeso e bem definido em suas manifestações.
Pensar um sujeito singular, em meio a um contexto plural, leva-nos a questionar que
tipo de identidade local pretende ser a norte-rio-grandense. De acordo com Néstor Garcia
Canclini (2008), é importante ultrapassar análises que contrapõem o local ao global, assim
como também o moderno ao tradicional. Colabora-se, desse modo, para se pensar as
identidades além de suas formas “essencialistas”, “autênticas” e “puras”, percebendo-as
enquanto resultados também de “trocas” e diálogos culturais que geram múltiplas alianças que
provocam tanto ganhos quanto perdas.
Nesse sentido, o conceito de culturas híbridas de Canclini permite pensar uma política
identitária que, em suas contradições, ora almeja uma identidade plural, ora uma singular. A
identidade norte-rio-grandense assume singularidades a partir de “um conjunto de predicados
de que é portador o homem potiguar” ao mesmo tempo em que também considera o “[...] o
processo da nossa formação, entrecruzamento racial, sistemas religiosos, tradição, modos de
habitar, evolução dos costumes, etc.” (GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 5),
Nos termos de Canclini (2008, p. XIX), como não pensar na hibridação definida como
[...] processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas que existiam
de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas.
Cabe esclarecer que as estruturas chamadas discretas foram resultado de hibridação,
razão pela qual não podem ser consideradas fontes puras.
trazer elementos que combatam a ameaça de encontros culturais. Parece que essa ideia, como
já exposta na citação que abriu a discussão em questão, que coloca o livro como um aliado
para “os riscos de uma globalização [...] que destrói culturas” está mais alinhada a uma
perspectiva de guerra cultural, na qual as culturas se enfrentam entre si, ou como afirmou
Canclini (2008, p. XXVI):
nas condições da globalização atuais, encontro cada vez mais razões para empregar
os conceitos de mestiçagem e hibridação. [...] A hibridação, como processo de
interseção e transações, é o que torna possível que a multiculturalidade evite o que
tem de segregação e se converta em interculturalidade. As políticas de hibridação
serviram para trabalhar democraticamente com as divergências, para que a história
não se reduza as guerras entre culturas, como imagina Samuel Huntington. Podemos
escolher viver em estado de guerra ou em estado de hibridação.
34
A instrumentalização da teoria de Canclini funciona, para esse trabalho, no sentido de pensar como os
sistemas tradicionais são vistos a partir de uma perspectiva estanque. Não que, desse modo, estejamos
desprezando o valor da tradição enquanto elemento importante para o pensar historicamente – valor este
defendido por Jörn Rüsen –, mas, sim, compreendendo como o tradicional muitas vezes é tomado de forma
cristalizada. Desse modo, apesar da existência de divergências entre algumas propostas teóricas apresentadas
neste texto, como por exemplo as de Canclini e Rüsen, elas fizeram-se necessárias uma vez que a
instrumentalização dessas teorias diversas nos permitiu pensar alguns problemas do nosso objeto de pesquisa.
35
O livro em questão não se constitui como livro didático, de acordo com o Projeto da disciplina “Cultura do
RN”, contudo, é um livro que se desenvolveu a partir de uma narrativa histórico-cultural. Nesse sentido,
podemos pensar que, na prática, mesmo que o livro tenha sido direcionado teoricamente enquanto uma fonte
histórica, em muito se assemelha a um livro de História. Discussão referente a essa questão será aprofundada no
capítulo seguinte.
82
A noção de verdade formular, a qual o autor se refere, diz respeito ao processo ao qual
a experiência no tempo é tomada enquanto uma verdade independente da narrativa que a
construa e os “guardiões” das tradições, por sua vez, seriam aqueles que têm acesso a essa
verdade, em muitas vezes só sendo possível ser compreendida e acessada através deles. Em
outros termos, podemos dizer que, embora a tradição pressuponha uma concepção de
permanência, de uma verdade que deve ser conhecida e inquestionável, na realidade, sua
construção está ligada a processos sociais e a memórias de grupos.
Partindo da acepção já exposta dos elementos que fariam parte de uma ideia de cultura
do Rio Grande do Norte, definida em grande medida por expressões ditas tradicionais,
buscaremos discutir neste tópico quais os grupos sociais envolvidos nesse processo,
identificando quem seriam os seus possíveis “guardiões”. Guardiões aqui estão sendo
entendidos como indivíduos que são percebidos como agentes ou mediadores essenciais da
tradição, podendo ser idosos, curandeiros, líderes religiosos, ou ainda, “[...] poderiam parecer
equivalentes aos especialistas nas sociedades modernas” (GIDDENS, 2001, p. 34). Ao
apresentar uma concepção de cultura ligada a manifestações culturais ditas tradicionais, o
livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte, que foi indicado especificamente para
disciplina, de alguma maneira, é validado pelos especialistas que o produziram, “[...] haja
vista que sua autoria assinada por três ícones da cultura potiguar” (RIO GRANDE DO
NORTE, 2007a).
Vimos, no início deste capítulo, que o livro Introdução à Cultura do Rio Grande do
Norte foi produzido por estudiosos já consagrados no estudo de expressões culturais. Não é à
toa que no texto acima o livro seja validado, sobretudo, porque foi produzido por esses
estudiosos. Em outras palavras, percebemos que essa intelectualidade, ligada às expressões
culturais do Estado, fez parte da própria seleção, organização e produção dos elementos
constituintes dessa ideia de cultura do RN, isto é,
83
Lourival Açucena tornou-se famoso numa atividade que estimulava sentimentos nas
enluaradas noites provincianas e quem, segundo Câmara Cascudo, está na própria
raiz da nossa literatura: a modinha (GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 9).
poemas de sua autoria acabariam reunidos pelo citado Cascudo, com a ajuda do
filho, Joaquim Lourival, num pequeno volume chamado Versos (GURGEL;
VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 9).
O próprio livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte foi produzido por
membros da intelectualidade já reconhecida no Estado, assim como também – no decorrer da
narrativa desse livro e em suas indicações bibliográficas – eram os estudiosos do folclore e da
cultura popular chamados para o fórum das questões culturais, ora definindo o que é cultura
popular ou folclore, como vimos no tópico referente às discussões folclóricas, ora dizendo o
que era válido de ser valorizado e lembrado.
No eixo “Literatura”, o autor Tarcísio Gurgel escreveu sobre o escritor e intelectual
Henrique Castriciano, que
não seja expressiva, uma vez que o Rio Grande do Norte não teve “movimentos artísticos”
muito significativos. No entanto, apresentaria nomes como Henrique Castriciano, Câmara
Cascudo, Jorge Fernandes e Zila Mamede como importantes representantes da cultura do
Estado. Sobre a literatura do século XXI, apresenta um pessimismo decorrente das relações
efêmeras da vida moderna como também a ausência de conhecimentos profundos por parte
dos artistas do século citado. Isso talvez explique o fato de que o eixo produzido, pelo autor
no livro criado para disciplina “Cultura do RN”, tenha constituído-se exclusivamente com a
literatura e movimentos literários no Rio Grande do Norte entre fins do século XIX e a década
de 1930, período conhecido por Belle Époque, e parte da segunda metade do século XX,
referindo-se aos grandes representantes do período os intelectuais, sendo o mais destacado
deles, Luís da Câmara Cascudo. Talvez essa organização do livro tenha sido decorrente dos
próprios estudos realizados para a tese de doutorado defendida pelo autor, no programa de
Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, no Departamento de Letras da UFRN, de título
Belle Époque na esquina - o que se passou na república das letras Potiguar, que teve como
recorte temporal analisado a chamada República Velha. Esta tese posteriormente virou livro,
lançado em 2009. Sobre estes períodos citados, realizaremos mais à frente outras discussões.
A intelectualidade supracitada participou das operações de produção dessa ideia de
cultura do RN. Em outras palavras, é oportuno dizer que a cultura não pré-existe, haja vista
que é fruto de um processo pelo qual foi realizado determinadas práticas por esses intelectuais
específicos, que ocuparam o lugar de guardiões da memória. Para problematizarmos essas
questões, podemos nos aproximar das discussões realizadas por Albuquerque Júnior (2013),
as quais – dentre as operações do que o autor chamou de fabricação do folclore e da cultura
popular – identificaram o processo de escrituração da cultura popular.
Em que pese o recorte temporal do autor ser a primeira década do século XX, algumas
aproximações podem ser realizadas com o processo de desenvolvimento da disciplina
“Cultura do RN” em 2007. Ao analisarmos o livro Introdução à Cultura do Rio Grande do
Norte, verificamos uma série de expressões orais que integram a cultura do Estado, que foram
escrituradas, ou seja, passaram por um processo de escrita por parte dos estudiosos do assunto.
