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1590/1678-4162-11091
S.M. Caramalac
Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.72, n.1, p.125-130, 2020 https://orcid.org/0000-0001-9520-4628
S.M. Caramalac
https://orcid.org/0000-0002-3964-1601
N.D. Chimenes
https://orcid.org/0000-0003-3615-3626
M.I.P. Palumbo
Clomipramina no tratamento da perseguição compulsiva da cauda https://orcid.org/0000-0002-0919-5057
em Bull Terrier – relato de caso
RESUMO
ABSTRACT
The compulsive pursuit of the tail is characterized by a rotating movement in circles, slow to fast with or
without focus on the tail. It is a disorder commonly observed in bull terrier dogs, being more frequent in
males, beginning between 3 and 6 months of age. Diagnosis can be made based on patient history along
with physical, neurological, and laboratory tests. Treatment can be done through environmental
management and withdrawal of stressors allied with antidepressant drugs. The objective of this article is
to report the case of a Bull Terrier that had compulsive pursuit of the tail and had evident clinical
improvement 75 days after starting treatment with clomipramine. The improvement was even greater
after orchiectomy. Clomipramine is the promising tricyclic antidepressant in the treatment of compulsive
tail chasing in dogs. It should be associated with changes in environmental management and avoid
triggers that induce frustration, anxiety and conflict.
determinar quais fatores podem estar devem ser obtidos por meio de exames físico e
relacionados com o desenvolvimento de PCC. neurológico e de exames complementares, como
Segundo Moon-Fanelli et al. (2011) e Tiira et al. hemograma, bioquímico e exames de imagem. A
(2012), a idade média de início desse distúrbio PCC clássica não é causada por qualquer tipo de
em Bull Terriers é em torno de três a seis meses alteração física, como tumor cerebral ou
de vida, mas pode variar de dois meses a seis inflamação local (Moon-Fanelli et al., 2011).
anos de idade. Machos possuem 8% mais
chances de desenvolverem a PCC do que fêmeas, Os bloqueadores da recaptação de serotonina são
e animais castrados são menos acometidos por os principais fármacos utilizados para tratamento
PCC quando comparados com animais inteiros de TOC em cães (Tynes e Sinn, 2014), sendo
(Moon-Fanelli et al., 2011; Tiira et al., 2012). representados pelos antidepressivos tricíclicos,
Além disso, Tiira et al. (2012) verificaram que os que bloqueiam a recaptação neuronal tanto de
cães que recebem suplementação dietética, como serotonina quanto de norepinefrina. Entretanto,
vitaminas e minerais (especialmente vitaminas C além do uso de medicamentos, é fundamental a
e B6), apresentam menos PCC que animais não mudança no manejo ambiental e a remoção dos
suplementados. estímulos estressantes (Seksel e Lindeman,
2001). Assim, o objetivo deste artigo é relatar o
Raças como Bull Terriers, Doberman Pinscher e caso de um cão da raça Bull Terrier com
Pastor Alemão possuem predisposição a perseguição compulsiva da cauda e o tratamento
desenvolver TOC (Luescher, 2000). A elevada bem-sucedido com o bloqueador da recaptação
associação entre os transtornos obsessivos neuronal de serotonina (clomipramina) associado
compulsivos e as raças é um forte indicativo de à mudança do ambiente e à orquiectomia.
que essas alterações de comportamento podem
estar correlacionadas a uma mutação genética CASUÍSTICA
(Overall e Dunham, 2002; Dodman et al., 2010;
Tiira et al., 2012; Mosallanejad et al., 2016), Foi atendido, no Hospital Veterinário da
entretanto a origem desse distúrbio ainda é pouco Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
compreendida (Tynes e Sinn, 2014). Dentro das (UFMS), um canino, macho, da raça Bull
manifestações clínicas, a PCC é mais comumente Terrier, de um ano e quatro meses de idade, com
observada em cães das raças Bull Terrier e Pastor histórico de perseguição da cauda de evolução
Alemão, sendo caracterizada por andar em aguda. Segundo o tutor, o animal começou a
círculos lentos ou rápidos, com a atenção do exibir esse comportamento com 10 meses de
animal direcionada à cauda, ou movimentos idade. Inicialmente, acreditava-se que era uma
giratórios em círculos rápidos e estreitos, sem brincadeira, mas, com o passar dos meses,
foco aparente na cauda, podendo essas duas tornou-se muito frequente e prolongado, havendo
formas serem expressas em um mesmo cão, de episódios com duração de até três dias. Também
maneira intercalada (Moon-Fanelli et al., 2011; relatou agressividade quando o tutor tentava
Tynes e Sinn, 2014). Dodman et al. (2010) interromper as crises. Ele apresentava surdez
encontraram associação entre o TOC e mutações congênita; seu histórico vacinal (polivalente e
no locus CDH2 do cromossomo 7 de Doberman antirrábica) era atualizado, e ele não era castrado.
