EMPREENDEDORES

Sonho
disciplinado
100 hsmmanagement.com.br HSM Management 49 março-abril 2005
PARA MUITOS, TORNAR-
SE EMPREENDEDOR É UMA  ou incompletas ou emitir sinais
maneira de “viver o próprio so-
nho”. Profissionais que acabam de
concluir seus MBAs e gerentes de
nível médio que trabalham em baias
diminutas, como nos quadrinhos do
personagem Dilbert, sonham em
alcançar o sucesso com um negócio
próprio, que traduza sua visão da
realidade e traga grandes recom-
pensas. Nos últimos anos, alguns
executivos seniores de empresas tra-
dicionais também foram contami-
nados por esse espírito e passaram
a aproveitar oportunidades para
suas organizações, na esperança de  
aumentar seu faturamento.
 Apesar da possib ilidade de
boas recompensas, a busca por
novas oportunidades traz grandes
incertezas, tanto para novos em-
preendedores como para empresas
estabelecidas. É preciso estar atenta
às incertezas que se escondem,
furtivas, em todos os cantos. Alguns
aspectos são “conhecidamente des-
conhecidos” (coisas que sabemos
que não sabemos); outros, “des-
conhecidamente desconhecidos”
(aquilo que não sabemos que não
sabemos). Há ainda informações
DONALD SULL, DA LONDON BUSINESS
SCHOOL, OFERECE UM MODELO DE
EXPERIMENTAÇÃO PARA REDUZIR A INCERTEZA
E AUMENTAR AS POSSIBILIDADES DE ÊXITO DE
QUEM SE LANÇA EM NOVOS NEGÓCIOS
novas, que podem ser imperfeitas
conflitantes. É verdade que a in-
certeza nem sempre prenuncia
más notícias. Algumas tecnologias
funcionam melhor do que se
imaginava ou resolvem problemas
maiores do que os esperados. O
mercado pode ser maior, ou crescer
mais rápido do que o previsto, ou,
ainda, concorrentes bem-estrutu-
rados podem acabar dormindo na
direção.
 A tarefa crucial para o espírito
empreendedor é administrar com
eficácia as incertezas inerentes a no-
vas tentativas. Investidores têm uma
série de ferramentas para gerenciar
seu risco, o que não está ao alcance
de empreendedores e gerentes iso-
lados. Capitalistas que investem em
empresas embrionárias (startups) de
alto risco, por exemplo, costumam
socializar as incertezas assumindo
apenas parte do financiamento e
compartilhando o resto com outros
investidores. Mas é muito mais com-
plicado para os empreendedores,
naturalmente, se reunir para fazer
investimentos cruzados. E compa-
nhias de seguros, na prática, não
oferecem resultados melhores do
HSM M t 49 b il 2005
que associações de classe. Dificil-
mente os empreendedores podem
dar-se ao luxo de comprar apólices
específicas para cobrir riscos iden-
tificáveis e menos ainda apólices
globais que os protejam contra o
fracasso. A diversificação –uma das
ferramentas mais poderosas para os
investidores– é prejudicial à saúde
da maioria dos novos empreendi-
mentos, já que gerentes e empre-
endedores carecem do tempo, da
atenção e dos fundos necessários
para proteger suas apostas.
Se empreendedores e gerentes
não podem associar-se nem fazer
seguro ou diversificar seus investi-
mentos, como conviver com a in-
certeza –parte integrante da busca
de oportunidades?
 Algumas das abordagens mais
comuns nessa área são as menos efi-
cientes. Em um extremo, há os que
ignoram as incertezas –simplesmen-
te atiram-se ao fogo e improvisam
quando aparecem os problemas.
Essa foi, por exemplo, a abordagem
escolhida pela primeira geração de
empreendedores ponto.com. Hoje,
porém, diante da terrível ressaca
que sucedeu aqueles dias, poucos
estão dispostos a repetir a dose.
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Sull estudou casos de alto
nível de incerteza até no Brasil
Durante os últimos cinco anos,
Donald Sull, autor deste arti-
go, realizou uma pesquisa de
estudos de caso de start-ups e
empresas estabelecidas para averiguar
como elas gerenciam a incerteza na bus-
ca de novas oportunidades. Junto com o
consultor Martin Escobari, publicou o livro
Sucesso Made in Brazil  (ed. Campus)
Seu trabalho se baseou principal-
mente na comparação de casos em
que houve boa capacidade de geren-
ciamento de incertezas com casos
de empresas semelhantes de menos
sucesso. Foram selecionadas áreas
de pesquisa caracterizadas por altos
 A sobriedade recém-descoberta
levou muitos candidatos a empreen-
dedores a não arriscar nada e tentar
evitar completamente as incertezas.