Dentre essas expressões, foram narradas: “Auto do Boi Calemba”, “Auto do Fandango”,
“Auto da Chegança“, “Congos de Saiote”, “Congos de Calçola”, “Auto da Lampadinha”,
“Auto do Pastoril”, “Texto de João Redondo”, entre outros. Cada uma delas é seguida de
legendas indicando quem as coletou – no caso, quase todas pelo próprio Deífílo Gurgel (com
exceção de uma coletada por Ubaldo Bezerra) –, assim como também os espaços gravados e a
data. Apresentando algumas dessas legendas, temos:
87
[Auto do Fandango] Gravação feita por Deífilo, nos meses de novembro de 1975, a
fevereiro de 1976, no sítio do ‘Oiteiro’, São Gonçalo do Amarante, RN, com
Atanásio Salustino do Nascimento, mestre do antigo Fandango de São Gonçalo.
[Textos de João Redondo] Espetáculo gravado na residência do professor Deífilo
Gurgel, em Natal, no ano de 1987.
[Dança do Maneiro-Pau] Gravação feita por Ubaldo Bezerra, na cidade de Dr.
Severiano, RN, no dia 19.07.1980, com Antônio Rodrigues e outros integrantes do
Maneiro-Pau (GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, 93-103).
Artistas populares antes esquecidos, com a ação dos intelectuais, ganham um lugar
social prestigiado. Ou, nos termos de Certeau (2012, p. 58), podemos dizer que “[...] o saber
permanece ligado a um poder que o autoriza”. Antes esquecidos ou não vistos, tais
personagens tornam-se os grandes representantes da cultura norte-rio-grandense depois da
ação dos intelectuais. Não apenas isso, além do reconhecimento social, ganha-se também a
oportunidade de tornar essas expressões perenes, inalteradas com o transcurso do tempo e
espaço, uma vez que se entende a escritura como fixa, diferentemente da cultura oral,
fazendo-se imaginar que
[...] o fato de ter o nome e os versos atribuídos à sua lavra, circulando em um livro,
objeto valorizado pela cultura letrada, meio de distinção e promessa de perenidade e
imortalidade do que veicula, parece encantar os poetas, que passam a estabelecer
com aquele que lhes permitiu alcançar esta inesperada honraria, laços de amizade,
homenagem e subserviência, embora estes laços não deixem de está atravessados
por estratégias e astúcias, muitas delas descobertas e explicitamente condenadas
pelo folclorista (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2013, p. 61).
Dessa forma,
88
é inegável que esse período [segunda metade do século XIX] em que se destaca
Segundo Wanderley teve um brilho especial no que diz respeito à cultura artística.
Nos campos da literatura, música, arquitetura e urbanismo e, é claro, no jornalismo, a
cidade florescia, centralizando, por assim dizer, as atividades do espírito e dispondo
também dos meios para edição e circulação de livros. Nesse contexto, outro aspecto
irá ressaltar: uma parceria familiar-intelectual-política proporcionando expressivos
resultados e mesmo projetando o nome do Rio Grande do Norte para fora das suas
fronteiras (GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 12).
Dois pontos chamam atenção nessa passagem: primeiro, ao falar de uma parceria
familiar-intelectual-política; e, segundo, o Rio Grande do Norte com seu nome projetado
além de suas fronteiras. Sabendo-se que o trecho faz referência à segunda metade do século
XIX, a narrativa nos remete para articulações entre poder local e elite intelectual. Período no
qual parecia existir um clima de entusiasmo por parte dos intelectuais:
Percebemos, a partir do trecho acima, que nesse período da História do Rio Grande do
Norte – conhecido também como República Velha (1889-1930) – havia uma forte ligação
entre intelectuais e políticos. Não apenas os intelectuais possuíam boas relações ou
pertenciam a famílias de políticos, como também assumiam cargos políticos públicos. Assim,
muitas vezes, não existindo uma fronteira bem definida entre um papel e outro:
antes, convém lembrar que esse poeta [Henrique Castriciano] teve importância
singular na parceria estabelecida entre as famílias Albuquerque Maranhão e
Castriciano de Souza. Por quê? Porque enquanto Eloy de Souza, com suas
atribuições políticas como Deputado Federal e Senador, tinha, obrigatoriamente, que
se fixar no Rio de Janeiro, ele [Henrique Castriciano] aqui ficava, atuando
discretamente (uma vez que nunca fez questão de assumir abertamente sua posição
de político). Por isso, chegou a ocupar cargos de maior relevância, como no
Governo de Alberto Maranhão, de que foi Secretario Geral, e depois Vice-
Governador no governo de Antônio de Souza. Porém, como dissemos, sem assumir
a postura de um político típico. O que Henrique foi, em todos os sentidos, foi um
intelectual (GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 16) [grifo nosso].
Mais uma vez, fica notória a relação entre os intelectuais e a política. Mesmo não “se
considerando” um político, Henrique Castriciano chegou a ocupar cargos durante sua vida
pública na administração política do Estado. O destaque que o próprio livro fez, em relação a
esta questão, pode conduzir ao pensamento de que, embora sejam coisas diferentes,
intelectualidade e política encontravam-se de alguma forma, como se existisse um vínculo de
dependência entre essas instâncias, explicitado pelo próprio Tarcísio Gurgel ao afirmar a
existência de uma forte aliança entre intelectualidade e governo naquele contexto.
O segundo ponto, que chamou atenção nessas narrativas, foi o fato do Rio Grande do
Norte, em finais do século XIX e início do XX, assumir certo destaque num cenário para além
de suas fronteiras. Parece existir algo nesse período que o tornou mais importante que os
demais, tanto que foi retomado nos dias hodiernos, sendo enaltecido enquanto um momento
de florescimento das artes no Estado por Tarcísio Gurgel. As narrativas do livro expressam
uma nostalgia em relação àquela época, um passado que é constantemente enaltecido e
valorizado por suas produções, pelos artistas e suas obras. Uma sociedade em que
predominavam as relações paternalistas, marcadas pelas relações pessoais e trocas de favores,
na qual artistas e intelectuais eram agraciados com cargos políticos, desde que pertencessem a
oligarquias dominantes à época ou com ela tivessem boas relações pessoais.
90
Ressalva-se que, ao passo que Albuquerque Júnior teve seus estudos voltados para a
constituição de uma ideia de cultura popular, os autores do livro para o desenvolvimento da
disciplina “Cultura do RN”, por vezes, parecem trazer uma noção de cultura erudita. No
entanto, a semelhança encontra-se no vínculo existente entre política e literatura enquanto
objetos de saudade que sofreram um processo de monumentalização bastante semelhante ao
que aconteceu com aquilo que Albuquerque Júnior chamou de fabricação do folclore e a
cultura popular, nas primeiras décadas do século XX.
Canclini (2008, p. 160-161) evidenciou a relação de determinados grupos com a ideia
de cultura, patrimônio e tradição, analisando que
[...] o patrimônio é o lugar onde melhor sobrevive hoje a ideologia dos setores
oligárquicos, quer dizer, o tradicionalismo substancialista. Foram esses grupos –
hegemônicos na América Latina desde as independências nacionais até os anos 30
deste século [XX], donos ‘naturais’ da terra e da força de trabalho das outras classes
– os que fixaram o alto valor de certos bens culturais: os centros históricos das
grandes cidades, a música clássica, o saber humanístico. Incorporaram também
alguns bens populares sob o nome de ‘folclore’, marca que indicava tanto suas
diferenças com respeito à arte quanto à sutileza do olhar culto, capaz de reconhecer
até nos objetos dos ‘outros’ o valor do genericamente humano.
Assim sendo, esses grupos vem definindo valores para os bens culturais, inclusive
aqueles ditos “folclóricos”. No caso dos produtores do livro Introdução à Cultura do Rio
Grande do Norte, embora tenhamos que levar em consideração que estão situados
historicamente no século XXI, como já analisamos, parece haver por parte deles uma
91
nostalgia e exaltação das relações culturais que se produziram no século anterior e fins do
século XIX. Produz-se um processo de reatualização de alguns elementos daqueles períodos.
Essa operação de definição, valorização e difusão de bens culturais considerados
constituintes da cultura norte-rio-grandense passou por uma longa ligação entre estudiosos da
cultura e poder estabelecido, quando no próprio livro destacou-se a existência de uma
importante aliança familiar-intelectual-política vivenciada no Rio Grande do Norte,
notadamente, nos dois séculos anteriores. Remetendo ao próprio processo de
institucionalização da disciplina “Cultura do RN”, podemos inferir que essa aliança ainda
continua. Os produtores do livro, criado para o componente curricular, não apenas o
produziram como, em momentos diversos de suas vidas, prestaram serviços e participaram de
instituições governamentais, como verificamos na citação abaixo:
37
O conceito de poder simbólico, desenvolvido por Pierre Bourdieu, nos serve como instrumento de
entendimento das manobras e investimentos empreendidos para se construir uma ideia de consenso, a fim de que
determinadas práticas sociais sejam reproduzidas e mantidas. Porém, não desconsideramos a forma como os
sujeitos apropriam-se das ideias que são mobilizadas, mas, sim, levamos em consideração o esforço realizado
para “comunicar” determinadas concepções da realidade.
