Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
anos 1920
FEBRUARY 13, 1922
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2020/03/modernismo-paulista-tentou-apagar-ebulicao-do-rio-nos-anos-
1920.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compfb&fbclid=IwAR3mrw81ab4P9f80G
k9flbYitY0rnwEfrWaf1gdScREKxeJohCMUkvDvrfw
E não foi pouca coisa. São listas e enumerações de nomes, músicas, filmes, romances,
prédios, movimentos, agitações políticas etc. que fornecem um quadro da metrópole
cultural, econômica e política que o Rio foi naquela década.
Para tanto, Ruy Castro traça uma sequência de biografias breves e suficientes de tipos
cariocas, assim como J. Carlos traçava caricaturas. O carioca, na visão de Ruy, é uma
personagem, quase um indivíduo com distinções psíquicas e culturais bem definidas,
constantemente irreverente, curioso, anárquico, bem-humorado e perseverante. Um tipo
ideal.
Aqui nasce o teor polêmico deste livro, bem maior do que possa parecer à primeira vista.
Após a Semana de Arte Moderna de 1922, difundiu-se amplamente a ideia de que a
cultura da então capital federal fora sepultada; estaria superada, esclerosada, tresandando
ao parnasianismo e ao academicismo arcaico.
O Rio, contudo, não se reduzia a isso. Ruy Castro vem fortalecer o coro dos contrários,
reparando um equívoco altamente nocivo para o próprio entendimento do país e de sua
identidade cultural. Tal engano teria sido promovido pela necessidade do modernismo
paulista de abrir espaço para si; entre a verdade e a lenda, publicou-se a lenda.
Lemos agora, todavia, que os modernistas de São Paulo tiveram muito que aprender com
os cariocas; conforme o livro mostra, a Semana de 1922 não teria ocorrido sem a iniciativa
de cariocas como Di Cavalcanti e Ronald de Carvalho. O Rio não precisava ser
modernista, pois já era moderno.
A imagem da Semana de Arte Moderna fica bem diminuída após a leitura. Por sugestão
de cariocas, a elite paulista buscou como patronos os grandes fazendeiros de café, gente
que “não tinha grande apreço pelas artes, e muito menos por futurismos”, mas possuía
interesses econômicos envolvidos.
O problema não pode ser reduzido a um esquema de disputa provinciana, um torneio Rio-
São Paulo. O modernismo é moderno, mas nem todos os modernos são modernistas. Esse
foi um fenômeno essencialmente paulista, nascido naquele momento da República Velha
em que o centro econômico e político brasileiro iniciava a sua transferência para São
Paulo, saindo gradativamente do Rio. Levaria décadas, mas, como sabemos, aconteceu.
Uma das dificuldades para uma compreensão ampla da Semana de 22 é que o movimento
foi explicado e registrado na história por seus próprios membros. Para tal, foram
deslegitimadas as escolas artísticas e literárias então vigentes, o que se expressou na
redução do Rio à esfera da Academia Brasileira de Letras e na supervalorização da
produção paulista, colocando-a como a única capaz de representar o país.
O modernismo paulista notabilizou-se por jogar no ridículo a vida cultural que lhe
antecedeu. A Semana de 22 e o modernismo constituíram um movimento de amplo
espectro ideológico, cuja luta principal era a transferência da hegemonia política, cultural
e econômica para São Paulo. Trata-se de um movimento indissociável da política,
portanto, e a desautorização das formas estéticas e literárias dominantes é a outra face da
desautorização de um aspecto do sistema político brasileiro, no qual as províncias
possuíam direitos equivalentes.
O modernismo visava atribuir a São Paulo uma posição privilegiada, acima das demais
províncias. Uma extensão, portanto, do Convênio de Taubaté, de 1906, pelo qual todo o
país era subordinado à economia do café. Oswald de Andrade, já comunista, afirmou este
fato.
A ação iconoclasta dos modernistas buscava cortar os vínculos nacionais com a sua
própria tradição, conforme Antonio Candido estudou na Formação da Literatura
Brasileira (1959). Buscava-se refundar o país a partir da experiência exclusivamente
paulista. Esse é o sentido mais profundo do movimento modernista.
A questão central não é que o Rio fosse culturalmente superior, ponto por ponto, a São
Paulo. Era natural que assim o fosse, pois, afinal, era a capital federal, sede do Estado
brasileiro, cujo aparato era capaz de absorver grande parte da intelectualidade nacional,
atraída pela vida metropolitana.
Ministérios, secretarias, departamentos etc. instalados no Rio empregavam talentos ou
apenas promessas que acorriam de todo canto, migrantes por conta própria ou protegidos
de deputados e outras figuras. Havia uma burocracia que, não raro, mantinha artistas,
poetas e romancistas com as contas em dia. Alguns, não poucos, eram funcionários
cumpridores de seus deveres, como Machado de Assis e Drummond.
Absorvia as culturas das províncias e as elevava ao patamar de uma cultura nacional. Foi
o que de melhor tivemos. Baianos, cearenses, gaúchos, mineiros, pernambucanos,
cariocas, paulistas “todos eram projetados para a cena nacional. Machado, Drummond,
Bandeira, Graciliano, José Lins do Rego, Villa-Lobos, Di Cavalcanti, Noel Rosa,
Pixinguinha, Humberto Mauro”, não posso aqui refazer as listas de Ruy Castro.
Revolução Constitucionalista de 32
Há a tendência, de uma historiografia marcada pelo próprio modernismo, de trazer para
suas águas autores e obras que nada têm a ver com esse movimento, como Graciliano
Ramos, José Lins do Rego e outros. Então, existem as letras modernas em Minas, no Rio,
no Nordeste etc., e existe o modernismo paulista, coisas totalmente diferentes. Essa
distinção é essencial, e sua ausência é muito danosa para a compreensão da época.
Em 1930, Getúlio Vargas derrubou o paraninfo da Semana de 22, e o modernismo
definha. A oligarquia cafeicultora tentou até se separar do Brasil. Mas isso já é outra
história.