Essa também não é uma boa abor-
dagem, porque as recompensas do
espírito empreendedor não existem
sem riscos.
 A terceira abordagem comu-
mente adotada pelos empreen-
dedores é ter uma postura de
eternos apagadores de incêndio,
enfrentando indiscriminadamente
problemas de qualquer porte e,
em geral, dissipando suas energias
nesse processo.
Em vez de seguir esses cami-
nhos, os empreendedores deveriam
na verdade aprender a administrar
as incertezas por meio de uma abor-
dagem disciplinada. Essa é a tarefa
crítica para eles.
Dependendo dos resultados
obtidos com uma rodada de expe-
rimentos, o empreendedor poderá
então rever sua hipótese inicial e
realizar uma segunda tentativa,
colhendo os frutos do valor criado
com a venda do negócio ou aban-
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nunca acordou pensando: “Já que
ontem reuni os recursos necessários
para testar minha hipótese de tra-
balho, hoje é dia de projetar e fazer
experimentos”.
Sendo assim, esse modelo apro-
funda algumas das questões que
níveis de incerteza, como empreendi-
mais intimidam os empreendedo-
mentos chineses (oito pares de casos),
empresas estabelecidas no Brasil (dez
res: a forma de filtrar oportunida-
pares) e  sof twa re   empresarial (dois
des, a quantidade de recursos a
pares), e analisados casos isolados em
levantar, quando fazer as principais
áreas como  stents dispensadores de
contratações e como usar recursos
medicamentos e companhias aéreas
limitados com a maior eficiência
de baixo custo.
possível. De modo mais amplo, o
 A investigação empírica foi com- modelo pode ajudar os empreen-
plementada com bibliografia teórica dedores a estruturar sua maneira
sobre gerenciamento de incertezas nas de pensar o gerenciamento das
disciplinas de economia, finanças, teoria incertezas inerentes às novas em-
militar e filosofia da ciência. O modelo presas.
de método científico de Karl Popper foi
particularmente importante para a parte Como formular hipóteses
conceitual. O primeiro passo do empreen-
dedor ou gerente nesse processo
é a formulação de uma hipótese
–um modelo mental que costuma
donando totalmente a hipótese e incluir a definição da oportuni-
desligando a tomada. dade, os recursos necessários, o
 Antes de discutir cada uma das  valor eventualmente criado caso o
etapas em detalhe, vale a pena fazer empreendimento tenha sucesso e
uma pausa para três advertências um plano de ação. O modelo pode
importantes: estar na cabeça do empreendedor
 Embora os estágios sejam apre- ou ser expresso, explicitamente,
sentados em seqüência, a progres- como plano de negócios. Essas são,
são seguida pelo empreendedor contudo, diferenças de intensidade,
costuma ser desordenada. Ele pode, mais do que de espécie.
por exemplo, rever hipóteses várias  A hipótese de trabalho contém
 vezes e usar feedback  de investidores premissas implícitas e explícitas so-
ou parceiros potenciais antes de bre diversas variáveis, que incluem
atrair os recursos necessários para tecnologia, demanda, resposta
o experimento. competitiva e disponibilidade de
Nem todos os empreendedores recursos –todos aspectos de incer-
passam pelas etapas da mesma teza. A previsão fica ainda mais
maneira. Um pode gastar meses complicada diante da possibilidade
esquadrinhando hipóteses com de interações entre as variáveis e
ferramentas analíticas sofisticadas, da existência de outras não con-
enquanto outro pode fazer uma sideradas pelo empreendedor.
avaliação preliminar de manhã e co- Será difícil prever como clientes,
meçar a conversar com investidores concorrentes e parceiros –para
potenciais e funcionários à tarde. não falar dos próprios empreen-
Essa não é a única forma de pen- dedores– responderão a eventos
sar sobre espírito empreendedor, inesperados, o que complica ainda
pois eles não estruturam neces- mais a criação de modelos futuros.
sariamente suas atividades nesses Dados os vários níveis de incerteza,
termos. Até onde se sabe, Bill Gates qual a melhor forma de formular
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 danças fundamentais, entre elas
a decoração e algumas receitas. A
equipe testou as alterações feitas
no modelo de negócio nos restau-
rantes abertos e abriu outros dois
nos anos seguintes. Depois dessa
revisão, o empreendimento tomou
impulso, as vendas aumentaram
rapidamente e, a partir de 2002,
um total de 20 novos restaurantes
foram abertos por ano.