93
No século XX, especialmente a década de 1930, no Brasil, foi um dos períodos mais
fecundos de construção de narrativas no intuito de dizer quais os elementos constitutivos da
identidade nacional, assim surgindo diversas correntes explicativas que buscaram
compreender a sociedade brasileira a partir de determinadas teorias. As narrativas da nação,
que buscavam a construção de um sentimento identitário, tinham como características certa
homogeneidade. Nesse contexto, Caio Prado júnior, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de
Holanda, entre outros, foram os intelectuais brasileiros que se destacaram na busca de teorias
que explicassem o processo de formação do Brasil. Suas narrativas concorriam com aquelas
construídas no IHGB, historicamente responsável pela elaboração das narrativas de origem do
Brasil.
As concepções de identidades, surgidas em 1930, faziam parte, em grande medida, do
projeto modernista empreendido pelos intelectuais para pesquisar profundamente as raízes
brasileiras. Para isso, produziram uma historiografia baseada em relatos de viajantes e
documentos raros que pudessem traduzir a brasilidade (SILVA, 2012, p. 310). Assim, os
modernistas buscaram construir narrativas a partir de hábitos e elementos considerados como
originais representantes da cultura do país. Sob o rótulo do modernismo, tentou-se produzir
uma nova narrativa identitária diferente do que até então tinha sido produzida pelo IHGB.
Contudo, apesar de se propor revisionista, a busca por uma narrativa homogênea que
revelasse a “verdadeira” identidade nacional assemelhava-se ao projeto do IHGB do século
anterior.
Sobre esse momento, em meados da década de 1970, Carlos Guilherme Mota (1985)
apresentou, em linhas gerais, como a partir da década de 1930 a ideia de cultura brasileira
passou a fazer parte de um processo de naturalização: os intelectuais preocupados em definir
uma cultura brasileira passaram a tratá-la como algo pronta e acabada, cabendo a eles levarem
o conhecimento desta para todos os brasileiros. Em consequência disso, o discurso identitário
propôs-se homogêneo, constituindo-se a partir de um processo de naturalização dos elementos
que formavam o povo brasileiro e, em consequência disso, produzindo um silenciamento e
diminuição do papel dos conflitos sociais fundantes da sociedade. As teorias da democracia
racial e da cordialidade brasileira formuladas, a partir desse período, contudo, foram frutos de
operações bem articuladas e difíceis de serem consolidadas, uma vez que construir uma
narrativa que se propõe homogênea, que diz respeito a todos que vivem no Brasil, um país de
dimensões continentais, não se deu de forma fácil.
No caso do Rio Grande do Norte, o IHGRN – criado no ano de 1902 – tem sua origem
vinculada ao IHGB, possuindo como objetivo primeiro produzir uma narrativa do Estado que
95
pudesse representar todos os que ali moravam, ou como expressa a própria Ata de Instalação
do referido Instituto:
[...] o fim da presente reunião era a fundação, nesta capital, de um Instituto Histórico
e Geográfico, que tomando o encargo altamente patriótico de firmar com dados
autênticos, colhidos em pacientes e constantes investigações a verdade histórica da
vida potiguar em qualquer sentido, promovesse todos os meios conducentes à
realização desse desideratum (IHGRN,1902).
De acordo com os estudos realizados por Gomes Neto (2011), tal feito encontrou
diversas dificuldades de se concretizar. O IHGRN apresentou limitações em produzir um
discurso homogêneo sobre a identidade norte-rio-grandense, fato este que fez com que o
referido autor apresentasse algumas hipóteses: a emergência de núcleos praticamente
autônomos no interior e a dificuldade de comunicação não possibilitaram a construção de um
discurso identitário potiguar-nacional homogêneo, além da falta de documentos históricos que
permitissem a construção de uma narrativa da Província à época.
Gomes Neto (2011), na sua pesquisa, aponta algumas dificuldades de se produzir um
discurso homogêneo para história local, exemplificando com a heterogeneidade das narrativas
relacionadas à Revolução de 1817. Enquanto André de Albuquerque Maranhão foi
referenciado na narrativa histórica da cidade do Natal, a Vila de Goianinha, por sua vez,
trouxe como personagem de destaque o sacerdote Antônio Albuquerque Maranhão – que logo
aderiu à causa da Revolução de 1817, como também conseguiu conquistar vários defensores
da causa. Tal situação explica-se devido a dificuldades de comunicação entre os diversos
municípios do Rio Grande do Norte. Dessa forma, não havia uma narrativa concisa do que foi
a Revolução de 1817 no Rio Grande do Norte, mas, sim, uma série de personagens “soltos”
que variavam conforme a localização.
Ainda sobre a dificuldade de se construir uma narrativa histórica do Rio Grande do
Norte, reclamava-se da falta de reconhecimento e/ou desvalorização que os potiguares tinham
pela cultura local. Gomes Neto (2011) citou o exemplo de Polycarpo Feitosa, codinome
utilizado por Antônio de Souza, em 1898, que, ao falar sobre o potiguar, expressava que:
Nesse cenário, muitos esforços foram empreendidos por parte da elite e estudiosos
locais. Gomes Neto (2011) identificou que se operou um esforço por parte dos governantes e
intelectuais desde fins do século XIX em projetar Natal e, consequentemente, o Rio Grande
do Norte, em âmbito nacional. A primeira narrativa histórica oficial da província foi
publicada no ano de 1877, por Manoel Ferreira Nobre, esse trabalho tendo como título Breve
Notícia da Província do Rio Grande do Norte. Assim, considerando que os primeiros projetos
identitários do RN datam das últimas três décadas do século XIX, antes mesmo da fundação
do IHGRN (1902).
Embora não se tenha chegado a um consenso narrativo do que de fato pudesse
representar “verdadeiramente” o potiguar, parece existir uma conformidade por parte dos
intelectuais que formaram e aqueles que hoje ainda integram o IHGRN – assim como também
de pessoas ligadas a esses intelectuais e às questões culturais – de que, realmente, existe uma
história genuinamente norte-rio-grandense. Ela, todavia, não era conhecida nem valorizada.
Tal reclamação, gestada no século passado, se mantém viva nos dias atuais.
Câmara Cascudo assumiu papel de destaque em relação a essa intelectualidade ligada
às questões históricas e culturais do Estado. Considerado como historiador, folclorista,
antropólogo, advogado e jornalista, desde cedo, aos 23 (vinte e três) anos de idade, Cascudo
já se dedicava às atividades de escrita no jornal “A Imprensa”, criado pelo próprio pai,
Francisco Cascudo, em 1918. Ainda em 1925, começou a se corresponder com Mário de
Andrade, considerado importante intelectual do Modernismo brasileiro. Tendo seus estudos
dedicados à cultura popular e ao folclore, foi membro do IHGRN e professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Sobre sua atuação profissional, inclusive enquanto
sócio do IHGRN, Enélio Petrovich, ex-presidente já falecido do referido Instituto, proclamou:
“não foi a guerra que projetou Natal no mundo. Foi Cascudo” (apud GOMES NETO, 2011, p.
89). E ainda sobre a atuação do intelectual,
História da Cidade do Natal, uma das obras mais importante de Câmara Cascudo, foi
– e ainda é – considerada pela intelectualidade como um documento que construiu uma
narrativa histórica da cidade, servindo como um registro, inclusive de sua potencialidade
97
38
Naturalmente no sentido de entender que o IHGRN (1902), desde sua criação, constitui-se enquanto espaço,
por excelência, de produção, seleção e organização do que representaria a cultura e identidade norte-rio-
grandense.
98
Nesse processo, produziu-se o diálogo entre Instituto e Universidade que possibilitou aos
membros de tais instituições construírem relações concernentes à produção historiográfica.
