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a principal razão das decisões ruins de líderes eficazes é a
facilidade com que o cérebro humano se confunde e interpreta
mal um cenário. O que fazer? Citando casos reais, os especialistas
Sydney Finkelstein, Jo Whitehead e Andrew Campbell apresentam,
em artigo exclusivo, um sistema de diagnóstico PARA EVITAR ISSO

T
omamos decisões todos colar depois do grande crash de 1929. e a Chrysler apesar da oposição interna
os dias. Algumas são A primeira-ministra britânica Marga- –quase dez anos depois, a Daimler se
mais importantes do que ret Thatcher chegou a propor um “poll viu praticamente obrigada a entregar
outras. Inevitavelmente, tax”, imposto municipal, que fez com a Chrysler a um fundo de capital de
em certas ocasiões co- que fosse expulsa do próprio partido. risco. Kun-Hee Lee, CEO da Samsung,
metemos erros. Afinal, Paul Wolfowitz, ex-subsecretário de conduziu a empresa a um investimen-
somos apenas humanos. A amarga Defesa dos Estados Unidos, foi convi- to desastroso em automóveis. Ao ver
realidade, porém, é que mesmo as de- dado a renunciar ao cargo de presiden- que os prejuízos cresciam, teve de ven-
cisões de grande importância, tomadas te do Banco Mundial por ter arranjado der a divisão automobilística por um
por pessoas inteligentes e responsáveis, uma promoção e um aumento salarial décimo dos bilhões que gastara nela.
com ótimas informações e a melhor in- para sua namorada, que também tra- An Wang, fundador da companhia de
tenção, às vezes não são acertadas. balhava no banco. produtos eletrônicos Wang, insistiu
Bons líderes se equivocam. Grandes E erro não é privilégio de políticos e em criar um sistema operacional pro-
líderes inclusive. O presidente dos Es- funcionários públicos, lógico. Também prietário para os microcomputadores
tados Unidos John Fitzgerald Kennedy não faltam histórias de conhecidos lí- de sua empresa, mesmo depois de já
é famoso por seu grande erro na in- deres da área de negócios que come- estar claro que o microcomputador da
vasão da Baía dos Porcos; outro presi- teram erros graves. Juergen Schremp, IBM se tornaria o padrão do segmen-
dente, Herbert Hoover, não conseguiu presidente-executivo (CEO) da Daim- to; Wang desapareceu do mercado.
fazer a economia norte-americana de- lerBenz, levou a cabo a fusão entre esta Richard Fuld se negou a aceitar as con-
sequências do agravamento da crise de
crédito e a pensar em vender o banco
Sydney Finkelstein é professor de administração da Tuck School of Business, da Lehman Brothers até ser tarde demais;
Darthmouth University, de Hanover, New Hampshire, Estados Unidos, e autor do quando se dispôs a agir, não encontrou
best-seller Por que Executivos Inteligentes Falham (ed. M. Books). Jo Whitehead comprador. E o CEO do Yahoo! Jerry
e Andrew Campbell são diretores do Ashridge Strategic Management Centre, Yang insistiu que a empresa valia mui-
sediado na cidade homônima, a noroeste de Londres, no Reino Unido. Este artigo to mais do que o mercado e a Microsoft
é inspirado no último livro dos três autores, intitulado Think Again: Why Good acreditavam. Sua negativa obstinada
Leaders Make Bad Decisions and How to Keep it from Happening to You (ed. em avaliar a oferta de compra da Mi-
Harvard Business School Press). crosoft custou a seus acionistas US$ 30