Faça os experimentos em está-
gios. Os empreendedores podem
tomar como exemplo um manual
de investidores e dividir os inves-
timentos em estágios, começando
com testes de fatores letais para o
negócio ou de grandes apostas de
custo relativamente baixo antes de
se engajar em experiências holísti-
cas de custo mais alto.
Empreendedores podem evitar a
deformação de experiências convidando
pessoas de fora a participar da elaboração
de experimentos e revisão de resultados
O processo de testes clínicos em  
seres humanos adotado pelo FDA
para a aprovação de novos medi-
camentos ilustra a lógica de expe-
riências em estágios. Os primeiros
testes, menos onerosos, averiguam
o potencial tóxico dos compostos
(um fator letal para o negócio, no
sentido estrito do termo), enquan-
to testes subseqüentes, mais caros,
 verificam os benefícios relativos de
medicamentos já estabelecidos.
Nos experimentos holísticos, é
importante testar todas as fontes
de incerteza e suas interações. A
implementação gradual da cadeia
de  fast food   Noodles, de que já
falamos, permitiu à equipe, por
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exemplo, testar e aperfeiçoar todos a objetividade ou julgam os re-
os aspectos do modelo do negócio sultados da forma mais favorável
ao mesmo tempo. possível. É um problema capcioso,
 Já a empresa de tecnologia E  já que os empreendedores devem
Ink projetou experimentos numa sempre manter a paixão, o otimis-
sucessão de etapas, mas errou ao mo e a persistência necessários
não fazê-los de maneira holística. para ultrapassar os diversos con-
Seus gerentes haviam imagina- tratempos enfrentados na busca
do uma entrada no mercado em de uma oportunidade. O desenho
três estágios: começaram por ofe- cuidadoso dos experimentos em
recer outdoors  e displays  eletrônicos geral ajuda a alcançar esse delica-
em grandes áreas (supermercados, do equilíbrio entre objetividade e
por exemplo), continuaram com inexorabilidade.
a oferta de painéis planos para Empreendedores e executivos
produtos eletrônicos de consumo podem evitar a deformação das
e, então, passaram a trabalhar com experiências convidando pessoas
livros digitais. de fora a participar do desenho de
Embora os estágios permitissem experimentos e da revisão de seus
o aperfeiçoamento da tecnologia, resultados.
não levavam a empresa a aprender  A ONSET, por exemplo, segue
sobre outras fontes de incerteza, um processo de “projeção e refle-
xão”, no qual os sócios apresentam
suas empresas embrionárias a
investidores capazes de identificar
possíveis fatores letais para o ne-
gócio e grandes apostas e sugerir
experiências que aumentam o
 valor das startups , reduzindo suas
fontes de incerteza. Os capitalistas
de risco de estágios posteriores ava-
liam os resultados das experiências
quando chega a hora de fazer a
segunda injeção de fundos.
O modelo de experimentação
repetitiva se destina a acrescentar
disciplina sem com isso matar o es-
já que os três mercados tinham pírito empreendedor. Naturalmen-
públicos, distribuidores, concor- te, o espírito empreendedor não é
rentes e outras características bem constituído apenas por disciplina
diferentes. O que os executivos da –criatividade para ver novas possibi-
E Ink aprenderam sobre telhados lidades, paixão para continuar com
de cobre e latas nos supermercados uma visão e garra para executar são
não eram subsídios aproveitáveis aspectos essenciais.
no mercado de livros. Uma abordagem disciplinada,
Evite deformar experimentos. Os contudo, pode ajudar os empreen-
empreendedores devem resguardar- dedores a gerenciar as diversas for-
se contra experiências deformadas, mas de incerteza que enfrentarão
que ocorrem quando o processo é pelo caminho.
longo demais, muito oneroso ou
pouco claro com relação às fontes © MIT Sloan Management Review 
de incerteza em teste.
Esse fenômeno é comum quando Donald N. Sull é professor da London
os responsáveis pela experiência Business School, foi professor de Harvard e
se acostumam ao sucesso, perdem autor de best sellers .
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