No que tange a essa união, Deífilo Gurgel representou o vínculo existente entre as duas
instituições, ao passo que foi professor do Departamento de Artes da UFRN, ministrante da
disciplina “Folclore brasileiro”, entre 1979 e 1992, também foi membro efetivo do IHGRN,
eleito em 1988 e tomado posse em 1991 – permaneceu até 2012, ano de sua morte. Um dos
trabalhos representativos dessa relação foi o livro Romanceiro de Alcaçus de Deífilo Gurgel,
produto de uma pesquisa que o autor realizou enquanto pesquisador da UFRN. Nas palavras
do próprio Deífilo Gurgel (1992, p. 9), explica-se a importância da obra:
A UFRN, nesse caso, passou a ser considerada, a partir da segunda metade do século
XX, um espaço profícuo para atender às demandas da sociedade norte-rio-grandense,
inclusive no que tange às questões culturais e identitárias. Em finais do século XX, surgiram
“novas” perspectivas de identidades, que, teoricamente, se opõem aos discursos das
identidades nacionais. Novas demandas e necessidades buscam nos discursos identitários a
diversidade e pluralidade, não cabendo mais a homogeneização que tanto era almejada na
construção da identidade nacional. Ou seja, ser “brasileiro” admite ser plural e não definido
pela ideia de certa homogeneidade mestiça tutelada pela herança portuguesa, como queriam
os modernistas tais como Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Holanda. Pensando nisso,
questionamos: quando do deslocamento das questões identitárias dos IHGB’s para as
universidades, ou mais especificamente do IHGRN para a UFRN, as narrativas não sofreriam
também alterações? Podemos encontrar novas perspectivas em relação à ideia de cultura e
identidade norte-rio-grandense? Para responder parte das questões, uma passagem do livro
Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte chama atenção:
39
A utilização do pronome pessoal “nós”, a nosso ver, diz respeito a uma estratégia de discurso para entender
que não apenas o autor dessa narrativa pensa ou age assim, como também identifica-se com seus pares, com seu
lugar social. Isto é, com estudiosos da cultura que comungam das mesmas concepções e formas de trabalhar com
os chamados temas folclóricos.
100
constroem realidades. Benedict Anderson (2008, p. 239) afirma que o mapa é essencial nesse
processo uma vez que demarca fronteiras e, antes de representar o espaço, ele “[...] antecipava
a realidade espacial [...] era antes um modelo para o que (e não um modelo do que) se
pretenderia representar”. O próprio livro produzido para disciplina já é em si uma cartografia,
se levarmos em consideração que houve uma tarefa de mapeamento dos elementos
pertencentes a uma ideia de cultura norte-rio-grandense. Assim como também foram
indicadas outras narrativas que selecionam e organizam elementos pertencentes ao patrimônio
cultural do Rio Grande do Norte, como, por exemplo, a “Cartilha do Patrimônio Imaterial
Potiguar”40, que em seu texto inicial expôs seu objetivo:
a Fundação José Augusto está realizando um projeto que pretende abranger todo o
estado do Rio Grande do Norte. Denominado Patrimônio Potiguar em Seis Tempos,
esse projeto, vinculado à UNESCO e com financiamento do BID e do Governo do
Estado do RN, tem como pretensão fazer um levantamento do patrimônio cultural do
Rio Grande do Norte, dividido em seis tipos: arquitetura, bens móveis integrados,
artes visuais, arte sacra, museologia e imaterial (FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO,
2013, p. 3).
Percebe-se, portanto, que mapear o que seria o chamado Estado do Rio Grande do
Norte e suas manifestações culturais é, antes de tudo, uma projeção espacial, uma estratégia
para dizer e legitimar os elementos que formam e conformam as identidades espaciais.
Estratégia, aqui, está sendo tomada no sentido pensado por Certeau (1994) e que diz respeito
a um conjunto de mecanismos relacionados ao poder estabelecido utilizados por determinados
grupos para “comunicar” uma representação específica do que seja o Estado. Em outros
termos, podemos dizer que esse mapeamento faz parte de um processo de patrimonialização e
folclorização, por partes dos intelectuais, de uma ideia de cultura norte-rio-grandense visando
à construção de uma identidade local. Que pese ser outro o contexto para o qual Benedict
Anderson lançou seus olhares, no intuito de entender o processo de constituição da ideia de
nação, notadamente no século XIX, parece que as ações que estão sendo empreendidas para
“dizer” uma cultura norte-rio-grandense – a partir de um componente curricular –, em grande
medida, reatualizam as formas de como as identidades nacionais foram concebidas.
Todas essas estratégias e produção de uma cultura do Rio Grande do Norte, vale
ressaltar, ainda passam por um processo de monumentalização em instituições e locais
representativos da cultura. Foi reservado no livro uma seção para discutir especificamente
40
A “Cartilha do Patrimônio Imaterial Potiguar” foi produzida “[...] dentro de um contexto maior, que era o
projeto Patrimônio Cultural Potiguar em Seis Tempos, cujos resultados foram apresentados à sociedade norte-
rio-grandense no primeiro bimestre de 2007 [mesmo ano de institucionalização da disciplina], pela Fundação
José Augusto/FJA” (GOMES NETO, 2011, p.14).
104
forma, constitui-se enquanto elemento fundamental para essa compreensão, uma vez que faz
parte de uma das dimensões que mobiliza o conhecimento histórico.
O passado foi entendido na qualidade de elemento que deve ser retomado para que sua
recriação atenda às necessidades práticas dos diferentes sujeitos, de maneira a responder suas
carências sociais. Nesse panorama, as narrativas históricas devem ser colocadas em
movimento para suprir as carências de orientação temporal e espacial.
Nas duas últimas décadas do século XX, o ensino de História no Brasil passou por
importantes transformações em suas concepções. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN), criados no ano de 1996, vieram a corroborar para o entendimento do ensino como
espaço de diálogo entre os mais diversos grupos e interesses, superando a ideia de uma
educação voltada para o aprendizado de fatos históricos que diziam muito mais de um
passado de memória de grupos específicos do que atendiam às necessidades de interesses
presentes no espaço escolar.
Assim, o ensino de História, consequentemente, passou por significativas
transformações em relação às suas concepções. Não se aceitava mais um ensino voltado para
o acúmulo de conhecimento, mas se buscou, nesse momento, uma História problema, que ao
invés de impor experiências históricas, as problematizariam.
Retomando os PCN e as transformações no ensino de História na década de 1990,
verificamos que o documento propôs uma série de inovações e alternativas para os quadros
teóricos e metodológicos do ensino de História. O fazer pedagógico nesse momento buscou
mudanças no que diz respeito: à história factual, que valorizava heróis e datas; ao ensino de
toda a história da humanidade, uma vez que era impossível ministrar essa abrangência de
conteúdos; à divisão da história a partir de uma perspectiva linear, entendendo experiências
históricas como primitivas e/ou evoluídas. De maneira geral, buscava, naquele momento, uma
História capaz de pensar o indivíduo em suas mais diversas relações com o presente, passado
e futuro. Sobre as “velhas” e novas perspectivas do ensino de História, Oliveira afirmou:
De acordo com esses direcionamentos dados pelos PCN, podemos perceber que o
documento nos levou a pensar sobre a ligação entre ensino de História e identidades múltiplas.
Esta relação deve ser concebida a partir de uma perspectiva problematizada, observando os
diferentes conceitos envolvidos do que sejam identidades nos diferentes tempos históricos.
do sistema escolar pelos diferentes grupos sociais, com o intuito de legitimar determinados
valores e práticas. A criação da disciplina “Cultura do RN”, de acordo com essa compreensão,
pode ser entendida como uma estratégia de utilização do sistema escolar por uma elite
intelectual consagrada no Estado, saudosa das relações oligárquicas que predominaram no
final do século XIX e início do XX, para legitimar suas práticas e valores. A disciplina é um
espaço de lutas e que, por isso, passível a disputas pela instalação e reprodução de
determinadas memórias históricas. Em outros termos, “tentar” instalar determinadas
narrativas, valores e práticas não significa que serão reproduzidos, mas que, potencialmente,
podem “comunicar” determinadas concepções e, assim, contribuir para sua legitimação.
O que está em questão não é a mudança em si da estrutura curricular, pois o Estado,
enquanto representante da sociedade, tem o poder legítimo de desenvolver ações que
considere importante. Além disso, as mudanças curriculares são necessárias e atendem a
demandas sociais. A questão é identificar e analisar quais as concepções de cultura
desenvolvidas a partir destas iniciativas, as relações sociais que nelas estão inseridas e quais
as potencialidades em relação ao ensino de História.
Pensando no uso e na função do conhecimento histórico, nas propostas do “Projeto
para o Desenvolvimento do Componente Curricular Cultura do RN” e das “Diretrizes
Curriculares Estaduais para o Ensino da Cultura do RN”, nos deparamos com afirmativas que
levam a determinados questionamentos. O primeiro foi em relação aos conteúdos que
deveriam ser trabalhados em sala de aula com os alunos, uma vez que tanto o Projeto quanto
as Diretrizes afirmam que, ao compreender a cultura em sua amplitude, abre-se “espaço para
um indeterminado rol de assuntos e possibilidades a serem trabalhados em sala de aula, não
sendo necessário, portanto, a apresentação de uma listagem de conteúdos pré-determinados”
(RIO GRANDE DO NORTE, 2007b) pela Secretaria de Educação.