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SAIBA MAIS SOBRE A PESQUISA


E AS 83 DECISÕES ERRADAS QUE FOCOU
O livro Think Again: Why Good Leaders Make Bad De- “Obviamente, muitos resultados medíocres se devem
cisions and How to Keep it from Happening to You (ed. à má sorte ou ao fato de que riscos foram corridos. Não é
Harvard Business School Press), de Sydney Finkelstein, simples distinguir uma decisão mal tomada de um risco
Jo Whitehead e Andrew Campbell, que inspirou este ati- calculado que não teve o resultado esperado. Portanto,
go, baseou-se em uma pesquisa sobre decisões equivo- avaliamos cada situação particular: com a informação
cadas de líderes políticos e empresariais. disponível no momento, uma pessoa razoavelmente
Os autores explicam a amostra: “Não escolhemos as competente teria tomado a mesma decisão?
que simplesmente resultaram em fracasso; procuramos “Também procuramos opiniões discrepantes no pro-
também as que tinham falhas no momento em que fo- cesso de tomada de decisões, que mostrassem ter havido
ram tomadas –decisões que, se fossem mediadas por debate. Ou seja, na falta de dissidências, excluíamos a
uma análise inteligente, teriam se mostrado erradas. decisão de nossa análise”, esclarecem os autores.

bilhões e, no final da história, Yang fi- so falha. Seja pelo motivo que for, quan- consenso –mas como saber se é verda-
cou desempregado. do a questão é analisada, os pontos de deiro? Nossas condições de bandeira
Erros acontecem, portanto. Mas por vista errôneos não são expostos nem vermelha são uma ferramenta de diag-
que os bons líderes tomam decisões corrigidos. Consequentemente, cen- nóstico para detectar quando se corre o
ruins? E como podemos diminuir o tramos nossa investigação na maneira risco maior de se equivocar e quando
risco de isso acontecer conosco? como nosso cérebro toma decisões e a pessoa encarregada de decidir deve
nas razões pelas quais ele se confunde dar um passo atrás e “voltar a pensar”.
Condições do erro e fica enredado em ideias falsas.
Para encontrar a resposta, analisamos Identificamos quatro condições sob Experiências enganosas. São recorda-
o processo de tomada de decisões em as quais é mais provável que um pen- ções que parecem semelhantes à situa­
organizações de todo tipo e porte no samento defeituoso seja produzido, ção que estamos enfrentando, mas na
mundo inteiro [veja quadro acima]. a que denominamos “condições de realidade não são. O mais provável é
Começamos por investigar as condi- bandeira vermelha”, porque encerram que perturbem nosso processo de pen-
ções sob as quais um erro é cometido.
Em toda má decisão há, normalmente,
dois fatores em jogo: Existem quatro condições de bandeira vermelha:
experiências enganosas, julgamentos errados,
• Um indivíduo ou um grupo de indi- interesses pessoais e apegos inadequados
víduos que cometeu um equívoco.
• Um processo de decisão que não
consegue corrigir o erro. uma advertência sobre a possibilida- samento quando avaliamos a situação,
de de interpretar mal a situação. De- seja porque não conseguimos reconhe-
Quando alguém se engana, o normal cisões complexas, que implicam uma cer o padrão, seja porque a emoção li-
é que o processo de decisão resolva o interpretação e um juízo, são difíceis gada ao padrão nos orienta a um rumo
erro: são aportados dados que contra- de tomar. Exigem debate –mas como de ação inadequado. As experiências
dizem a ideia errada ou pessoas com se percebe quando a própria pessoa enganosas contribuem para mais da
opiniões diferentes influenciam o re- ou a outra parte argumenta com base metade das decisões erradas. Por exem-
sultado. Às vezes, no entanto, o proces- em uma posição tendenciosa? Exigem plo: os enormes lucros conquistados