Pinschers. Entretanto, Tiira et al. (2012), a partir
do sequenciamento do mesmo locus, não O canino já havia recebido tratamento com
observaram essa mutação em Bull Terriers. prednisona, gabapentina e acepromazina, que,
entretanto, levaram à piora do quadro clínico,
O diagnóstico para a identificação da PCC como com aumento da agressividade. O tutor também
TOC não possui critérios claros (Tynes e Sinn, realizou administração de florais, os quais
2014). Deve-se realizar anamnese detalhada, que resultaram em discreta melhora, porém não
permita analisar o histórico de vida do animal, houve continuidade do tratamento. Cinco meses
seu manejo, temperamento e o comportamento antes da consulta, iniciou terapêutica com
compulsivo em si, com detalhes sobre o contexto fenobarbital (2mg/kg, a cada 12 horas); após um
que origina a crise, os eventos que precedem o mês, aumentou-se a dose (4mg/kg, a cada 12
comportamento, idade de início e tentativas horas) e foi realizada a dosagem da concentração
anteriores de tratamento. Além disso, para se sérica do medicamento, obtendo-se o resultado
excluírem outras causas, dados médicos básicos de 15,6µg/dL (valor de referência: 20-30µg/dL).
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Clomipramina no tratamento...
Devido à baixa concentração sérica, aumentou-se afirmando ainda que o animal estava mais
sua dose mais uma vez (6mg/kg, a cada 12 agitado e, pela manhã, exibia comportamento
horas), o que elevou a concentração sérica do agressivo. Devido à demora já esperada para
paciente (37,7µg/dL), desse modo, reduziu-se a observação do efeito terapêutico da
dose para 5mg/kg, a cada 12 horas. Segundo o clomipramina, o tutor foi orientado a aguardar o
tutor, após o último ajuste na dose de tempo necessário antes de desistir do tratamento
fenobarbital, o animal apresentou melhora de instituído. Quarenta e cinco dias após o início da
50% do quadro, no entanto as crises ainda medicação, novos exames laboratoriais foram
ocorriam em uma frequência inaceitável. Além realizados para acompanhamento e, nesse dia, foi
das tentativas de tratamento já relatadas, fez-se o verificado aumento acentuado de triglicérides e
uso de amitriptilina (3mg/kg, a cada 12 horas) colesterol (Tab. 1). A dose de clomipramina foi
por três dias, que deixou o paciente muito ajustada para 3mg/kg, a cada 12 horas, por 30
sonolento e não alterou sua compulsão de dias. A concentração sérica do fenobarbital
perseguição da cauda. Após reclamações da estava dentro do intervalo de referência para a
vizinhança, o animal, que residia em uma casa no espécie (30µg/dL), sendo mantida a dose de
centro da cidade, foi levado para uma chácara 2,5mg/kg, a cada 12 horas.
com ambiente aberto.
No próximo retorno, 30 dias após o aumento da
Exames físico e neurológico não demonstraram dose de clomipramina e 75 dias após o início da
qualquer alteração clínica. Hemograma completo medicação, o tutor descreveu melhora de 85% no
e bioquímicos (albumina, globulina, alanina quadro do paciente. A perseguição da cauda
aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (FA), ainda ocorria, porém em uma frequência
gamaglutamiltransferase (GGT), creatinina, aceitável pelos tutores. Os exames laboratoriais
glicose, globulina, proteína total, colesterol total, foram repetidos (Tab. 1), ainda sendo verificada
triglicérides e ureia) foram realizados, sendo alteração nas dosagens lipídicas do paciente.
verificado como alteração apenas discreto Como coadjuvante no tratamento para PCC, foi
aumento do colesterol total na primeira consulta realizada orquiectomia. Foi mantido uso
(Tab. 1). Diante do histórico, da ausência de contínuo de clomipramina, na dose de 3mg/kg, a
alterações fisica e neurológica, além de ser uma cada 12 horas, e iniciou-se redução progressiva
raça predisposta ao desenvolvimento de do fenobarbital (25% da dose, a cada 30 dias, até
distúrbios compulsivos, suspeitou-se de TOC e, suspensão). Após 30 dias do procedimento, a
como terapêutica, foi prescrita clomipramina, na tutora afirmou que o animal ficou mais calmo,
dose de 1mg/kg, a cada 12 horas, por 15 dias, e, melhorou seu temperamento e reduziu ainda
depois, aumento para 2mg/kg, a cada 12 horas, mais a frequência das crises de PCC. Após
por 30 dias. A dose de fenobarbital foi reduzida suspensão do fenobarbital, o animal apresentou
para 2,5mg/kg, a cada 12 horas. melhora de 95% em relação ao período antes do
início do uso de clomipramina e, segundo a
Trinta dias após a primeira consulta, exames tutora, manifestava crise rápida de PCC apenas
laboratoriais evidenciaram aumento de em situações específicas, como nos dias de tomar
triglicérides e colesterol (Tab. 1). O tutor relatou banho ou quando o canino era mantido em
que não havia observado melhora clínica, ambientes fechados.