Nesse sentido, o documento supracitado tinha como objetivo apenas fornecer alguns
linhas gerais que norteassem um primeiro momento de desenvolvimento do novo componente
curricular. Caberia objetivamente à escola a construção de um currículo que estivesse de
acordo com os anseios e necessidades dos seus agentes escolares. Assim, o referido
documento concluiu:
acreditamos que a definição do que deve ser ensinado seja objeto de discussão
coletiva, e ainda que a elaboração de diretrizes curriculares seja feita de modo
colaborativo, valorizando o professor na sua condição de sujeito do processo
educativo. Dessa maneira encaminhamos estas diretrizes para que sejam norteadoras
do ensino da cultura do RN durante o ano letivo de 2007, mas que brevemente sejam
reelaboradas com a participação dos professores da rede pública estadual,
112
uma primeira conclusão, pelo disposto no capítulo anterior, é que o livro funcionou como
currículo na ausência de debates e discussões mais amplas. O projeto e as Diretrizes
propunham grades abertas, mas a distribuição gratuita mapeava o que era ministrável.
o que é um livro didático? É um artefato que veicula textos escritos, imagéticos e/ou
sonoros, organizados de modo linear ou hipertextual, disponíveis em suporte de
papel, plástico policarbonato, microchips de silício ou ondas eletromagnéticas, cuja
principal função é auxiliar aos alunos, professores, pais ou responsáveis no processo
de aquisição de conhecimentos e habilidades relativas e circunscritas a determinada
disciplina escolar.
De acordo com essa definição podemos sugerir que, embora o livro produzido para
disciplina tenha carácter enciclopédico, os elementos integrantes desse material assemelham-
se em muito com aqueles componentes de um material didático: livro impresso, linguagem
acessível, imagens, mapas, legendas, quadros com definições de conceitos, atividades. Na
apresentação do próprio livro, encontramos a seguinte afirmação: “nele [o livro em questão]
investimos o melhor da nossa criatividade visando à boa utilização do seu conteúdo,
ressaltando o aspecto lúdico das atividades pedagógicas” (GURGEL; VITORIANO;
GURGEL, 2003, p. 5).
Infere-se, então, que o livro foi definido enquanto importante material para auxiliar na
prática pedagógica, não apenas na qualidade de fonte, mas seu texto foi construído de forma a
servir de instrumento para alunos e professores, enquadrando-se, portanto, numa das funções
principais atribuídas ao livro didático: de servir como material de auxílio para os agentes
escolares.
Paralela a essa definição, ainda podemos pensar na concepção de livro didático
regional para o ensino de História expressa pelo Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD):
114
O livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte foi produzido no ano de 2003 e
posteriormente distribuído nas escolas da rede pública estadual no ano de 2007, para auxiliar
no desenvolvimento do componente curricular “Cultura do RN”. Como já dito, foi divido em
três eixos temáticos – a saber, Literatura, Artes plásticas e Folclore – considerados elementos
essenciais para o entendimento da cultura local e, consequentemente, enquanto definidores de
uma identidade local. Assim, tomando a definição do livro didático regional proposta pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o livro criado para disciplina tem, além de
outras características já discutidas, diversos componentes suficientes para ser considerado um
livro didático em sala de aula.
Ainda sobre o caráter didático do livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte,
outro fator chamou atenção: a semelhança da supracitada obra com outra já produzida por
Deífilo Gurgel, em 1999, intitulada Espaço e Tempo do Folclore Potiguar, destinada aos
alunos norte-rio-grandenses, como afirmou o autor na Introdução do livro:
este livro é para os estudantes, pela maneira simples como foi escrito. E para os
estudiosos, pela soma de informações sobre o folclore do Rio Grande do Norte. [...]
decidimos escrever este livro, para revelar, particularmente aos alunos de nossas
escolas, o universo fabuloso do folclore potiguar, visto à luz dos ensinamentos dos
grandes mestres da Folclorologia, daqueles que, com amor e competência,
estudaram as manifestações do pensar, sentir, agir e reagir do nosso povo (GURGEL,
1999, p13).
está é uma obra que, obrigatoriamente, terá que ser colocada nas mãos dos nossos
estudantes, sejam do ciclo primário, do colegial ou do universitário. Porque ensina
didaticamente a ser brasileiro e norte-rio-grandense de coração, orientando-se pela
bússola da nossa tradição cultural. Só assim as invasões da cultura estrangeira
poderão ser assimiladas criticamente e não alienadamente (GURGEL, 1999).
Infere-se, portanto, que o livro Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte não foi a
primeira iniciativa de intelectuais, como Deífilo Gurgel, em produzir material didático para
serem trabalhados junto aos alunos nas escolas do Estado. Mesmo não tendo a denominação
de livros didáticos, essas obras foram pensadas a partir de uma linguagem e estrutura que
possibilitassem um trabalho didático no espaço escolar. Tanto que a estrutura do eixo
115
temático produzido por Deífilo Gurgel, no livro Introdução à Cultura do Rio Grande do
Norte, foi bem semelhante à composição do livro Espaço e Tempo do Folclore Potiguar.
Sobre a estruturação desta obra, Anchieta Fernandes, ainda na “Dinâmica Iniciatória”
observou:
o livro foi estruturado com uma dinâmica iniciatória, partindo da definição histórica
(a etimologia da palavra “folclore”, como a criou o inglês Willian John Thoms em
1846) e se estendendo nas explicações e descrições de cada elemento e setor, nas
inferências e relacionamentos com a cultura em geral – e sempre defendendo a
importância do folclore e a necessidade de estudá-lo. Colocando interpretações
próprias, criando palavras (‘triangleiro’, por exemplo), ilustrando sua pesquisa com
excelente material fotográfico – Deífilo faz-se presente nesta batalha cultural
(GURGEL, 1999).
o livro de História didático no Brasil abarca um intenso mercado editorial que está
ligado contemporaneamente, principalmente, às demandas do Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), que é um projeto do Governo Federal, que a partir de um
Edital de convocação avalia os livros das editoras (por especialistas de diferentes
áreas), que serão encaminhados para escolha dos professores da educação básica e
serão utilizados nas escolas públicas brasileiras. De certa forma, na falta de um
currículo nacional para o ensino de história, os editais e, assim, os livros aprovados,
acabam por definir a concepção de história que deve ser levada aos alunos a partir
do livro didático.
É certo que a concepção do livro didático como definidor do currículo, assim como
ressalvou a autora, não deve ser considerada como algo determinante, uma vez que o espaço
escolar pode indicar diversas outras possibilidades de utilização desse material e de outros.
No entanto, não se pode negar o papel fundamental que este instrumento didático ocupa nas
salas de aula e como, potencialmente, pode vir a definir o currículo, bem como a formação de
um mercado financeiro que a compra dos livros didáticos movimentam. Nesse ponto, vale
destacar que o livro produzido para a disciplina “Cultura do RN” – embora estivesse previsto
no projeto como fonte de pesquisa – movimentaria o mercado editorial, uma vez que cada
exemplar do livro em questão foi previsto num custo para o governo do Rio Grande do Norte
de R$40,00 (quarenta reais) a unidade, representando ao final um valor total de
R$1.474.000,00 (um milhão, quatrocentos e setenta e quatro mil reais). “O Projeto de
Desenvolvimento do Componente Curricular Cultura do RN” tinha previsão orçamentária
final, incluindo todas as ações, um valor no total de 1.590.833,20 (um milhão, quinhentos e
noventa mil, oitocentos e trinta e três reais e vinte centavos), assim, a ação de distribuição do
livro representou 92,66% dos gastos previstos no Projeto, enquanto as demais ações –
reprodução das Diretrizes Curriculares Estaduais para o Ensino de da Cultura do RN,
reprodução do Guia Metodológico da Cultura do Selo Unicef, aquisição do acervo
117
a memória histórica guarda várias narrativas através dos vários grupos sociais,
instituições, classes. A História, como produção do conhecimento científico,
compõe outras narrativas. Embasadas numa das visões que a sociedade guardou,
muitas vezes, partindo dessa memória, grupos ou indivíduos compõem um
conhecimento que vai de encontro a ela. O profissional de História deve demonstrar
essas ligações – do passado com o presente – e, embora não deva instituir como uma
verdade única (o que entendemos por história tradicional é exatamente essa
operação), deve ter clareza de que a memória influencia a história, e a história
influencia a memória. Por outro lado, o pesquisador e o professor de História
precisam refletir – e o segundo, como dever de ofício – e ter clareza do momento em
que é recomendável, necessário, desejado, (para o público com que trabalha)
conhecer narrativa (s), confrontá-la (s), interpretá-la (s) e compreendê-la (s).