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com empréstimos subprime e o suces- de seu valor de mercado. Goodwin fortes em relação a um grupo, um lu-
so das obrigações de dívida garantidas sustentava que o crescimento viria ex- gar ou uma posse que não são apro-
desorientaram os banqueiros de todo o clusivamente de aquisições. Em outras priados em função da decisão que pre-
mundo e os levaram a correr riscos que palavras, prejulgou que esse enfoque cisamos tomar. Em momentos como
agora parecem absurdos. era o adequado. Além disso, o fato de o atual, quando muitas organizações
Desde 2001, quando se tornou CEO ter pago à vista em dinheiro, e ainda têm de demitir funcionários e vender
do Bank of America, Ken Lewis avan- em 2008, produziu grande escassez de ativos, certas lealdades anulam as de-
çou com a estratégia de aquisições me- moeda corrente no banco e ocasionou cisões racionais em relação à redução
diante acordos com a Countrywide e a a derrocada do que já tinha sido uma de pessoal e levam a conservar ativos
Merrill Lynch. O problema é que em grande companhia. inconvenientes porque “o presidente
ambos os acordos, e especialmente o gosta de trabalhar neste negócio”.
com a Merrill Lynch, a aquisição é mui- Interesses pessoais inadequados. São Os apegos emocionais também ex-
to diferente do tipo de compra praticado os que entram em conflito com as res- plicam por que o presidente dos Esta-
anteriormente, como a compra do Fleet ponsabilidades que temos para com dos Unidos, Barack Obama, demorou
Bank, e o ambiente econômico é outro. stakeholders. Habitualmente, se sabe- tanto a se livrar do ex-senador Tom
A experiência de Lewis em fusões e mos que um indivíduo tem um Daschle depois que se tornaram
aquisições se revelou enganosa quan- interesse pessoal em jogo, pedi- públicos os erros que este come-
do chegou a vez da Merrill Lynch, e a mos a ele que saia da reunião teu. Obama é muito apegado à
empresa teve de pagar o preço por isso. ou que se abstenha de votar. Na ideia de atenção médica univer-
sal e via Daschle como o arquite-
to indicado para essa revolução.
Uma simples conversa sobre o problema Não fosse o artigo do jornal The
com um amigo ou colega pode ser uma forma New York Times, que deu argu-
de desafiar os preconceitos mentos de sobra para sua destitui-
ção, é possível que Daschle ainda
estivesse em seu posto.
Julgamentos errados. São decisões ou verdade, parte da crise finan- Todas essas bandeiras verme-
julgamentos prévios que afetam as ceira atual pode ser atribuída à lhas podem desequilibrar os pro-
decisões atuais de maneira adversa. É falta de alienação de interesses cessos mentais de quem deve to-
muito provável que criem distorções entre banqueiros com receitas mar decisões. Mas é possível evitar
quando avaliamos os resultados, levan- pessoais muito elevadas e um sistema alguns erros com medidas de proteção.
do-nos a nos comprometer com planos financeiro estável. Por que John Thain
equivocados. Além disso, podem fazer não pensou duas vezes antes de gastar Melhor prevenir
com que nos limitemos a um plano de US$ 1 milhão para decorar seu novo Não existe um vínculo direto entre
ação em particular, geralmente algo escritório na Merrill Lynch? Por que uma condição de bandeira vermelha
que funcionou bem no passado. Em garantiu que seu pessoal recebesse bô- em particular e determinada medida
1999, o primeiro-ministro britânico nus quando a empresa estava perden- de proteção. Escolher um método de
Tony Blair pronunciou uma conferên- do bilhões de dólares? Por que insistiu prevenção não implica apenas iden-
cia em Chicago na qual defendeu uma em um bônus de US$ 40 milhões para tificar a condição, como também co-
política intervencionista nos “Estados si mesmo? Fica claro que não se sentou nhecer as pessoas e a empresa. É cla-
falidos”. Esse preconceito afetou sua para pensar na melhor maneira de es- ro que não é possível eliminar todos
decisão sobre o Iraque. poliar os acionistas. Em certa medida, os riscos; os líderes sempre cometerão
Fred Goodwin, ex-CEO do Royal por um interesse pessoal profunda- erros, mas as probabilidades podem
Bank of Scotland (RBS), foi o arquétipo mente arraigado, que funcionava em diminuir. Vejam como:
da nacionalização do sistema bancá- um nível subconsciente, nunca passou
rio no Reino Unido. Há pouco tempo, por sua cabeça que alguma dessas me- Experiência, dados e análises. Uma
o RBS anunciou o maior prejuízo da didas fosse pouco razoável. medida de proteção implica aportar
história bancária britânica. Em dois experiências ou novos dados e análises
anos, a empresa perdeu cerca de 90% Apegos inadequados. São sentimentos aos encarregados de tomar decisões.