Tabela 1. Resultados dos exames de colesterol total (mg/dL) e triglicérides (mg/dL) realizados na
primeira consulta e 30, 45 e 75 dias após início do tratamento
Exames laboratorias Primeira consulta 30 dias 45 dias 75 dias Intervalo de referência
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poderem ser observados apenas quatro semanas melhorar a qualidade de vida do animal (Tyler e
após a instauração da dose completa (Luescher, Sinn, 2014). Mudanças no ambiente, com
2004). O protocolo de aumento gradual da dose fornecimento de atividades ocupacionais
de clomipramina instituída neste caso foi o apropriadas, além do enriquecimento ambiental,
recomendado por Overall e Dunham (2002), com podem contribuir para a diminuição do TOC
o objetivo de minimizar as potenciais desordens (Tynes e Sinn, 2014). Neste caso, o animal
gastrointestinais causadas por esse fármaco. O passou a viver em uma chácara, com mais espaço
cão deste relato não apresentou nenhum efeito e atividades para aliviar seu estresse. Além disso,
colateral com o uso da clomipramina, porém só a orquiectomia também foi indicada, pois já
foi observada melhora clínica 30 dias após o existem evidências científicas de que cães não
início da dose mais alta. Moon-Fanelli e Dodman castrados são mais predispostos às crises de PCC
(1998) constataram que 75% dos Bull Terriers (Tiira et al., 2012).
tratados com clomipramina apresentaram
melhora de 75% na PCC. CONCLUSÃO
Nos exames laboratoriais do paciente relatado, Os sinais clínicos, associado à raça predisposta, à
foi possível observar que os níveis de colesterol idade de início de apresentação dos sintomas, à
total estavam acima dos valores de referência e a elevação dos níveis de triglicérides e de
dosagem do triglicérides aumentou após o início colesterol e à ausência de alterações física e
da clomipramina. Mosallanejad et al. (2016) neurológica, foram decisivos para a realização do
verificaram que cães com PCC apresentam níveis diagnóstico de perseguição compulsiva da cauda.
de colesterol, LDL-C e HDL-C Apesar dos diversos tratamentos instituídos, a
significativamente maiores do que os animais clomipramina consistiu no medicamento mais
sem essa alteração comportamental, podendo ser eficaz para o controle das crises. O aumento
utilizados como um parâmetro bioquímico nos gradual da dose foi fundamental para evitar seus
casos de cães com PCC. efeitos colaterais, e a melhora clínica só foi
observada 75 dias após o início do tratamento.
O objetivo do tratamento farmacológico é reduzir Mudança ambiental e orquiectomia foram
a frequência das desordens compulsivas até que adjuvantes para a diminuição das crises
sejam aceitáveis e garantam qualidade de vida compulsivas.
dos animais acometidos (Luescher, 2004).
Segundo Tynes e Sinn (2014), as crises podem REFERÊNCIAS
ser desencadeadas por gatilhos que induzam
sensação de conflito, ansiedade ou frustração, DODMAN, N.H.; MOON-FANELLI, A.;
como ambientes fechados ou falta de estímulo GALDZICKA, M. et al. A canine chromosome 7
físico ou mental. No presente caso, apesar da locus confers compulsive disorder suscetibility.
melhora significativa do quadro clínico, o canino Mol. Psychiatry, v.15, p.8-10, 2010.
ainda apresenta episódios de PCC em situações
LUESCHER, A. Compulsive behavior in
específicas. Estudo realizado por Moon-Fanelli
companion animals. In: HOUPT, K.A. (Ed.).
et al. (2011) verificou que 31% dos gatilhos
Recent advances in companion animal behavior
estão relacionados com circunstâncias que
problems. Ithaca: International Veterinary
resultam em estado de excitação ou frustração,
Information Service, 2000. Available in:
sendo ambientes fechados ou novos responsáveis
<https://www.ivis.org>. Accessed in: 20 Sep.
por 18% dos gatilhos nos cães analisados. Desse
2018.
modo, além do tratamento farmacológico
instituído, é importante a investigação dos LUESCHER, A. Diagnosis and management of
fatores responsáveis pelo aumento da ansiedade compulsive disorder in dogs and cats. Clin. Tech.
ou da frustração, de modo a evitá-los (Luescher, Small Anim. Pract., v.19, p233-239, 2004.
2004; Tynes e Sinn, 2014).
MOON-FANELLI, A.A.; DODMAN, N.H.
Description and development of compulsive tail
Resolução completa do quadro é rara, devendo-
chasing in terriers and response to clomipramine
se associar o tratamento farmacológico com
mudanças no manejo, de modo a diminuir a treatment. J. Am. Vet. Med. Assoc., v.212,
frequência das crises e consequentemente p.1252-1257, 1998.
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