118
O autor nesse texto referiu-se ao que ele denominou de uma “prática educativa”, na
parte final do livro citado, na sessão de anexos. Uma experiência na qual alunos de várias
localidades do Rio Grande do Norte reuniram-se e apresentaram um espetáculo folclórico, por
sua vez, entendido enquanto expressão da cultura popular do Estado. Pela narrativa, podemos
inferir algumas concepções de ensino e aprendizagem que o produtor do texto tem. Para ele, o
folclore foi uma experiência passada que deve ser valorizada porque caracteriza elementos
autênticos da cultura potiguar que resistiram às vicissitudes do tempo. A perspectiva de
conhecedor de elementos, que formam as expressões culturais, atuou no sentido de se
conhecer aquilo que já existia. A cultura, como analisamos no capítulo anterior deste trabalho,
foi perspectivada por um ponto de vista cristalizado. Sendo assim, ficou notório o
entendimento de que tanto o aluno quanto o professor deveriam conhecê-lo, reconhecê-lo e
valorizá-lo, independente do transcurso do tempo, independente das memórias dos sujeitos
envolvidos, como também das novas relações sociais vividas. Isso porque o conteúdo
“folclore” é a própria memória de uma entidade idealizada chamada de Rio Grande do Norte.
Ainda sobre o trecho em questão, outro ponto chamou atenção: a ideia de que o
trabalho de Luís da Câmara Cascudo tornou o evento ainda mais valorizado e (por que não?)
ainda mais válido, uma vez que se tratou de utilizar trabalhos elaborados por um intelectual
consagrado no Rio Grande do Norte enquanto um grande folclorista. Não que se tenha alguma
restrição em utilizar o material sobre cultura produzido por Cascudo, no entanto, geralmente
quando se retomam as afirmações e narrativas do autor, é como se estivesse retomando a
própria experiência histórica, uma vez que o autor destacou-se na tarefa de “dizer” a cultura
119
a consciência de que é sempre fruto de seu tempo sugere, também, outros trabalhos
didáticos. As obras de cunho histórico – textos historiográficos, artigos de jornais e
revistas, livros didáticos – são estudadas como versões históricas que não podem ser
ensinadas como prontas e acabadas, nem confundidas com a realidade vivida pelos
homens do passado. Considera-se, por exemplo, a importância da identificação e da
análise de valores, intencionalidades e contextos dos autores; a seleção dos eventos e
da importância histórica atribuída a eles; a escolha dos personagens que são
valorizados como protagonistas da história narrada; e a estrutura temporal que
organiza os eventos e que revela o tempo da problemática inicial e dos contextos
históricos estudados. (BRASIL, 1998, p. 33)
anos do Ensino Fundamental de escolas públicas. Assim, foram submetidos nestes editais,
livros de História Regional que, geralmente, são utilizados no primeiro ciclo do ensino
fundamental. Em relação ao Estado do Rio grande do Norte, em 2007, foi submetido ao
PNLD o livro didático regional Para Conhecer a História do Rio Grande do Norte, de autoria
de Marlene da Silva Mariz e Valda Marcelino Tolkmitt, no entanto, a obra foi avaliada, mas,
em desacordo com parâmetros estabelecidos, não incluída no Guia de Livros Didáticos do
PNLD. No edital de 2010, o livro regional submetido foi o Rio Grande do Norte: história,
cultura e identidade, de autoria de Marlúcia Galvão Brandão, também em desacordo com
parâmetros do programa, foi excluído do PNLD. E no último edital do PNLD de obras
didáticas, destinadas às séries iniciais do Ensino Fundamental, foi submetido um livro de
história regional, sendo aprovado e, consequentemente, incluído no Guia de Livros Didáticos:
o livro História do Rio Grande do Norte: história regional, de autoria conjunta de
Aristotelina Pereira Barreto Rocha e Lemuel Rodrigues da Silva.
Para nossa pesquisa, utilizaremos apenas as narrativas regionais que foram excluídas
do PNLD, pensando nestas obras como norteadoras para compreender o que está sendo aceito
e/ou negado para o desenvolvimento do ensino escolar de História. Dessa forma, um paralelo
entre as noções de cultura movimentadas na disciplina “Cultura do RN”, a partir do livro
Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte, com as narrativas regionais excluídas do
PNLD podem ser significativas no sentido de compreender quais as concepções de história,
memória e cultura foram mobilizadas, principalmente, porque nestas obras excluídas
verificaram-se sessões específicas para se trabalhar a cultura do Estado.
O livro didático Para Conhecer a História do Rio grande do Norte é constituído por
07 (sete) unidades, cada uma apresentando tópicos diversos. As unidades, de maneira geral,
fazem parte de uma lógica narrativa linear, na qual o conhecimento histórico foi abordado a
partir de uma história nacional sequencial, ou seja, explorando experiências históricas do
Brasil Colônia e seu desdobramento na história local, assim seguindo uma sequência de
Império, República e dias atuais, com enfoque nos fatos e personagens políticos. Os 02 (dois)
últimos tópicos da Unidade 07 foram os mais significativos para relacioná-los ao objeto de
estudo dessa dissertação: “A cultura e a moderna sociedade norte-rio-grandense” e “A Cultura
e a tradição potiguar”.
O primeiro tópico inicia-se narrando a história de criação da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN) e depois segue contando algumas transformações que
ocorreram no Estado durante as décadas de 1950, 1960, 1970 e 1980. Sem fazer conexões
com os acontecimentos narrados neste tópico, lança-se a seguinte imagem:
121
Mais uma vez foi dado um destaque à expressão folclórica conhecida por Araruna,
haja vista que a imagem foi utilizada para abertura do tópico “A cultura e a tradição potiguar”.
No eixo “Folclore”, produzido por Deífilo Gurgel, observamos também que houve um
destaque à Sociedade Araruna de Danças Antigas e Semidesaparecidas, conhecida por
Araruna, posto que a narrativa referente a essa expressão cultural foi mais delongada que as
demais, como também houve o dobro de utilização de imagens deste grupo. Além de ter sido
destacado o caráter “genuíno” que tal dança representaria, podendo “dizer” de maneira
“verdadeira” a identidade potiguar.
Ainda sobre o tópico do livro de Mariz e Tolkmitt (2005, p. 117), o texto de abertura
afirmou:
a cultura potiguar, da mesma forma que nos outros estados, é constituída por um
conjunto de influências dos elementos étnicos que participaram da formação do seu
povo: o índio, o branco e o negro. Essa soma de influências constitui a nossa cultura
e está presente nos costumes, na alimentação, nas manifestações religiosas e no
folclore.
Ora, essa visão tripartida da cultura (branco, índio e negro) remete exatamente ao mito
das três raças, desenvolvido a partir de teorias como as de Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e
outros, o qual enalteceu o encontro da cultura do colonizador com o índio e o negro,
minimizando as lutas e violências cometidas com estes encontros culturais e dando vazão ao
que também se chamou de mito da democracia racial, no qual os conflitos foram apagados em
123
prol da ideia de que a colonização do Brasil se deu de forma harmoniosa e, por isso, a
identidade brasileira não seria nada mais do que a junção de elementos das três “raças”
formadoras do Brasil. Estas ideias levaram os intelectuais preocuparem-se com um discurso
historiográfico capaz de definir a identidade do povo brasileiro, no entanto, esta narrativa foi
produzida às custas de um processo de naturalização e cristalização do que seria a cultura
brasileira, produzindo um silenciamento em relação às lutas sociais (MOTA, 1985).
Ao afirmar que a formação do Estado fez parte de um “entrecruzamentos de raças”
(GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 5), os produtores do livro Introdução à
Cultura do Rio Grande do Norte parecem também compartilharem das ideias do “mito das
três raças” e que os elementos culturais que formavam essas etnias constituem-se hoje
elementos de uma identidade potiguar, que também foi vista através de uma perspectiva
homogênea e cristalizada. Neste cenário, o folclore apresentou-se enquanto o elemento
“chave” para se produzir um identidade local, haja vista que sua monumentalização
representou a volta ao passado da cultura de um povo. Essa perspectiva do folclore também
foi utilizada por Mariz e Tolkmitt (2005, p. 119) no livro didático regional submetido ao
PNLD 2007:
há, nessa região [cidade de Natal], uma mistura equilibrada entre as tradições dos
povos que aqui estiveram. Portugueses, holandeses, africanos e indígenas, e que
podem ser observados nas manifestações culturais (BRANDÃO, 2008, p. 179).
Mais uma vez, branco, índio e negro foram integrados culturalmente, promovendo
expressões culturais que representam a identidade dos norte-rio-grandenses. Estas
manifestações, por vezes, apresentadas como folclóricas, são entendidas como elementos
culturais originários de um povo, como reforçou o texto do livro de Brandão (2008, p. 179):
[...] também no folclore que compreende o conjunto das tradições, lendas e crenças
que se manifestam nos provérbios, contos, danças e festas – Boi Calemba, Congos,
Araruna, Bambelô, entre outros. Está presente na Festa do Reis Magos, de Nossa
Senhora dos Navegantes, de Nossa Senhora da Apresentação. Segundo Luís da
Câmara Cascudo ‘a cultura popular é a mais importante de todas as culturas, porque
é a raiz de tudo’, portanto é importante ser preservada.