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Durante a crise cubana dos mísseis,
por exemplo, o então presidente John
F. Kennedy precisava conhecer a quan-
tidade, a localização e o estado de pre- O problema da
paração dos mísseis para determinar análise de negócios
se era factível levar a cabo um ataque
convencional é que
militar. Também tinha de saber de
quanto tempo dispunha antes que os
ela ignora a parte
soviéticos representassem uma amea- mais importante
ça real e significativa para a segurança do panorama: os
dos Estados Unidos. Com o objetivo de responsáveis pela
obter essa informação, solicitou à Força tomada de decisões
Aérea norte-americana que realizasse
voos de reconhecimento.

Debate e desafio em grupo. Uma sim-


ples conversa sobre o problema com
um amigo ou colega pode ser uma
forma de desafiar os preconceitos. Nas
grandes organizações, uma maneira
clássica de organizar o debate é formar
uma equipe de decisão. A eleição das
pessoas que farão parte desse grupo é
vital para definir a qualidade do desafio
que vai acontecer. Por exemplo, uma
companhia de produtos alimentícios
do Reino Unido, que conta com várias Monitoramento. Como medida pre- FOCO NAS PESSOAS
divisões de negócios, costuma escolher ventiva, o acompanhamento é nor- O mais importante é voltar a colocar
um gerente de outra divisão para pre- mal em quase todas as decisões. o foco nas pessoas-chave das organi-
sidir o grupo de decisão. A intenção é Entretanto, naquelas em que há con- zações: os líderes. O núcleo de nossa
aportar uma perspectiva desafiadora, e dições de bandeira vermelha que se análise é a premissa de que os líderes
possivelmente mais objetiva, à decisão. mostrem difíceis de abordar com as são capazes de tomar boas decisões.
três primeiras proteções, a última de- Mas, para fazê-lo, têm de ampliar sua
Governabilidade. Algumas vezes, é fesa está em implementar um acom- compreensão sobre o que acontece
difícil gerar um debate aberto ou isso panhamento extra. Na crise cubana quando se veem diante da habitual
se torna insuficiente para desafiar um dos mísseis, Kennedy não podia ter combinação de dados desestruturados
ponto de vista poderoso e profunda- certeza de que a decisão tomada era e incompletos, perspectivas diferentes,
mente arraigado. Nesse caso, a equipe a correta. Sabia que contava com da- pressões de prazo e outras fontes de in-
de governabilidade, que aprova a pro- dos limitados sobre a forma como os certeza. Todos compartilhamos alguns
posta remetida pela equipe de decisão, russos responderiam a sua decisão atributos devido à forma como nossos
pode cumprir essa função essencial. de bloquear Cuba. Portanto, abriu cérebros evoluíram, e esses atributos
O presidente Kennedy atribuiu a si novos canais de comunicação com explicam, em grande medida, a ma-
mesmo tal papel na crise cubana dos Kruchev para monitorar o efeito do neira como pensamos e agimos. Se
mísseis. No caso de uma aquisição bloqueio em seu modo de pensar. os líderes não tomam consciência das
importante, a equipe de decisão pode Essa estratégia trouxe mais informa- bandeiras vermelhas que lhes apare-
ser formada pelo CEO e pelo diretor ções a Kennedy sobre as reações do cem, correm o risco de se enganar des-
financeiro, e o time de governabilida- líder russo e o ajudou a conceber a necessariamente.
de ser conduzido pelo presidente do ideia de trocar os mísseis da Turquia
conselho de administração. pelos de Cuba. HSM Management

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