Ou ainda,
Entende-se, a partir desses norteadores, que uma obra didática deve preocupar-se não
apenas em apresentar conteúdos históricos, mas também, e fundamentalmente, promover um
debate de como o conhecimento histórico foi e pode ser produzido. Diante deste diálogo, o
educando assume a capacidade de posicionar-se criticamente frente às narrativas histórias,
levando-o a produzir novos conhecimentos que atendam às suas necessidades práticas do
presente. O pensar historicamente, objetivo central do ensino de História, só pode ser atingido
a partir do momento em que o aluno compreende a diferença entre experiências históricas e
produção do conhecimento histórico, assim, obtendo a compreensão das relações sociais que
estão inseridas no processo de construção do conhecimento como também possibilitando a
competência para movimentar as narrativas históricas de modo a sanar as necessidades sociais
do presente e futuro.
Dessa forma, uma obra didática que não propõe e/ou discute a distinção das
informações por ela veiculadas enquanto produção do conhecimento, e não processo histórico
em si, limita a compreensão dos agentes escolares em relação ao conhecimento movimentado,
podendo incorrer, inclusive, na concepção de que o conteúdo da obra didática trata-se de uma
“verdade absoluta” não passível a críticas e desconstruções de forma a assumir outras
interpretações, de acordo com o tempo e interesses diversos do sujeito social.
[...] e que possa o estudante sentir-se estimulado a se tornar um ativo agente cultural:
seja escrevendo, pintando, seja participando dos ricos folguedos populares de que
nossa cultura é tão rica ou até – o que não é menos importante – um zeloso
divulgador da mesma (GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 5).
É interessante notar que, ao mesmo tempo em que se deseja um aluno ativo, construtor
do seu próprio conhecimento, a ideia de “divulgador” de elementos (pré-)estabelecidos da
cultura norte-rio-grandense corrobora para entender que esta já foi produzida. Nesse sentido,
os conteúdos parecem ser integrantes de uma “cultura comum” formada por valores, crenças,
práticas e significados já produzidos e, possivelmente, compartilhados. Conhecer, valorizar e
127
Alguns dos “verbos” (comparar, analisar, relacionar), que hoje são pautados como
fundamentais para o processo de ensino e aprendizagem, não foram valorizados na
institucionalização do componente curricular em questão. As atividades que compõem o livro
Introdução à Cultura do RN também caminham neste sentido. Apesar do livro se propor de
caráter enciclopédico, como já discutido, em muito ele aproxima-se de um material didático,
nesse caso, apresentando diversas atividades. Em uma proposta de atividade, localizada na
seção intitulada “Além do texto”, uma das questões traz o seguinte enunciado: “2. O folclore
representa um patrimônio valioso da cultura de um povo. Conhecê-lo e divulgá-lo ajuda a
fortalecer a identidade cultural de um povo. Comente.” (GURGEL; VITORIANO; GURGEL,
2003, p. 89).
Essa perspectiva de atividade, enfocando o papel de “conhecedor” e “divulgador” de
elementos (pré-)estabelecidos da cultura norte-rio-grandense, corrobora para entender que
esta já foi produzida. Além disso, o comando da atividade se encerra em “comentar”
afirmações que já foram feitas. O comando da questão apresenta-se, de certa maneira, de
forma vaga e, por isso, com grande possibilidades de se encerrar na simples constatação do
que já fora dito anteriormente. Não direciona os alunos a processos mentais mais complexos,
de problematização do conhecimento histórico trabalhado. Podemos sugerir que essa ausência
diz respeito às concepções de ensino e aprendizagem oferecidas pela disciplina.
Outras atividades do referido livro também corroboram para essa perspectiva de
ensino. Nas seções de atividades intituladas “Testando a Leitura”, a própria nomenclatura,
inclusive, nos conduz ao entendimento de que se espera do aluno uma retomada dos fatos
expostos anteriormente:
Essa retomada das narrativas do livro – como uma espécie de reafirmação do que já
foi dito, sem problematizações – pode contribuir para que as narrativas sejam vistas como
“verdades” históricas não passíveis a mudanças, ou ainda num processo de não
reconhecimento da diferença entre narrativa histórica e experiência história.
Recorrentemente, a fim de se estudar a história local, os livros didáticos apresentam
questões que tentam aproximar o aluno de sua realidade histórica. Para tanto, um recurso
muito utilizado é a entrevista ou, de modo geral, atividades que busquem conhecer memórias
dos antepassados, bisavós, avós, pais, como também de pessoas antigas que são conhecidas
nas comunidades. Também entre as atividades propostas pelo livro, criado para a disciplina
“Cultura do RN”, parte da seção nomeada de “Além do texto: entreviste professores, colegas
da escola, pessoas da comunidade, relacionando as opiniões deles sobre a importância do
folclore.” (GURGEL; VITORIANO; GURGEL, 2003, p. 80).
Não há nenhum problema em buscar memórias de grupos para o estudo de
determinados assuntos. A questão é não haver uma problematização dessas memórias, as
quais não são diferenciadas das experiências históricas; quando não se busca problematizar e
entender quais as distintas relações sociais que estão envolvidas com aquelas memórias.
Nesse momento, pode-se incorrer no risco de confundir o que seja memória do que seja
história. Problema esse apontado e discutido por Margarida M. D. de Oliveira (2010, p. 15):
é preciso notar que alguns livros didáticos e algumas publicações de divulgação têm
propugnado o resgate da memória como porta-voz de grupos historicamente
excluídos. Essa fala – a partir da história oral ou mesmo através de outras fontes
documentais – tem sido equiparada à produção da pesquisa histórica e mal entendida
como detentora da verdade num processo de sacralização da voz popular. É preciso
não cometer-se o equívoco de colocar-se a memória – principalmente na primeira
fase do Ensino Fundamental – como substituta do ensino de História. A memória
dos avós, dos pais, dos antepassados em geral pode até ser mais atraente para as
crianças, pode apresentar outras possibilidades para o processo histórico, mas não
deve substituir as informações fornecida pela pesquisa histórica.
o significado do bem cultural. Esse processo de seleção e organização curricular gira em torno
de consensos e não de conflitos42, silenciando as relações de poder que estão envolvidas na
organização da educação.
Não se nega aqui a importância que as manifestações ditas tradicionais têm no âmbito
das culturas, inclusive, como testemunhos de épocas. O que estamos querendo evidenciar é
que elas devem ser incluídas e apreendidas dentro de uma perspectiva de pluralidade, em
diálogo com manifestações que nascem e se modificam com o tempo, a partir da interação
com outras realidades. Assim, deveria se evitar um modelo padrão único de cultura, para
pensá-la em sua dinâmica e diversidade ou, como diria Certeau (2012), “a cultura no plural”.
No mesmo caminho, Michael W. Aplle (2006, p. 27) apontou:
o apelo atual para que “retomemos” a uma cultura comum, na qual todos os alunos
recebem os valores de determinado grupo – em geral os do grupo dominante -, não
diz, em absoluto, respeito a uma cultura comum a todos. Tal abordagem pouco toca
a superfície das questões políticas envolvidas. Uma cultura comum a todos jamais
pode ser a imposição daquilo que uma minoria é e acredita. Ao contrário, deve
fundamentalmente não exigir a estipulação de listas e conceitos que nos façam todos
‘culturalmente letrados’, mas a criação das condições necessárias para que todas as
pessoas participem na criação e recriação de significados e valores.
As instituições escolares não são neutras e o currículo deve ser pensado a partir de
uma teoria crítica43. Os grupos sociais montam estratégias de utilização do sistema escolar
com o intuito de legitimar seus valores, normas e práticas. A criação da disciplina “Cultura do
RN”, de acordo com essa compreensão, pode ser entendida como uma estratégia de utilização
do sistema escolar pelos grupos políticos e intelectuais herdeiros de uma oligarquia norte-rio-
grandense que teve sua ascensão no final do século XIX e nas primeiras décadas do século
XX – ou na chamada República Velha – e que, após esse período, passou por um processo de
decadência das suas instituições; como também a uma tradição historiográfica do IHGRN,
criado em 1902 tendo seus membros intelectuais ligados às oligarquias locais.
Este processo de decadência das oligarquias, contudo, acirrou as lutas e disputas de
memórias que tentam resistir contra as mudanças processadas, para que antigas relações de
poder e dominação sejam mantidas. Desse modo, a nostalgia – que foi apresentada pelos
autores do livro Introdução á Cultura do Rio grande do Norte no que tange ao período
considerado de florescimento dos estudos das expressões culturais, como também a constante
retomada da historiografia do IHGRN como a mais representativa da história e cultura local –
42
Ver: APLLE, Michel W. Ideologia e Currículo. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 41.
43
Ver: NOGUEIRA, Maria Alice; NOGUEIRA, Cláudio M. Martins. Bourdieu e a educação. 2. ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2006.
131
No entanto, o autor parece silenciar os conflitos que surgem a partir da atuação das
memórias ligadas ao sistemas tradicionais. Dessa forma, potencialmente, o ensino de História
está sendo utilizado como instância de mobilização de determinadas memórias históricas em
detrimento de um saber historicizado, o qual busca entender os processos sociais e as lutas por
eles travadas.
44
Ver CERRI, Luís Fernando, 2011, p. 32.
134
currículo, foi pautada como um conjunto de traços fixos e singulares, não possibilitando o
diálogo entre os tempos e sujeitos diversos.
A motivação central desse texto foi pensar de que maneira o conhecimento histórico, a
partir do projeto de desenvolvimento da disciplina “Cultura do RN”, foi idealizado em relação
à construção de uma identidade espacial. Compreendendo que determinar o que ensinar é
potencialmente um processo de construção de vetores, isto é, de orientações que colocam em
movimento as experiências históricas e como estas irão ser significadas, inclusive na
construção das identidades espaciais. As narrativas criadas para disciplina em questão, ao
dizerem algo sobre o norte-rio-grandense, estão o conformando, produzindo-o, isto é, são
vetores de orientações espaciais e temporais que, a partir do agenciamento de elementos,
buscam produzir a identidade potiguar. Vejamos a citação abaixo, extraída do livro
Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte, escrito por Vicente Vitoriano, autor do eixo
temático “Literatura”:
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS
RN” criado em 2007, este componente curricular tenha sido proposto como uma disciplina
diferente do que seja a de História, na prática seu desenvolvimento se deu, e está se dando, no
ensino de História.
Incluir um tópico referente à cultura demonstrou avanços em relação ao ensino de
História, pois diferencia-se das perspectivas conservadoras e tradicionais de história do
passado para a qual só admitiam-se narrativas que versassem sobre política e/ou economia.
Dessa forma, a “Cultura do RN”, seja enquanto disciplina ou conteúdo, funcionou como
resposta a demandas colocadas socialmente de maneira a conceber o ensino regular de
História a partir de uma funcionalidade prática que venha a acolher questões contemporâneas,
como os litígios pertinentes aos problemas culturais.
Ainda sobre a mobilização do currículo através de tópicos culturais, como ocorreu no
Rio Grande do Norte, podemos entender tal projeto curricular como uma maneira de perceber
a escola enquanto um constructo social, como discutimos no capítulo 01 deste trabalho. As
diferentes instituições e sujeitos fazem com que a escola extrapole suas dimensões físicas para
assumir signos e significados decorrentes das diversas relações sociais que nela se processam.
Alunos, professores, pais, diretores, movimentos sociais, Estado e outros setores da sociedade,
em geral, voltam-se para a escola em busca de respostas para suas carências de orientação no
tempo (RÜSEN, 2010).
Verificamos também que essas demandas direcionadas à escola não estão ligadas
apenas às questões didático-pedagógicas das diversas áreas de conhecimento no processo de
ensino e aprendizagem escolar. No caso do ensino de História, discutido neste trabalho,
examinamos que assuntos referentes à cultura, ao patrimônio, ao folclore, à tradição, às
relações de poder e à dominação são direcionados aos pressupostos da Ciência da História e
extrapolam as questões didático-pedagógicas. Dessa forma, entendendo que cada área de
conhecimento deve utilizar de seus pressupostos científicos para desenvolver as questões do
ensino, logo, sendo a escola mais do que um espaço direcionado apenas às questões da
Pedagogia.
O projeto de desenvolvimento da disciplina “Cultura do RN” nos conduz exatamente
para este caminho, uma vez que entender as relações sociais que estão inseridas no referido
planejamento foi possível através dos pressupostos da Ciência da História, não restringindo-se,
assim, ao caráter pedagógico da disciplina. Não que este não deva ser considerado e debatido,
contudo, se não houver um direcionamento específico das questões referentes a cada área de
conhecimento, compromete-se a possibilidade de identificar a complexidade dos sistemas
simbólicos que formam o espaço e, em consequência, o ensino escolar.
142
146
REFERÊNCIAS
FONTES
UNICEF. Guia Metodológico da Cultura no Selo UNICEF. Gráfica e Editora Regadas LTDA,
2006.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
MARINHO, Francisco Fernandes. Deífilo Gurgel: oitenta anos de vida, poesia, história e
folclore. Natal: RN Econômico, 2006.
MARIZ, Marlene da Silva; TOLKMITT, Valda Marcelino. Para Conhecer a História do Rio
Grande do Norte: história 3a série. Curitiba: Base Editora, 2005.
OBRAS CONSULTADAS
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Duval Muniz de. O Morto Vestido para Um Ato Inaugural:
procedimentos e práticas dos estudos de folclore e de cultura popular. São Paulo: Intermeios,
2013.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedicto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2005.
149
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
_____. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 3. ed. São Paulo: Papirus Editora, 1996.
_____. Meu lugar na história: de onde eu vejo o mundo? In: OLIVEIRA, Maria Margarida
Dias de (coord.). História: Ensino fundamental. Brasília: MEC/SEB, 2010, p. 59-82, v. 21.
Coleção Explorando o ensino.
CAINELLI, Marlene. O que se ensina e o que se aprende em História. In: OLIVEIRA, Maria
Margarida Dias de (coord.). História: Ensino fundamental. Brasília: MEC/SEB, 2010, p. 17-
34, v. 21. Coleção Explorando o ensino.
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência histórica. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2011.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 4. ed. Petrópolis:
Vozes, 1986, p. 125-152.
GATTI JÚNIOR, Décio. Demandas sociais, formação do cidadão e ensino de história. In:
OLIVEIRA, Maria Margarida Dias de (coord.). História: Ensino fundamental. Brasília:
MEC/SEB, 2010, p. 105-130, v. 21. Coleção Explorando o ensino.
150
GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.
129-190.
LEITE, Juçara Luzia. Construção identitária e livro didático regional de História: uma prática
geracional de escrita em si. In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; STAMATTO, Maria
Inês Sucupira (orgs.). O livro didático de História: políticas educacionais, pesquisas e ensino.
Natal: EDUFRN, 2007, p. 189-197.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 20. ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2006.
MENESES, Ulpiano. Fontes visuais, cultura visual e história visual: balanço provisório,
propostas cautelares. Revista brasileira de história, São Paulo, v. 23, n.45, jul. 2003.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
01882003000100002&script=sci_arttext&tlng=es>. Acesso em: 15 de agosto de 2012.
MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974). 5. ed. São Paulo:
Ática, 1985.
OLIVEIRA, Itamar Freitas de; OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Cultura histórica e
livro didático ideal: algumas contribuições rüsenianas para um ensino de História à brasileira.
Revista Espaço Pedagógico: Ensino de História e Educação, Passo Fundo, v. 21, n. 2, p.223-
224, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://www.upf.br/seer/index.php/rep>. Acesso em: 18
jan. 2015.
OLIVEIRA, Itamar Freitas de. Critérios de qualidade para o livro didático de história nos
Estados Unidos. Revista Histórias, Histórias, Brasília, v. 2, n. 3, p.155-175, 2014. Disponível
em: <http://periodicos.unb.br/index.php/hh/article/view/10962>. Acesso em: 18 jan. 2015.
151
OLIVEIRA, Maria Margarida Dias de. Introdução. In: OLIVEIRA, Maria Margarida Dias de
(coord.). História: Ensino fundamental. Brasília: MEC/SEB, 2010, p. 9-16, v. 21. Coleção
Explorando o ensino.
PAIM, Aida Rotava; LIMA, Idesuite de Sousa; MARTINS, Maria do Carmo. Memória,
História e Política: uma reflexão sobre políticas educacionais. In: ZAMBONI, Ernesta et al.
(orgs). Memórias e histórias da escola. Campinas: Mercado de Letras, 2008, p. 21-34.
PAIM, Elison Antonio. Lembrando, eu existo. In: OLIVEIRA, Maria Margarida Dias de
(coord.). História: Ensino fundamental. Brasília: MEC/SEB, 2010, p. 83-104, v. 21. Coleção
Explorando o ensino.
POTIER, Leda Virgínia Belarmino Câmpelo. História para “ver” e entender o passado:
Didática da História, cinema e livro didático no espaço escolar. Natal, 2014. Dissertação
(Programa de Pós-Graduação em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Natal, 2014.
RÜSEN, Jörn. Razão histórica: Teoria da história: teoria da história: fundamentos da ciência
histórica. Brasília: Editora Universitária de Brasília/UNB, 2010a.
______. História viva: teoria da história III: formas e funções do conhecimento histórico.
Brasília: UNB, 2010b.
TARDIFF, Maurice. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como
profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes, 2007.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983.